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    O AXIOMA DA ESCOLHA, O LEMA DE ZORN E O TEOREMA DEZERMELO

    REMY DE PAIVA SANCHIS

    Resumo. Apos uma breve discussao sobre as origens do Axioma da Escolha, discutiremosnessas notas a equivalencia das tres asser coes do ttulo no contexto dos Axiomas de Zermelo-Fraenkel. Na ultima se cao tambem apresentaremos algumas conseq uencias dos Axioma daEscolha. As notas sao baseadas em [1, 3, 4] e no pre-print [2].

    Vers ao Rascunho AindaClaro que n ao, mas parece que funciona,

    mesmo quando n ao acreditamos. Niels Bohr (quando lhe perguntaram se

    realmente acreditava que a ferradura

    pendurada na sua porta lhe daria sorte). 1

    No creo en brujas, pero que las hay, las hay

    Ditado Espanhol

    1. Introduc ao

    Muito se discutiu sobre o Axioma da Escolha nos ultimos 100 anos. Ate os ns do seculo XIXaceitava-se a no cao de conjunto como sendo uma cole cao qualquer de objetos, no entanto coma necessidade crescente de rigor no pensamento matem atico, comecou-se a perceber que essadenicao vaga e intuitiva j a nao era suciente. Particularmente claro cou quando Russel,em 1901, fez a construcao que e hoje conhecida como Paradoxo de Russel: Primeiramentenotamos que um conjunto pode ou nao pertencer a si mesmo. Tomamos entao o conjuntocujos elementos sao todos os conjuntos que n ao contem a si mesmo. Entao, se esse conjuntonao contem a si mesmo, deve, por denicao, conter a si mesmo, mas, se contem a si mesmo,nao pode pertencer a si mesmo! Esta construcao mostrou que n ao era possvel construir umamatem atica coerente somente com uma denicao informal de conjunto.

    Varios matem aticos se debru caram sobre o problema de criar axiomas para se estabeleceruma Teoria dos Conjuntos especicando-se regras para a forma cao de objetos que se cha-mariam conjuntos e com os quais poderia-se justicar os raciocnios informais que ate ent aoeram usados. Em 1904, Zermelo apresenta `a comunidade matematica uma possvel colecaode axiomas para a Teoria dos Conjuntos que, com pequenas modica coes e hoje conhe-cido como Axiomas de Fraenkel-Zemelo (FZ). Apresentaremos esse sistema axiom atico naprimeira se cao. Pode-se dizer que esse sistema foi bem sucedido, no sentido de conseguirestabelecer uma base logicamente coerente e ao mesmo tempo abrangente suciente para ateoria matematica feita ate momento.

    1 Cita cao encontrada em [6]

    1

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    No entanto, para o estabelecimento da veracidade de alguns teoremas, usava-se o seguintefato: dada uma cole cao de conjuntos, e possvel formar um novo conjunto contendo exa-tamente um elemento de cada conjunto da cole cao dada. O pr oprio Zermelo hesitava emespecicar um axioma para justicar esse fato . Pois, se por um lado, n ao era claro se essefato decorria ou n ao do sistema axiomatico, por outro, o axiomas desses sistemas eram denatureza construtiva enquanto o fato mencionado e de natureza existencial, o que geravaduvidas sobre a sua legitimidade. Houve um certo consenso de que seria necessario acrescen-tar um novo axioma, o Axioma da Escolha que foi pela primeira vez formalmente enunciadopor Zermelo em 1905. Vale notar que mais de trinta anos depois, em 1939, Godel mostrouque se o sistema FZ era consistente entao o sistema acrescido do Axiom da Escolha tambemo era e, somente na segunda metade do seculo XX, em 1963, Cohen mostrou que realmenteo Axioma da Escolha nao e consequencia dos axiomas FZ.

