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Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Centro de Tecnologia e Ciências - CTC
Instituto de Geografia – IGEOG Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGEO
Curso de Mestrado
Barra da Tijuca
Lugar de significação: pesquisando a imagem identitária urbana e sua
comunicação
Rodrigo Leão
Março de 2009
Livros Grátis
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/PROTEC
L437 Leão, Rodrigo Fernandes.
Barra da Tijuca – lugar de significação: pesquisando a imagem
identitária urbana e sua comunicação / Rodrigo Fernandes Leão. –
2009.
95 f.
Orientador : Zeny Rosendahl.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Geografia.
1. Barra da Tijuca(Rio de Janeiro, RJ) - Monumentos – Teses. 2.
Planejamento urbano – Barra da Tijuca(Rio de Janeiro,RJ) – Teses. I.
Rosendahl, Zeny. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Geografial. III. Título.
CDU 711.4(815.3)
Rodrigo Fernandes Leão
Barra da Tijuca – Lugar de significação: pesquisando a imagem identitária urbana e
sua comunicação
Orientadora: Profª. Drª Zeny Rosendahl
Rio de Janeiro 2009
Dissertação de Mestrado
Barra da Tijuca Lugar de significação: pesquisando a imagem identitária
urbana e sua comunicação
Autor Rodrigo Fernandes Leão
Orientadora
Profª. Drª. Zeny Rosendahl
Banca Examinadora
Aprovado por
Profª. Drª. Zeny Rosendahl - UERJ
_________________________________________________
Prof. Dr. Márcio Piñon de Oliveira - UFF
_________________________________________________
Prof. Dr. João Baptista Ferreira de Mello - UERJ
_________________________________________________
Prof. Dr. Miguel Ângelo Ribeiro - UERJ
_________________________________________________
Ao meu filho, Felipe Morand Leão.
Agradecimentos
A minha mulher, Gabriela, fundamental em todos os momentos, com sua preocupação, seu incentivo, sua tranqüilidade, seu companheirismo e
principalmente seu amor.
A minha mãe, sempre presente, em todas as horas.
A Zeny Rosendahl, professora, orientadora e amiga. Sempre pronta ao longo dos últimos 9 anos.
Ao João Baptista, sempre pronto a ajudar com sua alegria.
Ao Miguel Ângelo. Daqueles professores que ainda se emocionam com sucesso de seus alunos.
A equipe de bolsistas do NEPEC, fazendo jus à tradição de competência desse núcleo de pesquisa tão querido.
“Venham a mim as massas
exaustas, pobres e confusas
ansiando por respirar
liberdade. Venham a mim os
desabrigados, os que estão
sob a tempestade. Eu os guio
com minha tocha.”
Texto escrito no pedestal da estátua
da liberdade original localizada em
Nova Iorque – Estados Unidos
Sumário
APRESENTAÇÃO
................................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1
A HERANÇA DO PASSADO – O BAIRRO DA BARRA DA TIJUCA – RJ
................................................................................................................. 22
1.1. Antes do Túnel: o espaço e o tempo
1.2. Depois do túnel: o espaço e o tempo
CAPÍTULO 2
A INCLUSÃO DO PRESENTE – O BAIRRO DA BARRA DA TIJUCA – RJ
................................................................................................................. 33
2.1. Habitante – Identidade – Lugar: tríade de análise
2.2. Laboratório de Valores na Transformação do Lugar
CAPÍTULO 3
NEW YORK CITY CENTER, LUGAR DE SIGNIFICAÇÃO PESQUISANDO
IMAGEM IDENTITÁRIA URBANA E SUA COMUNICAÇÃO
................................................................................................................. 66
3.1. A Forma Simbólica Espacial: a Estátua da Liberdade
3.2. A Dimensão Fundamental da Significação: a Comunicação
CONCLUSÃO
................................................................................................................. 83
BIBLIOGRAFIA
................................................................................................................. 88
ANEXO
................................................................................................................. 93
Mapas, Gráficos e Fotos
• Mapa 1 – Barra da Tijuca
......................................................................................................................25
• Mapa 2 – Plano Piloto da Barra da Tijuca e Jacarepaguá – 1969
......................................................................................................................28
• Gráfico 1 – Crescimento Populacional da Barra da Tijuca.
......................................................................................................................38
• Foto 1 – Barra da Tijuca – 1952 – Foto aérea registra o, então, grande
vazio.
......................................................................................................................23
• Foto 2 – Barra da Tijuca – 1969 – Início da ocupação do Jardim
Oceânico.
......................................................................................................................24
• Foto 3 – Avenida das América, primeiro plano e Avenida Alvorada ao
fundo. Sistema viário cruciforme.
......................................................................................................................29
• Foto 4 – Cartão comemorativo da construtora “Dias & Paz” uma das
responsáveis pela urbanização da Barra.
......................................................................................................................30
• Foto 5 – Funcionários da construtora.
......................................................................................................................31
• Foto 6 – Avenida Sernambetiba, 1979
......................................................................................................................32
• Foto 7 – Jardim Oceânico – 1985
......................................................................................................................33
• Foto 8 – Mesmo enquadramento da foto 1. Podemos perceber o
adensamento da ocupação do bairro.
......................................................................................................................39
• Foto 9 – Lagoa com processo de assoreamento por poluição,
principalmente residencial, acelerado.
......................................................................................................................41
• Foto 10 – Corridas de automóvel na Barra – 1957
• Foto 11 – Corridas de automóvel na Barra – 1957
......................................................................................................................46
• Foto 12 – Corridas de automóvel na Barra – 1957
......................................................................................................................47
• Foto 13 – “Marca registrada”, tradicional cartaz localizado na entrada do
bairro.
......................................................................................................................59
• Foto 14 – Estátua situada na Vila Kennedy – RJ
......................................................................................................................68
• Foto 15 – Estátua de Santa Catarina
• Foto 16 – Estátua de Juiz de Fora – MG
......................................................................................................................69
• Foto 17 – Estátua de Maceió – AL
......................................................................................................................70
• Foto 18 – Estátua carioca por enfeitada por ocasião da Copa do Mundo
de Futebol – FIFA – 2006
......................................................................................................................71
• Foto 19 – Em frente à réplica da Estátua da Liberdade do shopping New
York City Center, no Rio de Janeiro, manifestantes fazem protesto
contra Bush e os Estados Unidos, na ocasião da viagem do presidente
norte-americano no Brasil, em março de 2007.
......................................................................................................................72
Resumo
A recente urbanização da Barra da Tijuca foi acompanhada pelo
surgimento de uma nova forma de apropriação do espaço geográfico na cidade
do Rio de Janeiro, um novo estilo de viver.
Esta dissertação de Mestrado procura identificar que modo de viver é
esse, os agentes que contribuíram para tais mudanças e, sobretudo, debruçar
o nosso olhar sobre toda a carga simbólica ali presente. Além é claro, de
esclarecer acerca da presença ou não de símbolos que representem a
identidade deste lugar e do grupo que o habita. Para tal, foram utilizados como
base teórica, principalmente, os conceitos de lugar, de monumentalização e
forma simbólica. Diversos trabalhos de campo foram realizados a fim de
comprovar dar suporte a parte teórica.
Este trabalho esta disposto em três partes. Na primeira parte
construímos a base histórica sobre a qual será construído o trabalho. A
segunda parte consiste na tentativa de compreender de quais processos
transformaram a Barra da Tijuca, nesse bairro diferenciado dentro da dinâmica
da metrópole carioca. Na última etapa, através dos questionários e das
entrevistas, procuramos comprovar nossas teorias e responder as questões
inicialmente colocadas.
Palavras chave: Barra da Tijuca (RJ), Estátua da Liberdade (RJ), identidade,
forma simbólica, monumento.
APRESENTAÇÃO
12
APRESENTAÇÃO
A partir do final de 1970 e durante a década seguinte, a geografia
cultural passou por um processo de renovação no qual a tradição calcada na
Escola de Berkeley, mas também na geografia vidaliana, foi submetida a
críticas por parte de geógrafos das mais diferentes linhas teóricas ou de
experiências em distintos contextos culturais.
Pesquisando formas espaciais simbólicas em lugar concreto.
Seguindo pelo mesmo caminho de reflexão escolhido ao longo de
minha graduação, onde tive a oportunidade de abraçar a geografia cultural,
principalmente graças aos quatro anos em que fui bolsista do Núcleo de
Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura, o NEPEC, sob a orientação da
Professora Zeny Rosendahl, onde pude lançar meu olhar sobre um dos
maiores símbolos da cidade do Rio de Janeiro, o Maracanã. Hoje, no mestrado,
mais uma vez tenho a oportunidade de observar um monumento como objeto
central de minhas pesquisas, a Estátua da Liberdade do shopping New York
City Center da Barra da Tijuca.
A escolha de um fixo até certo ponto recente, onde procuro
diagnosticar a existência de alguma identidade estabelecida com os cidadãos
que com ele convivem. Tal tentativa será norteada a partir dos conceitos de
Formas Simbólicas, Monumento e Lugar.
São muitos os monumentos que fazem parte da paisagem urbana e
devem ser interpretados geograficamente. Utilizando-me das palavras de
Corrêa (2005) e de Mello (2003) ao parafrasearem Cosgrove (1998), os
13
símbolos e os monumentos estão em toda parte. São simultaneamente marca
e matriz (BERQUE, 1998). É pensando em reconhecer o processo de
monumentalização como uma possível categoria na interpretação da forma e
da função, que nos remetemos ao estudo geográfico da Estátua da Liberdade
como símbolo de um novo estilo de vida instalado na cidade do Rio de Janeiro.
O estudo do monumento surge como um dos focos da geografia das
formas simbólicas. Tal tema é abordado inicialmente por David Harvey (1979)
em seu texto intitulado Monument end Myth, no qual investiga os papéis
estratégico e simbólico da Basílica de Sacré-Coeur, que domina o horizonte da
parte norte de Paris. A temática é também explorada por outros dois autores,
Dimitri Sidorov, que lança seu olhar sobre a Catedral de Cristo Salvador em
Moscou, e Jêrome Monnet, que analisa a simbólica dos lugares através das
relações entre espaço, poder e identidade. Portanto, identidade e poder
parecem ser as palavras-chave em torno de suas representações. São poucos
os registros acerca deste temática no Brasil.
Os monumentos podem ser definidos como objetos fixos grandiosos,
cheios de significados/valores simbólicos que fazem parte da organização do
espaço. Dispostos ao longo do espaço público em temporalidades distintas. Os
monumentos não são apenas objetos estéticos, são intencionalmente dotados
de sentido político, são capazes de condensar complexos significados em torno
de valores e práticas. Podem ser comparados a um texto, uma vez que podem
possuir diversas interpretações/olhares e vocações. Ainda como obras
literárias, são independentes da intenção que os originou. Fazem sobreviver na
memória alguma coisa significativa para alguém ou para um grupo social.
Podem ser enxergados como objetos de celebração, contestação ou
14
memorialização. A dimensão ou a escala, normalmente, está relacionada com
os monumentos anteriores, em outras palavras, o novo monumento surge para
superar as formas pretéritas, confrontando-se a elas (CORRÊA, 2005).
As formas simbólicas são articuladas entre si participando de um
batalha de símbolos e alegorias, parte integrante da disputa ideológica e
política no contexto nacional. Tempo e espaço são fundamentais nos estudos
geográficos acerca dos monumentos.
Segundo Corrêa (2005), seu sentido original é orientado por sete
funções:
1. Servir, mesmo que futuramente para a perpetuação de
antigas tradições;
2. São criados com a finalidade de dar a impressão de que o
novo venha a parecer antigo, em outras palavras, inventa tradições;
3. Possuem o objetivo de transmitir valores universais;
4. Firmam identidades étnica, nacional, racial religiosa ou de
classe, representando assim a classe dominante;
5. Glorificam o passado;
6. Podem sugerir ou anunciar que o futuro já chegou;
7. Pretendem dar origem a lugares de memória.
A estátua referida seria um símbolo compartilhado pela coletividade?
Ou ainda um objeto representativo de um povo?
Um lugar/objeto pode ser considerado como “simbólico” na medida em que
significa algo para um conjunto de indivíduos; assim ocorrendo, ele contribui
para dar identidade a esse grupo (MONNET, 2000) e os símbolos significam,
15
isto é, eles carregam o sentido que um indivíduo ou grupo lhe atribuem. Eles
são realidades concretas, objetos ou atos físicos cuja existência factual é
relativamente independente das significações que lhes damos. Porque participa
inteiramente da vida dos indivíduos e dos grupos, o lugar influencia, até mesmo
constrói, tanto subjetivamente como objetivamente, identidades culturais e
sociais (LÊ BOSSÉ, 2004).
A identificação consiste em um sentido intransitivo e, por vezes,
reflexivo. Entendendo a identidade como similaridade, a identificação consiste
em se assemelhar a qualquer coisa ou a qualquer um, e se traduz
principalmente, tanto para o indivíduo como para o grupo, por um sentimento
de pertencimento comum, de partilha e de coesão social (LE BOSSÉ, 2004).
