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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA Séculos XV - XX Centro de Estudos de História do Atlântico Secretaria Regional do Turismo e Cultura 2003 Alberto Vieira

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A VINHA E O VINHO

NA HISTÓRIA DA MADEIRA

Séculos XV - XX

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA

Séculos XV - XX

Alberto Vieira

Centro de Estudos de História do Atlântico

Secretaria Regional do Turismo e Cultura

2003

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX2 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 3

ÍNDICE GERAL

ABREVIATURAS.....................................................................................4

INTRODUÇÃO.........................................................................................7

O VINHO NA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA

• A história do vinho ................................................................................8• A historiografia do vinho.....................................................................15• As fontes .............................................................................................25• A bibliografia .......................................................................................36

DA VINHA AO VINHO

• A VITICULTURA E A PRODUÇÃOA Viticultura Madeirense ........................................................................O Homem e a Terra ...........................................................................72As Castas e as Áreas Dominantes .....................................................103O Malvasia da Fajã dos Padres ..........................................................112Factores Meteorológicos e Botânicos ................................................122

• A VINIFICAÇÃO Da Vindima ao Lagar ........................................................................139Do Lagar ao Canteiro ........................................................................148

• A produção de Vinho........................................................................166Subsídio Literário...............................................................................178Os Preços ...........................................................................................187

• Os Complexos Vinícolas....................................................................196Medidas do Vinho.............................................................................206O Trato do Vinho..............................................................................215As Estufas...........................................................................................234

• A Questão das Aguardentes ..............................................................255• O Processo de Vinificação Hoje .......................................................275

Os Diversos Tipos de Vinho Madeira..............................................277• A Defesa Institucional do Vinho Madeira .......................................285

A Confraria do Vinho Madeira.........................................................258

• ANEXO: quadros ...............................................................................290

TÍTULOA Vinha e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV a XX

1ª Edição Setembro de 2003

AUTOR©Alberto Vieira

FOTOGRAFIAAlberto Vieira, Duarte Gomes, José Pereira da CostaPhtotograpia Museu Vicentes: Vicentes Photographos, Perestrellos Photographos

COLECÇÃO MEMÓRIAS Nº. 46

EDIÇÃO

CENTRO DE ESTUDOS DE HISTÓRIA DO ATLÂNTICO RUA DOS FERREIROS, 165, 9004-520 FUNCHALTELEF. 291-229635/FAX: 291-223002Email: [email protected]. Webpage: http://www.ceha-madeira.net

TIRAGEM2000 exemplares

CAPAPainel de Azulejo. Largo António Nobre(Funchal). Ass. C. A.Moutinho. Fábrica de Sacavém.1930

IMPRESSÃO

Deposito Legal

ISBN

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 5

Abreviaturas

AANNTTTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo

AAFF: Alfândega do Funchal [disponível no ANTT]

AARRMM:: Arquivo Regional da Madeira [Arquivo da Região Autónoma da Madeira]

AAHHMM: Arquivo Histórico da Madeira

CCSSFF: Cabido da Sé do Funchal

CCXX: Caixa

DDAAHHMM: Das Artes e da História da Madeira.

FFOOLL//ffoollss.: Fólio(s)

GGCC: Governo Civil [documentação desde 1834]

IIVVVV: Instituto do Vinho da Madeira.

NNºº:: número

PPJJRRFFFF: Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal [documentação existente noANTT. A Provedoria da Fazenda surgiu no século XVI sendo extinta em 1775para dar lugar à Junta da Real Fazenda.]

PP//pppp: página(s)

RRGGCCMMFF: Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal [tombo em que se regis-tava toda a correspondência oficial recebida na câmara do Funchal, disponív-el no ARM]

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX4

O MERCADO DO VINHO

• Circuitos e Mercados ........................................................................293• Movimento Interno ...........................................................................298

Movimento do Vinho no Mercado Madeirense ..............................302Imposição do Vinho..........................................................................305O Quotidiano e o Vinho ...................................................................315

• Movimento Externo...........................................................................328Movimento de Exportação de Vinho ...............................................339As Instituições Fiscais ........................................................................363Áreas e Circuitos ................................................................................375

• Os Preços e os Mercados ..................................................................397• O Negociante de Vinhos ...................................................................400• Uma Nova Teoria sobre a Crise........................................................426• Actualidade e Consumo do Vinho Madeira.....................................454

• ANEXO: Quadros..............................................................................470

O CULTO E A CULTURA DO VINHO

• A Expressão Literária do Vinho........................................................537O Vinho Madeira na Literatura ........................................................538Personalidades Históricas e o vinho Madeira...................................550

• O Vinho na História e Património ...................................................553A Expressão Plástica e Temática dos Rótulos...................................568

• O Vinho. Uma Rota Com História...................................................571

• ÍNDICE DE QUADROS..................................................................584

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 7A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX6

OO vinho é uma presença indelével no devir histórico da cristandade Ocidental.

Acompanhou os primeiros cristãos nas catacumbas, a expansão monástica naEuropa e dos europeus no Atlântico. A presença no acto litúrgico e alimentaçãotraçou-lhe o caminho do protagonismo no quotidiano e ecnomia do mundo cristão.As ilhas atlânticas são um dos exemplos disso. Os europeus fizeram chegar as cepasa todo o lado, mesmo àqueles onde a cultura teria dificuldades em se adaptar comofoi o caso de Cabo Verde. Apenas na Madeira, Açores e Canárias a qualidade e famado produto fizeram com que se assumisse uma destacada dimensão comercia,l queanimou o movimento com os mercados europeu e americano. A concorrência entreos vinhos foi feroz. Primeiro tivemos a disputa pelo mercado inglês e, depois, noséculo XVIII, pelo norte-americano, onde a Madeira usufruíu uma posição dedestaque, favorecida pelos tratados e leis de navegação estabelecidos pela coroabritânica. Nalgumas ilhas dos Açores as condições do solo e clima não propiciarama produção de um vinho de superior qualidade. A excepção acontece no Pico eGraciosa onde o vinho se igualou ao da Madeira e Canárias.

Em qualquer dos casos o mercado do vinho insular desenvolveu-se por força dasolicitação colonial. Os vinhos da Madeira e Canárias tiveram desde o século XVpresença assídua na mesa da aristocracia europeia. O mesmo se poderá dizer doVerdelho do Pico que correu nos palácios dos czares da Rússia. Para os norte-ameri-canos as ilhas atlânticas [Açores, Canárias e Madeira] são identificadas pelo vinho,sendo momeadas desde o século XVIII na documentação e historiografia como asilhas do vinho1. O epíteto evidencia o papel que o seu vinho assumiu no mercadoamericano. Note-se que nalguns registos alfandegários norte-americanos do séculoXVIII o vinho da Madeira surge juntamente com o dos Açores2, tornando-se difícilquantificar a participação de cada um dos arquipélagos.

1. GUIMERÁ RAVINA, Agustin, “Las Islas del Vino (Madeira, Azores y Canarias) y la America Inglesa Durante el Siglo XVIII”,in Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989, pp.900-934.

2. A. D. Francis, The Wine Trade, Edinburg, 1973, p.216; Ch. M.Andrews, The Colonial Period of American History, H. Haven,1964, p.112

Capa do livrode Henry Vizetely. 1880

Madeira Illustrated

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H

mentos substanciais da prática e a tradição, fazendo deles símbolos da essência davida humana e de Cristo. Ambos foram companheiros da expansão da Cristandade,sendo responsáveis pela revolução dos hábitos alimentares. A partir do séc. VII ocomer pão e beber vinho simbolizava para o mundo cristão o sustento humano.

Em meados do século XV, com o arranque do processo de ocupação e deaproveitamento da ilha, é dada como certa a introdução de videiras do reino e, maistarde, das célebres cepas do Mediterrâneo. João Gonçalves Zarco, Tristão VazTeixeira e Bartolomeu Perestrello, que receberam o domínio das capitanias doarquipélago sob a direcção do monarca e do Infante D. Henrique, procederam aodesbravamento e cultivo, plantando as primeiras culturas trazidas do reino, onde seincluíam as cepas.

O Vinho Madeira adquiriu desde o princípio fama no mundo colonial, tornan-do-se na bebida preferida do militar e aventureiro na América ou Ásia. Escolhidopela aristocracia manteve-se com lugar cativo no mercado londrino, europeu e colo-nial. Perante isto, o ilhéu, desde o último quartel do século XVI, fez mudar oscanaviais por vinhedos ao mesmo tempo que conquistou novas terras à floresta a Sule a Norte. O madeirense, embalado pela excessiva procura do vinho, esqueceu-sede assegurar a auto subsistência. O vinho era a fonte de redimento e a única moedade troca para assegurar o alimento, indumentária e manufacturas. Daqui resultouuma troca desigual para o madeirense e muito rentável para o inglês.

No séc. XV o vinho competia com o trigo e açúcar assumindo uma posição derelevo na economia local, assumindo-se como um meio de troca no mercado exter-no. Os trigais e canaviais deram lugar às latadas e balseiras e a vinha tornou-se nacultura quase exclusiva. Tudo isto projectou o vinho para o primeiro lugar na activi-dade económica da ilha, mantendo-se por mais de três séculos. O ilhéu apostou,desde o último quartel do séc. XVI, na cultura da vinha, tirando dela o necessáriopara o sustento e manter uma vida de luxo, construir sumptuosos palácios, igrejas econventos. A Madeira viveu, entre o século XVII e princípios do XIX, embaladapela opulência do comércio do vinho. O madeirense, com tão avultados proventos,deixou-se vencer pelo luxo, habituou-se à vida cortesã e copiou os hábitos ingleses.

A política exclusiva da cultura da vinha, imposta pelo mercantilismo inglês, mere-ceu a reprovação quer do Governador e Capitão General, José A. Sá Pereira, atravésde um “regimento de agricultura” para o Porto Santo, quer do Corregedor eDesembargador, António Rodrigues Veloso, nas instruções que deixou em 1782 naCâmara da Calheta. Mas foi tudo em vão, ninguém foi capaz de travar a “febre vití-cola”, nem de convencer o viticultor a diversificar as culturas da terra. Vivia-se ummomento de grande procura do vinho no mercado internacional e as colheitas eraminsuficientes para satisfazer a incessante procura. Perante tão desusada solicitação eà falta de melhor socorriam-se dos vinhos do Norte da ilha e mesmo dos Açores eCanárias para saciar o sedento colonialista.

A rota do comércio do vinho começou a ser traçada no século XV, partindo da

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 9A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX8

A história do vinho

O vinho Madeira foi, sem dúvida, o que mais se evidenciou no universo das ilhas.O luzidio rubinéctar, que continua a encher os cálices de cristal, é, não só, a mate-rialização da pujança económica do presente, mas também, o testemunho dum pas-sado histórico de riqueza. Prende-o à ilha uma tradição de mais de cinco séculos.Nele reflectem-se as épocas de progresso e de crise. No esquecimento de todos fica,quase sempre, a parte amarga da labuta diária do colono no campo e adegas, oárduo trabalho das vindimas, o alarido dos borracheiros. Hoje, para recriar aambiência, torna-se necessário olhar os restos materiais e ler os documentos, dondeainda é possível desbobinar o filme do quotidiano de luta, que se esconde por entrea ferrugem, a traça e o pó.

O Vinho Madeira, celebrado por poetas e apreciado por monarcas, príncipes,militares, exploradores e expedicionários, perdeu paulatinamente nos últimos cemanos parte significativa do mercado, fruto da conjuntura criada, nos finais do séc.XVIII e princípios do séc. XIX. A desusada procura obrigou o madeirense a utilizartodo o vinho e a acelarar o processo de envelhecimento de modo a satisfazer ospedidos. Mas o futuro não era risonho. A abertura dos mercados conduziu a umcerto fastio a partir de 1814. Depois. as doenças acabaram com as cepas de boaqualidade, fazendo-as substituir pelo produtor directo que se manteve lado a ladocom as europeias numa promiscuidade pouco adequada à preservação da quali-dade. O passado recente anunciou o retorno das castas tradicionais e abriu portas anovos momentos de riqueza.

A presença da vinha na Madeira, associada aos primeiros colonos, é umainevitabilidade do mundo cristão. O ritual religioso fez do pão e do vinho os ele-

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 11A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX10

O casamento de Carlos II de Inglaterra com D. Catarina de Bragança foi o prelú-dio da conjuntura favorável ao vinho Madeira, sendo referido por Viera y Clavijocomo um golpe tan feliz para la isla de la Maderas como infausto para las Canárias7

. A guerra de Cromwell contra Espanha levou ao encerramento do mercado lon-drino, no período de 1655 a 1660, ao vinho de Canárias e ao estabelecimento demedidas preferenciais para o das ilhas portuguesas. O texto da ordenança de 1663,repetido mais tarde na de 1665, era claro: Wines of the growth of Maderas, theWestern Islands or Azores, may be carried from thence to any of the lands, islands,plantatinos, & colonies, territories or places to this majesty belonging, in Asia, Africaor America, in english built ships8.

Com o fim da guerra de fronteiras entre Portugal e Espanha e a assinatura daspazes em Madrid a 5 de Janeiro de 1668, ratificadas a 13 de Fevereiro em Lisboa,restabeleceram-se os contactos entre os dois arquipélagos9. O reforço das relações étestemunhado pela presença de Bento de Figueiredo no Funchal como cônsulcastelhano10. Mas não acabaram aqui as dificuldades pois apenas com as pazes deUltrecht de 1713 se abriram novas perspectivas de negócio, quando os vinhosmadeirenses e açorianos haviam conquistado uma posição sólida no mercado colo-nial e britânico. O arquipélago das Canárias encontrava-se na posição de perdedore a braços com uma crise económica por falta de escoamento do vinho11.

O movimento de exportação do vinho da Madeira nos sécs. XVIII e XIX liga-sede modo directo com o traçado das rotas marítimas coloniais inglesas que tinhampassagem obrigatória na ilha. São as rotas da Inglaterra colonial que faziam doFunchal o porto de refresco e de carga para o vinho no percurso para as ÍndiasOcidentais e Orientais, donde regressavam pela rota dos Açores, com o recheiocolonial. Também os navios portugueses da rota das Índias, ou do Brasil escalavama ilha onde recebiam o vinho para as praças lusas. São ainda os navios ingleses quese dirigiam à Madeira com manufacturas e retornavam por Gibraltar, Lisboa, ouPorto. E, finalmente, os navios norte-americanos que traziam as farinhas para sus-tento diário do madeirense e regressavam carregados de vinho. Por tudo isto o vinhomadeirense conquistou o mercado britânico em África, Ásia e América afirmando-se até meados do séc. XIX como a bebida dos funcionários e militares das colónias.Com o movimento independentista das colónias todos regressaram à terra deorigem trazendo o vinho na bagagem.

