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Dirigido pela Congregação das Filhas de Sant’Ana COLÉGIO SANTA ROSA ENSINO MÉDIO 1º ANO HISTÓRIA PROFESSOR RODRIGO DORNELLES 2019 1 SANTA ROSA Colégio TEXTO COMPLEMENTAR – HISTÓRIA – 1º ANO - 2019 Pré-História Brasileira Professor Rodrigo Dornelles PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA BAIXAS CULTURAS PRÉ- COLOMBIANAS: PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA. Por uma história dos nativos É ainda comum se afirmar que a história do Brasil se inicia em 1500, referência à chegada, por estas bandas, de viajantes a serviço da Coroa Portuguesa que, neste momento, viviam a sua Idade Moderna – época dos Estados Absolutistas, do Mercantilismo e das Grandes Navegações. Por assim dizer, tais “descobridores” seriam os “batizadores” de uma “nova terra” a ser explorada, civilizada e catequizada, de acordo com a ótica da gente branca do “Velho Mundo”. Contudo, estes viajantes aportaram num lugar para eles desconhecido, mas habitado por sociedades aborígines há pelo menos 12.000 anos A.P. Compreender o processo histórico de formação da sociedade brasileira sugere, então, um recuo no tempo para o estudo dos povos pré-colombianos presentes nas terras baixas da futura América do Sul. A escrita desta história apoia-se nas investigações arqueológicas e nas pesquisas etno-históricas que revelaram e revelam um mundo diverso do velho continente europeu com suas próprias características. Daí, entende-se o indígena como agente histórico, que possuía suas próprias organizações econômicas, socioculturais e políticas, todas elas entrando em choque (umas resultando em transformações, outras desaparecendo) com os valores europeus. Assim, daremos aqui, atenção especial à organização do trabalho, sociedade e política destes nativos. Pré-História Indígena e Cronologia Às vésperas da chegada do europeu nas futuras terras americanas, estima-se que havia na região uma população aborígine pouco superior a 80 milhões de habitantes divididas em grandes nações. Para as terras baixas da atual América do Sul, as investigações falam de aproximadamente 30 milhões, com maior concentração populacional na região andina. Este processo de invasões e povoamentos mongóis (de origem asiática) possuiu dois momentos: via estreito de Bering (América do Norte) entre 40.000 e 10.000 anos antes de nossa era e, mais tarde ultrapassando o istmo do Panamá (América do Sul), por volta de 12.000 anos antes do presente. Atualmente, se sugere que houve três grandes períodos pré-históricos de ocupação humana, “esquema originalmente proposto em 1958 por Gordon Willey e Philip Phillips”. Seriam as eras: A) Paleoíndio: entre 12.000 e 10.000 anos A.P., das primeiras invasões de povos caçadores coletores, portadores de instrumentos líticos e ósseos, favorecidos por uma fauna de animais de grande porte (mastodontes, preguiças gigantes, glyptodontes) e moradores de grutas e cavernas. B) Arcaico: entre 10.000 e 7.000 anos A.P., comunidades ainda praticantes da caça e coleta (principalmente pesca), mas conhecedoras de uma agricultura rudimentar, dando início a um processo de sedentarização; extinção da grande fauna (holoceno); organização social mais complexa, construindo suas habitações (madeira e rochas) e constituindo os primeiros sambaquis. C) Formativo: entre 7.000 anos A.P. até o contato europeu, conhecedores de uma cerâmica doméstica e, provavelmente, de armas mais sofisticadas (metalurgia), sendo praticamente sedentários. A caça e a coleta são agora complementares, já que “a pratica da agricultura e a redução do nomadismo tiveram como consequência um aumento populacional significativo, e consequentemente o aumento da densidade demográfica”. A base desta agricultura era o cultivo de tubérculos como mandioca e batata-doce. Contudo, essa periodização não deve ser considerada de modo rígido, devido às variadas levas de invasões ocorridas no continente e a diferenciação nas etapas de desenvolvimento desses povos. (Tese de Bering. Fonte: Wikipedia.Commons) A organização das sociedades indígenas sul-americanas Durante várias décadas, no século XX, predominou nas pesquisas arqueológicas e antropológicas sobre o desenvolvimento das sociedades indígenas da América do Sul os estudos do arqueólogo norte-americano Julian Steward, expostos nos cinco volumes de sua obra Guia dos Índios Sul-Americanos, publicada na década de 1940. O modelo de Steward classificava as sociedades

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Dirigido pela Congregação das Filhas de Sant’Ana

COLÉGIO SANTA ROSA – ENSINO MÉDIO – 1º ANO – HISTÓRIA – PROFESSOR RODRIGO DORNELLES – 2019

1

SANTA ROSA Colégio

TEXTO COMPLEMENTAR – HISTÓRIA – 1º ANO - 2019 Pré-História Brasileira

Professor Rodrigo Dornelles

PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA

BAIXAS CULTURAS PRÉ-COLOMBIANAS: PRÉ-HISTÓRIA

BRASILEIRA.

Por uma história dos nativos

É ainda comum se afirmar que a história do Brasil se inicia em 1500, referência à chegada, por estas bandas, de viajantes a serviço da Coroa Portuguesa que, neste momento, viviam a sua Idade Moderna – época dos Estados Absolutistas, do Mercantilismo e das Grandes Navegações. Por assim dizer, tais “descobridores” seriam os “batizadores” de uma “nova terra” a ser explorada, civilizada e catequizada, de acordo com a ótica da gente branca do “Velho Mundo”. Contudo, estes viajantes aportaram num lugar para eles desconhecido, mas já habitado por sociedades aborígines há pelo menos 12.000 anos A.P.

Compreender o processo histórico de formação da sociedade brasileira sugere, então, um recuo no tempo para o estudo dos povos pré-colombianos presentes nas terras baixas da futura América do Sul. A escrita desta história apoia-se nas investigações arqueológicas e nas pesquisas etno-históricas que revelaram e revelam um mundo diverso do velho continente europeu com suas próprias características. Daí, entende-se o indígena como agente histórico, que possuía suas próprias organizações econômicas, socioculturais e políticas, todas elas entrando em choque (umas resultando em transformações, outras desaparecendo) com os valores europeus. Assim, daremos aqui, atenção especial à organização do trabalho, sociedade e política destes nativos.

Pré-História Indígena e Cronologia Às vésperas da chegada do europeu nas futuras terras americanas, estima-se que havia na região uma população aborígine pouco superior a 80 milhões de habitantes divididas em grandes nações. Para as terras baixas da atual América do Sul, as investigações falam de aproximadamente 30 milhões, com maior concentração populacional na região andina. Este processo de invasões e povoamentos mongóis (de origem asiática) possuiu dois momentos: via estreito de Bering (América do Norte) entre 40.000 e 10.000 anos antes de nossa era e, mais tarde ultrapassando o istmo do Panamá (América do Sul), por volta de 12.000 anos antes do presente. Atualmente, se sugere que houve três grandes períodos pré-históricos de ocupação humana, “esquema originalmente proposto em 1958 por Gordon Willey e Philip Phillips”. Seriam as eras: A) Paleoíndio: entre 12.000 e 10.000 anos A.P., das

primeiras invasões de povos caçadores coletores, portadores de instrumentos líticos e ósseos, favorecidos por uma fauna de animais de grande porte

(mastodontes, preguiças gigantes, glyptodontes) e moradores de grutas e cavernas.

B) Arcaico: entre 10.000 e 7.000 anos A.P., comunidades ainda praticantes da caça e coleta (principalmente pesca), mas conhecedoras de uma agricultura rudimentar, dando início a um processo de sedentarização; extinção da grande fauna (holoceno); organização social mais complexa, construindo suas habitações (madeira e rochas) e constituindo os primeiros sambaquis.

C) Formativo: entre 7.000 anos A.P. até o contato europeu, conhecedores de uma cerâmica doméstica e, provavelmente, de armas mais sofisticadas (metalurgia), sendo praticamente sedentários. A caça e a coleta são agora complementares, já que “a pratica da agricultura e a redução do nomadismo tiveram como consequência um aumento populacional significativo, e consequentemente o aumento da densidade demográfica”. A base desta agricultura era o cultivo de tubérculos como mandioca e batata-doce.

Contudo, essa periodização não deve ser considerada de modo rígido, devido às variadas levas de invasões ocorridas no continente e a diferenciação nas etapas de desenvolvimento desses povos.

(Tese de Bering. Fonte: Wikipedia.Commons)

A organização das sociedades indígenas sul-americanas

Durante várias décadas, no século XX, predominou nas pesquisas arqueológicas e antropológicas sobre o desenvolvimento das sociedades indígenas da América do Sul os estudos do arqueólogo norte-americano Julian Steward, expostos nos cinco volumes de sua obra Guia dos Índios Sul-Americanos, publicada na década de 1940.