O símbolo é aquilo que une as distâncias, aquilo que reúne, aquilo que
traz consigo, aquilo que comunica. O símbolo pode ser definido como mediador
entre registros diferentes da experiência e da comunicação humanas.
Debruçarei meu olhar sobre o lugar. Um ponto de concentração,
receptor de fluxos diversos. Na literatura geográfica lugar é uma preocupação
central. Na verdade, alguns geógrafos consideram que, sentido de “por que as
coisas estão onde estão”, lugar é sinônimo do aparecimento da geografia
humanística, lugar é como uma realidade “vivida” (BUTTIMER, 1971). Mas
recentemente, o entendimento do lugar suscitou uma troca entre aqueles que
consideram a geografia como uma ciência antropocêntrica.
Como uma ciência humana, a geografia vê a paisagem não como um
objeto destituído de valor, distante do olho, o geógrafo a vê ao lado, onde a
paisagem é moral e o observador se localiza dentro dela (TUAN, 1979).
Integrando a experiência sentida e o símbolo percebido, o geógrafo humanista
16
se prepara para oferecer uma interpretação de lugar na sua ambigüidade,
ambivalência e complexidade (TUAN, 1977). Baseando-se na fenomenologia,
lugar não é simplesmente um espelho passivo que reflete desapaixonadamente
o esforço humano; ele é o meio, o gestual através do qual nós somos
(ROWTRE e CONKEY apud RICHARDSON, 1989).
Para Mello (2003), os lugares adquirem profundo significado, através
dos laços emocionais ao longo dos anos, são entes queridos merecedores de
considerações especiais. Merecem ter seu conteúdo simbólico compreendido e
decodificado. Possuem magnitudes diferenciadas como pátria, edifícios,
estádios ou simples pedras do caminho. O envolvimento despontado a partir da
experiência, da confiança e da afeição, denota intimidade, na acepção da
palavra a qualidade “do que se encontra bem no interior” ou “que atua no
âmago”. Seguindo esta linha, os lugares são ao mesmo tempo públicos,
compartilhados e forjados através de edificantes significados. Essa idéia pode
ser reforçada pela frase do filósofo francês Gabriel Marcel, reaproveitada por
Relph (1976) e Mello (2003): “um individuo não é distinto de seu lugar, ele é
esse lugar”. O lugar pode ser entendido como lar ou pátria, sendo ao mesmo
tempo um símbolo de união e congraçamento. Trata-se de um mundo vivido e
filosófico, existencial, coletivo, de enraizamento, de lutas e de glorias, uma
“morada familiar”.
Finalmente para Tuan (1983), o lugar humanista é um objeto
carregado de valor e de sentido, um “centro de valores sentidos” pela
subjetividade dos indivíduos e dos grupos.
Com base no exposto até então, uma questão torna-se pertinente: Que
formas simbólicas existentes no Brasil ou mais particularmente na cidade do
17
Rio de Janeiro, merecem ser analisadas?
A pertinência de tal analise está no fato de que as formas simbólicas
podem ser “objetos de disputas” entre grupos distintos e, assim, submetidos à
interpretação contrastantes, revelando a sua real natureza. Questiona-se,
sobretudo acerca do contexto econômico e social, dos agentes participantes do
processo, seus interesses, sua localização, a iconografia dos mesmos e os
seus significados de acordo com os diversos grupos em “confronto”.
Ao longo das últimas décadas, a Barra da Tijuca, vertente natural de
crescimento da cidade do Rio de Janeiro, vem sendo ocupada em um ritmo
cada vez mais intenso. Nosso olhar, portanto, é lançado sobre o estilo utilizado
nesta ocupação. Simbolizando este processo de “miamização” 1, está a Estátua
da Liberdade situada à frente do New York City Center.
Tentando interpretar a dinâmica do objeto de estudo analisar-se-á a
forma e os fluxos simbólicos a ele relacionados.
Temos dois objetivos:
1 – Reconhecer se tal forma simbólica está diretamente ligada ao
estilo de vida americano – “american way of life”.
2 – Interpretar os fluxos simbólicos, econômicos, políticos e sociais
representados pelos freqüentadores deste espaço. Ratificando ou não o
modelo de vida norte-americano adotado.
1 Entenda-se por miamização o processo de importação e posterior aplicação de valores,
estilo de viver, organização espacial, arquitetura estadunidenses em uma área de recente
ocupação da metrópole carioca, a Barra da Tijuca.
18
Ainda que em outro plano, não menos importante, a natureza social
dos participantes e o impacto do “monumento” no lugar também serão
analisados.
Os procedimentos adotados para a realização desta tarefa são os de
praxe: entrevistas, aplicação de questionários, pesquisa participante e a
pesquisa ação.
Sobre a Geografia Cultural
A década de 1990 caracteriza-se pela importância da geografia cultural
renovada. A criação dos periódicos como Géographie et cultures em francês
(1992), Ecumene, em inglês (1994), reflete tal importância. No Brasil, o NEPEC
– Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura, criado em 1993 no
âmbito do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, e seu periódico Espaço e Cultura, criado em 1995, vêm tornar ainda
mais evidente o recente interesse pela geografia cultural no país.
O processo de renovação se fez no contexto de valorização da cultura,
a denominada “virada cultural”. Na década de 1980, um conjunto de mudanças
em escala mundial ressalta a dimensão cultural dos processos em ação. Entre
estas, algumas são expostas aqui: as mudanças na esfera econômica, o fim da
denominada Guerra Fria, a ampliação dos fluxos migratórios da periferia para
os países centrais, o movimento ecológico, novas formas de ativismo social e a
crescente consciência da necessidade de novos modos de se construir e
entender a realidade, até então calcada no racionalismo moderno, no raciocínio
cientifico e na celebração.
Durante a renovação e a revalorização da geografia cultural, diversas
19
influências se fazem presentes. De um lado, a própria tradição saueriana e o
legado vidaliano. De outro a influência das filosofias do significado,
especialmente da fenomenologia, e do denominado materialismo cultural de
Raymond Willams. Um grande relacionamento com as humanidades em geral
enriqueceu a geografia cultural. A Geografia social também se constitui em um
dos ingredientes a partir dos quais se revigora a geografia cultural.
Neste processo, o conceito de cultura é redefinido, liberado da visão
supra-orgânica do culturalismo, na qual a cultura é vista segundo o senso
comum e dotada de poder explicativo. Coloca-se também oposta à visão
estruturalista, na qual a cultura faria parte da “superestrutura”, sendo
determinada pela “base”. A cultura é vista como um reflexo, uma mediação e
uma condição social. Não tem poder explicativo, ao contrário, necessita ser
explicada.
A cultura é então considerada como o conjunto de saberes, técnicas,
crenças e valores. Este conjunto, entretanto, é parte integrante do cotidiano,
cunhado no seio das relações sociais de uma sociedade de classes. Este novo
olhar sobre a cultura coloca-a como dotada de um sentido político, no qual a
noção gramsciana de hegemonia cultural e as expressões política, cultural e
produção cultural estão associadas.
A ênfase na interpretação das formas espaciais e dos movimentos
surge em Cosgrove e Jackson (2000) e em Cosgrove (2000) em seu texto
“Mundos de Significados – Geografia Cultural e Imaginação”. Cosgrove
argumenta que a imaginação “desempenha um papel simbólico, capturando
dados sensoriais sem reproduzi-los como imagens miméticas,
metamorfoseando-os através de sua capacidade metamórfica de criar
20
significados”.
Diversos caminhos podem ser trilhados pelos geógrafos, visando
contribuir para dar inteligibilidade à ação humana sobre a superfície terrestre.
Neste sentido, podem ser considerados tanto a dimensão material da cultura
como a sua dimensão não-material, tanto o presente como o passado, tanto
objetos e ações em escala global como regional e local, tanto aspectos
concebidos como vivenciados, tanto espontâneos como planejados, tanto
aspectos objetivos como intersubjetivos. O que os une em torno da geografia
cultural é que esses aspectos são vistos em termos de significados e como
parte integrante da espacialidade humana.
A heterogeneidade cultural brasileira e as intensas transformações que
nos últimos 50 anos têm alterado as configurações espaciais do país, sugerem
um conjunto de temas a serem abordados pelos geógrafos, visando contribuir
para a inteligibilidade do país por intermédio de uma análise da cultura em sua
dimensão espacial.
Destaca-se quatro grandes temas: a paisagem cultural, a região
cultural, a religião e a cultura popular.
As formas espaciais criadas pela ação humana geram paisagens
culturais impregnadas de significados. Há inúmeros tipos de paisagens
culturais, da classe dominante, residual, excluída (COSGROVE, 1998). As
paisagens da cidade, do campo e de áreas desertas de homens, podem ser
objetos de análise em busca de seus significados, ultrapassando a tradição dos
estudos morfológicos.
As formas simbólicas espaciais estão dispersas pela superfície
terrestre, sugerindo a força que as representações humanas constroem a
21
respeito de diversas faces da vida, envolvendo o passado, o presente e o
futuro. As formas simbólicas são agentes passivos ou ativos, presentes na
criação e recriação das práticas sócio-espaciais.
22
CAPÍTULO 1
A HERANÇA DO PASSADO
O BAIRRO DA BARRA DA TIJUCA - RJ
23
Antes de começarmos, é importante deixar claro que ao utilizarmos o
nome Barra da Tijuca, estaremos fazendo referência ao bairro. Tal
esclarecimento faz-se necessário pois até hoje existe uma grande confusão no
que diz respeito a utilização de tal toponímia. Isso, porque, derivados de
Tijuca, temos vários elementos de diversas naturezas: a proximidade com o
bairro Tijuca, a lagoa da Tijuca, a barra da Tijuca, determinada pela geografia,
a Região Administrativa da Barra da Tijuca e outros.
1.1. Antes do Túnel: o espaço e o tempo
Originalmente um imenso areal, com vegetação rasteira típica de
restingas, cheia de alagadiços e pouco apropriada ao plantio a Barra da
Tijuca começou a ser ocupada em 1594, com a concessão de duas
sesmarias pelo governador do Rio de Janeiro da época, Salvador Corrêa de
Sá, a seus dois filhos, Martim de Sá e Gonçalo Corrêa de Sá.
Foto 1 Barra da Tijuca – 1952 Foto aérea registra o, então, grande vazio.
24
As terras de Gonçalo Corrêa de Sá foram legadas em testamento
por sua filha, Victória Corrêa de Sá, ao Mosteiro de São Bento. Os monges
tomaram posse da área em 1667 e fundaram várias fazendas, onde se
dedicaram por mais de duzentos anos à cultura de cana de açúcar, mandioca
e criação de gado. (Abreu, 2003)
Foto 2 Barra da Tijuca – 1969 Início da ocupação do Jardim Oceânico.
A sesmaria de Martim de Sá ficou em poder de seus descendentes
até 1694, quando foi vendida à família Serpa Pinto, que fundou ali a Fazenda
da Restinga. Por volta de 1900 as terras da Barra da Tijuca e Baixada de
Jacarepaguá foram vendidas para a empresa Saneadora Territorial e
Agrícola S.A., ainda hoje permanece como grande proprietária de terras na
área, assim como a Carvalho Hosken e a ESTA, dentre outras.
26
A concentração de grandes extensões de terras em mãos de poucos
foi uma das causas do seu crescimento tardio, além da dificuldade de acesso
à área, por apresentar separada do restante do município por grandes
cadeias montanhosas, com picos que variam de 800 a 1200 metros.
Em 1920, a área passou ao controle de uma companhia ferroviária
inglesa. Em 1938, o industrial Euvaldo Lodi fez o primeiro loteamento da
Barra, ele também foi o responsável pela fundação do loteamento do Jardim
Oceânico local onde ocorreria a ocupação inicial e mais efetiva da área.
A urbanização da Barra da Tijuca pode ser entendida, em nossa
análise, como a etapa mais recente do processo de abertura de frente de
expansão da cidade ao longo da orla marítima. O processo de esgotamento
do mercado imobiliário do Centro (1900 – 1940), de Copacabana (1940 –
1960) e de Ipanema e Leblon (a partir da década de 1960) fez com que a
Barra da Tijuca e a Baixada de Jacarepaguá passassem a ser vistas como o
novo local atrativo para investimento da indústria da construção civil em
grandes empreendimentos.
No âmbito político, existia interesse na área como local próprio para
a reestruturação da cidade, que estava em vias de deixar de ser capital
federal. O lugar era tido como área de resgate da unidade perdida entre a
zona norte e a zona sul da metrópole fluminense. Com o investimento político
e econômico, a Barra da Tijuca, que, desde a década de 1940, havia tido sua
expansão de modo “espontâneo”, passou a ser objeto de planos e projetos
em grande escala (Eppinghaus, 2004).