O momento de apogeu na exportação do vinho Madeira situa-se entre finais doséc. XVIII e princípios do séc. XIX, altura em que a saída atingiu a média de 20.000pipas. Mais de 2/3 do vinho exportado destinava-se ao mercado americano, com

7. Citado por A. LORENZO-CÁCERES, Malvasia y Falstaff. los Vinos de Canarias, La Laguna, 1941, p.19.8. André L.SIMON, “Notes on Portugal, Madeira and the Wines of Madeira”, in The Bolton Letters. Letters of an English

Merchant in Madeira 1695-1714, Londres, 1928.9. A coroa insistiu na nova situação, recomendando às autoridades madeirenses que publicitassem o que foi feito por meio de

um bando a 8 de Maio. Veja-se Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1215, fls.37vº.3810. Ibidem, nº.1215, fls.58-58vº, 17 de Dezembro de 1672.11. G.STECKLEY, art.cit., pp.25-31.

Europa ao encontro do colonialista na Ásia ou América. O comerciante inglês, quesurgiu a partir do séc. XVII, soube tirar o máximo partido do produto fazendo-ochegar em quantidades volumosas às mãos dos compatriotas que o aguardavam nosquatro cantos do mundo. Vários factores fizeram com que o inglês se instalasse nailha e se afirmasse como o principal negociante do vinho. Para tanto contribuíramas condições favoráveis exaradas nos tratados luso-britânicos e o favorecimento queas regulamentações britânicas do comércio colonial atribuíram à Madeira. Donumeroso grupo de britânicos merecem referência: Richart Pickfort (1638/82), W.Boltom (1695/1714), James Leacock (1741), Francis Newton (1745), R. Blandy(1811).

As Canárias foram desde o princípio o competidor directo da Madeira no mer-cado do vinho europeu e colonial. A união peninsular não terá sido favorável aovinho madeirense, uma vez que abriu as portas do mercado colonial ao vinho deCanárias. A conjuntura económica, que se anunciou em 1640, abriu novas perspec-tivas para o Malvasia da Madeira, com o retorno a uma posição de privilégio domundo português e britânico. A concorrência estava no vinho dos Açores, produzi-do nas ilhas Graciosa e do Pico.

Os pactos de amizade entre as coroas de Portugal e Inglaterra sedimentaram asrelações comerciais favorecendo a oferta do vinho madeirense e açoriano nas coló-nias britânicas da América Central e do Norte, como o determinavam as leis denavegação a partir de Carlos II, aprovadas em 16413. A situação de privilégio con-cedida ao vinho dos arquipélagos portugueses repercutiu-se negativamente naeconomia das Canárias, podendo ser considerada como um travão ao desenvolvi-mento da economia vitivinícola, a partir de finais do século XVII4. E. Steckley, nãoobstante documentar uma época de prosperidade no comércio com Inglaterra,anuncia a crise que se aproximava: Así pues durante dicha centuria algunos de losantiguos mercados canarios de vino se estancaron y las islas portuguesas demons-traron ser unos competidores capaces y eficientes para los nuevos mercados ameri-canos de vino5. A mesma ideia aparece no estudo de António Macías e AgustinMillares Cantero, que definem o período de 1640 a 1670 com de crisis del prolon-gado esplendor económico, como resultado de la oferta madeirense y de o portoque comenzó a sustituir a la Canaria en el mercado ingles6. A criação em 1665 daCompanhia dos Mercadores de Londres e a reacção popular que gerou com o der-rame dos vinhos, conduziu inevitavelmente à perda de importância do malvasia deCanárias no mercado europeu em favor do Jerez.

3. Rupert CROFT-COOKE, Madeira, Londres, 1961, pp.26-28; André L.SIMON, “Introduction” e “Notes on Portugal Madeira andthe Wines of Madeira”, in The Bolton Letters.Letters of an English Merchant in Madeira 1695-1714, Londres, 1928

4. A. Bethencourt MASSIEU, “Canarias Y Inglaterra. el Comercio de Vinos(1650-1800)”, in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.2,1956, pp.195-308: IDEM, “Canarias y el Comercio de Vinos(siglo XVII)”, in Historia General de las Islas Canarias, tomo, III,1977, 266-273;

5. ”La Economia Vinicola de Tenerife en el Siglo XVII: Relación Anglo-espanola en un Comercio de Lujo”, in Aguayro, nº. 138,Las Palmas, 1981, p. 29

6. ”Canarias en la Edad Moderna(circa 1500-1850)”, in Historia de Los Pueblos de Espana. Tierras Fronterizas(I) AndaluciaCanarias, Madrid, 1984, pp.319, 321

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 13A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX12

BacoCerâmica Nau (Setúbal)Loja de Vinhos Diogos Shop(Funchal)

destaque para as Antilhas e as plantações do Sul da América do Norte e a área deN. York. A primeira metade do séc. XIX foi pautada pela alteração no mercadoconsumidor do vinho da Madeira. Foi o período de afirmação de novo destinocapaz de suprir a perda do mercado colonial. A Inglaterra e a Rússia substituíram ascolónias a partir de 1831. O fim das guerras europeias, em princípios do séc. XIX,abriu as comportas do vinho europeu os mercados asiático e americano. A saida docolonialista foi considerada uma perda irreparável para o vinho Madeira.

Hoje, passados mais de quinhentos anos sobre a introdução da vinha na Madeira,estão ainda presentes na memória madeirense os tempos áureos de apreciação ecomércio do vinho. A imagem passou rapidamente à História. À euforia da procurasucedeu a crise dos mercados, agravada pela presença das doenças que atacaram avinha (oídio e filoxera). A crise do sector produtivo, resultado de factores botânicosalastrou a todo o espaço vitícola com efeitos semelhantes na economia e mercado dovinho. Perdeu-se a ligação ancestral com as tradicionais castas europeias mas, em con-trapartida, descobriram-se novas variedades americanas. As dificuldades do negócioconduziram à debandada dos agentes que haviam traçado o mercado. A Madeiraconseguiu paulatinamente recuperar ou conquistar novos mercados.

Os vinhos dos Açores e Canárias seguiram uma trajectória semelhante ao daMadeira. Foram os madeirenses que levaram as primeiras cepas para os Açores eCanárias. O das Canárias concorreu de forma directa com o da Madeira no merca-do britânico já no século XV, a atestar pelas referências de Shakespeare. Para o dosAçores a competição começou apenas no século XVII. Mas a concorrência foi sem-pre entre o malvasia da Madeira e os caldos de Tenerife. Da disputa pelo mercadoeuropeu passou-se depois ao colonial.

O século XVII foi o momento de viragem no mercado atlântico do vinho, con-seguindo a Madeira levar a melhor na preferência do mercado norte-americano ecolónias das Antilhas. O vinho Madeira tornou-se numa moda do quotidiano dascolónias britânicas. Os viticultores e comerciantes de Tenerife para poderem sobre-viver tiveram que se sujeitar ao fabrico de um vinho semelhante ao Madeira, ou àbaldeação com o de Tenerife para depois venderem com o rótulo de Madeira 12. Oséculo XVIII foi a época de plena afirmação do falso e verdadeiro Madeira13.

12. Burguesia Extranjera y Comercio Atlantico. La Empresa Comercial Irlandesa en Canarias(1703-1771), Santa Cruz deTenerife, 1985, pp.317-332; G.L.Beer, The Old Colonial System. 1660-1754, N. York, vol. II, 1912, p. 287.

13. Alberto Vieira, Breviário da Vinha e do Vinho na Madeira, Ponta Delgada, 1991, p.30-31.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 15A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX14

HA historiografia do vinho

A História do vinho provocou o empenho de muitos estudiosos nos últimosanos. Desde o pioneiro trabalho de Roger Dion (Histoire de la Vigne et du Vin enFrance. Des Origines au XIXe Siècle, 1959) sucederam-se inúmeros outros, fruto dearrojados projectos de investigação. Foi no campo da Geografia histórica que o temamereceu maior relevo, sendo a França a dar o exemplo. A realização em 1977 nacidade de Bordéus de um colóquio foi a chamada de atenção para a temática. Nasactas (Géographie Historique des Vignobles), publicadas em 1978 por Huetz deLemps o ponto da situação do tema incluia 701 títulos, sendo mais de metade refe-rentes aos vinhos franceses e suas regiões: Bordeaux, Languedoc e Burgundy. NaUniversidade de Bordéus o Centre d’Etudes et de Recherches sur la Vigne et le Vindesenvolveu uma linha de investigação sobre os vinhos europeus de que resultouuma colecção dirigida por Andre Pitte com a publicação de 10 volumes, sendo umsobre a Madeira (1989) da responsabilidade de Alain Huetz de Lemps. Na comu-nidade de língua inglesa, como assinala Tim Unwin, o interesse pelo tema é rele-vante desde a década de setenta14. O incremento da viticultura na Califórnia,Austrália e África do Sul, na segunda metade do século XIX, conduziu à valoriza-ção do tema.

A segunda metade do século XIX foi o momento de consciencialização da maiorparte dos investigadores para a importância científica social, económica, cultural ehistórica do vinho. Os estudos científicos adequaram-se ao combate da praga e espi-caçaram a curiosidade, permitindo a publicação de textos de diversa índole. Emmuitos dos casos a recorrência à História era o necessário alento para levantar osânimos enfraquecidos no combate às doenças, de modo a que a cultura assumisse aadequada dimensão na sociedade e economia.

Em Portugal e Espanha foi cada vez mais evidente o interesse pelo estudo e con-hecimento da realidade em torno do vinho. A tradição francesa e inglesa do trata-mento do tema numa perspectiva historiográfica, levou a isso. Nos últimos anos sur-giram estudos de grande importância para o conhecimento e divulgação da Históriado Vinho. Em 1982 a Academia Portuguesa de História organizou um encontro

14. Wine and Vine. An Historical Geography of Viticulture and the Wine Trade.1991

Capa do Livro de J. A. Mason,A Treatise on the Climate and

Meteorology of Madeira,Liverpool, 1850.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 17A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX16

por fazer21. A monografia que pretendia realizar não era histórica mas antes umaenciclopédia à maneira do Elucidário. Assim, o entendeu ao traçar em o ElucidárioMadeirense22 um esboço da história em diversas entradas, no que muito se aproxi-ma o Pe. Eduardo Pereira23. Estamos perante trabalhos com grande impacto juntodo público, mas que pouco avançam em relação à informação já recolhida por PauloPerestrelo da Câmara e Álvaro Rodrigues de Azevedo. O escrito de A. R. Azevedoatem-se mais aos documentos do arquivo local, às deambulações históricas e políti-cas, mas mesmo assim é de considerar, por ser um primeiro esboço de história localem que o vinho tem lugar de relevo24. Se a isto juntarmos a monografia de J. ReisGomes, e algumas referências avulsas e parcelares, temos feito o inventário da bibli-ografia sobre o vinho até à década de setenta do século XX. Hoje felizmente que opanorama é distinto e contam-se já inúmeros trabalhos. O vinho é um tema de refe-rência da Historiografia Madeirense. Os ingleses foram, entre todos estrangeiros, osque lhe dedicaram mais atenção. A posição hegemónica na exportação e consumo

Abertura oficial da exposiçãosobre o vinho da Madeira. 1980

Capa do folheto da Exposiçãosobre o Vinho da Madeira. 1980

21 .Está ainda infelizmente por elaborar uma completa monografia sobre os vinhos da Madeira, em que se faça a sua História,desde meados do século XV até a Época que vai decorrendo, nos variados e interessantes aspectos que ela nos oferece.Deveria para isso proceder-se a um largo trabalho descritivo e de pormenorizada coordenação, que além de abranger asdiversas fases de indústria e dos processos de vinificação, fornecesse também informações seguras Acerca da escolhaapropriada do solo e do plantio de bacelos, tratamento eficaz das videiras, fabrico e conservação dos mostos, preparaçãodos produtos destinados ao embarque, o comércio interno e no estrangeiro, a análise rigorosa dos chamados vinhos ge-nerosos e a cuidadosa conservação da celebrada fama de que universalmente gozam, constituindo outros tantos objectosde investigação e estudo, para o que seria indispensável aproveitarem os valiosos elementos que se encontram dispersosem diversas publicações”, Elucidário Madeirense, vol. III, p. 392.

22. Vide vol.I - Balseira (p. 113), Estufas (p. 408); vol. II, Filoxera (pp. 31/2), Indústria Vinícola (pp. 148/54), Mangra da vinha (p.315), Míldio (p. 347); vol III, Os Vinhos (pp. 389/95), Vinhas (pp. 381/9, Vinhas e uvas do Porto Santo pp. 387/9), Vinho deCanteiro (p. 389), Vinho de roda (p. 389).

23. Ilhas de Zargo, vol. I, pp. 275/301.24. Anotações às Saudades da Terra, pp. 728/30; veja-se igualmente a colaboração nos jornais locais nomeadamente na

“Discussão” e “A Madeira”.

sobre o Vinho na História Portuguesa séculos XIII-XIX. Depois tivemos projectosinovadores, como O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto (1980) de SusanSchneider, a Memória do Vinho do Porto (1990) de Conceição Andrade Martins eO Douro e o Vinho do Porto - de Pombal a João Franco(1991) de Gaspar MartinsFerreira. Finalmente apareceu a Enciclopédia dos vinhos de Portugal, orientada porAntónio Lopes Vieira, que contempla os Vinhos Verdes, do Dão, do Alentejo,Bairrada, Península de Setúbal, Porto e Madeira. A Universidade do Porto mantémum Grupo para História do Vinho do Dão, pioneiro na divulgação da temática nosúltimos anos. O vinho tornou-se num tema comum, cativando poetas e literatos.Hoje o vinho é uma questão cultural sendo cada vez mais numeroso o público inte-ressado em conhecer a História. Daqui deriva a profusão de estudos de divulgaçãoe de grupos de trabalho especializados.

O vinho Madeira é considerado desde tempos muito recuados indispensável nagarrafeira dos apreciadores. Não é preciso ser escanção para reconhecer e apreciaras qualidades aromáticas e gustativas, basta apenas um pouco de atenção nomomento de o beber. Os epítetos proferidos por poetas, escritores, políticos e via-jantes, que tiveram a possibilidade de o provar e apreciar, poderão ser um dos cami-nhos para isso. Todos ficaram deslumbrados com os aromas e sabores e ninguémse escusou a tecer-lhe os maiores elogios. Prende-o à ilha uma tradição de mais decinco séculos e reflecte-se nele a época de resplendor e os momentos de crise.