    Mas a discussao nao se encerra com a introducao de um novo axioma pois, se por um lado,ele garantia a existencia de certos conjuntos, n ao dava nenhuma maneira de constru-lo e, ate

    ent ao, muitos consideravam que um objeto matem atico somente existia se houvesse um meiode contru-lo, digamos um algortmo l ogico para sua constru cao. De certa forma podemosdizer que essa discussao permanece ate os dias de hoje, mas, a bem da verdade, a grandemaioria dos matem aticos atuais nao se procupa com os fundamentos l ogicos da propriamatem atica. Por outro lado, mesmo se aceitando a existencia de objetos cuja constru caonao e conhecida, podemos nos perguntar se o Axioma da Escolha nos pereece plausvel, e,se seu enunciado informal n ao causa nenhuma estranheza, suas consequencias podem sersurpreendentes.

    Um exemplo famoso e o Paradoxo de Banach-Tarski de 1924 que, usando o Axioma daEscolha, arma existir uma maneira de particionar uma bola no espa co euclidiano em umnumero nito de partes e reorganiza-los atraves de movimentos rgidos de modo a formarduas bolas identicas `a original. Esse exemplo e um paradoxo no sentido de que ele contradiznossa intui cao fsica. Duas outras das consequencias do Axioma da Escolha s ao o Teoremade Zermelo e o Lema de Zorn. O Teorema de Zermelo foi estabelecido por este em 1905como consequencia do Axioma da Escolha e o Lema de Zorn, em 1935. Um dos objetivosdessas notas e o de mostrar que, de fato, esses dois resultados sao equivalentes ao Axiomada Escolha.

    Alem diso, com esse texto, queremos fornecer a um aluno de m de gradua cao ou incio demestrado uma pequena discussao de um assunto raramente tratado em cursos regulares, masque esteve, e de certa forma ainda esta, no cerne da pr opria quest ao dos fundamentos damatem atica. Essas notas foram feitas durante um curso de Topologia Geral em que eu n aoqueria gastar mais do que uma aula para apresentar esse resultado.A seguir daremos uma vers ao do sistema axiom atico FZ e enunciaremos o Axioma da Esco-lha de modo mais formal. Na secao seguinte, deniremos o que s ao conjuntos parcialmenteordenados e conjuntos bem ordenados, e enunciaremos o Lema de Zorn e o Teorema deZermelo. Em seguida faremos a demonstracao propriamente dita da equivalencia das as-sercoes e, nalmente apresentaremos algumas consequencias do Axioma da Escolha. Todasas referencias originais n ao explicitadas no texto podem ser encontradas em [5].

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    2. O sistema axiom atico de Fraenkel-Zermelo

    O objetivo de se criar um sistema axiomatico para uma Teoria dos Conjuntos e, primordi-almente, o de denir o que s ao conjuntos. Uma vez denidos, espera-se que as regras usuaisde opera cao entre conjuntos sigam como informalmente. Os axiomas servem se criar umateoria consistente e se evitar contradi coes como o Paradoxo de Russell.

    Nese sistema axiom atico os termo n ao denidos serao classe e a relacao de pertinencia entre classes. Todas as vari aveis serao classes. Usaremos ainda o smbolo A B paradesignar que a A a B. Convem notar que os axiomas abaixo nao encontram umconsenso universal, em diferentes textos podemos encontrar diferentes axiomas ditos de FZ,no entanto, todos geram o mesmo modelo.

    Inicialmente um axioma que garante a existencias de conjuntos.

    Axioma da Existencia. O vazio e um conjunto.

    O proximo axioma garante que dois conjuntos sao iguais, se contem os mesmo elementos.

    Axioma da Extensao. Se x X e x = y, ent ao y X .

    O proximo axioma garante que cada conjunto e formado por partes menores ou atomos quepodem ser considerados como seus alicerces ou funda coes. Esse axioma garante que n aoexiste um conjunto universal que contenha todos os conjuntos.

    Axioma da Funda cao. Para cada conjunto n ao vazio X , existe x X tal que x X = .

    Os proximos axiomas estabelecem regras para a formacao de novos conjuntos a partir deconjuntos conhecidos.

    Axioma da Compreensao. Para cada propriedade que quantica somente conjuntos, existeuma classe cujos elementos s ao exatamente os conjuntos que satisfazem essa propriedade.