27
1.2. Depois do túnel: o espaço e o tempo
A partir da conjunção desses fatores, da abertura do túnel Dois
Irmãos e do elevado do Joá, ligando a Zona Sul à Barra pela costa litorânea,
aliado a existência de uma área ainda intocada e à necessidade de promover
a expansão da cidade do Rio de Janeiro, em 1968, o então governador
Negrão de Lima, encomendou uma proposta de planejamento para
urbanização da barra da Tijuca e baixada de Jacarepaguá ao urbanista Lucio
Costa, renomado arquiteto e um permanente defensor dos ideais
modernistas com proposições e realizações na cidade do Rio de Janeiro, em
que se destacam: o Parque Guinle no bairro das Laranjeiras, projeto
habitacional precursor das super-quadras de Brasília e a Cidade Universitária
na Ilha do Fundão. Tal contratação tratava-se, segundo as fontes oficiais
(Costa, 1969), de uma estratégia de antecipação ao processo inevitável de
ocupação da área com a definição de parâmetros construtivos, que a partir
da proteção de características singulares deste determinado espaço com
suas belezas naturais como as praias, as dunas, restingas e lagoas, evitaria
a reprodução do que havia ocorrido com outros bairros da orla marítima
como Copacabana, Ipanema e Leblon, que sofriam um processo intenso de
construção e adensamento.
28
Mapa 2 - Plano Piloto da Barra da Tijuca e Jacarepaguá – 1969
O “Plano Piloto para a Barra da Tijuca e Jacarepaguá”, em 1969, era
apresentado à sociedade fluminense, transformando-se em lei logo em
seguida. A iniciativa do Plano tratava-se, na realidade, de uma grande
oportunidade que o modernismo tinha de se realizar em uma área de
expansão da cidade desvencilhando-se das dificuldades impostas em áreas
já parceladas e edificadas. A natureza do Plano pode ser exemplificada com
a seguinte espacialidade. (Leitão, 1999)
O ponto central do plano era a construção de duas vias principais,
sistema viário cruciforme estruturador da urbanização da área, a Avenida das
Américas e a Avenida Alvorada, atualmente denominada Avenida Ayrton
Senna, permitiriam a articulação e a ligação de todo o bairro. Além disso,
também limitava os gabaritos para construção dos prédios e definia os usos
do espaço: residencial, comercial, lazer, e desde aquela época a
29
preservação ambiental. As moradias se concentrariam em uni ou pluri-
familiares, formando os já conhecidos condomínios fechados, um novo
conceito de moradia, associando residências a serviços e lazer. A novidade
da presença de condomínios fechados apresenta inúmeros estudos na
geografia. Valladares, (1980), O’Neill (1986) e muitos outros. Mas não iremos
nos deter no assunto, pois não se refere diretamente ao nosso objeto de
pesquisa.
Foto 3 – Avenida das América, primeiro plano e Avenida Alvorada
30
ao fundo. Sistema viário cruciforme -1975. O plano promoveria a abertura de novos espaços ao capital
imobiliário, ainda que sob um ordenamento em que a preocupação
paisagística – termo utilizado à época, antecipando-se à preocupação
ambiental – estivesse presente. Além de promover a regulação da ocupação
da área, o Estado cumpriria outro papel relevante na estruturação da área,
investindo maciçamente na construção de um complexo sistema viário como
estradas, vias elevadas e túneis, que permitissem melhores condições de
acessibilidade, e também, na implantação da infra-estrutura urbana
necessária. A estratégia de ação dos agentes espaciais, como os
proprietários fundiários, os promotores imobiliários e o Estado imprimiam
suas marcas no espaço.
Foto 4 – Cartão comemorativo da construtora “Dias & Paz” uma das responsáveis pela urbanização da Barra - 1969.
31
Foto 5 – Funcionários da construtora -1969.
Lucio Costa pretendia ordenar essa “nova área” da cidade,
caracterizada por ser uma extensão das áreas de Copacabana, Ipanema e
Leblon, a zona Sul da cidade. Impedindo que acontecesse o que ocorreu
nesses mesmos bairros, um “muro” de cimento construída nas avenidas
litorânea, bloqueando a ventilação, a circulação e a vista do mar dos demais
quarteirões. Com essa idéia executada no plano, Lucio Costa pretendeu
harmonizar a urbanização e a natureza. Mas o processo sofreu mudanças.
32
Foto 6 – Avenida Sernambetiba, 1979
A partir da década de 70, tem início um grande impulso de ocupação
caracterizado por um rápido processo de expansão e urbanização na área.
Em um primeiro momento a ocupação da Barra da Tijuca se caracteriza pela
emergência dos condomínios residenciais privados, que dão origem a um
novo conceito de moradia, associando residências a serviços e lazer. Esses
condomínios, alguns em verdade loteamentos com bloqueios que impedem a
circulação nos moldes da cidade tradicional, se tornam um paradigma para
futuros empreendimentos no bairro, contribuindo significativamente para a
consolidação da ocupação da Barra da Tijuca. A paisagem vai se alterando,
surgem, desse modo, os condomínios Nova Ipanema e Novo Leblon, por
promotores imobiliários entendido aqui como o “conjunto” de agentes que
33
realizam, parcial ou totalmente (...) a comercialização ou transformação do
capital-mercadoria em capital-dinheiro, agora acrescido de lucros; os
corretores, os planejadores de vendas e os profissionais de propagando são
responsáveis por esta operação. (Corrêa, 2000). São os corretores e os
planejadores de vendas baseiam sua propaganda na possibilidade de
espaços de recriação semelhantes aos dos antigos bairros da cidade.
Projetados, porém, sem os seus supostos vícios, tornando-se, desse modo,
áreas segregadas/seletivas tanto física quanto socialmente.
Foto 7 – Jardim Oceânico – 1985
Nos anos 80, surgem empreendimentos destinados às atividades de
comércio, serviços e lazer, observando-se, ainda, a construção de um
expressivo número de unidades residenciais multi-familiares, com menor
34
porte. Destaca-se, ainda, nesse período, o surgimento dos apart-hotéis ou
hotéis residência – edificações que mesclam os usos residencial e turístico.
Esse tipo de empreendimento favorece particularmente o setor imobiliário,
por ser identificado como aquele que permite a aplicação de maiores índices
construtivos, quando comparado com outros empreendimentos. (Leitão,
1999)
Os empresários naturalmente em razão de suas atividades na
sociedade são, algumas vezes, os grandes consumidores de espaço.
Na Barra, em 1988 iniciou uma campanha articulada pelos grandes
empresários de interesse na áreas da Barra tentou promover a emancipação
política do bairro e cercanias. O apelo contra o pagamento de altos impostos
e a falta de investimentos na área foi o motivo alegado que justificando,
assim, a causa e o interesse na manutenção do zoneamento do plano. Foi
este o discurso usado por aqueles que apoiavam a iniciativa. Os que
pensavam contra essa idéia eram de um modo, os pequenos e médios
empresários, as associações de moradores e o governo municipal. Cada um
apresentava seus motivos particulares por seus motivos, porém unidos e
lutando por uma maior participação da população na produção da cidade.
Esta luta político-econômica esta representada no plebiscito de 1988 que
decidiu pela não separação da cidade. Os embates ficaram adiados para as
discussões sobre a Lei Orgânica do Município e o Plano Diretor da cidade,
em 1990. Ainda assim, há atualmente um projeto de lei em andamento na
Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro em que se prevê a
formação de um novo município formado pelos bairros da região (Barra,
Recreio, Grumari, Vargem Pequena, Vargem Grande, Itanhangá, Joá e
35
Camorim) e de Jacarepaguá, com o nome de Barra da Tijuca. O projeto,
porém, depende da aprovação do Projeto de Lei em tramitação no
Congresso Federal, PEC 13/03, que transfere aos estados a competência
para legislar sobre a matéria, como era até 1996.
Ao longo da década de 90, o significativo contingente populacional
da Barra da Tijuca, estimula, no processo urbano uma nova configuração
espacial com o surgimento de edifícios comerciais de maior porte, originando
um novo boom imobiliário. Ocorre o lançamento de complexos espaciais de
salas comerciais e de escritórios. Simultaneamente, novos empreendimentos
residenciais procuram expressar a evolução dos condomínios privados – com
a introdução do conceito de home-office. o comportamento do homem em
seu espaço vivido também possui mudanças. O meio técnico-científico-
informacional no ideário do geógrafo Milton Santos ganha marca e matriz no
espaço, no lugar e na paisagem. Destaca-se, nesse sentido, o Condomínio
Mundo Novo, idealizado na perspectiva de tornar-se um modelo para futuros
empreendimentos na área. Nesse empreendimento imobiliário o conceito
home-office traduz-se no acesso a um “sofisticado sistema de rede
computadorizado”, “conexão à Internet 24h/dia, 7 dias na semana”, “central
de impressão com laser color e scanner”, “central de fax e xerox”, “central de
PABX com um ramal por apartamento”.
Consolida-se, também, a imagem da área como lugar privilegiado
(C. HOSKEN ENG. E CONSTR., 1996) do lazer e do turismo, com o
lançamento de novas opções de entretenimento, representadas
principalmente, pelos parques temáticos. Novas manifestações quanto à
forma, à função e ao destino dos empreendimentos implantados na área do
36
Plano Piloto começam a ocorrer de modo mais significativo. Dando
continuidade ao processo iniciado nos anos 70, a organização espacial de
condomínios são re-denominados “novos”, apelando-se mais uma vez, para
a re-construção espacial de um novo bairro em alternativa à velha cidade.
No que se refere aos empreendimentos comerciais e de serviços, é
possível afirmar que esse é o campo em que a forma, a função e o destino
dos empreendimentos mais se distanciaram daqueles previstos no plano
original e se modificaram em relação aos implantados nas décadas
anteriores. A recriação cenográfica da cidade tradicional é uma característica
de alguns desses projetos. Há, ainda, aqueles que buscam a diferenciação
pelos aspectos formais da edificação, a partir de uma arquitetura que toma
como referência, por exemplo, elementos de empreendimentos imobiliários
construídos em Miami, nos Estados Unidos. É o caso do Oceanfront Resort,
um projeto desenvolvido pelo Sandy & Babcock e pelo Robert Swedroe
Architects, escritórios americanos de arquitetura responsáveis pelos
condomínios Fisher Island e Williams Island, ambos localizados em Miami,
que tem como referência a “arquitetura colonial espanhola”.
As associações de moradores e as construtores são os grandes
agentes sociais que fazem e refazem este espaço urbano (CORRÊA, 2000).
Segundo as tendências mundiais, não se pretende mais trabalhar com
grandes planos como o Plano Lucio Costa, mas promover “costuras” de
tecidos urbanos e a “repedestrialização das cidades”. Na atual conjuntura, o
cada vez maior transito de veículos particulares, as carências na área de
segurança pública e o fenômeno das vendas dos shopping centers e o
condomínios privados são os reais definidores da forma da área.
37
Atualmente a Barra da Tijuca é uma das regiões economicamente
mais expressivas da cidade do Rio de Janeiro, respondendo por 85% dos
lançamentos imobiliários do Rio2 e arrecada 20% do IPTU de todo o
município, e uma das que mais crescem. Grandes empresas, dando
continuidade ao processo de descentralização3 que veio ocorrendo na cidade
do Rio de Janeiro desde meados do século XX, migraram para o bairro em
virtude do seu ritmo de crescimento acelerado e ainda pela menor pressão
sobre o espaço aliados aos novos empreendimentos empresariais.
Entre as grandes empresas que escolheram a áera para instalar
suas sedes ou filiais, encontram-se a Shell Brasil, a Esso Brasil, a Vale do
Rio Doce, a Vivo, a Michelin, a Nokia, a Tim e a Unimed, dentre inúmeras
outras.
Nos últimos quinze anos, a população do bairro dobrou segundo o
último censo do IBGE (2000), a área da subprefeitura da Barra da Tijuca
compreendia uma população de 174.353 indivíduos. Estimasse que residam
atualmente na Barra aproximadamente 220 mil pessoas a maioria vivendo
em um de seus cinqüenta condomínios, espalhados por 165 quilômetros
quadrados, área maior do que a cidade de Miami. A área é a que mais
2 Desde 2004 o bairro lidera o ranking dos lançamentos residenciais de luxo. Em 2005, foram
construídos 326 apartamentos com preço acima de R$ 1 milhão. Depois vem a Lagoa, com 11
unidades.
3 A descentralização aparece em razão de diversos fatores. De um lado, como uma medida
das empresas viando eliminar as deseconomias geradas pela excessiva centralização na Área
Central. De outro, resulta de menor rigidez locacional no âmbito da cidade, em razão do
aparecimento de fatores de atração em áreas não-centrais. (CORRÊA, 2000)
38
cresceu no estado fluminense, apresentou um aumento de 44%, equivalente
a 76 mil pessoas ao longo da década de 1990. Estima-se que em 15 anos a
população residente no bairro chegue próximo à 600 mil pessoas.