O vinho assumiu uma dimensão importante nas ilhas, nomeadamente naseconomias da Madeira e Tenerife a partir do século XVII. Por força disso encon-trámos na Madeira conjunto variado de textos que procuram traçar a História oufazer o ponto da situação do problema vitivinícola entre finais do século XIX eprincípios do século XX. É de considerar a obra de D. João da Câmara Leme, oConde de Canavial, o mais destacado estudioso e conhecedor dos problemas políti-cos e enológicos madeirenses na segunda metade do século XIX. Nas Canárias osestudos são parcelares, ao clássico estudo de Andrés de Lorenzo Caceres15 deverájuntar-se outro de A. Bettencourt Massiu16 e, recentemente, os de A. GuimeráRavina17, Manuel Lobo Cabrera 18 e Pedro Miguel Martínez Galindo19 e o de GeorgeF. Steckley 20, de que foi publicada uma síntese em 1981 na Revista Aguayro. Paraos Açores é reduzida a atenção da historiografia à cultura e produto, não obstanteter conseguido uma posição de relevo na economia de algumas ilhas como foi o casodo Pico e Graciosa.

O Pe. Fernando Augusto da Silva diz-nos que a História do vinho da Madeira está

15 .Malvasia y Falstaff. Los Vinos de Canarias, La Laguna, 1941.16. “Canarias e Inglaterra. El Comercio de Vinos(1650-1800)”, in Anuario de Estudios Atlanticos, nº 2, 1956. Publicado em livro

em 199117. Burguesia Extranjera y Comercio Atlantico. La Empresa Comercial Irlandesa en Canarias(1703-1771), Santa Cruz de

Tenerife, 1985.18. El Comercio del Vino entre Gran Canaria y las Indias en el Siglo XVI, Las Palmas de Gran Canaria, 1993.19 .La Vid y El Vino en Tenerife en la Primera Mitad del siglo XVI, La Laguna, 1998.20. “La Econmía Vinícola de Tenerife en el Siglo XVII: Relación Angloespañola en un Comercio de lujo”, Aguayro, Las Palmas

de Gran Canaria, 138, 1981.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 19A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX18

Também nós fomos contagiados e o vinho passou a ser companheiro diário dasnossas pesquisas. Ao longo dos últimos vinte anos reunimos tudo o que de maisimportante existe sobre ele ou com ele relacionado. Dos materiais perdidos nosarmazéns fizemos um museu. A partir daqui incidimos a nossa acção sobre osarquivos públicos e privados, testemunhos dos apreciadores, defensores e detrac-tores. Disso demos notícia num Breviário da Vinha e do Vinho da Madeira (1990),numa compilação História do Vinho da Madeira. Documentos (1993) e o VinhoMadeira da Enciclopédia de Vinhos de Portugal. No penúltimo volume procuramosreunir o mais importante testemunho da vivência que o vinho Madeira definiu: aeconomia da ilha e o papel dos directos interventores, a insistente procura dos quese tornaram apreciadores, o júbilo e o agradecimento dos que descobriram a gen-uinidade do produto e foram testemunhos da importância económica.

Formas de ver e estudar o vinho

Na actualidade é cada vez mais evidente o interesse pelo estudo do vinho. Aatenção do público e comunidade científica é grande. Já na segunda metade do sécu-lo XIX, momento definido por uma conjuntura de crise da viticultura europeia,deparamos com igual euforia editorial sobre a temática da vinha e vinho. Aqui somosconfrontados, para além das discussões sobre as soluções económicas e técnicas, comestudos descritivos da realidade e História da cultura e comércio do produto. Assim,podemos definir dois tipos de publicações, de acordo com a posição em que se colo-ca o autor: 1. Os estrangeiros, nomeadamente os ingleses, procuravam divulgar juntodos consumidores o historial do vinho que corria diariamente à mesa; 2. Osnacionais que, motivados por conjunturas de crise, intervém no sentido de apresen-tar soluções, indo ao encontro de causas políticas ou económicas. Assim, quando acrise se situava na esfera comercial, surgiram tratados em favor do proteccionismo ena área da produção tivemos soluções miraculosas para debelar a crise.

A segunda metade do século XIX foi o momento de consciencialização para adimensão científica social, económica, cultural e histórica do vinho. Os estudoscientíficos adequaram-se ao combate da praga e espicaçaram a curiosidade de todose permitiram a publicação de inúmeros trabalhos. Em muitos dos casos a recorrên-cia à História foi o necessário alento para a aposta, debelar das doenças e fazer comque a cultura voltasse a assumir a adequada dimensão na sociedade e economia.Sucederam-se exposições26, congressos27 e estações vitícolas28 e enológicas, associ-

26. Em Espanha tivemos em 1877 a Exposición Vinicola Nacional. Em Portugal: Exposição Histórica do Vinho do Porto(1931-32).

27. Para Espanha: 1878 - Congreso Antifiloxerico de Madrid, 1886; Congreso de Viticultores. Em Portugal: Congresso VinicolaNacional(1895).

28. Em Espanha: Málaga, Zaragoça(1880), Sagunto(1881), Unidad Real(1882), Tanagona(1882). Em Portugal: Quinta deNalaria(1887), Douro(1957), Régua(1929).

ditou a necessidade de conhecimento25. Aqui destacam-se as monografias de HenryVizetely, André L. Simon, Ruppert Crooft-Cooke e as publicações recentes de NoelCossart e Alex Liddel.

A partir de 1976 o processo autonómico permitiu a valorização do vinho daMadeira. A regionalização das competências atribuídas à Junta Nacional do Vinho,com a criação do Instituto do Vinho de Madeira (1979), conduziu a uma diferenteimportância do produto e das tradições a ele ligadas. Desde 1978 a DirecçãoRegional de Turismo iniciou a evocação da festa das vindimas, que têm permitindoum momento de diversão e divulgação do vinho. Em 1980, no âmbito da festa, tevelugar no salão nobre do Teatro Municipal do Funchal uma exposição sobre o Vinhoda Madeira, que foi uma oportunidade para recolha de materiais relacionados coma vinha e o vinho que se encontravam ao abandono. Daqui resultou a consciênciali-zação dos empresários ligados ao sector para a necessidade de valorização da cul-tura material relacionada com o produto. Foi neste contexto que a Madeira WineCompany repensou as caves de S. Francisco, adaptando à condição de espaço-museu aberto ao público. Entretanto o IVM recuperou a cave das instalações paraum espaço museológico, inaugurado a 18 de Setembro de 1984. Tudo isto écorolário de um trabalho de valorização da componente cultural do vinho. O núcleomuseológico do IVM tornou-se num espaço de divulgação do Vinho da Madeira eponto de encontro de interessados no tema. O Museu do IVM apostou na pro-moção da História e cultura do vinho, de que se destaca a edição de Contributospara uma Rota do Vinho de Madeira (1997) e o Vinho na História e Património daCidade do Funchal (2000).

A criação do Centro de Estudos de História do Atlântico em 1985 contribuiupara um avanço significativo no conhecimento da História do vinho, que passou amerecer um tratamento historiográfico adequado. Nas edições, colóquios e semi-nários o vinho foi presença constante. Entretanto em 1998 realizou-se um semináriosobre Os Vinhos Licorosos e a História que foi o início de um eficaz intercâmbiocom investigadores do Porto, Bordéus, Málaga e Puerto Santa Maria. Podemos,ainda, assinalar que a aposta na divulgação da História do Vinho da Madeira levouo CEHA a editar em 1993 um volume sobre a História do Vinho da Madeira.Documentos e Textos, da nossa autoria.

Todo o esforço de divulgação da História do vinho traduziu-se em inúmeraspublicações sob o formato papel e digital, que continuam a merecer a atenção dopúblico. Idêntica dedicação esteve presente ao nível museológico, ficando ao dispordos interessados espaços específicos das empresas e instituições do sector. O vinhomarcou épocas de prosperidade com evidentes reflexos no quotidiano e arte. Asexpressões disso estão presentes na arquitectura urbana dos séculos XVIII e XIX eem alguns museus.

25. Aqui convém destacar as monografias de Henry Vizetely, de André L. Simon, Ruppert Crooft-Cooke, Noel Cossart e AlexLiddel, referenciados na Bibliografia.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 21A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX20

que envolve a cultura da vinha e o fabrico do vinho. O Folclore e as tradiçõesdefinem no passado e confrontam-se com a realidade global. A tecnologia tradi-cional foi esquecida nos armazéns. São poucos os lagares tradicionais que persisteme falta quem providencie o estudo e inventariação. O fabrico do vinho tinha lugarem lagares de madeira e pedra. Hoje são raros e o fabrico do vinho adequou-se àsinovações tecnológicas para que o produto final esteja conforme os padrões dequalidade da Comunidade Económica Europeia. No caso das Canárias é evidentenas ilhas de Tenerife e El Hierro o interesse dedicado a estas estruturas de madeira.Já nos Açores é fácil encontrar no Museu do Vinho dos Biscoitos um conjunto únicode lagares e lagariças de pedra, a que se pode juntar idênticas infra-estruturas comcarácter museológico no Pico e Graciosa. Na Madeira são poucos os lagares detabuado e pedra. As lagariças de pedra, circunscritas ao Curral das Freiras, Ponta doPargo e S. Vicente, jazem hoje ao abandono.

O Vinho ganhou raízes nas ilhas pela necessidade dos primeiros povoadores mascedo se espalhou a fama da qualidade fazendo com que acompanhasse as rotascomerciais do Novo Mundo e tradicionais mercados europeus. Fama e comércioforam sinónimo de interesse científico e editorial. Daqui resulta que a Madeira seapresenta como um caso raro na Historiografia da Vinha e do Vinho. O vinho foie continuará a ser uma referência importante na definição da ilha e da labuta decinco séculos das gentes. As ilhas ficarão para a História como um momento do per-curso histórico do vinho entre o mundo antigo e o novo.

Em 1978, confrontados com o paupérrimo panorama bibliográfico madeirensesobre o vinho, decidimo-nos por encetar uma pesquisa com o objectivo de publicaruma monografia completa sobre o vinho, através da procura doutras vias de conhe-cimento e a recolha de informações, por intermédio de uma morosa investigaçãoarquivística. A primeira atenção foi dedicada aos núcleos documentais dos ArquivosRegional da Madeira, da Torre do Tombo, Histórico Ultramarino e Secção deReservados da Biblioteca Nacional. O trabalho de recolha alargou-se depois a todaa imprensa madeirense, com particular relevo para a do século XIX. A informaçãorecolhida deu lugar a textos escolares, de divulgação e estudos apresentados emcolóquios. Hoje, passados mais de vinte anos, decidimo-nos por um melhoraproveitamento de toda a informação recolhida, publicando o presente volume.

Ao longo da investigação duas personalidades despertaram a nossa atenção: D.João da Câmara Leme (Conde de Canavial) e José Silvestre Ribeiro. O primeiro foiuma das mais destacadas figuras da sociedade madeirense da segunda metade doséculo XIX, afirmando-se como escritor, cientista, naturalista, industrial, jornalista33,influenciando de forma decisiva o aperfeiçoamento do processo de vinificação. Dovasto espólio bibliográfico, merecem referência os estudos sobre o vinho e a situaçãode crise vinícola, traçando as linhas mestras da discussão em torno da crise e das

33. Não existe qualquer monografia sobre esta personalidade insulana, apenas dispomos de alguns elementos em dois jornaislocais: - “A Luz”, nº 1 (1881), p. 2, e o “Diário de Notícias”, nº 5, pp. 2/3.

adas a publicações periódicas especializadas29.No caso das ilhas é na Madeira que encontramos a maior produção bibliográfica

de autores nacionais e estrangeiros. O vinho havia conquistado uma dimensão inusu-al pelo que se justificava a desmesurada atenção. Disso fizemos eco num estado ondecompilamos o que de mais importante se publicou30. Nos últimos anos toda a atençãotem sido dada ao sector comercial com trabalhos para o século XVIII. É, por isso, quefaz falta um estudo sistemático da cultura e do produto final que contemple os cincoséculos de História. Também subsistem algumas dúvidas para alguns campos quereputamos de grande interesse. Em primeiro lugar, no que concerne à diversidade decastas, não temos informação segura sobre o início da presença na ilha e a dimensãoque cada uma assumiu no cômputo da produção. A isto acrescem as dificuldades emconseguir definir de forma precisa as técnicas de vinificação e os tipos de vinho maiscomuns que deram fama ao Madeira. Para certa literatura tudo se reduz à Malvasia e,de modo especial, à da Fajã dos Padres.

A análise da realidade vitivinícola não poderá esquecer a estrutura produtiva eformas de evolução. Há que ter em conta o grupo de mercadores que serviram desuporte ao mercado do vinho e dele tiraram o maior rendimento. A História dascasas comerciais é um tema ainda em aberto que deve ser merecedor da nossaatenção, tendo em conta a disponibilidade de alguns e importantes arquivos empre-sariais31. Os estudos no âmbito da História da Empresa têm aqui um campo queaguarda a atenção do historiador.

A par disso não deverá esquecer-se a envolvência do vinho na sociedade e asimplicações daí resultantes. Assim, no caso da Madeira, é comum definir-se ummodelo de criação artística e urbanística, influenciado pelo vinho, que levou algunsa definirem para o Funchal uma cidade do Vinho. A propriedade do termo é dis-cutível mas não impede de consideramos as relações do vinho com a arte e mesmocom o quotidiano insular. A sociedade madeirense de oitocentos é herdeira doimpacto provocado pela dominância da vinha e vinho, faltando estudos que o valo-rizem.

A um nível restrito poderá partir-se para um novo tipo de abordagens. Primeiroa arte do vinho, lavrada em gravuras, avulsas ou ilustrativas de livros e rótulos. Orótulo para além da expressão plástica pode ser também um espelho da épocaatravés das temáticas dominantes e mensagens escritas32. O levantamento das refe-rências que mereceu na literatura torna-se imperioso. Em prosa ou em verso o vinhoé uma constante que está ainda por descobrir.

A Etnografia é uma preciosa auxiliar do conhecimento e definição da ambiência

29. .Revista Vinícola Jerezana(1866) The Wine and Spirit Market (França-1871), The Wine Trade Review (Londres. 1864),Revista do Comércio de Vinhos (1896) O País Vinhateiro (1884), Anais do Instituto do Vinho do Porto(1940), O Vinho(1935),Vinicultura(1934).