    Axioma da Paridade. Se X e Y s ao conjuntos, ent ao a classe X = {x; x = X ou x = Y }e um conjunto.

    Uma famlia de conjuntos e uma classe {X }J em que tanto X sao conjuntos, como J eum conjunto.

    Axioma da Uni ao. Seja {X }J uma famlia de conjuntos, ent ao X e um conjunto.Axioma da Substitui cao. Se X e um conjunto, X uma classe e f : X X uma func ao,ent ao f (X ) e um conjunto.

    Denotaremos por P (X ) a classe formada por todos os subconjuntos de X . Assim P (X ) ={A X }.

    Axioma da Potencia. Se X e um conjunto, ent ao a classe P (X ) e um conjunto.

    Finalmente um axioma que garante a existencia de um conjunto indutivo.

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    Axioma do Innito. Existe um conjunto X tal que X e que se x X , ent ao x{x} X .

    O sistema acima e redundante, no sentido de alguns dos axiomas podem ser demonstrados apartir dos outro (como por exemplo o Axioma da Existencia). A experiencia tem mostradoque as demonstra coes aceitas pelos matem aticos em bases intuitivas, podem ser justicadasdentro desse sistema axiomatico.

    Finalmente enunciamos uma forma do axioma da escolha.

    Axioma da Escolha. Suponha que seja uma famlia de conjuntos {C }J disjuntos en ao-vazios, existe uma uma fun c ao : {C }J J C tal que (C ) C .

    Uma quest ao que surge naturalmente e a de saber se todas as possveis arma coes ma-tematicas podem ser demonstradas a partir dos axiomas acima. Isso infelizmente n ao ocorre.

    Um exmplo classico e o de saber se todo subconjunto innito dos reais podem ser colocadosem bijecao ou com os proprios reais ou com os naturais. Essa armacao e conhecida comoHipotese do contnuo e esta intimamente ligada `a criacao da Teoria dos Conjuntos. De fato,Hilbert, na lista de 23 problemas que formulou no Congresso Internacional de matem atica,em Paris, 1900, a prova da Hip otese do Contnuo ocupava a primeira posi cao. Godel, em1939, mostrou que ela n ao pode ser refutada dentro do sistema FZ acrescido do Axioma daescolha e, em 1963, Cohen mostrou que tambem nao pode ser demonstrada.

    Na pr oxima secao faremos algumas deni coes sobre conjuntos ordenados e enunciaremos oLema de Zorn e o Teorema de Zermelo.

    3. Relac oes de Ordem

    Lembramos que uma rela cao em um conjunto X e um subconjunto de X X . Como usual,dada uma rela cao em X , denotaremos x y para designar que ( x, y) pertence a relacao.

    Seja X um conjunto qualquer. Uma ordem parcial em X e uma rela cao tal que:

    a) x x, x X ,

    b) x y, y z x z, x,y,z X ,

    c) x y e y x implicam que x = y.

    Dizemos ent ao que o conjunto X e parcialmente ordenado . Notemos que, pela deni caoacima, dados x, y X nao e necess ario que x y ou y x, quando isso ocorre paraquaisquer x, y X , dizemos que X e totalmente ordenado .

    Se X e um conjunto qualquer, um exemplo de ordem parcial que ser a frequentemente utili-zado e a rela cao de inclusao em P (X ).

    Seja X um conjunto parcialmenete ordenado. Um elemento x X e maximal em X sex y x = y. Por outro lado, um elemento x X e o maior elemento de X se y x, y X . Dado um conjunto X parcialmente ordenado e A X , denimos o conjunto dascotas superiores de A como cs(A) = {x X ; a x, z a A}. Analogamente denimos

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    um elemento minimal , menor elemento de X e o conjunto das cotas inferiores de umsubconjunto de X .

    Dado um A X , podemos denir de maneira natural em A uma ordem parcial induzida pela

    ordem de X . Vemos entao que, em particular, se X for totalmente ordenado, A tambem osera. Um subconjunto A X e uma cadeia se, na ordem induzida, for totalmente ordenado.