O modelo de Steward classificava as sociedades

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indígenas sul-americanas em quatro estágios de desenvolvimento, utilizando como critério de análise um princípio evolucionista, que partia das formas mais simples de organização para as mais complexas. Utilizava-se como parâmetros três aspectos: ecologia, modo de produção e organização sócio-política. Desse modo, Steward apontava quatro estágios de desenvolvimento:

A) POVOS MARGINAIS – caracterizados por uma economia de subsistência baseada na caça e na coleta, pelo nomadismo, pela organização coletiva em bandos, pela ausência de instituições políticas e religiosas e de estratificação social, e localizados no Cone Sul, no Chaco e no Brasil Central.

B) POVOS DA FLORESTA – caracterizados por uma economia de subsistência baseada na agricultura de coivara e na exploração dos recursos aquáticos (pesca), por uma população maior que a dos povos marginais, pela ausência de instituições políticas e religiosas, por uma sociedade igualitária, por uma organização fundada no princípio do parentesco e por uma organização coletiva assentada na tribo, vivendo em aldeias mais permanentes, embora dispersas no território. A localização dos povos da floresta na América do Sul estaria em quase toda a Amazônia, na costa do Brasil e das Guianas e nos Andes Meridionais.

C) CACICADOS – seriam formas de sociedades indígenas avançadas, caracterizadas por um desenvolvimento inicial de centralização política e religiosa, pela estratificação social, pela intensificação econômica, pela especialização ocupacional. A institucionalização do poder e da religião levou ao aparecimento de chefes supremos (os caciques), de sacerdotes, templos e ídolos, embora ainda não se possa falar em Estado em tais sociedades. A localização dos cacicados na América do Sul estava na Região Caribenha e nos Andes Setentrionais.

D) ESTADO – IMPÉRIO INCA – a forma mais avançada de sociedade indígena na América do Sul, o Império Inca caracterizava-se por uma população densa, por sistemas produtivos agrícolas intensivos, que realizavam uma produção em larga escala, pela presença de um aparelho estatal desenvolvido com formas sofisticadas de administração pública e de arrecadação de tributos, pela estratificação social, pela divisão do trabalho pelo critério de classes e pelo desenvolvimento de técnicas avançadas, como a metalurgia. Na América do Sul, o Império Inca desenvolveu-se nos Andes Centrais e na costa do Pacífico. No ano de 1500, a extensão do Império Inca atingia 4.300 km, que iam desde a fronteira sul da Colômbia até o rio Maule no Chile, sendo habitado por uma população de aproximadamente 10 milhões de pessoas.

A classificação de Steward influenciou um outro

arqueólogo norte-americano chamado Elman Service, em 1962, na elaboração de uma tipologia dos estágios de desenvolvimento das sociedades indígenas sul-americanas, na qual partiu do mesmo critério de análise que privilegiava o princípio evolucionista e que explicava os estágios da evolução através da relação entre meio ambiente e crescimento demográfico: quanto maior o crescimento demográfico de uma sociedade indígena maior a exigência de formas mais complexas de produção e distribuição dos recursos econômicos, e de organização sócio-política.

Nesse sentido, Service apontava também para quatro estágios de desenvolvimento que foram bando – tribo – cacicado – Estado, e que seriam determinados pelo crescimento demográfico associado ao meio ambiente. Nas áreas sul-americanas em que o meio ambiente favoreceu o crescimento da população desenvolveram-se sociedades indígenas mais complexas e vice-versa.

Contudo, nas últimas décadas, essa tipologia de Steward criou uma intensa polêmica entre os estudiosos das sociedades indígenas do continente, para os quais a questão central a ser respondida era: será que só existiram sociedades estratificadas e hierarquizadas do tipo cacicado em torno do Mar do Caribe e no norte dos Andes? Hoje sabemos que a complexidade das sociedades indígenas sul-americanas é muito maior. Com destaque para a pré-história amazônica.

Como se chamavam os primeiros povos brasileiros?

Entre 500 anos a.C. e 1000 d.C. nas posteriores terras brasileiras, consolidava-se o cenário indígena na região. A última grande migração destes milhões de povos havia partido do alto amazonas e se fixado no litoral e centro-sul do continente. Costuma-se se dividir estes povos em quatros grandes grupos linguísticos ou troncos linguísticos: Tupi, Jê, Aruak, Pano e Caribe.

A arqueologia e a etno-história conhecem melhor as organizações Tupis, especialmente duas grandes nações: os Guaranis e os Tupinambás. Destes últimos, os tupinambás acabaram se tornando os principais e mais conhecidos povos indígenas brasileiros.

A razão desse fato é simples. Os tupis entraram em contato com os portugueses em quase todas as regiões que estes tentaram ocupar e explorar colonialmente. Foram, ao mesmo tempo, a principal fonte de resistência organizada aos desígnios dos colonizadores e o melhor ponto de apoio com que eles contaram, entre as populações nativas. Além disso, estas nações foram responsáveis pela expulsão para o interior do continente de povos “bárbaros” (tapuias) que habitavam anteriormente o litoral brasileiro.

Assim, os tupis, denominação genérica dada pelos portugueses aos grupos do litoral, eram tidos como mais domesticáveis e cujas línguas compreendiam melhor. Já os tapuias eram considerados os grupos do interior, mais aguerridos e “traiçoeiros”, logo mais “selvagens”. Na verdade, todas as nações ameríndias, dependendo do contexto de sua organização e dos seus interesses, ou tinham alianças ou rivalidades com os europeus. Mas a diferenciação entre tupis e tapuias tratava-se de uma

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generalização estratégica tanto para os colonizadores como para os nativos.

(Crianças tupinambás. Elas dão continuidades a uma história de

milhares de anos. Fonte: http://maniadehistoria.files.wordpress.com/2009/03/indios.jpg)

Segundo as narrativas dos viajantes e missionários

religiosos sobre a colônia portuguesa, além das investigações arqueológicas, desde a bacia amazônica, passando pelos baixios lamacentos do norte do continente, e chegando nas regiões arenosas da costa sul, as nações tupi-guaranis estavam distribuídas principalmente pelo litoral brasileiro e bacia Paraná-Paraguai, compreendendo os atuais estados do Pará, Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As principais nações tupis eram: potiguar, tremembé, tabajara, caeté, aimoré, tupiniquim, temiminó, goitacá, tamoio e tupinambá. Entre os guaranis, destacam-se os carijó.

(Mapa das terras brasileiras de 1592, traçado pelo artista Theodore

de Bry. Fonte: http://farm4.static.flickr.com/3454/3212683201_9f16be5c75b.jpg)

As organizações tribais das futuras terras brasileiras:

Natureza e Homem

As nações tupis, melhor estudadas, praticavam, em busca da sobrevivência, a horticultura, a coleta de frutos e raízes, a caça de pequeno porte e a pesca, possuindo uma tecnologia básica para suas atividades produtivas. Os ameríndios do litoral praticavam a coivara que consiste na derrubada, ressecamento e posterior queima de áreas de

mata de tamanho variado que proporciona a limpeza da área de cultivo e também a fertilização do solo, que poderá ser cultivado por mais um ou dois ciclos anuais. A consequência disso era o rápido desgaste dos solos, que acabava criando a necessidade de deslocamentos em busca de novas terras para cultivo. O que quer dizer que a migração era utilizada como uma técnica de controle indireto da natureza pelo homem. Quando se rompia o equilíbrio entre as necessidades alimentares e os recursos proporcionados pelo meio natural circundante, as populações se deslocavam de um modo ou de outro. Em suma, a terra constituía o seu maior bem. Assim, a agricultura praticada pelos povos tupis era tendente a subsistência já que tinha como objetivo o sustento da comunidade local e não a geração de excedentes produtivos.

A princípio, a atividade de produção é exatamente

medida, delimitada pelas necessidades que têm de ser satisfeitas, estando implícito que se trata, essencialmente, das necessidades energéticas. Entretanto, isto não quer dizer que uma vez assegurada a satisfação global das necessidades energéticas, nada poderia estimular a sociedade primitiva a desejar produzir mais. Por vezes, mesmo buscando apenas o sustento da comuna, havia produção de alguns excedentes que podiam ser comercializados. Só que isto não era a regra, nem necessário. Além disso, a garantia de alimentos acarretou, durante os últimos séculos anteriores à “Conquista”, o crescimento demográfico dos povos tupi-guarani.

Dentre os principais cultivos indígenas, destacava-se a

mandioca, extremamente energética (rica em amido), assim descrita por um religioso português em 1624 (século XVII):

“Mandioqua [Mandioca] - a mandioca é de quatro castas, a saber, mandioca ata e mandioca ati, maquaxeira e iuruquo, e destas, três são boas boas para fazer farinha e cauim, e a macaxeira serve para comer assada e cozida e é tão boa como peras da nossa terra, e das outras se faz tapioquo [tapioca] que parece farinha de trigo e tem uma raiz tamanha como a coxa de um homem, e é coisa para ver da bondade dessa terra que fincando um pau na terra vem três ou quatro raízes, e, se bebem da água que sai dela, sem a coserem, pode-se morrer”.