Gráfico 1
organizado por Gabriela Morand
Em análise ao gráfico acrescentamos ainda que são 800 carros para
cada 1.000 habitantes, enquanto no resto da cidade a relação cai para 300
por 1.000. Dentre as opções de comércio e lazer da área estão grandes
shopping centers, salas de cinema multiplex4, complexos esportivos, teatros,
4 A Barra é o bairro que possui mais salas de cinema na cidade. São mais de 50 salas
espalhadas pelos mais de 10 shopping centers. Vale ainda ressaltar que não há uma única
sala fora dos shopping centers.
39
sala de concertos e ópera, parques, trilhas naturais e as praias dos
arredores.
A Barra é famosa pelos seus diversos shopping centers (centros
comerciais), que fazem parte do dia-a-dia das pessoas do bairro. O maior em
área construída é o Barra Shopping, um dos maiores centros de compras da
América do Sul. Outro grande e importante shopping é o New York City
Center, inaugurado em 1999, e contíguo ao Barra Shopping. O New York
City Center possui uma arquitetura inspirada na ilha de Manhattam, contando
com a enorme réplica da Estátua da Liberdade em sua entrada. A Barra
conta inúmeros outros shoppings, como o Bayside Shopping, o Barra
Square, o Barra Garden, Via Parque Shopping, Rio Design Barra, Recreio
Shopping e Barra Point, além de dezenas de mini-shoppings.
Foto 8 – Mesmo enquadramento da foto 1. Podemos perceber
o adensamento da ocupação do bairro - 1989.
Nos esportes o destaque é para o Complexo Esportivo Cidade dos
Esportes, que conta com o Autódromo Internacional Nelson Piquet, o Parque
40
Aquático Maria Lenk, a Arena Olímpica e o Velódromo da Barra. Apesar da
Cidade dos Esportes não estar localizada entre as lagoas e o oceano, está
dentro das circunscrições da região e do bairro da Barra da Tijuca. A vida
esportiva no bairro é intensa.
Até a década passada, as competições de Fórmula 1 eram
realizadas no autódromo, porém, foram transferidas para a cidade de São
Paulo por questões político-econômicas. Hoje o autódromo abriga outras
competições automobilísticas, e apresenta suas dimensões reduzidas à
época da construção da Cidade dos Esportes. O Parque Aquático, assim
como o Velódromo da Barra foram arrendados pelo Comitê Olímpico
Brasileiro cuja sede também fica no bairro.
Em se tratando das ofertas de lazer e divertimento, o bairro conta
com diversas salas de teatro, além da recém inaugurada, em 2008, Cidade
da Música, um investimento de R$ 518 milhões feito pela prefeitura da cidade
do Rio de Janeiro.
A Barra possui ainda um aeroporto comercial, o Aeroporto de
Jacarepaguá, instalado entre a avenida Ayrton Senna e a lagoa de
Jacarepaguá, destina-se sobretudo a vôos particulares e regionais com
aeronaves de pequeno porte. O fluxo comercial mais intensa no aeroporto é
a de taxi-aéreo.
Existe também na Barra um aeroporto reservado à operação de
ultraleves, o Clube Céu, Clube Esportivo de Ultraleves, situado ao sul do
Autódromo Internacional Nelson Piquet, também de frente para a lagoa de
Jacarepaguá. Trata-se de um dos mais bem aparelhados clubes dentre as
agremiações esportivas do mundo todo, considerado pelas autoridades
41
aeronáuticas brasileiras um padrão na aviação esportiva.
Contudo, esta inclusão na vida carioca acarreta algumas das
mazelas que acometem em um bairro de cidade grande. Entre elas estão: seu
índice de motorização que é o maior da cidade do Rio de Janeiro, a área
apresenta algumas das vias mais movimentadas da nossa cidade, a Avenida
Ayrton Senna que registra um fluxo diário de 135.000 veículos e a Avenida das
Américas, com 96 064 veículos/dia, além dos cerca de 200 ônibus circulando
diariamente a serviço dos condomínios do bairro. O processo de favelização,
embora menos aparente, também cresce no bairro. A Barra possui hoje em
torno de 20 favelas e comunidades de baixa renda. No que abrange o
saneamento, a qualidade da água é outro grave problema. As Praias da Barra
apresentam boas condições de balneabilidade, à exceção do trecho que vai do
quebra-mar ao Pepê, na saída do Canal de Marapendi. No Recreio dos
Bandeirantes, os trechos próximos ao canal na Prainha ficam ocasionalmente
interditados. As lagoas sofrem os efeitos da poluição. A qualidade da água em
todas elas não é boa.
Foto 9 – Lagoa com processo de assoreamento por poluição, principalmente residencial, acelerado - 2005.
42
CAPÍTULO 2
A INCLUSÃO DO PRESENTE
O BAIRRO DA BARRA DA TIJUCA – RJ
43
Uma vez apresentado e demarcado nosso espaço de análise,
analisemos esta área, vejamos que processos ocorreram ao longo do tempo,
categoria de análise fundamental na geografia será privilegiado na análise
deste capítulo. As inúmeras situações e eventos políticos permitiram a inclusão
do bairro. Mesmo de maneira breve ressaltando desde sua idealização até os
dias atuais, que fizeram com que a Barra se transformasse no lugar do “novo
carioca”. Em vez de utilizar o termo lugar para referir-se a onde algo está
localizado, como um receptáculo de coisas, os geógrafos humanistas usam
lugar para referir-se a um território de sentido e ao local onde vivemos. O Lugar
é qualitativamente diferente de termos tais como paisagem, espaço e região,
naquilo que envolve ser conhecido e conhecer outros, foi reinterpretado como
um fenômeno experiencial e social. Neste sentido, paisagem e espaço “são
parte de qualquer encontro imediato com o mundo e, até onde posso ver, não
posso deixar de vê-los, não importa qual seja o meu propósito. O mesmo não
acontece com lugares, pois eles são construídos em nossas memórias e
afeições, através de repetidos encontros e complexas associações” (Relph,
1985). Sendo assim, lugar é intersubjetivo, isto é, partilhado no sentido de que
o sentido do lugar pode ser comunicado para outros.
2.1. Habitante – Identidade – Lugar: tríade de análise
O Lugar, aqui, é a base da reprodução da vida e pode ser analisado
pela tríade habitante-identidade-lugar, é a porção do espaço apropriável para a
vida – apropriada através do corpo – dos sentidos – dos passos de seus
moradores, é o bairro, é a praça, é a rua (Carlos, 1996).
A Barra da Tijuca nasce em uma cidade que acabara de perder a
44
função de capital, e ao sofrer nas últimas décadas impactos sucessivos com as
crises, a imagem do Rio como paraíso tropical foi aos poucos desbotando e
dando espaço ao inequívoco processo de erosão da auto estima e
enfraquecimento da identidade.
Foi no início do século XX, que o Rio de Janeiro a partir do Centro da
cidade adquiriu o feitio de Paris dos Trópicos e pela Praia de Copacabana vem
a demonstração da existência do Paraíso Tropical.
A segunda Revolução Industrial, com o automóvel, o ônibus – enfim,
com a explosão da circulação automotora – aprisionou a cidade na lógica de
priorizar o atendimento à população mecânica em detrimento da humana. O
Rio cresceu com o auto e para o auto. A linearidade imposta pela topografia
expandiu-se, e o problema priorizado foi construir linhas de circulação que
interligassem os bairros do Rio. O local de nossa pesquisa reflete essa
dinâmica .
A dinâmica urbana do século XX esteve marcada pelo motor a
explosão interna. Para os brasileiros, o veiculo automotor foi o ícone da
modernidade, um dos símbolos do tão sonhado desenvolvimento. O automóvel
passou a sonho de consumo, e a cidade o palco de sua exibição. A paixão
pelo carro é tamanha que o piloto Ayrton Sena tornou-se um herói nacional.
Para o brasileiro a passagem simbólica para o desenvolvimento estaria
diretamente relacionada a produção interna automobilística. Foi um choque
para o amor próprio brasileiro a desqualificação do carro nacional, comparado
a uma “carroça”, pelo então presidente Fernando Collor. O automóvel foi objeto
de culto na cidade brasileira. A frota de veículos formou-se inicialmente pelas
importações. Posteriormente, a industrialização acelerou seu crescimento com
45
a montagem ininterrupta de veículos nacionais.
Cada novo “cidadão automotor” exige que a cidade construa 30m de
pista de rolamento e áreas de estacionamento adicionais para a sua
acomodação não traumática à circulação urbana. Assim sendo, com a
população mecânica crescendo continuamente, para evitar o colapso é
necessário que a cidade invista sem parar na rede viária e no aperfeiçoamento
da engenharia de transito. (Lessa, 2000) Alternativamente, cada novo habitante
da cidade exige uma vaga na escola, ampliação na rede de atenção à saúde,
nas áreas verdes, nas redes de água e esgoto, nos equipamentos de lazer, de
segurança, de justiça etc. Cada nova família exige construção de moradias
adicional. A população humana compete recursos, e continuamente perde
prioridade ante o imperativo categórico das exigências da população mecânica
em permanente crescimento. Entre as demandas do homem e do auto a cidade
não vacila: prioriza o “cidadão automotor” e atende, na medida do possível às
necessidades da população mecânica.
46
Foto 10 - Corridas de automóvel na Barra – 1957
Foto 11 – Corridas de automóvel na Barra – 1957
47
Foto 12 – Corridas de automóvel na Barra – 1957
Esta escolha é, à primeira vista, brutal e estúpida. Entretanto, a
produção, comércio e utilização do automóvel é diretamente geradora de
empregos e renda, base tributária de receitas fiscais e, no seu entorno,
organizam-se diversas estratégias de sobrevivência. (Lessa, 2000)
O Plano Doxiadis projeta o Rio de Janeiro como uma metrópole
polinucleada, organizada segundo corredores rodoviários. O Plano Lucio
Costa, de 1969, para a Barra da Tijuca, implementa uma decisão estratégica
derivada daquele plano. O governo de Carlos Lacerda deu oxigênio para a
população mecânica: ampliou a Avenida das Bandeiras, fez o viaduto dos
Marinheiros, a ligação da Avenida Automóvel Clube, o viaduto João XXIII,
aperfeiçoou as avenidas Suburbana e dos Democráticos, construiu os viadutos
de Benfica e de Del Castilho, a Radial Oeste e a Maracanã, e o Túnel
Rebouças (2.720m). O governo seguinte, de Negrão de Lima reforçou a
48
prioridade: no final de seu governo havia concluído 22 novos viadutos, e cinco
estavam em obras; havia também duplicado longo trecho da Avenida das
Bandeiras, alargado a Avenida Atlântica, construído a Perimetral, duplicado a
pista da Lagoa e implantado a Via Onze (Jacarepaguá - Barra). O governador
Chagas Freitas, dando continuidade, construiu os dois túneis de acesso à
Barra e a totalidade da Lagoa-Barra. Em seu governo são intensificadas as
obras nas linhas 1 e 2 do Metrô e a ponte Rio - Niterói é inaugurada. Três
gestões com amplas obras em continuidade.
O veículo automotor deu origem a novos padrões de comercialização,
o supermercado e o shopping se multiplicaram, em uma posição favorável, e
diminuíram a importância da calçada e do bulevar em uma posição negativa,
consequentemente a lei de garagens, além de desvalorizar as residências
construídas antes dela, encareceu a construção de novos prédios. Reforçou a
tendência da cidade a mover-se em direção a áreas não ocupadas. O capital
imobiliário alavancou esta tendência que converte o novo bairro de fronteira
barata para a construção em uma área de rápida e acentuada valorização
imobiliária. O caso da Barra da Tijuca é exemplar: foi concebida e justificada
como a forma de, mediante a oferta de solos edificáveis, reduzir o preço dos
imóveis no Rio de Janeiro. Hoje, algumas de suas subzonas estão entre as
mais valorizadas da cidade. O distante Recreio dos Bandeirantes tem seus
preços em voragem ascensional. As construções legais na Barra são atentas
ao auto em suas últimas conseqüências. Prevêem cada auto como um
“membro” da família, com sua respectiva garagem. Ao mesmo tempo, a cidade
do auto se combina com a cidade dos pobres. A edificação na Barra é síncrona
com a multiplicação de favelas: dos 4.600 favelados em 1980, em 1997 já
49
seriam 17 mil em 31 favelas cadastradas. Nelas também se multiplicam autos
estacionados, quase sempre de segunda ou enésima mão.