30. História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 199331. Cf. Alberto Vieira, Guia Para a História e Investigação das Ilhas Atlânticas, Funchal, 1995, p.167.32. Cf. José de Sains-Trueva, Heráldica de Prestígio em Rótulos de Vinho Madeira, in Islenha, nº.9, 1991, 62 e segs; F. Guichard,

A Linguagem do Rótulo. O Vinho entre o Dito e o não Dito, in Os Vinhos Licorosos e a História, Funchal, 1998, pp.71-80.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 23A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX22

Cuba em Madeira paraenvelhecimento do vinho.Madeira Wine Company2003

soluções apresentadas pelas diferentes facções políticas. Foi pioneiro no associa-tivismo cooperativo, apresentando a proposta de uma sociedade anónima de pro-moção da rede viária da ilha para transporte das mercadorias com um cabo aéreo ea criação da companhia fabril do açúcar madeirense, quer, ainda, com a criação deuma associação de proprietários, viticultores e negociantes de vinho - AssociaçãoVinícola da Madeira, ou Real Associação Vinícola da Madeira -, como forma deenvolver os madeirenses na solução da crise da segunda metade do século XIX.

Ao mesmo nível está a figura de José Silvestre Ribeiro. A actuação situa-se maisno campo prático da governação em momentos de crise vinícola da segunda metadedo século passado e nas medidas proteccionistas e incentivadoras do desenvolvi-mento agrícola, como as soluções de emergência perante a situação de calamidadepública resultante da crise. O delineamento da rede viária e a aposta no complica-do sistema de levadas estiveram na linha da frente dos planos práticos para pro-mover a agricultura e travar a emigração34.

Fontes e bibliografia

Os acervos bibliográficos e arquivísticos são pobres, como pouco conhecidos eusados. Com isto não queremos dizer que escasseiem ou sejam desconhecidas asfontes mais importantes, mas sim que o pouco estudado e inventariado é incom-pleto para feitura dum trabalho científico. Durante muito tempo foi evidente aausência de um guia bibliográfico e roteiro arquivístico, onde fossem reveladas asfontes fundamentais da História35. A inventariação bibliográfica evidencia a existên-cia de várias tentativas, sendo de destacar as de A. Rodrigues de Azevedo36, JoséJoaquim Rodrigues37, Fernando Augusto da Silva38 e o Visconde do Porto da Cruz39,mas nunca se apostou no sentido de nos legar uma monografia completa.

34. Veja-se Colleção de Documentos Relativos à Crise de Fome..., 1847, Funchal, 1848; Uma Época Administrativa na Madeirae Porto Santo, Funchal, 1949/50, III vols.

35 .Hoje o panorama é distinto. Foi guiado por esta ideia que em 1995 publicamos um Guia para a História e Investigação dasIlhas Atlânticas.

36. Vide in Dicionário Universal de Português Ilustrado, artigo Madeira.37. Catálogo Bibliográfico do Arquipélago da Madeira, Funchal, 1950.38. Elucidário Madeirense, vol. II, Elementos para a História da Madeira.39. Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, Funchal, 1951, vol.II

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 25A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX24

FAs fontes

Ao nível arquivístico o panorama é pobre. A falta de um roteiro, colectâneasdocumentais, obrigou à procura demorada nos arquivos disseminados pela capital eilha. A ideia lançada em 1960 (por altura das comemorações henriquinas) porPereira da Costa de publicação de uma MADEIRA MONUMENTA HISTÓ-RICA, certamente tendo em vista o Arquivo dos Açores de Ernesto do Canto, nãoteve continuadores. Os eruditos, interessados pela História da Madeira, entre 1873e1950 dedicaram pouca importância à divulgação documental. Contrariando a situ-ação temos iniciativas que merecem ser referenciadas. O Arquivo Histórico daMadeira apostou desde os anos sessenta na publicação de documentos e o Centrode Estudos de História do Atlântico seguiu o mesmo caminho com a edição de estu-dos e documentação40. Foi aqui que publicamos três volumes com interesse para aHistória do Vinho41.

Seria exaustivo enunciar todas as fontes dos séculos XVIII e XIX que reputamosfundamentais mas, tendo em conta o tema que nos propusemos estudar, apresenta-mos apenas uma relação sumária dos núcleos consultados. Na altura da pesquisadocumental, a inexistência do necessário roteiro arquivístico complicou o nosso tra-balho, mas hoje a tarefa está facilitada pelos avanços no domínio da Arquivística.

Gravura humorística. Re-nhau-nhau

Carta de Armas de Ph. Cossart,1700

40. É o caso dos livros de vereações do Funchal dos séculos XV a XVI, da responsabilidade de José Pereira da Costa.41. História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993; O Público e o Privado na História da Madeira 2 vols, Funchal, 1998.

Copiador de cartas comerciais.Arquivo da Madeira Wine

Company

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Publicação de documentos

ARAGÃO, António, A Madeira Vista por Estrangeiros. 1455-1700, Funchal, 1981. [publi-ca entre as pp.227-393. As cartas de W. Bolton de 1695-1700]

MENEZES, Servulo D., Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo..., 3 vols,Funchal, 1949-50

NASCIMENTO, João Cabral, Apontamentos de História Insulana, Coimbra, 1927 SILVA, Maria Júlia de Oliveira e, Fidalgos-Mercadores no Século XVIII- Duarte Sodré

Pereira, Lisboa, 1992SIMON, A. L., The Bolton Letters. The Letters of an English Merchant in Madeira, vol.

I [1695-1700], Londres, 1965, The Bolton Letters. The Letters of an English Merchant in Madeira, vol. II (1701-1714),

Funchal, 1960, [ed. Policopiada de Graham Blandy].VIEIRA, Alberto, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993;

O Público e o Privado na História da Madeira 2 vols, Funchal, 1996, 1998.

Arquivo Regional da Madeira

Aqui distinguimos quatro núcleos onde foram recolhidos elementos importantes e valiosospara o nosso estudo:

Câmara Municipal do Funchal

CCoolleeccççõõeess ddee ddooccuummeennttooss::- Registo Geral, tomos 7/19, nº. 1219/1231 [com Índice organizado por JesusLamedo, nº. 1398].- Vereações, 1700/1887, nº. 1341/1382

IImmppoossiiççããoo ddoo VViinnhhoo ee AAgguuaarrddeennttee::- Livros das Arrematações, 1683/1804, nº.25.- Livro dos Termos de Arrendamento da Imposição do Vinho, 3 livros, 1869/1879,nº. 466/469.

RReennddiimmeennttoo ddoo vviinnhhoo aattaavveerrnnaaddoo::- Livro do Despacho do Vinho, nº. 60- Livro dos Mieiros do Vinho, nº. 1396

SSoocciieeddaaddee AAggrrííccoollaa::- Livro das Actas das Sessões da Direcção da Sociedade Agrícola, 1860/1862, nº.1247

Governo Civil

- Alvarás, Provisões e Regulamentos sobre a Agricultura na Ilha da Madeira, 1779, nº.70- Actas da Comissão Anti-filoxera do Distrito, 1883/1887, nº. 86.- Actas da comissão de Auxilio à Lavoura, 1888/1890, nº. 150

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 27A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX26

Guias de fontes

Arquivo Histórico Militar, Lisboa, 1978As Gavetas da Torre do Tombo, C.E.H.U., 12 vols., Lisboa, 1960-1977BARROS, Fátima e Gastão Jardim, Arquivo Regional da Madeira a memória insular por-

tuguesa in Os Arquivos Insulares (Atlântico e Caraíbas), Funchal, 1997, 201-226Guia do Arquivo Regional da Madeira, in Arquivo Histórico da Madeira, Vol. XX,1997.

Bibliotheca Nacional de Lisboa. Inventário. Secção XIII. Manuscriptos / [José AntónioMoniz]. — Lisboa: Biblioteca Nacional, 1896

BRANQUINHO, Isabel, Alguns Núcleos Documentais Relacionados com osArquipélagos dos Açores e da Madeira Existentes em Arquivos e Bibliotecas deLisboa, in Os Arquivos Insulares (Atlântico e Caraíbas), Funchal, 1997, 227-266.

CASTRO E ALMEIDA, Eduardo, Archivo de Marinha e Ultramar. Inventário, 2 vols.,Coimbra, 1907-1909. (Vol. I: Madeira e Porto Santo, 1613-1819; vol. II: Madeira ePorto Santo, 1820-1833).

Catálogo de Mapas, Plantas, Desenhos, Gravuras e Aguarelas, Coimbra, 1908.Catálogo deManuscritos, Série Vermelha, vol. I (nº 1- nº 499), Academia das Ciências de

Lisboa, Lisboa, 1978; Catálogo de Manuscritos, Série Vermelha, vol. II (nº 500-nº 980), Academia das Ciências

de Lisboa, Lisboa, 1986.FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias, Os Documentos dos Negócios Estrangeiros na

Torre do Tombo, Lisboa, 1990.FITZLER, M. A. Hedwig, “Códices do Extinto Conselho Ultramarino”, in Inventário da

Secção Ultramarina da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1928.Instrumentos de Descrição Documental, ANTT; Lisboa, 1992.LEAL, Maria José Silva; PEREIRA, Miriam Halpern Roteiro de Fontes da História

Portuguesa Contemporânea, Lisboa, INIC, 1984. (2 vol.)MOREIRA, Alzira Teixeira Leite, Inventário do Fundo Geral do Erário Régio, A.H.T.C.,

Lisboa, 1977Do Tesouro Público ao Tribunal de Contas. Inventário preliminar dos núcleos existentes

no AHTT (1779-1933), Lisboa, 1981 [dactilografado].Cartórios Avulsos. Inventário Preliminar, Lisboa, 1981 [dactilografado]O Conselho da Fazenda. Inventário, AN/TT, Lisboa, 1993.RODRIGUES, Maria do Carmo Jasmins Pereira Alfândega do Funchal, ANTT, 1968 [dac-

tilografado],Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, ANTT, 1969 [IDD dactilografado]VIEIRA, Alberto, Guia Para a História das Ilhas Atlânticas, Funchal, CEHA, 1994

Page 17: avieira-vinhavinhomadeira

- Ofícios Dirigidos à Comissão da Fazenda, 1834/1835, nº. 400RREEPPAARRTTIIÇÇÃÃOO DDOO CCOONNSSEELLHHOO

- Avisos Expedidos, 1775/1844, nº. 402/409- Consultas, 1775/1791, nº. 410- Ordens, 1775/1796, nº. 411/412

CCOONNTTAADDOORRIIAA GGEERRAALL::- Contas-correntes do Rendimento das Estufas de Melhorar Vinho, 1806/1833, nº. 441- Notas da Contadoria – Registo, 1716/1833, nº. 458/460- Ofícios da Contadoria – Registo, 1806/1834, nº. 461/463- Portarias – Registo, 1830/1834, nº 465/467- Portarias, Ofícios, Requerimentos, 1831/1832, nº 468

DDÍÍZZIIMMOOSS::- Contas Correntes com Vinho e Verduras, 1827/1831, nº 750

EERRÁÁRRIIOO,, RReeppaarrttiiççããoo ddoo......::- Avisos Expedidos, 1775/1832, nº. 758/759- Ordens Expedidas, 1775/1795, nº. 760

EERRAARRIIOO RRÉÉGGIIOO::- Consultas, 1775/1843, nº. 761/765- Ordens Enviadas à Junta da Fazenda, 1775/1844, nº. 770-778

JJUUNNTTAA DDAA RREEAALL FFAAZZEENNDDAA::- Assentos Extraordinários, 1802/1807, nº. 940- Deliberações, 1775/1805, nº. 942

PPOORRTTOO SSAANNTTOO::- Documentação sobre a Administração da Real Fazenda da Ilha..., 1781/1792, nº.960

RREEGGIISSTTOO GGEERRAALL DDAA FFAAZZEENNDDAA EE CCOONNTTOOSS11556699//11777755,, nnºº.. 996633//997766

SSUUBBSSIIDDIIOO LLIITTEERRÁÁRRIIOO,, RReeppaarrttiiççããoo::- Avisos Expedidos, 1776/1789, nº. 994- Consultas e Ordens, 1775/1834, nº. 995/996

-- MMaanniiffeessttoo ddoo vviinnhhoo ee rreecceeiittaa ppoorr ffrreegguueessiiaa:: Arco de S. Jorge, 1834, nº. 1049Calheta, Arco e Estreito, 1775/1834, nº. 1050/1053Camacha e Caniço, 1832, nº. 1054Câmara de Lobos e Estreito, 1812/1831, nº. 1055/1058Campanário (nº. 1063 também Ribeira Brava Serra de Agua e Tabua), 1828/1830, nº.1059/1063Caniço (o nº. 1068 também Gaula e Camacha, nº. 1069 também Gaula), 1803/1834,nº. 1064Estreito e Arco da Calheta, 1804/1825, nº. 1072/1073Estreito de Câmara de Lobos, 1828/189, nº. 1074/1075Faial, 1834, nº. 1076/1077Fajã da Ovelha, Paul do Mar, Prazeres, Jardim do Mar, 1834, nº. 1078Gaula, 1828/1834, nº. 1079/1080Machico, Agua de Pena, Caniçal, Faial, Santa Cruz, 1827/1834, nº. 1081/1088

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 29A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX28

- Actas do Conselho Distrital da Agricultura, 1893/1898, nº. 249-Actas da Sociedade Agrícola do Funchal, 1849/1854, 1854/1876, nº. 1016-1017 -Inventário dos Volumes Oferecidos ao Gabinete de Leitura da Sociedade Agrícolado Funchal, nº. 1015

IImmppoossiiççããoo ddaass EEssttuuffaass::- Vinho, Manifestos, 1839/1872, 6 volumes, nº1069/1074.

AAccççããoo bbrriittâânniiccaa ee ssuuaa ooccuuppaaççããoo ddaa iillhhaa::- Governo Civil, Registo de Ofícios, Rrespostas, Capitulações, Participações, Divisõese todos os mais Documentos Positivos deste Governo com as Forças e Tropas de SuaMajestade Britânica e Enviado Português em Londres, 1808/1815, nº. 516

Câmara Municipal de Machico

CCoolleeccttâânneeaass ddee ddooccuummeennttooss::- Livro do Registo Geral da Câmara, 1637/1840, nº. 84/93- Livro das Vereações, 1700/1895, nº. 110/144

IImmppoossiiççããoo ddoo VViinnhhoo::- Livro de Arrematação da Imposição do Vinho, 1710/1732, nº. 3- Livro do Registo dos Manifestos de Vinho, Aguardente e Vinagre, 1774 e 1776, nº.145/146

NNúúcclleeoo ppaarrttiiccuullaarr- Casa Ornelas42

- Casa Torre Bela

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Quanto à Madeira o arquivo nacional dispõe de três núcleos arquivísticos impor-tantes que para aí foram transferidos por portaria de 9 de Junho de 1886. Alfândegado Funchal, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, Cabido e Sé doFunchal.