(Adaptado de: Historia dos animaes, e arvores do Maranhaõ. pelo muito reverendo Padre Fr. Cristovaõ de Lisboa Calificador do

Santo officio. Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos)

As aldeias Tupinambás: economia e sociedade

Os povos ameríndios estavam divididos em troncos linguísticos, que, por sua vez, subdividiam-se em nações formadas por inúmeras tribos. As tribos distribuíam-se espacialmente em unidades menores, os grupos locais ou aldeias. Não havia amplas unidades políticas entre os tupi-guarani. O que valia era a autonomia do grupo local que não estava sujeito a uma autoridade comum, isto é, centralizada, nem possuía fronteiras rígidas.

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(Aldeia tupinambá em guerra. Gravura do famoso Theodor de Bry, segundo

os relatos do artilheiro alemão Hans Staden. Século XVI. Repare na estrutura da aldeia indígena: palhoças, um terreiro ao centro rodeado de malocas. A dimensão das malocas sugere moradias coletivas. Fonte: The

ArtArchive/Corbis. Acesso: http://www.corbisimages.com/Enlargement/Enlargement.aspx?id=CS0064

12&tab=details&caller=search)

As aldeias estavam compostas de quatro a sete malocas

(ocas) ou habitações coletivas, que formavam, pela sua disposição no solo, uma área livre, o terreiro, para a realização de cerimoniais religiosos ou bélicos, reuniões de chefes e festas. Uma aldeia era morada para cerca de 1.000 a 3.000 indígenas. As habitações, feitas de palha, eram arejadas e com várias entradas, e o território era escolhido minuciosamente para sempre haver água potável (rios, lagos), lenha para cozinhar ou obter calor, além da fertilidade dos solos.

Esta organização social tupi estava assentada em contextos de parcerias ou rivalidades entre os grupos locais. Várias aldeias, possivelmente ligadas por laços de consanguinidade e aliança, mantinham relações pacíficas entre si, participando de rituais comuns, reunindo-se para expedições guerreiras de grande porte, auxiliando na defesa do território. Isto significa que os laços de parentesco eram bastante relevantes entre as nações tupinambás, principalmente dentro das próprias aldeias. Entretanto, existiam aldeias e tribos inimigas pela disputas de territórios ou por razões culturais, como demonstra o relato do colono português Soares de Souza:

“Como se este gentio se viu senhor da terra da Bahia, dividiu-se em bandos por certas diferenças que tiveram uns com os outros e assentaram suas aldeias apartadas, com o que se inimizaram (...) e fazia-se a cada dia cruel guerra, e comiam-se uns aos outros (...)”.

(Soares de Souza. Século XVI. Extraído de: Carlos Fausto. Fragmentos de História e Cultura Tupinambá. In: Cunha. História

dos Índios do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; p. 384).

Os europeus mal haviam chegado a terra e se depararam

com uma complexa teia de relações entre as aldeias, que correspondia a interesses tanto internos (dentro das aldeias) como externos (entre aldeias), muitas vezes sem envolver os colonos portugueses. “Porque, para aqueles povos, o inimigo era o ‘quase igual’, isto é, aquele que

disputava com eles a prerrogativa de ser um ‘verdadeiro guerreiro’. O motivo da guerra entre aqueles índios era a vingança. Por que então lutariam com um povo desconhecido e com o qual não tinham nenhuma historia de vingança? Naquele momento de primeiro contato, os portugueses eram para os índios motivo de curiosidade e representavam a possibilidade de acesso, através de troca, a produtos exóticos”. Todavia, este quadro logo mudaria com o inicio da escravização indígena realizada pelo colonizador.

Contudo, dentro das aldeias tupis, encontrava-se uma formação social de tipo coletivista ou comunitária, embora estruturada sob a chefia de autoridades locais, a exemplo dos chefes e caciques (os principais guerreiros) e pajés ou xamãs (os profetas e curandeiros), os quais, eram as lideranças das comunidades aldeãs. Assim, pertenciam a todos os produtos da caça, pesca, coleta e agricultura. Consolidava-se a propriedade coletiva da terra e dos meios de produção entre os membros da aldeia e às vezes entre parentelas vizinhas aliadas. O cronista português Pero de Magalhães Gandavo assim descrevia este sistema:

“Em cada casa desta vivem todos muito conformes, sem haver nunca entre eles nenhumas diferenças: antes são tão amigos um dos outros, que o que é de um é de todos, e sempre de qualquer coisa que um coma, por pequena que seja, todos hão de participar dela”.

(Gandavo. Citado por Florestan Fernandes. “Antecedentes Indígenas...”. In: Buarque. Historia Geral da Civilização Brasileira.

São Paulo: Difel; 1960; p.74)

O calvinista francês Jean de Léry, em seu famoso livro A

Viagem ao Brasil de 1592, teve as mesmas impressões:

“Mostram os selvagens sua caridade natural, presenteando-se diariamente uns aos outros com veações, peixes, frutas e outros bens do país; e prezam de tal forma essa virtude que morreriam de vergonha se viesse o vizinho a sofrer falta do que possuem”. (Léry.Le Voyage au Brésil.Citado por Florestan Fernandes. Op. Cit.

p. 74)

A ideia de comunidade entre as aldeias tupis é a palavra

chave de sua organização social. Ela está localizada dentro do universo da aldeia. Assim, entre eles, encontramos referencia a um chefe guerreiro ou a um feiticeiro xamã, o líder espiritual. Que tipo de poder emana deles? Ora, essas sociedades (aldeias) são homogêneas e indivisas, pois o poder não é separado da sociedade. Nelas não se pode distinguir a esfera política da esfera social as oposições existem apenas com as tribos com as quais se guerreia. O chefe assume a vontade que a sociedade tem: de aparecer como una e autônoma em relação às outras comunidades, e fala em nome dela. Para tanto, o chefe deve ter qualidades tais como habilidade para falar, talento diplomático para estabelecer alianças, coragem e disposição guerreira para garantir a paz ou promover a guerra. O tempo todo o chefe está preocupado em ser o porta-voz do desejo da comunidade como um todo, e sua decisão não deve ser imposta.

Assim, a vida nos grupos locais e comunidades vicinais

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tupinambás (vizinhanças) fundamentavam-se no usufruto coletivo dos recursos naturais. O índio só tinha a propriedade pessoal de suas armas e enfeites e partilhava todo o resto, principalmente os produtos da caça, pesca e coleta. Essa generosidade abrangia todos que estivessem sob seu teto, mesmo seus inimigos.

As alianças entre aldeias formavam conjuntos multicomunitários, isto é, as unidades sociais maiores que os grupos locais possuíam uma estrutura do tipo rede. A ideia de uma aldeia principal, originária, central, onde residiria um chefe supra local é estranha à organização tupinambá. Quando se formavam essas alianças, as lideranças locais não perdiam sua importância, apenas se tornavam parceiras, por um certo tempo, em busca de algum objetivo: a conquista de um território, a vitória sobre uma tribo, a renovação de laços vicinais e, mais tarde, a organização de resistências contra a exploração e violência dos colonizadores. A organização social coletiva era um princípio fundamental destas comunidades indígenas.

O tupinambá como “bom selvagem”

Esse tipo de vida coletiva acabou servindo como fonte de idealizações de pensadores europeus, que serviu para a criação do mito do bom selvagem. Assim, os ameríndios foram encarados como sujeitos “ingênuos” e “fraternais por natureza”, incapazes de fazer mal, vivendo num estágio primitivo anterior aos males sociais da civilização encontrados no Velho Mundo. Os povos indígenas do Brasil eram vistos de forma fantasiosa e não realmente como eram: coletivistas, comunitários, simples, mas também aguerridos, políticos, dotados de diferenças e rivalidades entre as tribos e aldeias. Além disso, não poderiam ser considerados “atrasados no tempo” porque não conheciam a civilização e não tinham evoluído de um estado de natureza. Trata-se de uma visão preconceituosa ou eurocêntrica. A abordagem mais adequada seria de considerar esses povos diferentes e não inferiores (...) A tendência a considerar esses grupos como inferiores vem da tradição da colonização e a justifica.

Os principais filósofos criadores do mito do Bom Selvagem foram franceses: o humanista francês Michel de Montaigne (1533-1592) que conheceu tupinambás aculturados na França; o iluminista Charles Louis de Secondat, conhecido como Barão de Montesquieu (1689-1755), que se inspirou na “liberdade dos índios” para escrever seu Espírito das Leis; e o iluminista Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que em seu Discurso sobre a origem da desigualdade dos homens e O Contrato Social, baseou-se também na vida das comunidades ameríndias para elaborar suas ideias revolucionárias.

Montaigne assim caracteriza os “selvagens” do Novo

Mundo:

“Esses povos não me parecem pois merecer o qualificativo de selvagens somente por não terem sido senão muito pouco modificados pela ingerência do espírito humano e não haverem quase nada perdido de sua simplicidade primitiva. As leis da natureza, não ainda pervertidas pela mistura dos nossos, regem-nos até agora e mantiveram-se tão puras que lamento por vezes não as tenha o nosso mundo conhecido antes, quando havia homens capazes de apreciá-las (...) É um país onde... não existe hierarquia política, nem domesticidade, nem ricos, nem pobres... em matéria de trabalho, só sabem da ociosidade; o respeito aos parentes é o mesmo que dedicam a todos; o vestuário, a agricultura, o trabalho, o trabalho dos metais aí se ignoram... as próprias palavras que exprimem a mentira, a traição, a dissimulação, a avareza, a inveja, a calúnia, o perdão só excepcionalmente se ouvem...”.