    O Lema de Zorn, de 1935, e um princpio de maximalidade em conjuntos parcialmenteordenados e, se nao foi o primeiro do genero a ser formulado (Hausdorff havia formulado umsemelhante j a em 1909), certamente e o mais difundido. Podemos agora enunci a-lo.

    Lema de Zorn. Seja X um conjunto parcialmente ordenado tal que toda cadeia tenha pelomenos uma cota superior, ent ao X tem um elemento maximal.

    Para ns de notacao, escreveremos x < y para dizer que x y e x = y. Dado um conjuntototalmente ordenado X , denimos a seccao de a em X como S a = {x X ; x < a }. Noteque todo elemento x X em um conjunto bem ordenado tem um secessor imediato, ouseja, existe x1 X tal que {y X ; x < y < x 1} = , desta forma, um conjunto do tipo{y X ; y x} sempre pode ser escrito como {y X ; y < x 1}.

    Dizemos que um conjunto X e bem ordenado se todo subconjunto A tem um menor ele-mento com a ordem parcial induzida. Em particular, se um conjunto for bem ordenado,ent ao sera totalmente ordenado pois {x, y} tem menor elemento quaisquer que sejam x, y.A arma cao abaixo, como veremos, e equivalente ao Axioma da Escolha, no entando, histo-ricamente, foi demonstrado a partir dele, por isso leva o nome de Teorema de Zermelo.

    Teorema de Zermelo. Dado qualquer conjunto X , existe uma rela c ao de ordem tal que(X, ) e bem ordenado.

    4. Equival encia dos Axiomas

    Em primeiro lugar algumas observacoes sobre a nota cao no que segue. Por raz oes de clareza,sempre que n ao houver margem para duvidas, omitiremos o conjunto indexador de uni oes,interse coes e colecoes. Assim, escreveremos {A } para designar {A }J sempre que estiverclaro que o indexador e o conjunto J . Usaremos o ndice i para indexar conjuntos nitos.

    Teorema 1. O Axioma da Escolha, o Lema de Zorn e o Teorema de Zermelo s ao equiva-lentes.

    O Teorema de Zermelo implica o Axioma da Escolha Dada uma colecao de conjuntos{C }J , consideramos uma ordem total que torne C bem ordenado. Tomamos entao(C ) = min( C ). Essa pode ser tomada como a fun cao de escolha.

    Observac ao Note que n ao podemos proceder da seguinte forma: dada uma colecao de con- juntos {C }J , em cada um consideramos uma ordem total que torne C bem ordenado.Tomamos entao (C ) = min( C ). Pois dentre as (possivelmente) innitas rela coes de or-dem em cada C , deveramos escolher uma em particular para cada um. Ou seja, estaramosusando o Axioma da Escolha para demonstr a-lo! Essa observacao sera pertinente e umexemplo na secao 5.

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    O Lema de Zorn implica o Teorema de Zermelo Seja X um conjunto qualquer. Consi-dere os subconjuntos A X tais que exista um ordem em A, digamos A que torne A bemordenado. Seja B o conjunto dos pares ordenados ( A, A ) onde A X e A torna A bemordenado. Claramente B e n ao vazio pois, em particular B. Nosso objetivo sera mostrarque X B. Deniremos uma ordem parcial em B da seguinte forma. Dados A, B Bdiremos que A B se

    a) A B.

    b) A ordem A e induzida por B .

    c) Se x B \ A e y A, ent ao y B x.

    Acima usamos B \ A = {x X ; x B e x /A}. Claramente a transitividade dessa rela caodecorre de a) e b), logo B e parcialmente ordenado. Mostraremos que B satisfaz as hip otesesdo Lema de Zorn. Seja (A , ) uma cadeia em B. Considere o conjunto Aa e dois de seus

    elementos a, b, existe ent ao 0 tal que a, b A 0 ) . Denimos a U b se, e somente se, a 0 b.Pela condi cao b), a rela cao e coerente e dene uma ordem parcial. Para ver que essa rela caode ordem e uma boa ordenacao, notamos que se a A e b U a, ent ao b A . Vemosassim que, se L Aa e n ao vazio, existe 0 tal que L A 0 = , logo o menor elemento deL A 0 sera tambem o menor elemento de L. Como ainda, ( A , ) ( A , U ), obtemosa cota superior desejada.