Alfândega do Funchal

-Direitos da Cerveja e Genebra, 1818. nº. 2MMeerrccaaddoorriiaass-- EEnnttrraaddaass ee ssaaííddaass::

Livro do Fiel dos Armazéns - Manifesto de Carga de Vinhos, 1819/1831, nº. 207VViinnhhoo -- eexxppoorrttaaççããoo::- Livro do Feitor do Embarque, 1789/1834, 11 volumes, nº 245/255

Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal

-Registo de Cartas Escritas a Sua Majestade por Francisco de Andrada, seu FilhoAmbrósio Vieira Andrada e seu Neto Jorge Vieira de Andrada, 1646/1783, nº. 396

42. Maria Fátima Barros Ferreira, Arquivo da Família Ornelas Vasconcelos. Instrumentos Descritivos, in Arquivo Histórico daMadeira, Boletim do Arquivo Regional da Madeira, vol. XXI, 1998.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 31

Madalena do Mar, 1803, nº. 1089Nossa Senhora do Monte, 1829/1832, nº. 1090/1092Ponta Delgada, 1833/184 – nº. 1093/1094Ponta do Sol, Canhas, Madalena e Tabua, 1803/1834, nº.1059/1104Porto da Cruz, 1816 e 1834, nº. 115/116Porto Moniz, Ribeira da Janela, Seixal, 1829/1834, nº.1107/1112Porto Santo, 1805/1834, nº. 1113/1119Ribeira Brava, Campanário, Serra de Agua, Tábua, 1805/1832, nº.1120/11203Ribeira da Janela, 1834, nº. 1124Santa Ana, Arco de S. Jorge, 1804/1834, nº. 1125/1126Santa Cruz, Gaula, Santa Luzia, Caniço, 1804/1834, nº. 1127/1153Santa Luzia, S. Gonçalo, Nossa Senhora do Monte, 1834/1835, nº.1134Santa Maria Maior, 1812/1835, nº. 1135/1142Santo António, Camacha, 1819, nº. 1143/1144Santo António e Curral das Freiras, 1829/1831, nº. 1145/1147Santo António, Curral das Freiras, S. Martinho, Câmara de Lobos e Estreito, 1834,nº. 1148S. Gonçalo, 1804/1829, nº. 1149/1153S. Jorge, 1834, nº. 1154S. Martinho, 1829/1831, nº. 1155/1156S. Pedro, 1804/31, nº. 1157/60S. Pedro, S. Roque, Nossa Senhora do Monte, Santa Maria Maior, 1834, nº. 1161S. Roque, 1813/1831, nº. 1162/1164S. Roque, Santa Maria Maior, S. Pedro, 1834, nº. 1165S. Vicente, 1833/1834, nº. 1166Sé e Santa Luzia, 1831, nº. 1167Seixal, 1834, nº. 1168Serra de Agua e Tabua, 1813 e 1832, nº. 1169/1170Tábua, 1813/1829, nº. 1171/1173

Cabido e Sé do Funchal

MAÇOS 4 nº. 32; 6 nº. 32; 7 nº. 3; 17 nº. 20; 20 nº. 2; 23 nº. 13; 32 nº. 39

Biblioteca Nacional de Lisboa/Secção de Reservados

Aqui apenas podemos considerar alguns manuscritos da Colecção Pombalina e ou-tros variados, especificamente sobre a Madeira

Colecção Pombalina:

- Manuscritos, nºs. 458, 462, 466, 611, 638, 642

Outros

Sobre a acção e ocupação inglesa:

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX30

- Colecção de Ordens e Providencias Militares, Civis, Económicas na Ocupação pelaForça Inglesa sob as Ordens de Clinton até 1815, cod. 8022- Papéis Vários sobre o Comércio Inglês na Madeira, MA. 219, nº. 29

Monografias manuscritas sobre a ilha da Madeira

- Documentos para a História do Archipélago da Madeira, compilados por ÁlvaroRodrigues Azevedo, Cod. 6999

- Cultura da Vinha - Notas de 1832, Cod. 598, fol. 136 vº/267 vº- DRUMOND, João Pedro de Freitas, Documentos Históricos e Geográficos sobre a Ilha

da Madeira (cópia), Cod. 7210 - Excursions in Madeira During Autum of 1823 by T. Edward Bodwish (extractos em por-

tuguês - notícias várias, acerca da agricultura da região), cod. 298- Miscelânea Histórica - História do Descobrimento da Ilha da Madeira, seus Donatários

e mais Notícias... Memorial dos Terramotos, Cheias e outras CalamidadesOcorridas na Ilha da Madeira, Alvarás, Editais, Proclamação... de 1802/18Referentes à Ilha da Madeira, cod. 10848

NÓBREGA, Januário Justiniano de, Breve Memória para a Descrição Histórica,Ttopográfica, Económica do Concelho do Funchal, 1851, cod. 8023

SSoobbrree oo ccoomméérrcciioo::- Comércio de Importação dos Estados de 1788/1828, cod. 600

Arquivo Histórico Ultramarino

O núcleo mais importante sobre a Madeira veio do Antigo Arquivo da Marinhae Ultramar, estando já inventariado por Eduardo Castro Almeida 46. No entanto exis-tem mais 31 maços não catalogados onde fizemos uma breve pesquisa.Posteriormente encontrámos novos elementos no códice 1162 (1673/1696).

43. Archivo da Marinha e Ultramar -Inventário-Madeira e Porto Santo, I vol (1613/1819), II vol. (1820/1833), Coimbra, Imprensada Universidade, 1907

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 33A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX32

JOs Jornais

Henry Mare afirma que escrever a história do jornalismo no século XIX é escre-ver a história do próprio século48. A partir de 1821 com o incremento da imprensaos jornais assumem-se como uma fonte primordial para o conhecimento mais por-menorizado do quotidiano e da opinião do cidadão, obviamente letrado. Tendo emconta que o século XIX na Madeira se apresenta bem documentado de publicaçõesperiódicas e, que seria impossível um estudo detalhado de todas, optámos por umaselecção prévia que se alargou à medida da necessidade de informações de índolepolítico-económica. Primeiro incidimos a recolha nos períodos mais marcantes daconjuntura vitivinícola, dando particular destaque aos anos de 1820/30, 1850/1855,1870/1875.

O período de 1820/1830 é aqui apresentado por ser a fase de arranque do jor-nalismo insulano, marcadamente criticista e comprometido com a conturbada con-juntura da primeira metade do século XIX. Tivemos quatro tipografias para novejornais de publicação efémera. O Patriota Funchalense49, primeiro periódico publi-cado na ilha, é o nosso maior destaque. As páginas do bissemanário estavam aber-tas à colaboração (paga pelos autores), afirmando-se como uma tribuna de discussãodos problemas de âmbito regional. De entre as principais preocupações temos asalientar as questões do vinho, aguardentes, vínculos e contrato de colonia50. Mas,depressa perderam vigor com os acontecimentos de 182351.

De entre os jornais surgidos no primeiro momento podemos destacar OFunchalense Liberal e O Defensor da Liberdade. Entre 1850/1870 estámos peranteum momento rico na publicação de jornais, com cerca de meia centena de periódi-cos, destacando-se alguns pela incidência na discussão político-económica-social: OAmigo do Povo, O Progressista, A Ordem, o Clamor Público.

O Clamor Público, surgido em 1854, agregou jornalistas de mérito com acçãopolítica nas Cortes e fora delas: António Correa Henriques, António Gonçalves deFreitas, Luís de Freitas Branco52. E, como diziam em editorial, a função do jornal

48. Citado por A. Aragão Mimoso de Freitas, A Madeira Adere à Revolução de 1820, Lisboa, 1958 (tese de licenciatura), p. 17.49. Veja-se José Augusto dos Santos Alves, “O Patriota Funchalense” ou o elogio do contrapoder, in Actas do II Colóquio

Internacional de História da Madeira, Funchal, Setembro de 1989, Lisboa, 1990, pp.279-400; António Marques da Silva,Preocupações Ecológicas do “Estrela do Norte”, in Atlântico, 19, 1989, pp.203-220; idem, Almeida Garrett e “O PatriotaFunchalense”, Atlântico, 8, 1986, pp.289-292.

50. Um facto característico desta colaboração é o tipo de pseudónimo então usado pelos seus colaboradores a condizer ou nãocom o momento. Assim temos o “Ilheo Constitucional”, o “Imparcial Cidadão”, “Despertador Principiante”, “O NovoDespertador”, “O Amigo da Verdade”, “Amante da Justiça”, “Hum Amigo da Paz”, “Hum Observador Imparcial”, “O Inimigodos Aristocratas”, “Hum Português”, “Hum filho da Madeira”, “O Sentinela do Erário”, “Hum Cidadão”, “Hum Villão doCampo”, “O Camponez Madeirense”. Dois mais se destacam: um pelo nome - Robert Machim, o outro pela sua prosa vig-orosa e contestatária - o Estrella do Norte. O primeiro, fruto dum saudosismo, marcadamente britânico, o segundo, identifi-cado com o cónego Jerónimo Alves da Silva (1770/1861) evidencia-se pela sua prosa jornalística marcadamente liberal ecriticista em que ninguém escapava ao seu olhar crítico. Por outro lado temos a referenciar a colaboração assinada, dondedestacamos algumas personalidades conhecidas, como Francisco Manuel Alves, Diogo Dias Ornelas, Jaime António deFrança Neto, J. Cardoso Giraldes, João Chrisóstomo Espínola Macedo, Francisco Paula Medina de Vasconcelos.

51. Primeiro tivemos a prisão do proprietário e redactor, Nicolau Pita, por alçada de 1823, acusado de maçónico, por outro a cri-ação em 12 de Junho de 1823 duma comissão de censura, que conduziram ao fim deste periódico.

52. Isto só até ao número 27.

Os Arquivos Empresariais.

A investigação completa de um tema como o vinho deverá contemplar a consultaaos arquivos das principais regiões de destino do vinho na Europa e América e orecurso aos arquivos privados, nomeadamente a documentação das casas inglesas.Apenas no seio da comunidade britânica encontrámos um maior cuidado na preser-vação do arquivo empresarial, de que temos notícia detalhada dos arquivos de Cossart& Gordon44 e família Blandy. A Madeira Wine Company mantem no acervo históri-co documentação das diversas empresas que se associaram a partir de 1925. Aquipodemos encontrar abundante informação sobre as firmas supracitadas, como é ocaso das casas de Tarquinio T. Lomelino e F. F. Ferraz & Co. O arquivo da firmaCossart Gordon & Co (1745-1831)45 é entre todos o mais significativo reunindo maisde 2000 peças documentais de 1745 a 1943.

A partir da publicação das cartas de William Bolton por A. L. Simon46 é possívelconhecer a acção do negociante de vinhos entre 1695 e 1740. Para nós as cartas co-merciais de William Bolton, juntamente com as de Diogo Fernandes Branco (1649-1652), João de Saldanha Albuquerque (1673-1698) e Duarte Sodré Pereira47 permitemcolmatar algumas lacunas da documentação oficial para os séculos XVII e XVII.

Copiador de cartascomerciais da empresa de

Thomas Newton. Século XVIII.Arquivo da Madeira Wine

Company

44. Elizabeth Nicolas, Madeira and the Canarias, Londres, 1953, p. 107.45. Parte da documentação encontra-se nos arquivos da Madeira Wine Company e outra foi vendida pelos herdeiros à

Universidade de Liverpool.Cf.Noel Cossart, Madeira the Island Vineyard, London,1984.p.XI.46. The Bolton Letters..., Londres, 1965, vol. I.47. Maria Júlia de Oliveira e Silva, Fidalgos-Mercadores no século XVIII- Duarte Sodré Pereira, Lisboa, 1992

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 35A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX34

- O Progressista, 28 Agosto 1851/15 Maio 1854- A Ordem, 15 Janeiro 1852/1 Setembro 1860- O Clamor Público, 17 Maio 1860/15 Outubro 1877- O Direito, 1880/1883- O Funchalense, 17 Abril 1859/17 Fevereiro 1851- A Voz do Povo, 17 Maio 1860/15 Outubro 1877- Gazeta da Madeira, 1 Fevereiro 1866/27 Fevereiro 1869- A Razão, 1867/1870- O Popular, 1 Fevereiro 1809/12 Setembro 1869 - 1874/1877- A Lâmpada, 21 Novembro 1876/17 Janeiro 1878- O Popular, 1 Novembro 1876/17 Janeiro 1878- Diário de Notícias, 11 Outubro 1876

Na imprensa do continente encontrámos várias páginas dedicadas à Madeira daautoria de madeirenses58, como é o caso das memórias publicadas por AntónioCorreia Heredia na Revolução de Setembro. Noutros periódicos, onde soubemosque a pesquisa seria coroada de êxito, fizemos o levantamento sumário dos ele-mentos mais importantes. Aqui tivemos em conta as publicações da especialidade.Assim do Portugal Agrícola - 1901/8 - retivemos informações sobre a lavra da vinhano continente e na Madeira, de que destacamos as monografias de MenezesPimentel, Azevedo Menezes. Na Informação Vinícola (1950/3), órgão oficial daJunta Nacional dos Vinhos, colhemos notícias e informações de índole históricasobre o vinho, de modo especial os textos de Rodrigo Cavalheiro, Avelar Machado,António de Almeida e José Tavares. Outros mais consultamos em que destacamos:

- A Vinha Portuguesa - Revista Mensal Dedicada ao Progresso da Viticultura Nacional,Lisboa, 1886/1929, sob a direcção de F. Almeida Brito, Alfredo le Coca, Jorge deMelo.

- A Vinha Americana em Portugal, 1897, 2 números, revista bissemanal publicada porAntónio Palma de Vilhena, que como o nome indica releva toda a actividade parao replantio das vinhas em Portugal por intermédio das castas americanas59.

- Vinicultura, 1934, [que se publicou no Porto por iniciativa de um proprietário local,Fernando Ribeiro Guimarães].

- Vinhos de Portugal, publicação de propaganda vinícola, 1954, publicado em Coimbrapor A. Rocha Pinto.