(Montaigne. Ensaios. Citado por Francisco Teixeira. Brasil. História e Sociedade. São Paulo: Ática; 2000; p. 30)

Já no século XVIII, Rousseau mantinha vivo o mito do bom

selvagem com um tempero revolucionário:

“Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou com cerdas suas roupas de peles, a enfeitar-se com plumas e conchas, a pintar o corpo com várias cores, a aperfeiçoar e embelezar seus arcos e flechas, a cortar com pedras agudas algumas canoas de pescador ou alguns instrumentos grosseiros de musica..., viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua natureza (...) O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que... tivesse gritado aos seus semelhantes: defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdido se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!”

(Rousseau. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Extraído de: Maria Lucia Aranha e Maria Helena

Martins. Filosofando. São Paulo: Moderna; 1997; p. 228)

Para os religiosos católicos, os índios possuíam alma,

mas não conheciam a fé cristã. Precisavam ser “salvos”, pois se encontravam sem Deus, sem lei e sem razão. O tempo mostraria aos europeus que os tupi-guaranis eram seres humanos dotados de qualidades e defeitos, sendo, em poucos anos, logo comparados a verdadeiros demônios, ao mesmo tempo em que o Novo Mundo transformava-se de paraíso terreal para inferno tropical.

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(Rito tupinambá. Século XVI. Da obra de Theodor de Bry. Obra já

citada. Acesso: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Brazil_16thc_tupinamba.gif)

Relações de trabalho nas aldeias Tupinambás

A divisão do trabalho ou das atividades produtivas estava baseada no sexo e na idade. Os trabalhos agrícolas e extrativistas eram tarefas das mulheres, encarregando-se do plantio, da semeadura, da colheita, da coleta de frutas silvestres e raízes, da fabricação de farinhas e beberagens. Cuidavam dos animais domesticados e dos serviços domésticos. Dedicavam-se à cerâmica tanto utilitária como ornamental, não se esquecendo de outras tarefas ritualísticas como a preparação de sacrifícios. Os homens dedicavam-se a trabalhos que envolviam grande esforço físico: labutavam na derrubada e queimada da mata (coivara) para a preparação da terra para plantio; realizavam a caça e pescaria; fabricavam as canoas (pirogas), arcos, flechas, tacapes e outras armas; encarregavam-se da lenha; responsabilizavam-se pelas redes; por fim, a proteção das mulheres, crianças e velhos era tarefa dos guerreiros ou morubixabas.

Havia ainda atividades solidárias entre os membros das malocas, representando gestos de carinho: as mulheres retiravam os piolhos dos homens, cuidavam dos ferimentos, faziam tatuagens e depilações; os homens também tatuavam as mulheres, fabricavam seus ornamentos corporais (e não vestes desavergonhadas como diziam os europeus) e auxiliavam no parto. É importante afirmar que todas as atividades eram indispensáveis, sendo equivalentes e não hierarquizadas. A mulher suportava uma carga extremamente pesada no sistema de ocupações. Mas prevalecia a interdependência de trabalhos e serviços, de modo que eles se completavam e amparavam mutuamente.

Parentelas e Chefias nas aldeias Tupinambás

Os laços de parentesco eram fundamentais para a organização sociopolítica dentro e fora das aldeias. A formação das parentelas podia unir comunidades entre as tribos. Como prevalecia a unidade política das aldeias, todas elas buscavam se fortalecer tanto organizando conjuntos comunitários entre aldeias como declarando guerras aos seus inimigos. Os casamentos eram peça fundamental na hora de organizar ou manter redes de aliança contra velhas

rivalidades aldeãs. Assim, as parentelas tupis organizavam-se de um lado

pela patrilocalidade, com os casamentos avunculares ou internos, e por outro pela prestação do chamado serviço de noiva, que estabelecia novas alianças. Curiosamente, os genros, aqueles que vieram de parentelas de outras aldeias, eram encarados como inimigos potenciais, os tobajara.

Os chefes caciques e os xamãs ou caraíbas eram as principais autoridades das aldeias. Deveriam ser grandes guerreiros, sábios oradores e/ou curandeiros e profetas. A autoridade representa sempre os interesses das parentelas do grupo local e possuía fundamentos religiosos e guerreiros. Poderia ser substituída quando a comuna elege-se um novo bravo ou adivinho. Não precisavam ser hereditários. Os portugueses os chamavam de Principais das aldeias.

Segundo um artilheiro alemão a serviço da Coroa Portuguesa, Hans Staden, aprisionado por tupinambás:

“Os selvagens não tem governo, nem direitos estabelecidos. Cada cabana tem seu superior. Este é o principal. Todos os seus principais são de linhagem idêntica e tem direito igual de ordenar e reger... se um sobressaiu dentre os outros por feitos de combate, ouve-se-lhe mais do que aos outros...”.

(Hans Staden. Citado por Carlos Fausto. Op. Cit. p. 390)

Assim, o poder nas aldeias depende do contexto de

ralações das parentelas, transformando-se regulamente. “Na verdade, ser filho de chefe não era senão um ponto de partida para se reivindicar essa condição... Era preciso ser... o mais valente, o que mais proezas fez na guerra, o que mais massacrou inimigos, o que possui maior família, maior número de mulheres, maior número de cativos... A estrutura do poder depende do evento, da circunstância, dos caprichos do acontecimento... é justamente o espaço do político na sociedade tupinambá”. E não se pode esquecer o mais importante: ser um file representante da comunidade.

Guerra e Vingança

A organização política das sociedades tupis estava intimamente ligada com o exercício da guerra. Bravura, guerra e honra eram todas palavras sinônimas para os tupinambás. A vitória gloriosa e a bravura do guerreiro legitimavam a autoridade entre os índios. Guerra e troca matrimonial articulavam-se no desenvolvimento das parentelas e na política aldeã.

As guerras eram atividades históricas entre os grupos locais. Daí entender-se que havia inimigos mortais seculares. Por isso, as aldeias estavam sempre realizando vinganças sobre as comunidades inimigas. Ao fim dos conflitos, os vitoriosos aprisionavam os vencidos e alguns guerreiros (os mais “valentes”) eram transformados em escravos. Contudo, estes não trabalhavam forçadamente para seus conquistadores, nem na agricultura, nem na caça, nem na coleta, nem em qualquer outra atividade. Noutras palavras, a força de trabalho do escravo não era explorada pelos membros da aldeia vitoriosa. O destino dos cativos era a

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morte gloriosa. O religioso francês Claude de Abbeville comentava a

guerra entre os tupinambás da seguinte forma:

“É preciso primeiramente que se saiba que não fazem a guerra para conservar ou estender os limites do seu país, nem para enriquecer-se com os despojos dos seus inimigos, mas unicamente pela honra e pela vingança”.

(Abbeville. Citado por Carlos Fausto. Op cit. P. 390)

O religioso Luís da Assunção, da ordem de São Francisco,

que esteve no Maranhão em 1647 como missionário, denunciava a D. João IV, rei de Portugal, “um hábito selvagem” realizado pelo gentio após as guerras: comentava a guerra entre os tupinambás da seguinte forma:

“Por carta do Conselho Ultramarino, feita a 20 de Julho de 1646 anos, me manda Vossa Majestade que, vendo com atenção que pede, negócio de tanta importância, a visse, do meio que poderá haver para o resgate destes índios, que entre si têm cativos [escravos] em guerra, e os comem quando lhes não resgatam...”

(Carta de frei Luís da Assunção para D. João IV... 1647, abril, 27, São Luís do Maranhão. AHU; Maranhaõ; cx. 1; docXXIII)

Se a morte do escravo era a representação da vingança, o ápice da política guerreira ou da guerra política entre as aldeias tupis era o ritual antropofágico. Em outras palavras, o prisioneiro era devorado pelos seus inimigos vencedores em uma cerimônia realizada no terreiro da aldeia. Assim, os colonos portugueses chamavam os tupinambás de canibais ou carniceiros. No entanto, a antropofagia não tinha como função alimentar, mas consagrar a vingança das aldeias e roubar a bravura do guerreiro devorado. O ritual antropofágico mantinha vivas as rivalidades milenares entre as aldeias tupis.

O calvinista francês Jean de Léry escreveu sobre esse dia de “festa canibal”:

“Quando vão à guerra, ou quando matam com solenidade um prisioneiro para comê-lo, os selvagens brasileiros enfeitam-se com vestes, máscaras, braceletes e outros ornatos de penas verdes, encarnadas ou azuis, de incompatível beleza natural, a fim de mostrar-se mais belos e mais bravos (...) (...) Todas as aldeias circunvizinhas são avisadas do dia da execução e breve começam a chegar de todos os lados homens mulheres e meninos. Dançam então o cauinam. O próprio prisioneiro, apesar de não ignorar que a assembleia se reúne para seu sacrifício dentro de poucas horas, longe de mostrar-se preocupado, enfeita-se todo de penas e salta e bebe o cauim como um dos mais alegres convidados... anda orgulhoso pela aldeia, gabando-se de seus feitos passados. (...) Embora os selvagens temam a morte natural, os prisioneiros julgam-se felizes por morrerem assim publicamente no meio de seus inimigos, não revelando nunca o mínimo pesar (...)”.