    Usando o Lema de Zorn, obtemos um elemento maximal, digamos AM , se AM = X existiriaa X AM e poderamos obter formar um novo conjunto bem ordenado AM {a} declarando{a} como ultimo elemento do conjunto contradizendo a maximalidade de AM .

    O Axioma da Escolha implica o Lema de Zorn Para mostrarmos que o Lema de Zorn

    decorre do Axioma da escolha, usaremos dois lemas:

    Lema 1. Dado a X , existe S X que e bem ordenado com a ordem induzida, tal quea S e cs(S ) S .

    Lema 2. Se todo subconjunto bem ordenado de X tem alguma cota superior, ent ao X tem um elemento maximal.

    Note que o Lema de Zron decorre imediatamente do Lema 2 que, apesar de ter hip oteses

    mais fracas, tem aparentemente uma demonstra cao mais simples. Vejamos primeiramentecomo o Lema 1 implica o Lema 2.

    Demonstra c ao do Lema 2. Tomando a e S como no Lema 1, seja x cs(S ). Armamosque x e maximal em X , pois, se x y X , ent ao teremos necessariamente y cs(S ), logoy S , concluimos que y x, assim, x = y.

    Resta-nos, entao, provar o Lema 1.

    Demonstra c ao do Lema 1. Seja A = {S X ; S e bem ordenado , a = min( S )}. Clara-mante {a} A logo A e n ao vazio. Vamos supor por absurdo que dado a, nao exista S X satisfazendo as conclus oes do Lema 1. Ent ao, usando o Axioma da Escolha, podemos denir

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    a funcao: : A X ;

    S (S ) cs(S ) S

    Consideraremos agora as sec coes S x = {y S ; y < x }. Note que a seccao esta bem denidamesmo que x /S . Denimos ent ao

    A0 = {S A;x S { p}, (S x ) = x}

    Novamente, como {a} A0, vemos que o conjunto acima e n ao vazio. Armamos que, seS A0, ent ao S {(S )} A0. Com efeito, se x S , ent ao a seccao de x em S {(S )} eS x . Por outro lado, se x = (S ), ent ao a secao de x em S {(S )} e o pr oprio S .

    Armamos agora que podemos ordenar A0 como uma cadeia: Se S, S A0 e S = S , ent aoou existe s S tal que S = S s ou existe s S tal que S = S s .

    Seja C = {x S S ; S x = S x }. C nao e vazio pois {a} C . Ainda, se x C , ent aoS x C , ja que, como S x = S x , se y S x , temos que y < x , ent ao S y = ( S x ) = ( S x ) = S y .Logo y C . Concluimos ent ao que, se x C e y S C , ent ao x < y .

    Se C for diferente de S , tomamos s = min( S C ), ent ao C = S s e s = a. Nesse caso, C = S ou C = S s

    Consideramos S = A 0 S . Temos ent ao que, se x S A0, ent ao S x = S x . Podemosmostrar, por um argumento identico ao da demonstra cao anterior, que S e bem ordenado.Concluimos assim, que S A0, donde S {(S )} A0, logo (S ) S , o que contradiz aconstru cao da funcao .

    Observac ao: Na demonstracao acima, provamos que dado um elemento qualquer p deum conjunto ordenado, podemos armar que existe um conjunto maximal que o contem.Usaremos essa observa cao na demonstracao do Teorema de Tychonov.

    Fica assim demonstrada a equivalencia dos tres axiomas.