- O Vinho em Portugal, Lisboa, 1967, boletim mensal do grémio dos armazenistas devinho, sob direcção de Acácio Caldeira

- Vinho - Semanário Vitivinícola, publicado em Lisboa sob a direcção de AntónioBatalha Reis[um especialista das questões enológicas. Foi também director do jor-nal Informação Vinícola].

58. Existem diversas publicações que compilam os discursos parlamentares de deputados madeirenses. Veja-se Fernando Augusto da Silva, “Discursos”, in Elucidário Madeirense, vol. I, Funchal, 1984, pp.865-867.

59. Vide nº 1, pp. 1/2, onde se alude a esta finalidade prática.

era importante: Se o título de um periódico pode significar a Índole e carácter dele– ‘O Clamor Público’ - indica que ele há-de ocupar-se de todos os assuntos cuja dis-cussão é reclamada pela opinião e interesses gerais desta província. E essa missão jáse vê que vai tratar dos meios de proteger as indústrias agrícola, comercial e fabril,com muita especialidade53.

Cada jornal tinha o devido enquadramento político-partidário, apresentando-secomo o decalque da situação política. Os editoriais e artigos dos colaboradores maisdirectos são disso um reflexo. Daqui resultou acesa polémica que envolveu algunsjornais, nomeadamente O Clamor Público e a Ordem.

Destaque especial foi dado a um periódico surgido em 1851 - O AgricultorMadeirense - que se afirmava como órgão oficial da Sociedade AgrícolaMadeirense. Em O Archivista, onde se imprimia o novo periódico, temos a notíciado aparecimento e da finalidade em vista: É destinado a dar conta das Actas daSociedade Agrícola Madeirense e direcção - de todas as propostas, indicações,relatórios e trabalhos dos sócios e comissões - da legislação agrária, em geral, e daespecial da Madeira, - e de memórias, artigos, e quaisquer escritos interessantessobre agricultura54. A ideia repete-se no editorial do primeiro número, que explicitaas razões de criação da Sociedade Agrícola55.

A informação disponível sobre o jornalismo madeirense é avulsa, fazendo faltauma monografia e inventário adequado. Apenas conhecemos duas listas incomple-tas feitas por Jordão Apolinário de Freitas56 e pelo Visconde do Porto da Cruz57. Nasbibliotecas do continente e da Madeira os núcleos jornalísticos estão incompletos,tornando impossível uma relação completa. A colecção da BNL pertence emgrande parte ao espólio de A. R. de Azeredo, aí incorporado após a morte, fican-do-se no século XIX.

Apresentamos, de seguida, por ordem cronológica, os jornais consultados emque colhemos informações para o presente trabalho.

- O Patriota Funchalense, 2 Julho 1821/8 Fevereiro 1823, 214 números- O Pregador Imparcial da Verdade, da Justiça e da Lei, 17 Fevereiro 1823/3 Julho1824, 71 números- Funchalense Liberal, 3 Fevereiro 1827/26 Abril 1828- O Defensor, 4 Janeiro 1840/18 Maio 1847- O Echo da Revolução, 27 Julho 1846/23 Janeiro 1847- O Independente, 20 Agosto 1846/15 Maio 1847- Correio da Madeira, 3 Fevereiro 1849/9 Agosto de 1851- O Amigo do Povo, 26 Janeiro 1850/ 27 Abril 1854- O Arrivista, 7 Dezembro 1850/27 Dezembro 1851- O Agricultor Madeirense, 26 Março 1851/Dezembro 1851

53. Nº 1, p. 1.54. Nº 15, p. 1.55. Nº 1, pp. 1/2.56. Vide Diário de Notícias, Funchal, nº 6385/6.57. Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, Funchal, 1953, vol. II, pp. 311/3.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 37A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX36

fundos arquivísticos locais com a organização do arquivo local sob o impulso de JoãoCabral do Nascimento, que através dum boletim (1931) procedeu à sua divulgação. Otrabalho teve continuidade nos anos subsequentes de forma que hoje o acesso aos fun-dos documentais está facilitado. Foi neste contexto que tivemos na década de 50, da ini-ciativa da Sociedade de Concertos da Madeira e sob os auspícios de Luís Peter Clode,uma revista de artes, letras e História, que tomou o nome de Das Artes e da Históriada Madeira. A publicação animou o panorama cultural da ilha durante duas décadas(1950/1960), tendo marcado uma fase importante da historiografia local, com os estu-dos de Pita Ferreira, Joel Serrão e Ernesto Gonçalves.

As teses de licenciatura apresentadas entre 1940/60 como prova final da licenciatu-ra de História às Faculdades de Letras de Lisboa e Coimbra assumem igualmente umaimportância fundamental por serem trabalhos monográficos de investigação sobretemas obscuros ou inexplorados, podendo salientar-se as de Fernando Jasmins Pereira(em Coimbra), Maria de Lurdes Freitas Ferraz, Maria do Carmo Jasmins Pereira,António Aragão, Mimoso de Freitas e João José Abreu de Sousa.

Horácio Bento de Gouveia, através da obra literária, merece destaque por ser oescritor e memoralista das palpitações, problemas e quotidiano da população rural. Naobra que nos deixou perpassa um traço historiográfico, nomeadamente em A Canga,com a refutação do contrato de colonia, Aguas Mansas, com o retrato de miséria dasbordadeiras, O Torna Viagem, com a saída e regresso do emigrante madeirense,Margareta, com o desvendar dos meandros da urbe funchalense dos anos 40. Algunsaspectos do quotidiano da primeira metade do século XX estão ao alcance de todos.

Para os séculos XVIII e XIX não devemos desprezar o contributo dado pela litera-tura inglesa com a publicação de monografias específicas sobre a ilha. O inglês, não só,dominou os circuitos comerciais, como também se mostrou interessado na cultura eHistória, certamente com a intenção de defender-se das acusações que determinadahistoriografia local vinha fazendo.

A Madeira ganhou a atenção dos aguarelistas, escritores e historiadores ingleses. Nasaguarelas testemunha a vida (e caricatura) da sociedade madeirense do século XIX, otraje, as festas, costumes e paisagens63. Entretanto os memorialistas que por cá passaramdeixaram escritas as impressões de tudo quanto viram, dando realce ao vinho. Aquimerece destaque a memória de Henry Vizettely que em Facts about Port and Madeira(1880) dá conta do estado das vinhas madeirenses infestadas com a moléstia daFiloxera, das castas mais importantes, da forma de funcionamento das estufas, docomércio64. Outras monografias surgiram com carácter turístico. R. White em 1853 aoescrever Madeira its Climate and Sunny, que tinha um subtítulo significativo: AHandbook for Invalid and other Visitors. Mais recentemente tivemos W. H. Koebel,A. L. Simon, Rupert Croft-Cook que, em estilo de memória ou em forma de mono-grafia histórica, deram conta de vários aspectos da história ao público inglês.

63. José Leite Monteiro, Estampas Antigas de Paisagens e Costumes da Madeira, Funchal, 1951.64. Vide Ruppert Croft Cook, Madeira, Londres, 1961, pp. 96/105.

BA Bibliografia

No século XIX lançaram-se as bases da História Insulana que teve em ÁlvaroRodrigues de Azevedo (1825/1898) o marco fundamental, com as anotações àsSaudades da Terra e na monografia sobre a Madeira publicada no DicionárioUniversal de Português Ilustrado de Fernandes Costa e numa colectânea de docu-mentos que deixou em manuscrito60. O primeiro estudo ficou como fonte base de todaa posterior escrita sobre história da Madeira e, ainda hoje, é um elemento indispensávelde consulta. São da mesma época os textos de Paulo Perestrelo da Câmara (1810/1854),Breve Notícia sobre a Ilha da Madeira (1841), os apontamentos manuscritos de JoãoPedro de Freitas Drumond e a referência do cónego Joaquim Gonçalves de Andrade(1795/1868), que anotou a História Insulana de António Cordeiro, no que toca àMadeira e que teria reunido documentação para a História da Madeira, que se perdeujuntamente com o espólio literário61. Quase todos os textos publicados estão impregna-dos pela marca ideológica do movimento liberal, como se pode comprovar nastomadas de posição de Álvaro Rodrigues de Azevedo sobre a questão em debate docontrato de colonia e da subordinação da ilha ao domínio britânico.

A historiografia primeira metade do século XX (1922/50) foi marcada pela ideolo-gia patriótico-nacionalista, como foi o caso do grupo conhecido como a Geração doCenáculo. Estamos perante uma agremiação onde se juntavram alguns dos vultos maisdestacados da época, de que podemos salientar ao nível historiográfico, J. Reis Gomes,Fernando Augusto da Silva e Alberto Artur Sarmento. A tertúlia tinha como órgão ofi-cioso o Diário da Madeira e o Heraldo da Madeira, onde davam conta das deambu-lações históricas. Foi daqui que partiu a ideia de comemorar o V centenário dadescoberta da ilha, que teve lugar entre 1922/1923.

O Pe. Fernando Augusto da Silva (1863/1949), com o Elucidário Madeirense(1923), lançou as bases da História da Madeira. Estamos perante um apanhado, emmodo de dicionário, dos aspectos mais importantes mas não qualquer história acaba-da. Alberto Artur Sarmento (1878/1953) foi o elemento mais influente, espírito pers-picaz e aberto que em Os Ensaios Históricos da Minha Terra (1ª edição, 193) esboçouuma síntese de história regional.

A geração seguinte continuou o trabalho de pesquisa e divulgação da História daMadeira. A conjuntura foi favorável, quer através do Congresso do Mundo Portuguêsem 1940, quer das comemorações henriquinas em 1960. Veja-se, por exemplo, ascomemorações henriquinas celebradas no Funchal através do boletim do ArquivoHistórico62. Os elementos mais destacados são: o Pe. Eduardo Pereira (1887-1976),Ernesto Gonçalves (1898-1982), Carlos Montenegro Miguel.

A partir dos anos 30 deu-se um impulso decisivo na historiografia na valorização dos

60. BNL, Secção de Reservados, Cod. 6999.61. Visconde do Porto da Cruz, ibidem, p. 62.62. Vide vols. XII e XIII.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 39A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX38

A mesma opinião foi também defendida para as Canárias, onde, volvidos vinte anos,Elias Serra Rafols71 respondia a Francisco Morales Lezcano72, enunciando que nuncaexistiu um regime de monocultura, uma vez que a economia canária foi dominadapor uma variedade de culturas, cuja actuação não foi uniforme no tempo e noespaço. A questão foi retomada na década de cinquenta por Frédèric Mauro73, queaconselhado por Vitorino Magalhães Godinho74, afirma que a economia insularassentava apenas num regime de produtos dominantes e não de monocultura. Aliás,V. M. Godinho para desfazer os equívocos introduziu um novo conceito operatório,o complexo histórico-geográfico.

Na Madeira a ideia dos ciclos vingou junto de historiadores e eruditos não sendodifícil encontrar expressão em qualquer análise de carácter económico. Assim, ficouassente que a História Económica da Madeira evoluiu do ciclo dos cereais, do açú-car ou ouro branco, do vinho, do turismo, banana e, certamente, da autonomia.Finalmente em 1979 esta leitura chegou à análise da História de Arte e urbanismoda cidade, surgindo pela pena de António Aragão75 a ideia de que a cidade teve doismomentos distintos em que se definiram diversas formas de concretização artísticae urbanística: a cidade do açúcar e do vinho. O impacto que o texto teve no meioacadémico e público interessado conduziu a que a ideia, ainda que sem qualquerfundamento, acabasse por vingar.

Uma análise aturada da economia insular diz-nos que não se regeu por princípiosexclusivistas, de acordo com a premência das solicitações externas. Antes pelo con-trário, o desenvolvimento socio-económico processou-se de forma variada, sendo aexploração económica resultado do confronto com as condições e recursos domeio, as solicitações da economia de subsistência. É difícil, senão impossível, definirum ciclo em que impere a monocultura de exportação, num espaço amplo e multi-facetado como é o do mundo insular.

Os modelos, embora perfeitamente delineados, não se ajustam à realidade socio-económica, que é extremamente variada e enriquecida de múltiplas matizes.Embora alguns produtos, como o trigo, o açúcar, o vinho e o pastel, surjam emépocas e ilhas diferenciadas, como os mais importantes e definidores das trocasexternas, não são únicos na economia insular. Na verdade, a dominância sucede

71. ”El gofio Nuestro de cada Dia”, in Estudios Canários, XIV-XV, 1969-1970, pp.97-99, sendo corroborrado por M. A . LaderoQuesada, España en 1492, Madrid, 1978, pp.205-218, e Eduardo Aznar Vallejo, La Integración de las Islas Canárias en laCorona de Castilla, La Laguna, 1983, p.455.

72. MORALES LEZCANO, Victor, Sintesis de la Historia Economica, Tenerife, 1966, IDEM, Las Relaciones Mercantiles entre Inglaterra y los Archipiélagos Atlantico Ibericos (...), La Laguna, 1970;IDEM, “Cultivos Dominantes y Ciclos Agricolas en laHistoria Moderna de las Islas Canarias”, in Historia General de las Islas Canarias, IV, 11-22.

73. Frédèric MAURO, Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe, siècle (...), Paris, 1960, 501; IDEM, “Conjoncture Économique etStructure Sociale en Amérique Latine depuis d’Époque Coloniale”, in Conjoncture Économique, Sctruture Sociales,Hommage à Ernest Labrouse, Paris, 1974, 237-251.

74. GODINHO, Vitorino Magalhães, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, vol. IV, Lisboa, 1983, pp.207-223; IDEM, “ADivisão da História de Portugal em Períodos”, in Ensaios II, 2ª ed., Lisboa, 1978, 12-14; IDEM, A Construção de Modelospara as Economias Pré-Estatísticas, Revista de História Económica e Social, 16, 1985, pp.3-16; “Entender la Praxis de losNegocios”. Esboço de Modelo para a Economia dos Séculos XV e XVI, História das Ilhas Atlânticas, vol. I, Funchal, 1997,13-39; IDEM, “Entender la Praxis de los Negocios”. Esboço de Modelo para a Economia dos Séculos XV e XVI, in Históriadas Ilhas Atlânticas, vol. I, Funchal, 1997, pp.40

75. ARAGÃO, António, Para a História do Funchal, Pequenos Passos da Sua Memória, Funchal, 1979

História económica e a teoria dos ciclos.