(Léry.Le voyage au Brésil.Citado por: Gilberto Azanha e Virginia Valadão. Senhores destas terras. Os povos indígenas do Brasil: da

Colônia aos nossos dias. São Paulo: Atual; 1991; p 15.)

O ritual antropofágico era um ritual de engrandecimento

tanto para devoradores como para devorados. Os “canibais” reafirmavam sua bravura; os guerreiros feitos prisioneiros e devorados acreditavam na morte honrosa. O homicídio em praça pública, por outro lado, não conferia ‘honra’ apenas ao executor, mas também à vítima, que deveria mostrar coragem e, assim, ‘deixar memória de si’... O estômago do inimigo era a sepultura ideal, que abria caminho à imortalidade. Os vivos ganhavam imortalidade e os mortos encontravam-se com seus deuses guerreiros na terra-sem-mal.

Assim, a futura terra brasileira já era berço, antes da “conquista” e desde os primeiros povoamentos pré-históricos sul-americanos, de sociedades indígenas que possuíam uma economia, relações de trabalho, organização e movimento sociais, estruturas políticas próprios, enfim, um outro mundo. Embora a maioria da história conhecida desses povos seja, ainda, a de resistência à destruição de sua cultura, a de luta contra escravidão e do processo de dizimação de tantas nações ameríndias ao longo do tempo, não se pode esquecer que havia um universo pré-colombiano que historiadores, antropólogos, arqueólogos e outros especialistas buscam desvendar. Do paleoíndio ao formativo, do mito do bom selvagem à hierarquia dos guerreiros, das parentelas à constituição das chefias, da subsistência às tarefas cotidianas divididas entre homens e mulheres, das guerras seculares à política interna das aldeias, da imortalidade ao canibalismo tupinambá, vai-se dando conta de um passado bem maior e mais complexo das terras baixas da América do Sul.

A guerra e os banquetes antropofágicos reforçavam a unidade da tribo: por meio da guerra era praticada a vingança dos parentes mortos, enquanto o ritual antropofágico significava para todos, homens, mulheres e crianças, a lembrança de seus bravos. O dia da execução era uma grande festa.

Nos banquetes antropofágicos, o prisioneiro era imobilizado por meio de cordas. Mesmo assim, para mostrar seu espírito guerreiro, devia enfrentar com bravura os seus inimigos, debatendo-se e prometendo que os seus logo reparariam a sua morte.

O termo "tupinambá" provavelmente significa "o mais antigo" ou "o primeiro", e se refere tanto a uma grande nação de índios, da qual faziam parte, dentre outros, os Tamoios, os Temiminó, os Tupiniquim e os próprios Tupinambá, como a tribo Tupinambá propriamente dita.

Apesar de terem raízes comuns, as diversas tribos que compunham a nação Tupinambá lutavam constantemente entre si, movidas por um intenso desejo de vingança que resultava sempre em guerras sangrentas em que os prisioneiros eram capturados para serem devorados em rituais antropofágicos.

Em todas as tribos tupinambás era comum a observância aos heróis civilizadores, como chama Alfred Métraux em seu livro “A Religião dos Tupinambás”, que eram divindades que haviam criado ou dado início à civilização indígena. Também era comum a intercessão

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junto aos espíritos dos pajés, o uso dos maracás, chocalhos místicos cujo uso era obrigatório em qualquer cerimônia. Um frade francês, Claude d’Abbeville, que teve contato com um grupo Tupinambá, no Maranhão, escreveu:

"Imaginava que iria encontrar verdadeiros animais ferozes, homens selvagens e rudes. Enganei-me totalmente. São grandes discursadores, possuem muito bom senso e só se deixam levar pela razão, jamais sem conhecimento de causa".

Esta agudez de percepção fez com que os chefes

enviassem uma delegação à França para pedir ajuda ao rei, na sua luta contra os portugueses no Rio de Janeiro. Não querendo envolver-se na aventura de Villegaignon, marcada por conflitos religiosos, o rei da França recusou-se a ajudá-los. A delegação indígena voltou-se então para a classe dos comerciantes, com os quais conseguiu angariar navios e armas. Há poucas informações sobre essa viagem. Mas uma outra, realizada em 1613, nos foi relatada pelos capuchinhos franceses. A delegação Tupinambá foi recebida pelo rei Luís XIII no palácio do Louvre, ocasião em que fizeram um discurso ao rei em tupi.

A guerra era outro elemento fundamental da cultura tupinambá, na qual a bravura e a vingança exerciam importantes papéis. Considerada uma atividade sagrada, reservada para alguns, de acordo com sua idade, sexo e aptidões físicas. A bravura e o poder de um chefe eram medidos pelo número de inimigos mortos por ele. O inimigo morto era comido pela comunidade em um sacrifício ritual. Havia várias prescrições para esta cerimônia. Um prisioneiro medroso era excluído, pois o caráter fraco poderia ser incorporado por aqueles que o ingerissem. Havia, pois uma relação entre refeição sacrificial, bravura e coragem. O cativo, por sua vez, desafiava seus matadores, gritando que um dia seus parentes o vingariam. O maior desejo de um guerreiro era ser morto pelos seus inimigos.

Ao nascer, o menino era pintado de vermelho e de

preto. Recebia como presentes unhas de onças e de gavião, para que tornasse um guerreiro valente, e um pequeno arco e flechas, símbolos de seu futuro belicoso.

Através da guerra que os adultos passam um modelo de

comportamento para os mais jovens, apreendem conhecimentos de rituais mágico-religioso considerados essenciais na conduta masculina e, mediante o sucesso nas lutas, asseguram alguns direitos na comunidade, como o casamento com várias mulheres e o exercício da liderança.

Em consequência desses valores, a guerra é um fator de

construção e realização da personalidade masculina tupinambá, na medida em que é entendida como fundamental, enobrecedora e justa, pois é um elemento de articulação social, põem em evidência o valor e poder da cada um e permite punir os inimigos. A guerra repercute, portanto, ativamente no ritmo do desenvolvimento sociopsíquico da comunidade: transfere para fora do grupo as tensões, localizando no "outro" todas

as causas dos problemas enfrentados.

“Como a guerra só pode ser praticada com a aprovação de todos, ela também é fator de unidade social; durante a luta, geralmente corpo-a-corpo, o empenho de cada um afeta todos os guerreiros, já que se tem a clareza de que, se o inimigo não for completamente destruído, a sua vingança poderá ser fatal. Portanto, é preciso unir forças para vencê-lo mortalmente”.

(Adaptado de Fernandes, Floretan. A função social da guerra na sociedade tupinambá. São Paulo, Edusp, 1970).

A aliança que os Tupinambá estabeleceram com os

europeus - portugueses, franceses e holandeses - visava também o combate contra seus inimigos, os outros povos indígenas. A sua extrema curiosidade e a atração pelo novo foram elementos fundamentais de sua cultura. Mal sabiam que essa abertura, que parecia uma atitude positiva, colaboraria para a perda de sua identidade e para a sua integração à nova sociedade.

Theodor de Bry representou a antropofagia dos tupinambás segundo os relatos de Hans Staden, um artilheiro mercenário alemão que esteve no Brasil no século XVI. Staden foi aprisionado por estes índios mas conseguiu fugir. Observe abaixo as famosas gravuras sobre o ritual antropofágico:

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(Créditos das imagens: CORBIS. Acesso: http://www.corbisimages.com/Search#p=1&s=50&sort=0&q=Theodor%20

de%20Bry)

O casamento

Entre os tupis, o matrimônio avuncular (tio materno com sobrinha), ou entre primos cruzados, era o mais desejado. Mas, para casar, o jovem devia passar por certos testes, o principal deles consistindo em fazer um cativo de guerra para o sacrifício.

Segundo o historiador e sociólogo Florestan Fernandes:

“(...) Em resumo, pois, os tupis praticavam o casamento preferencial avuncular (matrimônio do tio paterno com a sobrinha) e na de matrimonio entre primos cruzados. Desta maneira, alianças estabelecidas entre parentelas distintas passavam a renovar-se indefinidamente, o que preservava a solidariedade baseada nos laços de parentesco. Mas, também era possível obter esposa fora do circuito estabelecido de compensações: um pretendente podia conseguir uma noiva noutra parentela e casar-se com ela. Nessa circunstância, obrigava-se a prestar serviços aos pais, tios e irmãs da noiva, antes e depois do casamento [serviço de noiva]. Passava a viver como uma espécie de dependente no grupo doméstico do sogro. (...) Além das consequências desses arranjos, na obtenção das esposas, é preciso considerar que as parentelas também procuravam facilitar o primeiro casamento de seus membros masculinos. Para poder casar, o jovem precisava “trocar de nome”, mediante o sacrifício de uma vítima humana... (...) O fato é que a competição por prestígio e influência, entre as parentelas, realizava-se amplamente em torno do aumento do número de mulheres [esposas] e que os homens bem sucedidos conseguiam logo mais duas ou três mulheres (...)”.