Ao citar o bonde e o trem, e sua função no passado, ressalta-se que
eles transportaram cariocas de todos os níveis sociais e renda. A conformação
de um sistema urbano baseado no automóvel e no ônibus produziu uma fratura
social. O motorista isola-se no interior do seu carro. Opera seus deslocamentos
trabalho-residência na maioria das vezes só. Ao isolar-se minimiza seu contato
com os demais moradores da cidade. O pobre saiu do bonde e do trem e
caminhou para o ônibus. No comportamento cotidiano manteve o hábito de
conviver e dividir dificuldades, nas filas de espera e nos veículos
congestionados, com diferentes moradores da cidade criou-se interação
particular. Seus padrões de socialização não foram apagados pelo meio de
deslocamento. O homem do povo sem carro anda de ônibus; perde tempo de
sua existência ao deslocar-se, de convivência com sua família e amigos e
passa várias horas no transporte. Enquanto o proprietário de auto particular
também perde bastante tempo produzindo e, por sua vez, sendo vítima e ao
mesmo tempo agente produtor dos congestionamentos.
O povo carioca foi um ingrediente chave para a construção da
identidade brasileira na primeira metade do século XX (Lessa, 2000). Os
tempos modernos alavancaram a cultura popular a culminâncias como prova
da criatividade brasileira. A indústria cultural no início nutriu-se e amplificou
esta produção.
Então chega no Rio à idéia da salvação pela Barra da Tijuca – a
passagem física e comportamental para a pós-modernidade urbana do Rio. A
produção racional do futuro a partir do planejamento urbano mobilizou a visão
50
do urbanista desde o século XIX. A idéia de ordem superando o caos foi o
principal vetor do redesenho urbanístico da cidade moderna. Pode-se afirmar a
preferência irrestrita pela linha reta, pela ampliação das perspectivas bem
como pela adoção do quarteirão retangular como unidade básica do desenho
da malha urbana. A especialização funcional dos bairros e a segmentação
social organizaram a cidade num todo integrado. Na carta de Atenas5,
referência máxima do urbanismo e da arquitetura modernista, há o
distanciamento das normas e formas da vida burguesa. O modernismo da
Carta propõe um futuro radicalmente modificado para a vida urbana e um modo
profissional voluntarístico de chegada a este novo padrão. Seu modernismo
descontextualiza o presente. Em vez de entendê-lo como historicamente
produzido, é avaliado a partir da base crítica criada pelo futuro utópico
imaginado. A visão modernista na arquitetura é, paradoxalmente, anti-histórica.
Neste sentido, curiosamente, antecipa uma das variantes do discurso pós-
moderno.
5 Carta de Atenas de 1941:
1. a cidade é pensada por zonas exclusivas e homogêneas, com
tipologias e formas construtivas por zonas;
2. a cidade concentra as funções de trabalho e dispersa as residências;
3. transfere para o interior da superquadra o básico da convivência social;
4. cancela a velha rua como limite do espaço público e o edifício privado;
5. impõe um novo sistema de circulação do trafego, que elimina a calçada
ao longo dos eixos de circulação;
6. distribui a cidade num imenso parque verde;
7. é absoluto império do auto.
51
O controle social na cidade moderna é e sempre foi um item do
programa de trabalho urbanista. Os tratados renascentistas sobre arquitetura e
a Lei das Índias, de 1573, tinham no desenho urbano uma das técnicas de
exaltação ao príncipe e de constituição e preservação da ordem social.
A onipotência do urbanismo atinge seu ápice com a Carta de Atenas.
Um poder de criação é conferido ao desenho urbano. Este se propõe a negar o
passado, mediante referencias a um novo futuro, que será plasmado no
desenho da cidade. Obviamente, a construção da nova sociedade a partir do
redesenho urbano implica no matrimonio do gênio urbanístico com o príncipe.
Nos anos 60, no Brasil, Brasília e Barra da Tijuca nasceram destes acordos
“nupciais”.
A Reforma Passos, no Rio, que pretendeu reconstruir a cidade como
prova de nossa capacidade de superar o atraso, em relação à Planta do Plano
Piloto de Brasília, onde se pretendeu construir a sociedade brasileira do futuro.
O Rio de Janeiro de Pereira Passos foi desenhado para mostrar ao
mundo que o Brasil podia ser civilizado. Brasília seria a prova de que o país do
futuro era criador de uma nova civilização. O Brasil ultra-estratificado
socialmente estaria banindo, com as superquadras de Brasília, qualquer
segmentação indevida e indesejável. A Razão brasileira estaria construindo o
modelo urbano ideal. Em Brasília, surgiria o novo homem brasileiro. Brasília foi
o palco supremo do longo experimento autoritário.
Na Barra da Tijuca seria construído um novo Rio de Janeiro. Não
houve a pretensão explicita de criar um novo carioca. Este estava satisfeito
como ele era. A preocupação estratégica na Barra foi de outra natureza. O
argumento central foi a necessidade de aumentar a superfície edificável do Rio.
52
Em 1970 o Rio teria aproximadamente 30 mil hectares urbanizados, com
densidade urbana de 50 habitantes por hectare. Na superfície total havia
aproximadamente 32 mil hectares de morros e lagos, impróprios para a
edificação e que compunham a magnífica paisagem da cidade. O auto já havia
roído 5% da superfície disponível, com suas vias de circulação. Incorporando
as baixadas da Barra da Tijuca e Jacarepaguá e a Zona Oeste, a superfície
edificável do Rio cresceria para 85 mil hectares, o que permitira, dadas as
projeções demográficas, chegar ao ano 2000 com densidade de 100 habitantes
por hectare. Com o auto seriam implantados novos centros, e cancelado o
antiquado sistema de comercialização.
Parecia que com a Barra, a Guanabara quisesse conter dentro de si
até mesmo os impulsos de sua elite em busca de uma segunda residência em
outro território. O projeto da Barra da Tijuca, encomendado pelo governador
Negrão de Lima a Lucio Costa em 1969, tinha objetivos modestos em relação
ao sonho de criar Brasília, embora tenha reproduzido algumas de suas
soluções. O Plano Doxiadis, ao examinar o Rio em 1964, havia sugerido em
três escalas um plano-mestre com 403km de autopistas e 517km de vias
principais. Esta malha completaria a metamorfose da Zona Oeste de rural em
industrial. Articularia a Barra com a Zona Sul, com Jacarepaguá e com Santa
Cruz. O Rio deixaria de ser uma cidade linear e estaria circundada por uma
série de anéis. A Barra da Tijuca com seus amplos jardins, e com a
modernidade de seis condomínios, superaria a nostalgia do campo. Atrairia os
ricos para um modo de vive, capaz de ultrapassar seus impulsos em direção a
Petrópolis, Búzios, Maricá entre outros. Os “menos atendidos” poderiam
continuar se fixando na Baixada Fluminense.
53
Lucio Costa, com o plano da Barra da Tijuca e detalhando a visão de
Doxiadis, perseguiu a concepção socialmente conservadora de Pereira Passos.
Este havia utilizado a remoção por demolição do casario colonial, e proposto
para as elites o caminho para a praia e o mar. No Rio de Janeiro a cidade
moderna dissolveu uma segmentação social interbairros (ele existe
intrabairros). No projeto da Barra houve a pretensão de restabelece-la, em
escala colossal, na cidade. Túneis autopistas, a superação das ruas
secundárias tradicionais pela circulação interna aos condomínios, os
estacionamentos internos aos condomínios, a valorização do verde intersticial,
a tentativa de preservar nos morros e nas praias trechos da antiga ecologia,
tudo isto compunha o projeto para a Barra da Tijuca.
A Barra seria a grande resposta da Belacap a Novacap (LESSA,
2000). Superior, porque estava na orla, no mar e no Rio de Janeiro. A Cidade
Maravilhosa que possuía Copacabana, que preservava o charme de Ipanema e
Leblon, e logo depois o exclusivo São Conrado projetar-se-ia espetacularmente
na Barra da Tijuca.
O valor simbólico de Brasília residiria na combinação da modernidade
arquitetônica com um desenho urbanístico que reinventaria o interior do Brasil.
Combinava o lago criado, Paranoá, com os jardins monumentais nos quais os
edifícios ultramodernos seriam monumentos à escala; o servidor público de
Brasília seria a matéria-prima do brasileiro do futuro, aperfeiçoado neste
“ecossistema” de poder, concreto e verde. Na Barra da Tijuca os objetivos
eram bem mais modestos: preservar a amostra ecológica de uma faixa
litorânea no Marapendi, reproduzir no urbano e arquitetônico os padrões
modernos de Brasília e incorporar uma nova série de praias e lagos. Não se
54
pretendia produzir o novo carioca.
2.2. Laboratório de Valores na Transformação do Lugar
Aconteceu o imprevisto: a Barra da Tijuca virou o laboratório da pós-
modernidade brasileira. O emergente não foi nem previsto nem pensado como
o novo carioca por Lucio Costa. Foi um personagem-surpresa. O arquiteto não
vislumbrou um carioca timorato e segregado, que pensasse sua cidadania
apenas pelo consumo – e foi o que aconteceu predominantemente na Barra.
O condomínio da Barra da Tijuca utiliza na distribuição de seus blocos
uma tipologia assemelhada, porém cancela o espaço público ao se fechar num
território privado. Enquanto a superquadra é moderna, o condomínio da Barra é
pós-moderno. Outro aspecto relevante dessa questão, ainda que não novo,
relaciona-se com a clara intenção por parte dos gestores dos empreendimentos
de produção de espaços elitizados. O processo de elitização desses espaços
não é decorrente, portanto, somente do valor do metro quadrado do
empreendimento. Trata-se, sobretudo, de uma dimensão simbólica construída
por estratégias de marketing, relacionada à qualidade de vida. Surgem, dessa
forma, espaços exclusivos – e excludentes – que privam, deliberadamente,
seus moradores6 do contato com outros extratos sociais.
6 Em dezembro de 2002, (O Globo, 12 de dezembro de 2002) por conta da tentativa de
interdição dos espaços do condomínio residencial Barra Golden Green para familiares e
amigos do jogador de futebol Ronaldo. Nesse caso específico, ainda que o jogador possua
renda suficiente para a aquisição do imóvel, seus familiares e amigos não são bem-vindos, por
não possuírem aspecto considerado por outros moradores adequado e condizente com um
ambiente exclusivo.
55
A segunda questão, relacionada à primeira, diz respeito ao nível de
utilização pública dos espaços produzidos na área. Embora, essa questão
relacione-se ainda a outras resultantes do processo de segregação social ou
de renda por que passam os bairros mais nobres e valorizados da zona sul e a
Barra da Tijuca, o aspecto que se pretende destacar é o que se traduz pela
diminuição crescente dos espaços públicos que vêm sendo gradativamente
substituídos por espaços semi-públicos ou privados com sérias perdas para a
cidade em geral.7 Nas áreas já urbanizadas do Plano Piloto, assiste-se, de
forma generalizada, à ausência de soluções tradicionais como os loteamentos
com ruas, largos e praças. Assiste-se, ao contrário, à criação de praças
internas aos condomínios ou, até, ao fechamento de loteamentos regulares que
tomam como modelo os condomínios, tornando privativos os logradouros
públicos. O fato urbanístico novo é a tentativa de recriação da cidade
tradicional com ruas e passeios que, contudo, não são públicas, mas parte de
um complexo centro de compras, cuja forma escolhida é a replicação de
elementos da cidade tradicional, dispostos dentro de um ritmo que persegue a
diversidade, como no caso emblemático do Centro Comercial Downtown.
Essa solução, em especial, é digna de nota ao incluir não só definições
urbanísticas, mas também arquitetônicas. Mostrando-nos mais uma vez que
forma é relação e não objeto, formas arquitetônicas, que nos remetem ao
sobrado de dois ou três pavimentos, são reescritas segundo uma linguagem
“pós-moderna” e buscam levar o usuário à sensação de estar na cidade
7 Um espaço social civilizado é criado, segundo Madanipour, pelo equilíbrio entre os
conceitos de fechamento e exposição, pela cuidadosa construção dos limites entre as esferas
privada e pública. Madanipour, Ali. 2003.
56
tradicional, na condição de pedestre e não mais de consumidor de espaços
privativos de um shopping. Procede-se, dessa maneira, à transformação ou à
tentativa de transformação de um não-lugar, como descrito por Augé 8, num
espaço pleno de referências.
Esse pedestre, no entanto, não está exposto às surpresas da cidade,
dada a sua dimensão democrática – e eventualmente selvagem -, mas de um
pedestre que se encontra num espaço reescrito de onde se baniu a surpresa.
Essa é substituída simbolicamente por um ritmo arquitetônico, tarefa que o
“pós-modernismo” toma para si, buscando fugir da denunciada monotonia
presente nos conjuntos arquitetônicos modernistas (REZENDE, 2003).
Os empreendimentos não se complementam e os seus limites físicos
constituem barreiras visuais com a clara delimitação dos lotes. As entradas
são, em geral, bloqueadas por guaritas, configurando cada um deles pequenos
burgos medievais9 com algum nível de vida própria e com a existência de
incluídos – somente moradores, consumidores ou empregados - e os demais.