Uma das questões mais prementes da historiografia madeirense sobre o vinhoprende-se com a ideia de ciclo, usada para definir o período de afirmação da culturae comércio do vinho. É comum apresentar-se o processo económico da Madeira deacordo com a afirmação cíclica de produtos66. A teoria, que teve o apogeu nasdécadas de cinquenta e sessenta, não colhe hoje adeptos. Tudo começou em 1929com Lúcio de Azevedo67 e foi reforçado passados vinte anos com Fernand Braudel68,acabando por conquistar a adesão da historiografia brasileira. Ambos argumentamque o processo económico das ilhas se articulou de acordo com o regime produtivode monocultura. Ainda, em 1949 Orlando Ribeiro69 esclarecia, que no caso daMadeira não é possível encontrar rastros de monocultura no regime de exploraçãoagrícola, mesmo assim Joel Serrão insistiu em 1950 em definir o ciclo dos cereais70.

Armas daCidade do Funchal65.

65. Os elementos figurativos começam por assinalar apenas a cana de açúcar e só a partir de 1809 surgem os referentes aovinho, através de uma parreira com uvas, confronte-se António Aragão, As Armas da Cidade do Funchal no curso da suaHistória, Funchal.1984.

66. O mesmo debate existe quanto às análises de História Económica Ibero-americana, veja-se Goizueta-Mimo, Felix, BitterCuban Sugar. Monoculture and Economie Dependence from 1825-1899, N. York, 1987.

67. AZEVEDO, Lúcio de, Épocas de Portugal Económico. Esboços de História, Lisboa, 1929.68. BRAUDEL, F., Le Méditerranée et le Monde Méditerranéen(...), ed. de 1949, 123.69. Orlando Ribeiro, L’Île de Madère (...), Lisboa, 1949, 67.70. SERRÃO, Joel, Temas Históricos Madeirenses, pp.17-20 e 53-75.

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Obras gerais

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DERVENU, Claude, Madeira, Paris, Horizons de France, S/D

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MARJAY, Frederic, Madeira, Lisboa, Livraria Bertrand, 1965

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 41A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX40

apenas no sector da exportação e nunca na globalidade da economia da ilha, ondepor vezes outros, como fonte de riqueza familiar e subsistência, se tornam maisimportantes.

Os ciclos de monocultivo são apenas a parte visível das exportações pelo queresumir a análise económica a isso é uma atitude reducionista uma vez que se limi-ta a reconhecer a importância dos produtos com maior peso nas exportações. A ilhaé um microcosmo definido pela variedade de espaços ecológicos que não se com-padecem com a unicidade agrícola. A situação de produto dominante levou à sis-tematização do devir socio-economico em ciclos, uma ilusão da complexa realidadeque serve de base. O produto define a estrutura socio-economica, numa determi-nada época, esquecendo-se a complexidade do sector produtivo e comercial. Adocumentação é unânime na afirmação de que o empenho do ilhéu não se resum-ia apenas ao produto que mais girava nas relações com o exterior. Há em todos osmomentos uma preocupação das autoridades e das populações de auto-suficiênciaque milita em favor da manutenção das culturas da dieta alimentar que medravam,lado a lado, com as dominantes e solicitadas pelo comércio externo. A polivalênciaprodutiva foi uma constante do devir economico, sendo uma das características dasregiões insulares. A dominância de um produto nas relações com o exterior nãoimpede a situação de policultura, nem retira o empenho das gentes laboriosas emassegurar a sua autosubsistência. As posturas Municipais, quando regulamentam osdiversos sectores económicos, evidenciam uma diversidade de interesses e movi-mento de produtos.

No processo histórico madeirense é gritante a extrema dependência da ilha emrelação ao exterior. A Europa assumiu uma posição dominante firmando-se comoo centro donde emanavam as orientações de ordem política e económica. A situ-ação é comum ao mundo insular definindo uma das peculiaridades, marcada pelafragilidade e dependência económica em relação ao velho continente. Para isso con-tribuiu a posição hegemónica das cidades-capitais dos impérios peninsulares apouca disponibilidade de recursos e meios das sociedades insulares.Por outro ladoa afirmação de um produto nas exportações não é possível sem a existência de umsistema de policultura, principalmente em universos restritos como o das ilhas.Assim, os canaviais subsistem se for possível assegurar um vasto hinterland de cul-turas de subsistência. Perante isto podemos afirmar que os ciclos serão apenas avisão deformada do processo económico, a caricatura de uma realidade que semprefoi muito mais complexa.

Entender a economia das ilhas e a História é reconhecer um estatuto diferencia-do aos espaços económicos. Para nós a História e a realidade económica não secompadece com teorias e tão pouco se lhes deve subjugar. Quem conhece as ilhassabe que em todas domina a diversidade geo-económica, fruto da configuraçãogeográfica, que provoca na Madeira um escalonamento de culturas.

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- Madeira Wine Cakes of Sauces, London, Contable & Ca. Ltd., 1933

SIMÕES, Nuno, Notas sobre a Evolução do Comércio dos Vinhos da Madeira, in ArquivoFinanceiro e Segurador, 1935, Nº. 10, pp. 273/83 e 293

TAVARES, José da Cruz, Comercio dos Vinhos da Madeira, in Informação Vinícola, 1940,nº. 2/5, pp. I/4, I/3, I/2

- Porto Santo e a Produção do Vinho da Madeira, in Informação Vinícola, 1949, nº.10, pp. 1 e 2

TENREIRO, Francisco, Nótula Acerca do Vinho da Madeira, in Geographica, 1965, nº. 1,pp. 26/31

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Viticultura/vinificação

Em primeiro lugar convém destacar a acção da Academia de Ciências de Lisboa, aolongo dos séculos XVIII/XIX, com a publicação das memórias de Agricultura pre-miadas pela mesma, nomeadamente as memórias I a IV (1787/90), e até mesmo asmemórias económicas publicadas entre 1789/1885.

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ALMEIDA, Gabriel d’, A Vinha- Notas Vitícolas e Vinícolas, Ponta Delgada, 18

AGUIAR, António Augusto de, Conferências sobre Vinhos, Lisboa, Typografia daAcademia Real de Ciências, 1876/7

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CANTAMESSA, Filipo, Il Vino - su Produzione, Conservazione e Commercio, TorinoTipografia editriche, 1899

CHAPTAL, M. L Comte, L’Art de Faire de Vin, Lisboa Imprensa Nacional, 1900

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COSTE-FLORET, P., Procédés Modernes de Vinification, Paris, 1894

DELGADO, Santos, Manual Pratico e Técnico sobre o Fabrico e Tratamento de Vinhos,Lisboa, La Clássica Editora, 1926

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 43

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OLIVEIRA, A. Lopes, Arquipélago da Madeira - Epopeia Humana, Braga, editora Pax,1969

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SARMENTO, Alberto Artur, Ensaios Históricos da Minha Terra, Ilha da Madeira,Funchal, ed. Câmara Municipal do Funchal, 1952, vol. IV

SOUSA, João José Abreu de, O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura daMadeira de 1727 a 1810, Funchal, 1990

Obras específicas

Como auxiliar da consulta sobre o vinho é importante a bibliografia organizada em1938 pelo Instituto Superior de Agronomia, por altura do V Congresso Vinícola:

-V Congresso da Vinha e do Vinho - a Vinha e o Vinho - Bibliografia, Lisboa, 1938

Monografias Históricas sobre o vinho

Em primeiro lugar convém destacar as que se debruçam sobre a História do vinhoem geral, desde o aparecimento das primeiras cepas no Oriente, aos tempos quedecorrem. Igualmente daremos conta das que caracterizam e definem o vinho.

ALLEN, Warner, The Wines of Portugal, London, Casa de Portugal, by George Rabird,Ltd., 1962

- A History of Wine - Great Vintage Wines from Homeric Age to the Present Days,London, Fabriand Faber, 1961

CORUCHE, Visconde de, O que é o Vinho, Lisboa, Fabriand Faber, 1961

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Quanto à História do vinho da Madeira, poucas são as monografias que merecemreferência:

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HENRIQUES, Jordão Maurício, Les Vins de Madère, in Le Portugal et son ActivitéÉconomique, 1932, pp. 148/50

LEMPS, Alain Huetz de, Le Vin de Madere. Vins, Vignes,Vignerons, Grenoble, 1989.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX42

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BONARME, H., Nouvelle Methode de Culture de la Vigne en Presence du Phylloxera, LeBlanc, Impremerie A. de Saint L0hibarelt Librairie, 1880

CERVAZZA, Domizio, La Incerteza dei Viticoltori-nelle Lotta contra Vecchi e NuoviNemici, Rome, Tipo. Editti Botta, 1890

CHICÓ, Rodrigues, Videiras Americanas, in Portugal Vinícola, 1898, n1. 10, pp. 318

COARER, Eduardo, A Phylloxera, Pulgão da Vinha. Origem, Introdução..., Lisboa,Tipografia do Progressista, 1873

Comissão Central Anti-Phylloxérica do Sul do Reino, Ministério das obras públicas,Comércio e Indústria, ano de 1882/85, Lisboa, Imprensa Nacional, 1883/1886, 4vols.

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MACHARD, Henri, Traitè Pratique sur les Vins, Besançon, Bonvalout, imprimeur editeur,1865

Material Agricole et Viticole, Vermorel contructeurs à Ville Fraiche (Rhene), cataloguenº.1248

Memória sobre os Processos de Vinificação Empregados nos Principais CentrosVinhateiros do Continente do Reino (apresentada ao Ministro das Obras Públicas,Comércio e Indústria por comissão nomeada por portaria de 10 de Agosto de 1866),Lisboa, Imprensa Nacional, 1867

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX44

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Vinificação

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A Crise Vitivinícola

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 47

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No inventário bibliográfico, que não pretende de forma alguma ser completo, colocá-mos à parte algumas monografias específicas sobre a Madeira, tendo em conta fun-damentalmente os aspectos vitivinícolas e a crise da mesma no século XIX.

Viticultura

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As referências literárias ao vinho da Madeira resultam do acesso a diversas bibliote-cas digitais, onde foi possível pesquisar o tema em mais de 500.000 livros e folhetos,permitindo um rastreio completo das referências ao vinho Madeira, com particular

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 59A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX58

incidência na literatura britânica e norte-americana. Merece referência Chadwyck-Healey, por ser a mais completa e exaustiva na informação apresentada. Só aquiforam encontrados 360 registos, sendo 130 de poesia, 84 de drama e 146 de prosa.À pesquisa digital juntou-se a consulta da informação bibliográfica da Madeira,nomeadamente os núcleos de literatura de viagens e científica da BibliotecaMunicipal do Funchal e do Arquivo Regional da Madeira.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX60

Page 34: avieira-vinhavinhomadeira

AAA tteennuuee ppaarrrreeiirraa qquuee ccoorrttaaddaaAAooss rraammooss eesstteennddiiddooss aaccrreesscceennttaaNNããoo ssóó nnaass ffoollhhaass,, pprróóddiiggaa cchhaammaaddaaMMaass nnooss ffiillhhooss,, qquuee vváárriiooss aalliimmeennttaaSSeennddoo ccoomm vváárriiaass ccaassttaass eennxxeerrttaaddaaOO sseeuu óóppttiimmoo ffrruuttoo ggllóórriiaa aauummeennttaaEE nnooss sseeuuss ccaacchhooss ffeerrmmoossooss ccaaddaa ddiiaaMMoossttrraarráá qquuee eessttáá rriiccaa ddee aalleeggrriiaa..

MM.. TThhoommaass,, IInnssuullaannaa,, 11663355,, LLºº.. XX,, vv.. 9966,, pp.. 447799

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 63A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX62

A definição da viticultura madeirense assenta na disposição das áreas de cultivodas castas e na forma de cultivo. Ambas as situações estão em relação directa como solo e clima, factores determinantes na definição da qualidade e valor gustativo dovinho. O Madeira é fruto das propriedades comuns à casta, mas são as condições evariedade de microclimas que determinam, em última instância, as peculiaridades.O resultado de tudo isto é um vinho inimitável, definido por uma elevada acidezque, ao contrário do que acontece nos demais, o favorece no processo de envelhec-imento.

No solo abrupto e ravinoso surgiram os poios (socalcos) onde se distribuíram ascepas que engalanaram as latadas e balseiras. Os microclimas obrigaram à selecçãoda videira adequada a cada área, favorecendo a variedade de castas e qualidade dauva produzida. A orografia da ilha expressa-se a partir de uma configuração pirami-dal de cordilheira montanhosa central, e espraia-se em duas vertentes marcadas poruma costa abrupta, aqui e acolá, entremeada de áreas planas altas (Paul da Serra,Santo) e de algumas Fajãs. As últimas são um espaço privilegiado para a cultura davinha, como se pode verificar com a Fajã dos Padres. Ao povoador estava reserva-do o labor de humanização do novo espaço, começando por desbravar a floresta eerguer paredes sobre as ravinas e encostas para aplainar a terra e nelas lançar asemente.

A agricultura madeirense é marcada pelas condições mesológicas e a persistênciado velho sistema de propriedade (o contrato de colonia1), a origem do desprezo,abandono do campo e aversão às inovações técnico-agrícolas. A faina vitivinícola,definida pelos cuidados da videira e da uva, vindima, lagar e tratamento do vinho,

1. Sobre o contrato de colonia veja-se: Pedro Pita, O Contracto de Colónia na Madeira, Lisboa, 1929; Manuel Soares da Rocha,A Colonia no Arquipélago da Madeira e a Questão que Gerou, Lisboa, 1957; Ramon Correia Rodrigues, A Colonia naMadeira. Problema Moral e Económico, Funchal, 1947; Idem, Questões Económicas. À Margem da Colonia na Madeira,Funchal, 1953; João José Abreu de Sousa, O Convento de Santa Clara do Funchal, Funchal, 1991; IDEM, A Origem daColónia, in Islenha, 13, 1993, 47-73; IDEM, História Rural da Madeira. A Colónia, Funchal, 1994; João Lizardo, AlgumasNotas e Várias Dúvidas sobre a Colónia nos Dois Últimos Séculos, Islenha, 14, 1994, 137-142; Jorge de Freitas Branco,Camponeses da Madeira, Lisboa, 1987, pp.153-186.

Viticultura e Produção

A viticultura madeirense

Rótulo antigo.Colecção Madeira

Wine Company.

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O estudo de Orlando Ribeiro5 continua ainda a ser fundamental para conheci-mento da Climatologia e Geologia. Foi ele quem chamou a atenção para a diversi-dade de microclimas, destacando o contraste Norte/Sul, o mais evidente ao nível doclima e da configuração geográfica6. Assim, temos uma faixa norte, marcada pelosmaciços montanhosos de colinas abruptas caindo ao mar (S. Vicente, Seixal) comalgumas fajãs por meio (Ponta Delgada, Arco de S. Jorge, Fajã da Areia, PortoMoniz), definida por uma vegetação exuberante e variada e uma forte pluviosidadee humidade do ar. A vertente Norte foi a fonte abastecedora das regiões do Sul. Emcontraste, o Sul é mais suave na inclinação e elevação, de menor pluviosidade,podendo-se definir com uma região seca chegando a ser árida (Caniçal). A diferen-ciação natural contribuiu para a definição das áreas de cultura da vinha.