(Florestan Fernandes. Op. Cit. pp. 77-78)

Sociedades tribais guaranis

A grande nação Guarani, que à época da conquista conglomerava diversos povos, teve seu projeto histórico interrompido e subordinado à conquista espanhola. Em 1537 (data da chegada dos conquistadores espanhóis a Assunción), parte desses povos Guarani viram-se frente a frente com os juruá e, consequentemente, com todo o projeto colonial da coroa espanhola, com missionários sedentos de almas e soldados venturosos em busca de glória e riqueza.

Parte destes índios foi incorporada pelas engrenagens da imensa e complexa máquina colonial nas inúmeras encomiendas espanholas, sofrendo um terrível e imediato ocaso demográfico. Segundo alguns estudos, desses grupos ecomiendados não sobraram mais do que 10% da população original, dizimada tanto pela intensidade do trabalho forçado, quanto pelas inúmeras doenças trazidas pelos conquistadores. Posteriormente, estes índios, descaracterizados, diluíram-se junto as populações invasoras europeias. O antropólogo Darcy Ribeiro aponta o

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mesmo processo na conquista da América Portuguesa:

"Milhares de índios foram incorporados por essa via à sociedade colonial. Incorporados não para se integraram nela na qualidade de membros, mas para serem desgastados até a morte, servindo como bestas de carga a quem deles se apropriava. Assim foi ao longo dos séculos, uma vez que cada frente de expansão que se abria sobre uma área nova, deparando lá com tribos arredias, fazia delas imediatamente um manancial de trabalhadores cativos e de mulheres capturadas para o trabalho agrícola, para a gestação de crianças e para o cativeiro doméstico".

Um segundo grupo, que podemos chamar de índios missioneros, encontrou refúgio da sanha colonialista nas reduções dos missionários jesuítas espanhóis e portugueses e, durante um certo tempo, apesar dos enormes esforços de catequização por parte dos religiosos, conseguiu, ainda que de forma camuflada, reproduzir-se culturalmente. Com o fim das reduções e a consequente expulsão dos jesuítas das colônias ibéricas, esses Guaranis das Missões foram vitimados por frequentes e violentas expedições de apresamento por parte dos bandeirantes paulistas e pela cobiça dosencomenderos espanhóis. Os que, posteriormente, sobreviveram a este genocídio não retornaram às matas; ao contrário, como muitos deles haviam aprendido ofícios diversos e haviam se tornados artesãos, marceneiros, carpinteiros e músicos, dirigiram-se aos grandes centros urbanos da época, estabelecendo-se nas cercanias de Montevidéu, Buenos Aires e Santa Fé. Um terceiro grupoGuarani permaneceu fora do alcance das garras coloniais, escondendo-se nas densas florestas paraguaias.

Não seria a busca da "terra-sem-mal" o grande impulsionador das caminhadas guranis?Temos assim a questão fundamental sobre os estudos acerca dos Guaranis: a busca da "terra-sem-males" como fator essencial para se entender sua visão mundo. A colonização promovida pelos europeus causou a reativação deste misticismo indígena. Misturando-se ainda à influência da catequeze cristã sobre os índios.

Assim, o rezador guarani, Ñanderu’i, nos lembra a imagem bíblica do homem que se encontra refugiado em seu oratório cercado por um mundo pecaminoso e imperfeito. Assim, o rezador refugia-se em seu tekohá em busca de salvação, isolando-se de todo o contato com o mundo exterior, isto é, exterior à tradição Guarani. Somente através da rememoração (no sentido mítico de retornar a pureza original) obtida pela reza, é que o índio acumule forças suficientes para empreender a “grande viagem”. Assim:

"Índio encomendado era o índio entregue ao espanhol para fins de conversão e catequese. Originada na Espanha medieval e no repartimento das populações mouras entre os conquistadores espanhóis, na colonização americana a encomienda se desenvolveu como uma relação de proteção e de dependência entre grupos de índios e um patrono, ou colonizador, que tinha a obrigação de doutriná-lo, em troca da utilização de seu trabalho. Na

realidade a 'encomienda' constitui uma instituição capital no desenvolvimento da colonização de mão de obra indígena em proveito do europeu e acobertando a escravidão indígena, pois deixava a salvo a liberdade jurídica do índio, resguardando a suprema soberania da Coroa espanhola sobre novos súditos". (DE ALMEIDA, Rubem Ferreira Thomaz. Relatório sobre a situação dos Guarani-Mbya do Rio Grande do Sul: a questão de terras. Rio

de Janeiro: Fundação Nacional do Índio, datilografado. 1985, p. 27).

O indígena Guarani pode ser caracterizado por alguns aspectos básicos: a) pela língua Guarani b) por ser migrante (migração condicionada - agricultores) c) trabalhar agricultura d) por praticar a economia de reciprocidade. e) viver em uma sociedade sem estado f) viver uma religião da palavra inspirada

Os primeiros Guarani eram oriundos do rio Guaporé no norte do Brasil e paulatinamente desceram o rio Madeira (em 5.000 a.C) chegando a bacia do rio Paraná. Em sua relação com as coisas da terra, pode-se afirmar que o Guarani é migrante; uma espécie de colono que jamais abandona suas áreas conquistadas e habitadas. Uma família, ou mesmo um grande grupo pode deslocar-se para outras áreas, mas, jamais o grupo todo, a terra colonizada nunca é abandonada completamente, sempre ficam alguns "tomando conta".

Os Guaranis se dividem em três grupos que sofreram

diferentes formas de contato, distintas adaptações históricas e culturais. Compara-se a trajetória Guaranítica com o leito de um rio que subitamente encontra um obstáculo e é obrigado o dividir suas águas. Este obstáculo é a colonização.

Existiram três trajetórias distintas:

A) O indígena que sofreu o impacto do colonialismo de frente e fez parte desta história, ora como índio "civilizado", ora como escravo nas encomiendas. É o Guarani fisicamente e culturalmente mestiço, o grupo que mais sofreu adaptações. E, este indígena ecomiendado termina por internalizar o desprezo do conquistador e quando possível tenta passar-se por não-índio.

B) Os Guarani reduzidos, povos indígenas convertidos ao

cristianismo que viviam juntos aos jesuítas segregados do resto da colônia, como um estado dentro do estado, que com o fim das colônias não retornaram a selva, mas se tornaram músicos, marceneiros, artesões junto aos grandes centros urbanos da colônia, como Buenos Aires e Assunção.

C) Os Caaguá, que se mantiveram ao largo do processo

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colonizatório o tanto quanto possível, internados nas selvas platinas. Este grupo logrou manter sua cultura original quase que intacta.

Deste último grupo, os Caaguá, é que descendem os

grupos Guarani Mbÿa, Chiripá ou Ñandeva e os Paitvyterã ou Kaiowá.

Conceito de terra para o povo indígena Guarani é intimamente relacionado à ideia de terra-sem-males. Esta concepção aponta a terra como um lugar no qual se vive o "bom viver". Nesse sentido, atenção: viver não é sinônimo de produzir. A terra não apenas um espaço de produção econômica, mas, é um lugar no qual se vive o teko. Como nas palavras dos velhos Guaranis – sem tekoha (lugar para viver – terra), não há teko (jeito de ser). Ou seja, sem a materialidade da terra, não há possibilidade de construir-se enquanto ser cultural. Sem tekoha não háTEKO.

Um dos pontos mais importantes do TEKO é a relação de parentesco, originada no grupo familiar extenso. As relações de compadrio, de vizinhança são extremamente importantes para os Guaranis, pois, somente deste modo é possível a economia de reciprocidade. Nesta economia, o indivíduo se sobrepõe não pelo acúmulo e sim pela generosidade, uma lógica antagônica a lógica capitalista, que privilegia o acúmulo de bens privados.

Nesse sentido, o comportamento predador, típico da sociedade colonialista, que aniquila a caça e privatiza os recursos naturais de coleta, é visto como um mal irreparável pelos Guaranis, como uma terrível ameaça ao equilíbrio do seu mundo.

Pré-história da Amazônia

Em uma historiografia tradicional, a Amazônia teria sido uma região onde se desenvolveram apenas sociedades simples, igualitárias e de pequeno porte. Elas teriam “estagnado” no estágio de tribos, sendo isso resultado das dificuldades criadas pelo meio ambiente homogêneo de floresta tropical, o que impediu o crescimento demográfico de suas sociedades indígenas.

Tal hipótese explicativa ignorava que, desde um período remoto, provavelmente recuado ao VI milênio a. C., havia uma importante articulação entre as sociedades indígenas da costa do Pacífico, dos Andes e da floresta tropical, cujo resultado foi uma intensa troca de experiências culturais entre as mesmas, inclusive no sentido floresta tropical – Andes.

Os estudos acerca das sociedades indígenas da Amazônia dividem geograficamente a região em Terra Firme, área que corresponderia a 98% da grande planície amazônica e que seria caracterizada pela floresta espessa, por solos pouco férteis e por frágil equilíbrio ecológico, e a Várzea, que corresponde em 1/5 da região amazônica, caracterizando-se por ser uma área sujeita a inundações, com grande concentração demográfica, aldeias de grande porte e por ter sido a via de penetração colonial.