    5. Algumas consequ encias do Lema de Zorn e do Axioma da Escolha

    Apresentaremos agora algumas aplica coes classicas do Lema de Zorn e algumas consequenciasdo Axioma da Escolha. Se por um lado, em certas demontra coes necessitamos usar explici-

    tamente o Lema de Zorn, muitas vezes usamos uma forma do Axioma da Ecolha sem sequernos darmos conta. Considere a seguinte demonstra cao de que uniao enumer avel de conjuntosenumer aveis e enumer avel.

    Sejam {X i }iN uma colecao de conjuntos enumeraveis, ou seja, para cada i N, temosX i = {xi1, x i2, . . . , x in , . . . }, ent ao podemos enumerar o conjunto

    iN

    X i = {x11 , x12 , x21 , x22 , x23 , . . . }

    onde a ordem dos pares ordenados de naturais pode ser construida (por exemplo podemosdeclarar que ( a, b) (c, d) se a + b c+ d ou, caso a + b = c+ d, se a b). E sutil a utiliza cao

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    do Axioma da Escolha na demonstracao acima. Ela deu-se da seguinte forma. Sabemos quecada X i pode ser enumerado, mas para cada X i existem innitas enumeracoes, digamos{E (i ) }J , nesse ponto devemos escolher, para cada i N , uma das possveis enumeracoesde X i , ou seja, devemos fazer um numero innito de escolhas. Na realidade algo maisprofundo ocorre, poderamos pensar que que esta demonstra cao em particular usa o Axiomada Escolha, mas que seria possvel elaborar uma outra que n ao o usasse. Mas nao, pode-semostrar que esse resultado nao decorre do sistema axiom atico FZ e mais, sem o Axioma daescolha nao podemos nem mostrar que o conjunto dos numeros reais n ao e enumer avel (ver[3]).

    5.1. Base de Hamel. Seja E um espaco vetorial sobre um corpo de escalares K . Dizemosque uma colecao {e }J E e linearmente independente se, para todo I J nito,

    iI

    ki ei = 0 ki = 0 , i I

    Uma base de Hamel para E e uma cole cao de elementos de E linearmente independentes,H = {e }J tal que todo elemento x E pode ser escrito como uma soma nita decombinacoes lineares de elementos de H , ou seja, existe I J nito e {ki }iI K tais quex = iI ki ei .

    Teorema 2. Todo espa co vetorial admite uma base de Hamel.

    Esse resultado foi originalmente demonstrado por Hamel em 1905. Recentemente, em 1984,Blass demonstrou que por outro lado, o Teorema da base de Hamel implica no Axioma daEscolha. Ficando assim estabelecida a equivalencia entre os dois resultados.

    Demonstra c ao : Considere o conjunto B cujos elementos sao colecoes de vetores linearmenteindependentes, B nao e vazio pois B. Consideramos a rela cao de ordem dada pelainclusao de conjuntos em B. Suponha que {I b} seja uma cadeia em B, ent ao I B pois dada uma cole cao nita {e1, . . . , en } I , ent ao certamente existe 0 tal que{e1, . . . , en } I 0 . Como I 0 e formado por vetores linearmente independentes, podemosconcluir que I e um conjunto de vetores linearmente independentes. Pelo Lema de Zorn,existe um elemento maximal em B, digamos I M . Armamos que I M e uma base de Hamel,efetivamente, dado e / I M , ent ao I M {e} nao e linearmente independente, logo, existemescalares {k, k1, . . . , kn } e vetores {e1, . . . , en } I M tais que ke + k1e1 + + kn en = 0, comok = 0, teremos entao:

    e = 1k

    n

    i=1 ki ei

    5.2. Teorema de Tychonov. Primeiramente deniremos o que e um espa co topologico.Uma topologia em um conjunto X e uma cole cao de subconjuntos de X que satisfaz:

    a) , X .

    b) Se A1, . . . , An , ent aoni=1 Ai .

    c) Se {A }J e uma famlia de elementos de , ent ao J A .

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    Os elementos de sao chamados de abertos de X , seus complementares s ao chamados defechados. Dado A X qualquer, seu fecho A e a intersecao de todos os fechados que ocontem. Um par ( X, ) e um espa co topologico quando e uma topologia em X . Umsubconjunto K de X e dito compacto quando, para qualquer famlia {A }J de abertos deX tal que K A , existir I J nito tal que K iI Ai .

