Banco de Sementes: Estocar, Multiplicar e Repartir

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Banco de Sementes: Estocar, Multiplicar e Repartir Ano 7 nº 1417 Araci Na comunidade de Malhada da Areia, município de Araci, Bahia, Pavão como é conhecido o senhor Arlindo Roseno de Sena, é casado e pai de quatro filhos. Um homem de muita determinação que mudou a realidade de sua comunidade desde quando chegou há mais de vinte anos. Seu Pavão viveu uma vida muito difícil desde sua infância, na comunidade em que nasceu, em Caldeirão Grande, no município de Jacobina. Não conheceu a mãe e logo aos oito anos de idade perdeu seu pai, quando já morava no município de Santa Luz. “Eu trabalhava no motor de domingo a domingo e o dinheiro ele não me dava. Só tinha a comida, era um tipo de escravo mesmo. Quando eu saí de lá foi com um saco de linhagem e uma roupa dentro, saí escondido porque não aguentava mais”. Diante de todas as dificuldades, seu Pavão chegou à comunidade de Malhada da Areia onde foi bem acolhido e começou a seguir sua vida. Lá ele conheceu sua esposa Brígida onde vivem com três filhos. Fez muitas amizades, inclusive à de seu Zeca que lhe apresentou o Grupo dos 13, formado por homens que guardavam sementes crioulas. Com eles aprendeu os manejos para cuidar das sementes. “Seu Zeca quem começou esse plano do banco de semente. Eu aprendi com ele essa técnica, eu ia andando com ele na comunidade, me ensinava algumas coisas e depois eu fui acompanhando. Depois ele saiu da comunidade e me deixou tomando conta do banco de semente. Ai eu trouxe pra cá pra minha casa e tá do mesmo jeito que ele me ensinou”. Seu Pavão com as sementes de milho Mais tarde ele ficou sócio da Associação Comunitária de Malhada da Areia, onde hoje é presidente. “Quando cheguei a associação não era registrada, o povo não acreditava no trabalho. Depois disso conseguimos com o banco de sementes o fundo rotativo, vieram uns arames para o povo e estamos beneficiando onze pessoas. Pra o próximo mês vamos beneficiar mais onze. Vai ter mais arame, carrinho de mão, tela para prender galinha”. Mesmo havendo muitas resistências, Seu Pavão decidiu doar duas tarefas de terra de sua propriedade para a associação, onde atualmente eles plantam de tudo um pouco com o objetivo de deixar para os agricultores e agricultoras as iniciativas de melhores condições de vida no Semiárido. Essas transformações sociais que acontecem em Malhada da Areia tem o incentivo do Movimento de Organização Comunitária (MOC), que junto à associação geram maiores expectativas para os moradores Sede da Associação Comunitária de Malhada da Areia

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Banco de Sementes: Estocar, Multiplicar e Repartir

Ano 7 nº 1417

Araci

Na comunidade de Malhada da Areia, município de Araci, Bahia, Pavão como é conhecido o senhor Arlindo Roseno de Sena, é casado e pai de quatro filhos. Um homem de muita determinação que mudou a realidade de sua comunidade desde quando chegou há mais de vinte anos. Seu Pavão viveu uma vida muito difícil desde sua infância, na comunidade em que nasceu, em Caldeirão Grande, no município de Jacobina. Não conheceu a mãe e logo aos oito anos de idade perdeu seu pai, quando já morava no município de Santa Luz. “Eu trabalhava no motor de domingo a domingo e o dinheiro ele não me dava. Só tinha a comida, era um tipo de escravo mesmo. Quando eu saí de lá foi com um saco de linhagem e uma roupa dentro, saí escondido porque não aguentava mais”.

Diante de todas as dificuldades, seu Pavão chegou à comunidade de Malhada da Areia onde foi bem acolhido e começou a seguir sua vida. Lá ele conheceu sua esposa Brígida onde vivem com três filhos. Fez muitas amizades, inclusive à de seu Zeca que lhe apresentou o Grupo dos 13, formado por homens que guardavam sementes crioulas. Com eles aprendeu os manejos para cuidar das sementes. “Seu Zeca quem começou esse plano do banco de semente. Eu aprendi com ele essa técnica, eu ia andando com ele na comunidade, me ensinava algumas coisas e depois eu fui

acompanhando. Depois ele saiu da comunidade e me deixou tomando conta do banco de semente. Ai eu trouxe pra cá pra minha casa e tá do mesmo jeito que ele me ensinou”.