Entretanto, se alguma unidade morfológica está sendo ensaiada ao
longo do processo de urbanização, esta se encaminha para aspectos de
semelhança com cidades de outros países. As cidades da virada do século
parecem se assemelhar, sobretudo em porções do espaço objeto de
intervenções apoiadas por padrões éticos e estéticos próprios da
8 Um lugar é definido por identidade, relação e história, por outro lado um espaço que não
tem identidade e que não pode ser descrito de forma relacional ou histórica, pode ser
denominado um não-lugar. Augé, Marc. 1995.
9 “Adotamos a maneira Miami de viver. O conceito de um burgo medieval, preservado e
seguro” – Ivan Figueiredo, diretor da Multiplan, empresa responsável pelo empreendimento
Golden Green (Jornal do Brasil, 30/03/1997).
57
mundialização (SÁNCHEZ, 1999). A globalização ou mundialização é mais que
econômica, trata-se de uma criação política, como afirma Bourdieu, de uma
idéia-força que tem força social e que se apóia em bens imateriais, simbólicos
(BOURDIEU, 2001). No caso da Barra da Tijuca observa-se esse fenômeno
presente em tantas outras cidades. Formas novas, novas imagens,
representações adequadas de novas atitudes e culturas tornam-se
instrumentos de formas modernas de dominação e de manipulação cultural
(BOURDIEU, 1998)
Como resposta ao mercado imobiliário e ao mercado de consumo, a
inserção da Barra da Tijuca, nesse conjunto de cidades assemelhadas, se dá
através da transformação de critérios originais do Plano Piloto. Cria-se, dessa
maneira, um mercado simbólico (BOURDIEU, 1999) de imagens apoiadas na
arquitetura e no urbanismo que orientam-se para consumidores capazes de
decodificá-las. E é notório o potencial da Barra da Tijuca para modelar
tipologias urbanísticas desde a década de 70.
Na segunda metade da década de 90, o espaço da Barra da Tijuca
passa a ser objeto de projetos cenográficos, como o shopping temático que
reproduz elementos de cidades como Veneza, Londres e Paris, ou cria um
lazer de novo tipo, com a aglomeração de cinemas e restaurantes justapostos.
A própria denominação dos empreendimentos nos remete para longe e para
fora da realidade local. Esses projetos possuem como característica comum a
possibilidade de se localizarem em qualquer cidade e, portanto, inseridos no
circuito mundial de espaços urbanos, no qual transformou rapidamente uma
área pouco habitada, onde predominava a agricultura, em um espaço bastante
ocupado e movimentado, e que atualmente é um dos mais valorizados do Rio
58
de Janeiro.
A francofilia brasileira fez da rua do Ouvidor, de Macedo até o Rio de
Pereira Passos, o coração palpitante da cidade. O consumo transmutante do
carioca em parisiense tinha na rua o seu espaço mágico. A americofilia fez da
combinação do condomínio fechado e do shopping da Barra da Tijuca a Miami
da América do Sul. Perseguiu o isolamente com exclusividade residencial e
comercial. O sonho do habitante da Barra não é equivalente a usar a moda
parisiense, do antigo sonho do carioca deslumbrado com a rua do Ouvidor. As
propagandas utilizadas pelos agentes imobiliários podem confirmar a
reprodução do modelo acima citado. Para isso foram selecionados os dizeres
abaixo:
“Se não fosse o morro Dois Irmãos, não dava para acreditar que isso é
a Barra” – propaganda do condomínio Ocean Front Resort.
“É quase nas Américas e parece que você está na Flórida. (...) Aqui
seus filhos vão crescer com muito espaço e liberdade, como nos condomínios
americanos."– propaganda do condomínio Dream Village.
O cartaz “Sorria você está na Barra” é a marca territorial, o portal do
Rio pós-moderno. Ao seu visitante só é permitido ir à praia ou ao shopping.
Recebido de braços abertos, o cidadão-automóvel tem passagem livre e é
acolhido pelo estacionamento de algum shopping. Se na memória da cidade do
Rio de Janeiro foi à zona norte de trem e à zona sul de bonde, à zona
oeste/Barra da Tijuca ela foi de automóvel.
59
Foto 13 – “Marca registrada”, tradicional cartaz localizado na entrada do bairro -
1995.
O Centro de Pereira Passos, a Paris dos Trópicos, convidava a elite
ao desfile elegante pelo bulevar. A Copacabana do Rio Paraíso Tropical
convidava “todos para a praia”, para a informalidade e a liberação corporal com
a sofisticação de equipamentos urbanos modernos. A cordialidade do convívio
em Copacabana não era contaminada pelo apelo comercial. Na avenida
Atlântica praticamente não havia comércio. O Rio desta época não fazia
questão de ser Paris, apesar do Copacabana Palace e seu plágio de Cannes.
O Rio de Copacabana queria ser simplesmente o Rio.
A Barra da Tijuca substituiu Paris por uma Miami, propõe a fuga do
Rio e a segmentação condominial. Como um espaço pós-moderno recebe o
60
visitante de braços abertos, se este é orientado para o shopping e para abrir a
carteira. O “cidadão auto” tem passagem livre e é recolhido ao estacionamento
particular, que permite ao “estrangeiro” chegar ao futuro e marcar presença no
shopping. A Barra da Tijuca se inspira no modelo máximo de latinidade dos
Estados Unidos. Como existe um submodelo: o balneário de Cancún, a Barra
procura combinar os dois no que para ela é a sofisticação de Nova Iorque.
Obviamente não o off-Broadway, Lincoln Center ou o Metropolitan Museum.
Na Barra condomínios fechados articulam-se pelas vias expressas
com os shoppings. O conjunto destas instituições imprime um outro ambiente
urbano, a estufa que talvez venha a plasmar um novo brasileiro. Na verdade,
qualquer shopping, em seu interior, é um simulacro em que se controlam
iluminação, temperatura e clima. Nele é cancelado o tempo, leva-se às últimas
conseqüências o ideal mercantil urbano de reduzir o cidadão ao comprador
com dedicação integral, com mínimas distrações e desvios. Perde-se a noção
do real, o espaço é padronizado. O bazar, a feira, o mercado, a galeria, o
supermercado sempre se esforçaram para cancelar a paisagem a manter a
excitação do comprador focalizada na mercadoria. O shopping recolheu,
aperfeiçoou e sintetizou as diversas inovações destas outras tipologias
comerciais urbanas. Logrou ser um labirinto organizado sem perspectiva, cuja
paisagem se reduz às vitrines. O comprador, defendido das intempéries, de
ruídos estranhos, condicionado pela iluminação, protegido das fragilidades do
urbano, tendo dissolvido seu sentido de orientação, num espaço sem
hierarquias e que não conduz a nenhum ponto, está orientado e estimulado a
um único ato finalizador, para o qual convergem todos os seus impulsos
sensoriais: gastar/consumir. Daqui o desvio erótico para a vitrine, para ser uma
61
vitrine e ser apreciado por ela. É encontrar auto-suficiência a afirmar sua
realização na adição da compra.
O shopping da Barra substitui a praça pública, de equipamentos
anacrônicos, pelo espaço privado aberto à circulação dos cidadãos
compradores. Ao combinar o lazer com o gastar, converte-se no espaço para a
socialização sem medo de “novos brasileiros”, os quase residentes
permanentes no shopping. Na Barra da Tijuca o condomínio estrutura o grupo.
Pelo convívio no mercado conhece os “estrangeiros”. A socialização mais
ampliada do cidadão da Barra é segmentada pelo poder de compra, e regulada
pelo que acontece no shopping. Neste espaço ele deposita confiança na
eficácia da segurança privada, que regula o acesso de “estrangeiros” ao uso do
bazar climatizado. Para a pós-modernidade este condicionamento é perfeito.
O morador pratica os atos sociais no condomínio. Viaja no seu auto,
do condomínio para o trabalho, do condomínio para o shopping, e vice-versa.
Reduziu ao mínimo seus contatos fora do local de trabalho: estão restritos ao
condomínio. Cria seu filho num espaço asséptico. A criança vive e se
desenvolve neste útero social; freqüenta um colégio com crianças com as
mesmas características. É natural que se desenvolva nele no mínimo a
“estranheza”, no máximo o medo por quem lhe é diferente. Não tem contato
com outros além do condomínio, a não ser no interior do shopping.
Em tempo: a intensidade do crescimento imobiliário na Barra, no
Recreio e em Jacarepaguá, e a espantosa valorização dos terrenos livres em
uma área com potencial para duplicar a população do Rio mostra, por seu
contraste com a estagnação da economia metropolitana, o vigor deste circuito
emissor de bens-raiz, e do lugar reservado para os imóveis nos portfólios
62
patrimoniais. O Rio Cidade, lançado em boa hora para conter a hiper-
centralização da Barra, precisa ser continuado para evitar uma onda
especulativa imobiliária potencialmente devastadora.
Na Barra da Tijuca ocorre um fenômeno muito mais profundo que a
simples multiplicação dos shopping centers. É uma experiência que vai além da
simples superação urbanística do bulevar. Surge na Barra da Tijuca o brasileiro
da pós-modernidade. Um cidadão cujo consumo se desliga da coisa. Ele se
afirma com o ato de gastar, em que o importante é cada vez menos o objeto
adquirido e cada vez mais o ato de adquiri-lo. Para o homem pós-moderno, a
aquisição faz com que o objeto perca o valor uma vez adquirido. O homem que
está sendo plasmado sabe que gastar é ser. Ele aprendeu que o gasto é a
reiteração da pertinência. É a fonte de prazer e poder. É uma inócua
erotização, transferida da mesa e da cama para a relação com a vitrine, com a
qual não há risco de Aids. O prazer é recuperado apenas com outro gasto
subseqüente. A formação da personalidade ao gastar e a afirmação da
existência conduzem à socialização no espaço consagrado para o gasto. O
shopping é este espaço inovador. O importante é olhar, tocar, experimentar e
adquirir – e que todos percebam a aquisição. O ato de gastar é o ritual de
socialização. O importante é a etiqueta visível, a bolsa de compras com o nome
da loja exteriorizado. Erram aqueles que pensam que a Internet e o catálogo
superarão o shopping. A grife na camisa, o caminhar pelo shopping, o ser um
outdoor ambulante, o olhar a vitrine e permitir que a vitrine te olhe, esta é a
prova pós-moderna de estar no mundo. A alternativa seria talvez eleger o
participante do Vale do Amanhecer de Brasília.
O novo carioca da Barra da Tijuca pode estar na vanguarda de um
63
processo “pedagógico”, pelo qual: no condomínio conhece apenas o seu
estrato social, pois em princípio o desconhecido é assustador; no shopping
aprende a ser um cidadão pós-moderno e percebe o mercado disciplinando
tudo, do estacionamento ao clima; aprende que não é o Estado quem fornece a
segurança nem as regras básicas de comportamento mas sim a empresa que
administra o shopping. Este novo cidadão ganha familiaridade com o mundo
sintetizado a partir do shopping que lhe faz conhecer os hábito e signos
universalizados. O shopping cancela a cidade, apaga o lugar, esconde a
alteridade pela linguagem das grifes e dos hábitos universalizados. Dá origem
ao civismo de mercado, e à cidadania da sociedade globalizada.
Este cidadão consumidor, oficiante desta linguagem, aceita como
naturais para o país as idéias de soberania limitada e a perda de autonomia
nacional. Tem apatia e desconfiança fundamentais quanto à atividade política,
e tende à ruptura dos laços de solidariedade social. Processa-se nesta
ambiência uma maciça desfiliação nacional e uma renúncia a projetos de
inclusão social. Pode surgir um viés patológico, pelo qual este cidadão
consumidor, para superar a mesmice, venha a desenvolver a violência contra o
estranho como uma resposta cultural ao medo. Pode desenvolver a fantasia de
ser um herói protetor de seu “povo” do condomínio, ante a ameaça latente nos
“desconhecidos”.
Isto pode engendrar um repúdio radical aos padrões culturais do país.
Na praça de alimentação o fast food com o nome brasileiro, a Casa do Pão de
Queijo é quase uma raridade, o tradicional futebol de areia se transformou no
beach soccer e há quem diga que até a silhueta das brasileiras, a partir dos
implantes de silicone, está se americanizando ao melhor estilo do seriado de
64
TV Baywatch. Talvez fosse da Barra o brasileiro em Pequim que informou
alegremente a outro, o qual se queixava de ser estranha a cozinha chinesa:
“Achei comida brasileira aqui.” E lhe forneceu o endereço do McDonald’s em
Pequim
Trata-se, entretanto, de uma passagem para a pós-modernidade à
brasileira. Brasília, que encalhou na modernidade e não gerou o brasileiro do
futuro, foi adaptada à força pela tradição.
Na Barra da Tijuca, as astúcias do capital imobiliário burlaram o plano
inicial de Lucio Costa: aumentaram a densidade, de tal modo que fizeram surgir
inclusive o Downtown, um “shopping a céu aberto” com aspecto de conjunto
habitacional e inequívoca vocação de vir a ser um neo-Saara do Rio.