O mito criado acerca da Amazônia ser uma região esparsamente habitada mesmo antes da conquista e colonização europeias não se sustenta diante das evidências

encontradas na região. Dos aproximadamente 6 milhões de índios que habitavam o Brasil quando da chegada dos portugueses, cerca de 2 milhões estariam concentrados na Amazônia, sendo que na Terra Firme haveria uma população de 1.050.000 e na Várzea, de 950.000, ou seja, quase a metade da população da região, o que demonstra ser a área de maior concentração demográfica. Isso demonstraria que o meio ambiente da Várzea havido sido favorável ao crescimento da população e ao possível desenvolvimento de sociedades indígenas complexas, como seria o caso da Sociedade Marajoara.

As pesquisas desenvolvidas pela arqueóloga norte-americana Anna Roosevelt na ilha do Marajó, que possui uma área de quase 50 mil km2, resultaram na descoberta de indícios que apontam para o desenvolvimento de uma sociedade indígena complexa na Amazônia, comprometendo a classificação de Steward que indicava o contrário.

As escavações arqueológicas feitas na ilha por Roosevelt levaram a descoberta de grandes tesos, aterros artificiais elevados de 3 a 20m acima da atual planície, mas que em média estariam a 7m de elevação e que serviriam para fins habitacionais, cerimoniais e/ou funerários. A construção dos tesos exigiria da sociedade que se desenvolveu na ilha conhecimentos de engenharia, pois, segundo Anna Roosevelt, nos sítios arqueológicos formados por um sistema de vários tesos erguiam-se vilas de 1 a 5 mil habitantes, chegando a 10 mil onde havia múltiplos aterros articulados entre si. A população total da área foi estimada em 100 a 200 mil habitantes.

Nos tesos foram encontrados cemitérios, nos quais se acharam urnas funerárias construídas pela magnífica indústria cerâmica marajoara, contendo esqueletos bem preservados. Cerâmica policrômica nas cores vermelho, branco e preto, ricamente decorada com motivos geométricos, além de apliques em alto relevo com imagens antropomórficas e zoomórficas, o que exigiria o domínio da arte da escultura. Como havia nos cemitérios urnas mais sofisticadas e mais simples, que indicavam distinção nas formas de enterrar os mortos, levantaram-se algumas hipóteses para explicar tal diferença que vão desde a diferenciação social (elite e pessoas comuns) até o sexo e a idade do morto como fatores determinantes da forma funerária.

Teses arqueológicas sobre sociedades complexas na pré-história da Amazônia

Como explicar a presença na Amazônia de sociedades complexas? Alguns arqueólogos formularam teorias explicativas, tais como:

Betty Meggers – sua teoria procura explicar a presença da cultura marajoara na Amazônia como resultado de um processo migratório de uma população subandina, que entre os séculos IV e V estabeleceu-se na foz do Amazonas (Ilha do Marajó), já dotada de um padrão civilizacional elevado. O desenvolvimento de tal sociedade teria sido dificultado pelo meio ambiente desfavorável da Amazônia,

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levando-a a entrar em decadência a partir do século XI e a desaparecer entre os séculos XIII e XIV. Pela teoria de Meggers o povo indígena que desenvolveu a sociedade marajoara não era autóctone (originários da própria terra). Donald Lathrap – sua teoria, embora adote o mesmo critério de análise usado por Steward, Service e Meggers, que associa meio ambiente, crescimento demográfico e estágios complexos de evolução, inverte a lógica das teorias anteriores, defendendo a ideia de que a Amazônia foi um pólo de desenvolvimento cultural, pois havia sido um centro de domesticação de plantas e de um sistema produtivo baseado na mandioca amarga, além de local de desenvolvimento da primeira indústria cerâmica, pois as datações mais antigas de restos de cerâmica foram feitas no baixo Amazonas, na região de Santarém. Para Lathrap, o meio ambiente amazônico havia favorecido o crescimento demográfico de algumas sociedades indígenas, como a marajoara, permitindo o desenvolvimento de sociedades complexas. Anna Roosevelt – sua teoria baseia-se na afirmação de que, a partir do primeiro milênio antes da era cristã, ocorreram modificações na organização das sociedades da várzea, tais como: crescimento demográfico, intensificação da produção, especialização da produção artesanal, expansão das redes de comércio, estratificação social e centralização política. Essas modificações teriam levado ao desenvolvimento de cacicados complexos por volta do ano 1000 d.C., que constituir-se-iam em sociedades belicosas e expansionistas.

O desenvolvimento das sociedades da Amazônia pré-cabralina

O estudo da história do Brasil tradicionalmente iniciava-se com a chegada dos portugueses a Bahia (1500) e as regiões do país que eles passaram a colonizar. No caso da Amazônia, nossa história principiava-se com o registro das primeiras expedições europeias no território e com a fundação de Belém (1616). Isto deixava uma grande lacuna no que se refere ao que teria acontecido na Amazônia e no Pará no período de tempo que precede essas datas. Quando os portugueses chegaram ao Brasil não encontraram a terra desabitada, ela já estava ocupada por povos que viviam numa cultura neolítica, aos quais os europeus denominaram de “índios”, pensando que tivessem atingido algum ponto do Oriente Asiático, naquela época chamada genericamente de “índias”.

Inúmeros arqueólogos continuam pesquisando a pré-história amazônica através da análise de vários vestígios, isto é, de restos materiais como fragmentos de cerâmica, pedras e ossos, por resíduos de fogueiras (como carvão e cinzas), esqueletos em enterramentos, vestígios de habitações, casas, túmulos, etc. Estes locais onde se encontram materiais ou vestígios arqueológicos chamamos de sítios arqueológicos. Todo material arqueológico encontrado em um sítio é importante. E não apenas as peças inteiras ou mais bonitas. Na Amazônia, o clima quente

é úmido da região geralmente não favorece a preservação de vestígios orgânicos (restos de materiais de seres vivos). Por isso, são principalmente os objetos cerâmicos e de pedra que mais se conservam e chegam aos nossos dias.

Na Amazônia existem diversos tipos de sítios arqueológicos: Tesos: são aterros artificiais construídos para servirem de habitação ou túmulos em áreas sujeitas a inundações em determinadas épocas do ano. No Pará este tipo de sítio é encontrado na Ilha do Marajó. Sítio-habitação: eram locais de moradia, geralmente apresentam a terra escurecida pela presença de alto teor de matéria orgânica no solo. Estão presentes em toda a região amazônica. Sambaquis: são sítios formados pela acumulação de conchas de moluscos marinhos ou fluviais e também por restos de peixes e outros mariscos da área de habitação. Estão situados nas proximidades do mar ou de rios. São encontrados no litoral do Pará e na região do estuário e do baixo rio Amazonas. Estearias: eram sítios habitações formadas por palafitas construídas a beira de rios e lagos. Foram localizadas no Maranhão. Sítios de arte rupestres: são locais onde se acham figuras pitadas (de uma ou mais cores) e/ou gravadas. Encontram-se geralmente nas paredes de grutas, abrigos de rocha, lajes e blocos de pedra nas margens dos rios. São comuns na região de Monte Alegre (PA). Cavernas e abrigos de rocha: são sítios localizados dentro de grutas, lajes e paredões rochosos. Um dos sítios arqueológicos mais antigos da Amazônia é a Gruta do Gavião, na região da serra de Carajás (próxima a Marabá) com cerca de 8.000 anos de idade.

No Pará, a única instituição científica brasileira que se dedica a pesquisa arqueológica é o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Fundado em 1866, o MPEG dedica-s4e ao estudo da Amazônia em seus aspectos naturais e humanos. A Área de Arqueologia do Museu está integrada ao Departamento de Ciências Humanas (DCH). Sua principal função é pesquisa e a produção de conhecimento sobre a pré-história da Amazônia buscando obter uma perspectiva geral da ocupação e da adaptação do homem pré-colombiano na região.

Lamentavelmente, centenas de sítios arqueológicos na Amazônia foram ou estão sendo destruídos pela ação do tempo (erosão, chuva, desgaste natural, etc) e pela atividade predatória do homem como desmatamento, garimpagem, indústria agropecuária, construção de hidrelétricas, rodovias, mineração e também pela ação de escavadores curiosos, os “caçadores de tesouros”, que realizam escavações sem critérios científicos a procura de peças bonitas para formarem coleções. Essas escavações clandestinas, além de destruírem os sítios arqueológicos

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sem acrescentar nada para a ciência, ainda são também consideradas ilegais pela legislação em vigor – Lei. 3.934 de 26/07/1961 sobre a proteção do patrimônio arqueológico. Por isso devem ser desencorajadas e denunciadas.