Seu Pavão com as sementes de milho

Mais tarde ele ficou sócio da Associação Comunitária de Malhada da Areia, onde hoje é presidente. “Quando cheguei a associação não era registrada, o povo não acreditava no trabalho. Depois disso conseguimos com o banco de sementes o fundo rotativo, vieram uns arames para o povo e estamos beneficiando onze pessoas. Pra o próximo mês vamos beneficiar mais onze. Vai ter mais arame, carrinho de mão, tela para prender galinha”. Mesmo havendo muitas resistências, Seu Pavão decidiu doar duas tarefas de terra de sua propriedade para a associação, onde atualmente eles plantam de tudo um pouco com o objetivo de deixar para os agricultores e agricultoras as iniciativas de melhores condições de vida no Semiárido.

Essas transformações sociais que acontecem em Malhada da Areia tem o incentivo do Movimento de Organização Comunitária (MOC), que junto à associação geram maiores expectativas para os moradores

Sede da Associação Comunitária de Malhada da Areia

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da comunidade a cerca da agroecologia e das técnicas de convivência com o Semiárido e as iniciativas de estocagem de alimento e água. Seu Pavão fala que depois do Banco de Sementes “as pessoas passaram a dar mais credibilidade, a acreditar que o Banco de Semente é importante não apenas como um fundo rotativo”, mas principalmente por promover também a agroecologia, um sistema de produção orgânica onde as famílias se alimentam da própria produção, que já acontece a um bom tempo na comunidade. “Quando chove, nós não estamos atrás de sementes pra plantar porque temos aqui, pouco ou muito todo mundo vem pegar seu pouquinho para plantar e as pessoas fazem plantações nas suas propriedades e depois quando percebe que dá certo trocam as sementes entre si”, acrescenta seu Pavão. Ele também se lembra das sementes distribuídas pelo governo. “Elas já chegam atrasadas, mas todo mundo deveria fazer como a gente faz aqui. A gente recebe por receber, porque elas não são boas pra plantar, a gente usa a nossa”.

Quando fala da terra seu Pavão cita as experiências que fez com o sisal. “O bagaço do sisal é forte e a semente cresce melhor, com o esterco do gado a semente fica mais miúda”. Ele explica como faz a experiência. “A gente não passa o trator, aramos a terra primeiro com o burro, porque o adubo que tem por cima joga pra baixo, e se a terra estiver fraca com o adubo de sisal por cima pode jogar a semente na cova. A semente crioula tem a oportunidade de esperar a chuva por que a terra tá fresca, ela pode até sofrer com muito sol, mas ela consegue resistir por que fica forte com o bagaço do sisal”.

Seu Pavão desenvolveu junto com o MOC um bloco de notas da Casa de Sementes onde são colocadas as informações das sementes. Segundo ele serve para saber quais sementes estão sendo alistadas e preservadas. “Com isso é pra a gente ir guardando e conhecendo as sementes que a gente tem na comunidade. E depois de colocar tudo no papel a gente planta na roça comunitária com mais de trinta pessoas”.

Depois do processo de aragem e plantio das sementes do milho comum e milho de pipoca, dos feijões carioca, preto, ligeirinho, curió, grosso, das bajem amarela e roxa, acontece a colheita, a secagem e armazenamento. “No caso do milho eu deixo secar na palha porque ele tá protegido, mas depois eu deixo ficar um dia no sol e depois eu pego ele e coloco na garrafa pet por proteger bem e com cuidado. Eu vou enchendo aos poucos pra não entra ar e não ter umidade. O feijão vê o tempo que foi plantado ai a gente aproveita o calçadão e bate, deixa lá pra secar uns dois dias, depois deixa ele mais cinco dias na sombra pra esfriar. Em seguida coloca na dorna do tipo que é toda fechada, que só tem uma tampinha com trava, com cuidado pra não ter ar também. Separa uma dorna desse de feijão pra comer e as outras ficam no quarto pra depois plantar e se a gente quiser ela pode passar dois anos ou mais.” As outras sementes de abóbora, jerimum, quiabo, coentro, pimentão também precisam secar e depois colocar todas em garrafa pet.

Mais que uma lição, seu Pavão faz um incentivo. “Para os agricultores, presidentes de associações criarem banco de sementes, não deixar as experiências guardadas. Ensinar as experiências para os jovens, porque a gente não pode deixar só com a gente, tem que multiplicar o que é a semente crioula e deixar ir em frente. A semente faz uma diferença muito grande na nossa vida de agricultor e agricultora. Essas sementes vieram dos avós deles, e quanto tempo tem essa semente? Todo mundo perdeu aqui, mas eu tenho as sementes e eu vou dividir pra cada um. E vamos comer tudo de qualidade porque eu guardei”, fala seu Pavão cheio de esperança para repartir seus conhecimentos.

Sementes variadas de feijão

Seu Pavão junto com sua família e amigos

Dornas onde são armazenadas sementes