Construir na Barra e na Zona Oeste o Rio do futuro, numa vasta área
sem infra-estrutura, afetou as reservas ecológicas da cidade. As lagoas da
Barra já reproduzem o padrão lamentável da Lagoa Rodrigo de Freitas. O
bairro sofre com congestionamentos de trânsito crônicos. Certamente, para
observação, a combinação dos condomínios e shoppings fez da Barra o lugar-
ensaio da pós-modernidade, fiel aos padrões do Rio. As favelas crescem
explosivamente na Barra da Tijuca. Entre 1980 e 1991, cresceram 200% na
região Barra/Jacarepaguá. O cordão de isolamento do condomínio é perfurado
diariamente pelos prestadores de serviços. Os prédios usam trabalhadores da
construção civil, os condomínios são pilotados por porteiros e seguranças
recrutados na massa popular; o lavador de carros, a empregada doméstica e
outros, imprescindíveis ao bem-estar da elite condominial, são do povo. O
espaço condominial, por uma ponta, ancora a cápsula espacial pós-moderna
do shopping; por outra, cria milhares de brechas de subsistência ocupadas pelo
65
povo. As classes abastadas estão historicamente acostumadas à abundância
destes serviços para o seu bem-estar. De novo, na Barra, a topografia do Rio,
as limitações do sistema de transporte, as características da demanda de
serviços pessoais e de apoio às residências de renda elevada produzem a
favelização associada e internalizam e avizinham os estratos sociais da cidade.
66
CAPÍTULO 3
NEW YORK CITY CENTER, LUGAR DE
SIGNIFICAÇÃO PESQUISANDO IMAGEM
IDENTITÁRIA URBANA E SUA COMUNICAÇÃO.
67
“A cidade é um álbum de imagens de variados pontos de vista e só
essa multiplicidade pode ser de alguma forma representativa e geradora de
identidade”. (Gomes, 2008). Comunicando com as idéias colocadas
acreditamos que as cidades possuem espaços que possuem natureza
identitária diferente em relação a outros. O New York City Center é um desses
lugares que concentram significações. Atraem público, possuem sua
centralidade, sendo assim este capítulo apresenta destaque à forma simbólica
espacial e uma outra dimensão fundamental que atua no espaço e o classifica
como espaço de comunicação.
3.1. A Forma Simbólica Espacial: a Estátua da Liberdade
Existe alguma forma simbólica que represente tudo isso?
Na tentativa de preencher esta lacuna, observemos mais atentamente
a gigantesca réplica da Estatua da Liberdade localizada na frente do shopping
New York City Center a margem da Avenida das Américas, principal via do
Bairro.
No Brasil existem seis réplicas da original, localizada na entrada do
porto de Nova Iorque, feita no final do século XIX10.
10 A Liberdade Iluminando o Mundo, mais conhecida como Estátua da Liberdade, está na
entrada do porto de Nova Iorque desde 28 de outubro de 1886, sendo reconhecida em todo o
mundo como um símbolo dos Estados Unidos. Comemora o centenário da assinatura da
Declaração da Independência dos Estados Unidos e é um gesto de amizade da França para
com os Estados Unidos. Projetada e construída pelo escultor francês Frédéric Auguste
68
No Rio, desde a década de 60 há uma na entrada do conjunto
habitacional Vila Kennedy, presente do governo estadunidense ao tomar
conhecimento da existência do bairro homônimo ao presidente assassinado. A
segunda, com aproximadamente 20 metros de altura, está situada em Curitiba
(PR). A terceira, no estado de Santa Catarina. A quarta, em frente a um motel
na cidade de Juiz de Fora (MG) e a sexta localizada no porto de Maceió (AL),
esse modelo, feito pelo mesmo escultor e pela mesma fundição da estátua
original nova-iorquina.
Foto 14 – Estátua situada na Vila Kennedy – RJ - 1993
Bartholdi com o auxilio do também francês Gustave Eiffel na construção da estrutura metálica
interna.
69
Foto 15 – Estátua de Santa Catarina - 1998
Foto 16 – Estátua de Juiz de Fora – MG - 1993
70
Foto 17 – Estátua de Maceió – AL - 1993
71
Foto 18 – Estátua carioca por enfeitada por ocasião da Copa do
Mundo de Futebol – FIFA - 2006
72
O New York City Center foi inaugurado em 4 de novembro de 1999.
Integrado ao BarraShopping e com apenas 39 lojas, possui 66.381 m de área,
3 andares, 1.192 vagas de estacionamento e no ano de 2005 recebeu um
público de aproximadamente 3.544.155 pessoas. É conhecido por suas 18
salas de cinema, o multiplex UCI, seus restaurantes e principalmente por sua
réplica da Estátua da Liberdade, considerada por alguns um "símbolo da
dominação e da influência que os Estados Unidos exercem sobre a cultura
brasileira". Principalmente por este motivo, este shopping tornou-se um
constante alvo de críticas por parte da sociedade.
Foto 19 – Em frente à réplica da Estátua da Liberdade do shopping New
York City Center, no Rio de Janeiro, manifestantes fazem protesto contra
Bush e os Estados Unidos, na ocasião da viagem do presidente norte-
americano no Brasil, em março de 2007.
73
A mais notável referência negativa ao shopping foi uma entrevista do
escritor Ariano Suassuna ao programa Fantástico, da Rede Globo de
Televisão, em janeiro de 2007, exibido em rede nacional. O repórter Geneton
Moraes Neto lembrou que Suassuna havia dito certa vez que considerava a
Disneylândia o maior monumento já erguido a imbecilidade humana.
Questionado sobre qual seria o "grande monumento erguido à imbecilidade no
Brasil", o escritor respondeu:
“Acho que a réplica da Estátua da Liberdade que
construíram na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ainda
não estive lá não, mas já estou com raiva dela porque eu
não gosto nem do original, quanto mais de uma réplica
de segunda classe feita no Brasil.”
Há também uma clara referência à Barra da Tijuca e ao New York City
Center na canção "Ego City", de Marcelo Yuka e sua banda F.U.R.T.O.:
“Passando em frente à réplica da Estátua da
Liberdade que nos prende ao consumo siliconizado e
farpado urgente que diz Bem-vindo a Ego City.”
Um exemplo da harmonia entre a forma simbólica e a política
ressaltada no início do presente texto é o fato de o shopping também ter sido
alvo de protestos na ocasião da viagem do presidente norte-americano George
74
W. Bush ao Brasil, em março de 2007.
Na edição nº 142 da Revista O Globo, de abril de 2007, uma
reportagem elegia os 10 lugares mais feios da cidade, na opinião de
personalidades, jornalistas e leitores. A Estátua da Liberdade do New York City
Center ficou entre os 10 mais votados nas três listas, sendo descrita como
"pérola da feiúra" e "totem do lixo fake americano". Em declaração feita a
revista pelo então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, César Maia:
“O lugar mais feio do Rio? Essa é fácil: a Estátua
da Liberdade do New York City Center.”
Assim a forma simbólica escolhida representaria a interseção entre
aqueles que se identificam com o modelo adotado pelos habitantes de Miami e
aqueles que contestam a adoção de tal modelo no Rio de Janeiro. Poderia, a
estátua ser considerada de fato um monumento?
O estudo do monumento surge como um dos focos da geografia das
formas simbólicas. Tal tema é abordado inicialmente por David Harvey (1979)
em seu texto intitulado Monument end Myth, no qual investiga os papeis
estratégico e simbólico da Basílica de Sacré-Coeur, que domina o horizonte da
parte norte de Paris. A temática é também explorada por outros dois autores,
Dimitri Sidorov que lança seu olhar sobre a Catedral de Cristo Salvador em
Moscou e Jêrome Monnet que analisa a simbólica dos lugares através das
relações entre espaço, poder e identidade. Portanto, identidade e poder
parecem ser as palavras-chave em torno de suas representações.
Os monumentos podem ser definidos como objetos fixos grandiosos,
75
cheios de significados/valores simbólicos que fazem parte da organização do
espaço. Dispostos ao longo do espaço público em temporalidades distintas.
Para Norton (2000) monumentos geralmente são pontos chave de significado
hegemônico na paisagem e, conseqüentemente, seus significados podem ser
contestados. Os monumentos não são apenas objetos estéticos. São
intencionalmente dotados de sentido político, são capazes de condensar
complexos significados em torno de valores e práticas. Podem ser comparados
a um texto, uma vez que podem possuir diversas interpretações/olhares e
vocações. Ainda como obras literárias, são independentes da intenção que os
originou. Fazem sobreviver na memória alguma coisa significativa para alguém
ou para um grupo social. Podem ser enxergados como objetos de celebração,
contestação ou memorialização. A dimensão ou a escala, normalmente esta
relacionada com os monumentos anteriores, em outras palavras, o novo
monumento surge para superar as formas pretéritas, confrontando-se a elas
(CORRÊA, 2005).
. Neste sentido, as formas simbólicas são articuladas entre si
participando de um batalha de símbolos e alegorias, parte integrante da disputa
ideológica e política no contexto nacional. Tempo e espaço são fundamentais
nos estudos geográficos acerca dos monumentos.
Para Jerôme Monnet (2001) espaço público desempenha papel
determinante na eficácia simbólica de um lugar. Ele é, ao mesmo tempo, um
espaço de liberdade, de livre circulação, possibilidade de contato entre sexos,
idades e classes sociais, troca de idéias, de bens, de serviços e outros e o
campo da coerção pública – esfera de aplicação de regras e normas sociais, de
leis sobre a moralidade e manutenção da ordem.
76
O espaço público pode ser entendido como aquele que reúne o maior
número de pessoas partilhando os mesmos códigos. O espaço onde uma
mensagem pode atingir todo mundo e onde o poder público tem o direito de
intervir para privilegiar sua expressão. Os estudos geográficos sobre
monumentalização no espaço público resultam da prática de intervenções das
autoridades sobre as formas materiais, a saber: construção de edifícios
suntuosos, instalação de estatuas e ou fontes, embelezamento das fachadas e
das calçadas instalação de parques, construção de obeliscos nas avenidas
principais etc. Um excelente exemplo desse processo pode ser encontrado no
Brasil, no contraste entre a grande monumentalização dos espaços públicos
centrais na cidade do Rio de Janeiro, durante o segundo século de sua
existência como capital – período entre a metade do século XIX até a metade
do século XX. Durante este período, os monumentos são construídos pelo
Estado em um contexto de reestruturação urbana. Estes passam a ser
componentes da nova paisagem urbana, se constituindo na iconografia política
da paisagem no contexto histórico.
O poder político das autoridades públicas vem sendo utilizado para a
organização de espaços simbólicos, cuja função primeira é identificar e
construir o grupo que dá sua legitimidade às autoridades e às instituições.
Porém no caso do nosso objeto, estamos lidando com um espaço privado,
embora o Shopping seja disfarçado de espaço público afim de acolher aquele
que lá circula.
Segundo Monnet, um lugar ou uma forma podem ser considerado
como “simbólicos” na medida em que significam algo para um conjunto de
indivíduos; assim ocorrendo, ele contribui para dar identidade a esse grupo.
77
Os símbolos “significam”, isto é, eles carregam o sentido que um
individuo ou grupo lhe atribuem. Mas, diferentemente dos outros signos, os
símbolos são identificáveis por uma particularidade; eles são realidades
concretas, objetos ou atos físicos cuja existência factual é relativamente
independente das significações que lhes damos.
O símbolo é aquilo que une por outro lado, as distâncias, aquilo que
reúne, aquilo que traz consigo, aquilo que comunica. O símbolo pode ser
definido como mediador entre registros diferentes da experiência e da
comunicação humanas.
A simbolização pode também ser considerada como um dos
principais fatores de diferenciação do espaço em lugares, pois o processo
atribui a partes do espaço um nome, uma identidade, uma permanência, uma
razão de ser, uma relação particular com determinados valores e significações,
e tudo isso contribui para a ascensão existencial dos lugares aos olhos
daqueles que os freqüentam ou os imaginam.
A dimensão simbólica desempenha um papel tanto maior na
representação de um espaço quanto menos ela se confrontar com a
experiência concreta desse espaço.
3.2. A Dimensão Fundamental da Significação: a Comunicação
O propósito essencial do presente capítulo consiste em preparar o
caminho para a análise conclusiva da forma simbólica espacial da Estátua da
Liberdade que está presente à frente do Shopping New York City Center, na
Barra da Tijuca – RJ.
78
Não trata-se de técnica quantitativa para uma análise estatística, a
análise mais aprofundadas formas espaciais que são socialmente produzidas
por agentes sociais concretos, no contexto pós-moderno nem exigindo dos
pesquisadores um destaque na interpretação das identidades urbanas.
As técnicas aplicadas no decorrer do trabalho de campo foram: as
entrevistas, os questionários, a pesquisa participante e a pesquisa-ação.