O conhecimento atual da pré-história da Amazônia permite-nos dividi-la em períodos ou “estágios” de acordo com seu nível cultural de desenvolvimento e padrões de subsistência. Deve-se esclarecer, entretanto que a divisão em períodos aqui representada é relativa, isto é, as datas são aproximações baseadas nos dados arqueológicos existentes. A) Os caçadores-coletores pré-cerâmicos (10.000 a.C):

São assim os primeiros habitantes da Amazônia devido

ao fato de levarem uma vida dedicada a caça, pesca, coleta de frutos e raízes comestíveis e por desconhecerem o uso da cerâmica. Não sabemos exatamente quando esses grupos chegaram à Amazônia vindos de regiões vizinhas, mas seguramente já estavam na região por volta de 10.000 a.C. Nesta época, devido ao clima mais frio e seco, a floresta amazônica era vem menor do que hoje. A maior parte da região era coberta por cerrados, que teriam facilitado a entrada e a passagem de grupos caçadores-coletores pré-históricos para a região.

A subsistência era baseada na caça de animais de

pequeno e médio porte, na pesca, que deveria ser abundante nas margens dos rios maiores, e na coleta de frutos, sementes, raízes, além de larvas e insetos. Os alimentos eram divididos igualmente entre os membros do grupo. A agricultura não era ainda conhecida.

A população era pequena e espalhava-se por toda

região. Os caçadores-coletores estavam organizados em pequenos bandos familiares de algumas dezenas de indivíduos que levavam uma existência nômade, permanecendo numa região até os recursos de caça e alimentos vegetais escassearem. Seus acampamentos consistiam de rústicas cabanas de madeira e palha, mas também se utilizavam abrigos naturais como grutas e cavernas. Seus utensílios eram poucos. Fabricavam instrumentos de madeira, osso, conchas, fibras e pedra. Entre esses últimos estavam artefato que eram utilizados como facas, raspadores, ponta-de-flechas, etc. B) Os coletores-pescadores ceramistas (c. 3.200.200 a.C.):

Enquanto os caçadores-coletores ocupavam o interior da

região, outros grupos nos últimos milênios que antecedem a Era Cristã, desenvolviam um modo de subsistência voltado para a pesca e para a coleta de moluscos dos rios e oceanos.

No final do quarto milênio a.C., o litoral do Pará,

conhecido com zona do Salgado, oferecia uma grande disponibilidade de recursos alimentares típicos da beira mar. Estas condições favoreceram a instalação de grupos que se especializaram na pesca e na coleta de moluscos (conchas) e crustáceos (caranguejo). Sua alimentação era completada

por caça miúda e vegetal. Seus locais de habitação eram os sambaquis, que se situavam sempre em locais próximos à água (rios, furos, canais e baias). Neles foram encontrados os mais antigos do Brasil e da América do Sul. Apesar de conhecerem a cerâmica, não sabemos exatamente se a agricultura já era praticada.

Os grupos sambaquieiros também estavam espalhados

pelas regiões do baixo Amazonas – existem sítios sambaquis em Taperinha, próximo de Santarém – e também nos rios Xingu e Tocantins.

C) Os agricultores incipientes (1.5 – 200 a.C.):

Não se sabe ao certo onde e quando surgiu a agricultura na Amazônia. O plantio da mandioca é muito antigo, ela já estava domesticada há seguramente 5.000 anos antes do presente e com o tempo passou a ser um dos principais alimentos dos grupos pré-históricos no Brasil. Com a agricultura também se difundiu a cerâmica.

As primeiras comunidades de agricultores ceramistas incipientes ainda viviam basicamente da coleta de vegetais da caça e da pesca, sendo, porém sua alimentação completada por um incipiente plantio de raízes tropicais (daí o seu nome). As aldeias eram pequenas, espalhadas e, dependendo da disponibilidade de recursos, não fixas, deslocando-se após algum tempo de permanência em um local. Como exemplo desses grupos podemos citar a fase Ananatuba, (dá-se o nome de fase a qualquer cultura arqueológica relacionada no tempo e no espaço, num ou mais sítios) localizada em quatro sítios de Marajó. Suas aldeias eram pequenas e espalhadas. Uma grande casa comunal abrigava toda a comunidade, que deveria ter de 100 a 150 indivíduos. Sempre se localizavam próximos de um rio ou igarapé. A subsistência baseava-se na caça e na pesca, com provável dependência de um cultivo complementar de raízes ou sementes, podendo por isso, de acordo com a espessura da camada arqueológica, permaneceram até 100 anos no mesmo local. D) Os horticultores de floresta tropical (1.000 a.C. – 1600 d.

C.):

Em torno do ano 1.000 a.C. restos de panelas e pratos cerâmicos para assar a mandioca aparecem em grande quantidade em alguns sítios do norte da bacia amazônica, espalhando-se depois por toda a região. Ao contrário do período anterior, sua economia baseava-se, além do cultivo da mandioca e batata doce, no plantio de milho, feijão, amendoim, jerimum, algodão, tabaco e outros tipos de cultivo como árvores frutíferas e palmeiras (açaí e pupunha). Essa alimentação era completada pela pesca e peça caça. A preparação dos campos para o cultivo era feita por meio da técnica agrícola conhecida como “coivara” – que consistia na derrubada e queima da mata no local escolhido para a roça. Esta técnica ainda é utilizada pelos caboclos da região amazônica.

Suas aldeias eram independentes uma das outras, podendo, porém estar ligadas por laços tribais. A divisão do

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trabalho era pelo sexo e pela idade. Podiam ter uma grande casa comunal (maloca onde habitavam várias famílias) ou então várias menores, dispostas ao redor de uma praça. Permaneciam vários anos num local até que as colheitas esgotassem o solo, diminuindo a produção, procurava então um novo local para se instalarem. O chefe era escolhido entre os homens mais experientes e mais corajosos, mas possuía fraco poder político.

Manufaturavam com habilidade a cerâmica, que era bem desenvolvida. Alguns vasos eram decorados com técnicas como a incisão, excisão, modelagem, pintura, etc. Fabricavam também artefatos líticos (de pedra) canoas (muito importantes para o seu modo de vida na beira do rio como meio de transporte e de pesca), redes, cestos, paneiros, objetos domésticos ou de uso ritual. Os sepultamentos eram as vezes realizadas em grandes urnas cerâmicas onde se depositavam os ossos após a decomposição do corpo; esta prática funerária chama-se enterramento secundário.

E) Os agricultores de Várzea (1000-1.600 d.C.):

Tanto os dados arqueológicos como os relatos dos primeiros viajantes europeus dos séculos XVI e XVII, indicam que as aldeias indígenas das Várzeas do rio Amazonas e alguns de seus afluentes eram bem maiores e mais permanentes que a dos grupos de horticultores de floresta tropical que viviam nas áreas próximas ou nas florestas mais distantes dos grandes rios. Isto é explicado pelo fato das várzeas serem anualmente inundadas durante o período das cheias, criando terras férteis para o cultivo. A fertilidade do solo permitia grandes colheitas de cereais ricos em proteínas com o milho, que era largamente utilizado. Além disso, as águas do Amazonas também ofereciam maior disponibilidade de recursos aquáticos como diversas espécies de peixes, as tartarugas, o peixe-boi, o pirarucu, etc. esses fatores ecológicos possibilitaram o desenvolvimento de uma alta densidade populacional nas Várzeas.

As aldeias formavam confederações que eram governadas por chefes com forte poder político (cacicados). Existia uma diferenciação na posição social dos indivíduos e na divisão do trabalho (cultivadores, artesãos, guerreiros, sacerdotes e chefes), características de uma sociedade dividida em diferentes camadas sociais.

A indústria cerâmica alcançou um nível técnico até então inatingido nas épocas anteriores. As formas e as técnicas de confecção eram variadas; fabricavam-se além de vasos e urnas, estatuetas, tangas, fusos, carimbos, bancos, figurinhas, etc. Confeccionavam também artefatos líticos.

As principais culturas de várzea documentadas na Amazônia brasileira forma as que floresceram em Santarém, na foz do rio Tapajós, e na ilha do Marajó.

A fase Marajoara é uma das mais conhecidas culturas arqueológicas do Estado do Pará e da Amazônia, não só pela beleza estética de sua cerâmica, mas também por sua técnica ser atualmente imitada pelos artesãos de Icoaraci, uma vila próxima a Belém, e também na Ilha do Marajó. A

cerâmica do Marajó era decorada com várias cores, geralmente pintura vermelha e preta sobre a superfície pintada de branco, seguindo-se as vezes técnicas de incisão ou excisão na superfície do vasilhame. Datações arqueológicas mostram que a fase Marajoara existiu entre cerca de 400 a 1,350 d.C. e caracterizou-se pela construção de grandes aterros artificiais, os tesos. Quando os europeus chegaram ela não mais existia.

A cultura Tapajônica ou Santarém desenvolveu-se no baixo Amazonas em torno da cidade de Santarém, que era uma de suas maiores aldeias, chegando a ter de acordo com alguns cronistas até 60.000 guerreiros. Suas aldeias eram grandes e numerosas. Elaboraram uma delicada arte cerâmica com características barrocas. Os vasos decorados eram de duas formas principais: os de “gargalo” e os de “cariátides”. Confeccionavam com habilidade os famosos muiraquitãs (adornos de pedra polida), geralmente em formas de rãs.

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