    Dizemos que uma colecao {F }J sasfaz a Propriedade da Intersecao Finita (PIF) se paraqualquer I J nito, i F i = . Usaremos o seguinte resultado: Um espaco X e compactose, e somente se, para toda famlia de fechados {F }J que satisfaz a PIF, temos, F = .

    Teorema 3. Seja {K }J uma famlia de espa cos compactos, ent ao o produto cartesiano K e compacto.

    Este teorema foi demonstrado por Tychonov em 1930. Em 1950, Kelley mostrou que, de

    fato, e equivalente ao Axioma da Escolha.Demonstra c ao : Seja o conjunto cujos elementos sao colecoes de fechados que satisfazema PIF. Se ordenarmos por inclusao, o Lema de Zorn garante que dada uma colecao defechados com a PIF, entao existe alguma colecao maximal em satisfazendo a PIF. Essacolecao maximal n ao e, necessariamente, formada por fechados. Logo, para mostrar que umconjunto e compacto, basta mostrar que para toda cole cao maximal satisfazendo a PIF, ofecho de seus elementos tem intersecao nao vazia (para a demonstracao desse fato ver, porexemplo [1]).

    Notamos que se M e maximal e A F = para todo F M, ent ao A M. Comefeito, seja {F 1, . . . , F n } M, ent ao F i M logo F 1 F n A = . Concluimos que

    A M.Seja M maximal, devemos mostrar que F M F = . Considere M = { (F ), F M} . Onde e a pro je cao na coordenada , ou seja, se x = ( x )J , ent ao (x) = x .Ent ao M satisfaz a PIF e, como cada X e compacto, podemos tomar x F M a F = .Mostraremos agora que x = ( x )J F para todo F M. Se U e um aberto que contemx , podemos ver que 1 (U ) intersepta todo F M, pois x (F ). Segue do paragrafoanterior que 1 (U ) M, logo todo elemento da base que contem x intersepta F qualquerque seja o F M, concluimos que x F . Logo M F = .

    5.3. Conjuntos n ao mensur aveis. Uma medida na reta real e uma fun cao que idealmentea cada subconjunto da reta, associa um n umero real, dito sua medida. Mais precisamentebuscamos uma fun cao m : P (R ) R tal que

    a) m(A) 0 para todo A R ,

    b) m() = 0,

    c) m seja invariante por transla cao, ou seja m(A) = m(A + x) qualquer que seja x R ,

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    d) Se {Ai }iN e uma cole cao enumer avel de subconjuntos disjuntos da reta, ent ao

    m

    i=1

    Ai =

    i=1

    m(Ai),

    e) m [0, 1] = 1.

    Note que, se A B ent ao, m(B) = m(A) + m(B A), ou seja m(B) m(A).

    Teorema 4. N ao existe uma fun c ao com as propriedades acima.

    Demonstra c ao :

    Suponha que tal fun cao exista e considere no intervalo [0 , 1] a relacao de equivalencia x yse, e somente se, x y Q . Essa rela cao particiona o intervalo em classes de equivalencia,digamos Cx . Usando o Axioma da Escolha, podemos formar um conjunto A que contenhaexatamente um elemento de cada classe de equivalencia. Denotaremos, para cada q Q [0, 1], o conjunto Aq = {a + q; a A}. Vemos assim que Aq [0, 2], se q = p ent ao Aq eA p sao disjuntos e um e a translacao do outro. Como a medida e invariante por transla cao,m(Aq) = m(A p). Concluimos ent ao que q m(Aq) m([0, 2]) < , logo m(Aq) = 0. Poroutro lado, [0, 1] Aq logo m(Aq) 1 o que e absurdo.

    Esse conjunto foi obtido originalmente por Vitalli em 1905. Em 1965, Solovay mostrou quesua constru cao e independente dos outros axiomas

    Refer encias

    [1] DUGUNJI, J.Topology

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    Departamento de Matem atica - UFMG

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