Ao tentar superar a complexidade do espaço urbano, apreendendo-o,
seguimos o caminho de Mills (1975), Harvey (1980 e 1992), Canclini (2005) e
Gomes (2008). Para Harvey e Mills a única estrutura conceitual adequada para
entender a cidade é a que inclui e se edifica, ao mesmo tempo, sobre a
indignações sociológicas e geográficas. Para Wright Mills “imaginação
sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais
amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira
exterior de numerosos indivíduos.” (1975) A imaginação geográfica, para
Harvey (1980), é a consciência espacial. Esta imaginação habilita o indivíduo a
reconhecer o papel do espaço e do lugar em sua própria biografia. Canclini ao
ressaltar o estudo das diferenças e a preocupação com o que nos
homogeneíza na globalização ressalta os movimentos culturais que nos
igualam e dos que aumentam a disparidade em termos de inclusão e exclusão
nos processos culturais atuais. O geógrafo Gomes (2008) a partir do conceito
de cenário tenta reconectar a dimensão física às ações, ou ainda, associar os
arranjos espaciais aos comportamentos e, a partir daí, poder interpretar suas
possíveis significações.
Em quase todas as cidades existem espaços que concentram
significações, são densos de sentidos, atraem público e imprimem imagens da
79
identidade da cidade. Permitem a cenarização da vida pública. A pesquisa
empírica ressalta um tipo de urbanidade particular, o shopping New York City
Center celebra a vida urbana em linguagem estadunidense. A pesquisa-ação
tentou interpretar a dimensão de significação que atua no espaço do shopping,
trata-se e mais uma dimensão fundamental absolutamente necessária para
qualificar como espaço de comunicação e consistência. Acreditamos como
Gomes (2008) que essa dimensão de significação se estruture através de um
recurso narrativo que traduz valores e significados em composições e arranjos
de imagens espaciais. A metodologia empírica sob o ponto de vista defendido
por nós privilegia a esfera da significação que imprime sentido e atribui valores
aos objetos/imagens e às diversas ações que aí tem lugar.
A concepção de identidade está diretamente vinculada ao
comportamento e a linguagem de um tipo de urbanidade particular. Sendo
assim, não se trata de um simples levantamento de dados; a pesquisa-ação
instrumento de trabalho como estratégia metodológica de pesquisa social, tem
como objetivo primordial obter informações que seriam de difícil acesso por
meio de outros procedimentos. A pesquisa-ação é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema
coletivo e no geral os pesquisadores e os participantes representativos da
situação ou do problema estão envolvidos de modo corporativo ou participativo
(THIOLLENTE, 1988). Já a pesquisa participante envolve o conhecimento das
condições de vida de pessoas e grupos na ação de pensar, produzir e dirigir os
usos de seu saber a respeito de si próprios (BRANDÃO, 1990).
A pesquisa empírica tem como o papel, nesta dissertação, de
aprofundar o estudo de papel das imagens – as formas simbólicas espaciais –
80
que em determinados espaços estão associados a determinadas significações
e como esses espaços e suas dinâmicas se articulam.
No intuito de buscar respostas para os questionamentos anteriormente
propostos neste trabalho realizeis dois tipos de questionários, um que podemos
chamar de “questionário aberto” e outro que chamaremos de “questionário
fechado”.
Com exceção da faixa etária, a partir de 15 anos, não houve uma
preocupação específica com o espaço de residência, escolaridade ou qualquer
outro critério que viesse a diminuir o universo de pessoas a serem ouvidas. Ao
todo foram ouvidas 150 pessoas, 85 mulheres e 65 homens.
Acerca das respostas obtidas vele destacar que apenas 25 pessoas
revelaram circular no Bairro da Barra a pé. A maioria do público entrevistado se
utiliza do transporte público, ônibus ou vans, uma vez que o bairro não conta
com outras modalidades deste tipo de transporte, como metrô ou trens. Assim,
confirmando o que foi dito ao longo do último capitulo sobre a valorização do
chamado homem-auto no crescimento da metrópole carioca e mais
particularmente no Bairro da Barra da Tijuca, onde somente o Jardim
Oceânico, área de ocupação inicial do bairro, não privilegia tão evidentemente
este modelo pós-moderno de se locomover.
Outros comentários acerca do caráter automotor da Barra da Tijuca
seguem abaixo.
"Para tudo é preciso tirar o carro da garagem.
Parece até que precisa de passaporte para ir lá."
81
"Antes de mudar, minha vida virou um caos.
Perdia de três a quatro horas no trânsito, tempo em que
eu poderia praticar esporte, fazer um curso ou curtir a
família."
"Não tem jeito: a gente se movimenta 90% do
tempo de carro. Pelo menos não há problema de
estacionamento"
"Na Barra, você tem um modo de vida
completamente diferente do que existe no resto da
cidade. Gosto, mas sinto falta de andar pela rua."
"Tenho medo de atravessar a rua."
Outra característica que ficou evidente nas entrevistas, foi o
distanciamento do habitante da Barra em relação aos bairros da Zona Sul e
principalmente do Bairro do Centro, sítio inicial e tradicional centralidade
carioca que veio gradualmente perdendo força a partir do nascimento dos sub-
centros de bairros. Tal características é mais marcante entre os mais jovens.
"Eu me sentia uma estranha. Meus colegas falavam de lugares que eu
não tinha a menor idéia de onde ficavam. Quando as aulas começaram, minha
mãe precisou me acompanhar até a Uerj durante uma semana"
82
"Querendo ou não, eles acabam vivendo numa
bolha. Por isso, já levei os meninos para andar de metrô
e de ônibus na Zona Sul. Achei importante que eles
conhecessem a vida normal.”
“Uma das preocupações é mostrar aos alunos
que o Rio não é só a Barra da Tijuca. Que existem outras
realidades que eles precisam conhecer.”
Tal distanciamento, não ocorre em “mão única”, é recíproco dos
bairros ditos tradicionais em relação à Barra da Tijuca.
"Meus amigos da Zona Sul reclamam que a
Barra é longe.
E eu me pergunto: longe de quê?"
Sobre a presença maciça de expressões estrangeiras, principalmente
de origem inglesa, na paisagem da Barra da Tijuca. Podemos dizer que de
forma alguma o fato passa despercebido como podemos comprovar a partir do
comentário de uma das entrevistadas:
“Não tem como não perceber, salta aos olhos
(...) Downtown, Barras Garden, New York City Center,
Hard Rock Cafe(…)”
83
A pesquisa revelou, que, o que chamo, por diversas vezes, de invasão
estrangeira, não incomoda a maioria das pessoas ouvidas, que vêem tal fato
com aparente naturalidade, se analisado dentro de um contexto globalizado.
Contudo a Barra é mencionada como a paisagem mais afetada por este
fenômeno.
Quando o assunto é a Estátua da Liberdade do New York City Center,
o assunto torna-se um pouco mais polêmico. Uma quantidade insignificante
ante ao universo entrevistado tem conhecimento da quantidade de réplicas da
original nova-iorquina, situadas no Brasil.
Mais uma vez, surpreendentemente aproximadamente um terço dos
entrevistados não observa a estátua como um símbolo da chamada invasão
cultural estadunidense ou americanização do espaço da Barra da Tijuca ou
qualquer outra carga simbólica que seja.
Os dois terços restantes dos ouvidos identificam sim, na estatua, uma
carga simbólica seja esta como símbolo da já referida americanização, seja
como uma ode ao consumismo desenfreado estimulado pelos shopping centers
e companhia. Porém tal simbolismo não é interpretado como um valor negativo.
O fragmento a seguir demonstra bem tal característica.
"A gente tem de se globalizar. O Rio é o marco
do Brasil no mundo. Só colocamos a estátua no shopping
porque ela é o símbolo da cidade mais globalizada que
existe, que é Nova York. Não estou interessado se ela é
feia ou bonita",
84
Conclusão
85
A geografia pode ser entendida como o estudo global e unitário que
uma sociedade dá a sua relação com o espaço e com a natureza, relação que
a paisagem exprime concretamente.
A paisagem está naturalmente exposta à objetivação analítica, mas
existe, em primeiro lugar, na sua relação com um sujeito coletivo: a sociedade
que a produziu, que a reproduz e a transforma em função de uma certa lógica.
A paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização e como
marca, a paisagem pode ser descrita e inventariada. A paisagem é matriz
porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e de ação – ou
seja, da cultura – que canalizam um certo sentido (Berque, 1998). É de fato, é
uma maneira de ver, uma maneira de compor e harmonizar o mundo externo
em uma “cena”, em uma unidade visual.
As culturas criam paisagens (Duncan, 1980). A perspectiva
humanista de paisagem como “uma maneira de ver, refletindo tipicamente
apenas as visões do grupo dominante, foi empregada (Cosgrove, 1985) e
depois questionada (Olwig, 1996), as paisagens podem ser entendidas como
textos e como resultados de discursos (Duncan e Duncan, 1988).
Cosgrove (1984) observou que aquela paisagem “não é meramente
o mundo que vemos, ela é uma construção, uma composição daquele mundo”,
e também que aquela paisagem “é um produto social a conseqüência de uma
transformação humana coletiva da natureza”. Indivíduos, como membros de
grupos, constroem paisagens intencionalmente e não tão intencionalmente.
Neste sentido podemos afirmar que certos grupos produzem, alteram
e atual como agentes na transformação da paisagem mais ativamente que
86
outros. No caso de nosso espaço de análise, o Bairro da Barra da Tijuca, em
um primeiro momento foi o Estado, com sua força e poder e posteriormente os
agentes imobiliários com seus interesses econômicos que produziram a
paisagem hoje percebida por nós. O processo de globalização, com toda sua
força foi importante na adoção, até certo ponto maciça, do modo de viver
estadunidense no espaço pós-moderno carioca.
Após lançarmos nosso olhar sobre o espaço pudemos constatar que
de fato existe uma maneira diferente do estilo de vida tradicional da antiga
capital brasileira na Barra. Os condomínio, espaços segregados, repletos de
serviços e opções de lazer, são um simulacro da realidade vivida nos bairros
tradicionais da cidade, porém com um filtro que deixa de fora tudo aquilo que
seria avesso a um modelo de vida calmo, bucólico e sem os sobressaltos da
realidade. Os Shopping Centers, igualmente simulações da realidade, fazem
parte deste viver diferenciado. Tal binômio, Condomínio/Shopping, estão no
cerne do habitante da Barra da Tijuca, mais que em qualquer outro habitante
do Rio de Janeiro.
Porém, ao contrário do que imaginávamos, fato que se traduz em
uma frustração, uma vez que ao iniciarmos esta pesquisa imaginávamos um
resultado diferente deste, a imagem da Estátua da Liberdade da Barra da
Tijuca como um símbolo do american way of life, não se confirmou, pelo
menos não de maneira uníssona. Para a maioria dos ouvidos existe ali uma
carga simbólica considerável, contudo na nossa análise, bem distante da
possibilidade de elegermos a imagem de isopor e fibra de vidro como o grande
monumento a invasão estadunidense no Rio de Janeiro.
Este estudo não se encerra aqui. As imagens identitárias tem sido,
87
algumas vezes, interpretadas em uma única significação, a dinâmica
estratégica induz a criação de imagens que reflitam o pensar e o modo de
comemorar algum impresso subliminarmente. Interpretar suas relações com os
outros elementos do espaço foi norteador na pesquisa.
Por fim, surge uma reflexão para novos estudos. A presença do
morador-motorizado. Quais as modificações e qual o grau de influências
externas presentes na maneira de viver do morador da Barra da Tijuca,
denominado o morador-auto. Estaria ali ainda vivo o jeito de viver carioca,
alegre, inovador, poeta, boêmio, adaptado a nova realidade criada no ato de
habitar, porém ainda vivo não entregue totalmente ao que denominaríamos de
homem pós-moderno?
88
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89
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93
Anexo
94
QUESTIONÁRIO REFERENTE PROJETO DE MESTRADO DE RODRIGO FERNANDES LEÃO
1. Idade:____
2. Sexo: Masc. ___ Fem.___
3. Bairro de Moradia:___________________________
4. Que atividade exerce na Barra:
___ Lazer ___ Moradia ___ Trabalho ___Educação ___Outros / Qual?_________________________
5. Como se desloca dentro do Bairro?
___Transporte Público ___Transporte Privado ___A pé
6. Com que freqüência vai ao Centro da cidade?
___Nunca ___Algumas vezes por semana ___Algumas vezes por mês ___Raramente 7. Se sente incomodado com a presença de tantas palavras estrangeiras,
principalmente as de origem inglesa, na paisagem da Barra? ___ SIM ___ NÃO
8. Você considera que exista uma invasão da cultura estadunidense? A Barra seria a principal porta de entrada desta?
9. Conhece o New York City Center? ___ SIM ___NÃO
10. Sobre a estátua da liberdade, com qual intenção ela foi constrída:
A) Um símbolo da “invasão” da cultura estadunidense na Barra;
B) Um símbolo em homenagem ao consumo, já que fica na porta de um shopping;
C) Apenas um objeto decorativo.
11. Quantas estátuas da liberdade existem no Brasil? _______________
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