Perante tais condições importa perguntar qual foi a atitude do madeirense, nosúltimos cinco séculos de História, perante os acidentes que entravam o percurso?No século XV a primeira solução para o desbravamento do solo virgem foi o incên-dio ateado às densas matas que cobriam a ilha, advindo daí, segundo FranciscoAlcoforado e Cadamosto, um solo fertilíssimo. Já, nos séculos posteriores, reconhe-ceu-se o aventureirismo de tão precipitada solução do recurso às queimadas, optan-do-se por outras menos drásticas. A desarborização conduziu a mudanças bruscasno clima e está na origem dos efeitos catastróficos da erosão do vento e chuvas. Asgrandes catástrofes, conhecidas com aluviões, são o principal resultado7. A partirdaqui estabeleceram-se medidas de protecção do parque florestal, impedindo-se ocorte desordenado de lenhas e madeiras, e apostando-se na arborização dasencostas escalvadas.

O primeiro projecto de arborização da ilha pertence a António Rodrigues deOliveira, Corregedor e Desembargador da ilha, e está registado nas instruções quedeixou na Câmara da Calheta em 1782, quando esteve em correição. O plano pre-via a reorganização das culturas agrícolas no sentido de uma maior diversificação:Promoverá o plantio de árvores úteis, em lugar de silvados, nas beiras dos caminhos:o de castanheiros, nos baldios, de meias terras acima, isto é, nas terras mais altas,próximas da serra; o de laranjeiras, limoeiros, limeiras, cidreiras, e outras árvoresfrutíferas, protegidas pelos loureiros, vinháticos, e canas nos sítios menos abrigadose não muito secos; o do algodoeiro, nos pontos mais quentes e vizinhos do mar; ode amoreiras, junto às villas, igrejas, estradas e mais lugares públicos; e o de pinhais,nos montes e picos escalvados, rochas sobranceiras ao mar, e geralmente nas terrasmagras e incapazes de outra produção; fizessem sementeiras de trigo, cevada,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 65

dominam o ano agrícola dando trabalho quase todo o ano. Para o colono ou caseiroa função resumia-se apenas aos cuidados com a cultura e vindima. Para os demaisintervenientes começa aqui o processo que só acaba com o escoamento do produ-to para os principais mercados onde será servido à mesa, nomeadamente em cele-brações festivas 2.

O solo e o clima

A configuração geográfica da ilha pode ser definida em poucas palavras. A dom-inância de um massiço central montanhoso define duas vertentes costeiras abruptas,poucas planícies, que alternam entre altas (Paul da Serra, Santo da Serra) e baixas(fajãs do litoral). Está aqui a razão fundamental da morosidade do trabalho humanona conquista do espaço. A faina de desbravamento, retenção e arroteamento de ter-ras foi dura. A isto juntou-se a necessidade de canalização das águas para que as cul-turas de regadio pudessem medrar. Por vezes, a faina não atingia os resultados espe-rados, pela pobreza do solo da ilha, levando o Homem a socorrer-se do estrume e,depois, dos adubos3.

Os solos da ilha são resultado da desagregação das rochas vulcânicas sendo com-postos de basalto, traquite, tufo, escórias e conglomerados. A composição mudaconforme se sobe a encosta, estabelecendo diversos níveis minerais. Isto con-juntamente com a variedade climática definem os patamares ideais de culturas. Afalta de calcário, potássio e azoto obrigaram o Homem a intervir no sentido de lheatribuir os suplementos minerais para que as culturas pudessem medrar em per-feitas condições. Em síntese o solo é pobre implicando um redobrado esforço como recurso a fertilizantes, caso se queira produzir em condições satisfatórias4.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX64

2. Aqui apenas daremos conta da vindima e aspectos mais marcantes da viticultura deixando o trato e comércio para capítu-los específicos.

3. Vide J. A. Salema de Freitas, “Alguns Aspectos Agrícolas na Madeira”, in Portugal Vinícola, nº 9, pp. 234/5; A. T. Sousa,Adubaçöes, Funchal, 1952. Orlando Ribeiro [Ibidem, p. 65.] refere-se a essa pobreza do solo do seguinte modo: Les solesà Madère, sont en général de mauvaise qualité; ils manquant de chaux, et, ils possèdent du fer e du phosfore en quantitésuffisante, leur teneur au potasse est aussi dificitaire. Ces sont, en outre, trés pauvres en humus. Une fin détruit la coverturevégétable spontanée, le sol se degrede trés vite. Le ruissellement l’emporte, l’alteration des basaltes donnes souvent desargiles plastiques, impermeáble, qui se dêsséchant et se crevassent pendant la longue périodes de sèche. Directmentexposé à l’insolation, la matiére organique se perd. La frente est presque partout dèfavorable à la culture. No mesmo senti-do escreveu A. Teixeira de Sousa [Ibidem, pp. 28/30, cit. E. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, 39/40.]: Os solos agrícolas provêmda desagregação de rochas vulcânicas, tais como: basaltos, traquites, tufos, escórias, conglomerados. Nas regiões de menoraltitude preponderam os terrenos derivados do basalto, compactos, de cor escura que lhe imprime a presença de grandequantidade de ferro; nos pontos altos os solos derivam com frequência das traquites. De um modo geral, uns e outros apre-sentam propriedades físicas muito apreciáveis e a sua fertilidade é notavelmente acrescida com água de irrigação.Quanto ao aspecto químico são terras pobres em cal, de reacção à vida e contendo doses medianas de ácido fosfórico. Dosrestantes elementos nobres, o potássio, em regra apresenta-se em quantidades insuficientes e o azoto algumas vezes tam-bém. Explica-se assim o muito proveito que estes terrenos teriam das calagens e das adubações completas.

4 . Em diversos textos é referida a qualidade dos solos onde se cultiva a vinha. Cf. João de Andrade Corvo, A Mangra ou Doençadas Vinhas, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 283; T. E. Bowdich,Excursions in Madeira and Porto Santo, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, p. 345; J. L Thudichum e a. Dupré, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties of Wine, London, 1872, inAlberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 371; H. Vizetelly, Facts About Port andMadeira, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 375; J.Jonhson, Madeira its Climate and Scenery, London, 1885, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos eTextos, Funchal, 1993, p. 408.

5 . RIBEIRO, Orlando, A Ilha da Madeira até Meados do Século XX. Estudo Geográfico, Lisboa, 1985 (1ª edição em 1949 como título: L’ile de Madère. Étude Geographique), pp.27-44. Confronte-se o estudo mais recente de Raimundo Quintal, Ilha daMadeira. Esboço de Geografia Física, Funchal, 1985

6 . A Madeira está situada sob a influência do geral de Nordeste durante quase todo o ano. A ilha deve a este facto os traçosgerais do seu clima e a oposição muito marcada entre as duas encostas, uma directamente exposta à acção do vento dom-inante, a outra que lhe escpa completamente devido à interposição duma grande massa de relevo. (…) A variedade demicroclimas criados pelas condições topográficas é espantosa e seria tarefa vã tentar descrever toda a sua escala. (…) Todaa encosta Norte, exposta aos ventos dominantes, é muito mais pluviosa. [O. Ribeiro, Ibidem, pp. 27, 31 e 37.].

7 . Cf. nosso estudo Do Éden Arca de Noé, Funchal, 1998.

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Em 17989 João Francisco de Oliveira referia a urgência na criação de um viveiro deplantas na ilha, mas só teve aplicação com o Corregedor José Maria Cardoso10 em189511. Em 179912 o Governo Interino solicitara a D. Rodrigo de Sousa Coutinho oenvio de sementes para a plantação nas matas, prados, ribeiras, caminhos epomares. Remeteram-se sementes de sacapira e cedros, mas em quantidade insufi-ciente para a pretensão das autoridades13.

O estabelecimento botânico, solicitado em 179914, ainda não estava preparado enão se sabia se ia por diante, pois que o Bispo do Funchal queixava-se do facto daJunta da Real Fazenda não ter abonado o dinheiro para a compra do terreno paraa implantação do viveiro. Era um estabelecimento útil à região, pois: ... que tem emsi todas as bem fundadas esperanças das maiores vantagens. O temperado do clima,a situação local, a abundância das águas e tudo o mais chama por um semelhanteplano, que pode vir a ser um bom fiador das especiarias de Ásia, raridades daAmérica e talvez em princípio de riquezas verdadeiras e de um comércio novo ebem útil à Humanidade.... Em 180115 a questão foi resolvida com a oferta peloConde de Carvalhal do terreno necessário para a instalação do Reservatório deBotânica.

A aluvião de 1803 evidenciou a urgência na aposta em novo projecto de arboriza-ção como medida para impedir a desagregação das terras16. Em 181017 foi criada aJunta de Melhoramento da Agricultura das Ilhas da Madeira e Porto Santo com talmissão, mas a tarefa não foi executada por inépcia dos dirigentes18. A partir de 1850a Sociedade Agrícola assumiu o comando da missão, dando-se através de OAgricultor Madeirense19 as recomendações necessárias para a preservação do par-que florestal. O Governador Civil José Silvestre Ribeiro foi o promotor daSociedade Agrícola20, incentivador da rearborização da ilha21 e do estabelecimentode medidas proibitivas do corte de árvores para uso na fabricação de aguardente,laboração das estufas e fornos de cal22.

A ilha do Porto Santo, a mais árida, arenosa e falha de arvoredo e águas, só eramerecedora da atenção das autoridades locais em momentos de crise marcados pelaseca e fome. Daí resultou o Regulamento da Agricultura dado em 177423 por JoséAntónio Sá Pereira, cuja aplicação ficou a cargo de um Inspector-geral com soldo de400.000 reis. A situação de emergência obrigou à tomada de medidas drásticas,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 67

batatas, ou abóboras; e que para estas culturas, fossem aproveitadas as terras maisaltas, vizinhas da serra. Suscitou também o aproveitamento dos vegetais espontâneosnesta ilha, usados em Pharmácia; o estancamento das águas; as searas de milho, acuja cultura ele dera princípio, e intermeadas nestas, as do feijão, abóboras, ou semi-lhas; a criação de gados, prados artificiais para pasto, bardos de resguardo às terrascultivadas8. Foi a partir então que se esboçou o primeiro plano de arborização dailha e de escalonamento das culturas em altitude de forma a travar o avanço damonocultura da vinha.

A necessidade de rearborização das serras foi e continua a ser uma constante.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX66

Agricultura. Painel naescadaria de acesso ao

Salão Nobre do GovernoRegional

8 . A. R. Azevedo, Anotaçöes às “Saudades da Terra”, Funchal, 1873, p. 717, vide Agricultor Madeirense, nº 3, pp. 50, 52.

9 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 997/998.10 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1029.11 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1030.12 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 1124.13 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 1123.14 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº.1092.15 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 1188.16 . A. R. Azevedo, ibidem, pp. 717, 723/725.17 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3290.18 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 3291, 3289, 3292, 4663.19 . ARM, CMF, nº 1247, idem, GC, nº 1016/1017.20 . Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, Funchal, 1949/52, vol. I, pp. 477/88, vol. II, pp. 68/97.21 . Ibidem, vol. II, pp. 427-46922 . Ibidem, vol. II, pp. 544/5.

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Madeira é regada pelo suor do vilão28. E como nos diz Eduardo Pereira: O homemsubiu de picareta na mão, quase de joelhos as vertentes a lutar a ferro e fogo com asrochas, debastando acidentes e armando pedras soltas em socalcos ou taboleirospara deles fazer searas e jardins; subiu até onde pode abrir caminho de pé-posto ouconduzir um fio de água de irrigação29.

Todas as tarefas de construção dos poios e preparação do solo para cultivo davinha foram executados pelo caseiro ou colono, uma vez que pertenciam aodomínio da benfeitoria30. Em 1821 o Governador e Capitão General, SebastiãoXavier Botelho, tinha razão ao exclamar perante o Conde de Arcos: Sua Majestadechoraria de dor se visse com os seus olhos as fadigas, as penas, que sofrem os habi-tantes do sul da Madeira para recolherem uma pipa de vinho31.

O encanamento das águas, por meio das levadas, fazia parte da epopeia rural efoi uma das mais espinhosas tarefas que acompanhou os madeirenses até ao séculoXX. As levadas evoluíram de acordo com a importância das culturas de regadio eforam alvo de regulamentação adequada32, merecendo atenção a do Rabaçal, cujaconstrução se prolongou entre 1835 e 1890. No arranque da obra foi decisivo opapel de José Silvestre Ribeiro33.

Executadas as tarefas de preparação do solo para a agricultura, teríamos razõespara afirmar que a Madeira se tornaria num paraíso, um jardim feito pelomadeirense onde a viticultura e horticultura seriam prósperas. Mas tal não sucedeu,nem era isso que se passava em 182334. A época de prosperidade vinícola fora defelicidade efémera e pouco rentável para o colono. Uma memória sobre o estado emelhoramento da ilha da Madeira, enviada em 5 de Dezembro, pelo entãoCorregedor Manuel Soares de Lobão e Albergaria ao Conde de Subserra, dá contadisso: A situação geográfica, temperança do ar, qualidade componentes de seu ter-reno, contínuos orvalhos, copiosos mananciais de água de suas alcantiladas mon-tanhas produzem a fecundidade deste velho país por extremo favorecido pelanatureza para agasalhar os viventes e produção dos vegetais, para poder dizer-se quesão aqui indígenas todas as plantas do mundo conhecido, pela facilidade de se clima-tizarem e ainda mesmo por se acharem naturalmente sem cultura algumas raças querecebem de Ásia e América... Todas as sementes, grãos, frutas e todas as castas deplantas da Europa produzem e vegetam maravilhosamente35.

A ideia da ilha como Paraíso desfez-se rapidamente, mercê das dificuldadesresultantes da tendência para a monocultura da vinha: Este país porém ricamentedotado pela natureza acha-se pobre e atenuado. Causas desta desgraça: a falta de cul-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 69

como a extinção do contrato de colonia24.Em oposição à política de preservação florestal temos a labuta do agricultor pela

conquista do solo virgem, desbravado a floresta, aproveitamento os baldios e levan-tando os alicerces dos poios nas colinas abruptas e sobranceiras ao mar. Os socal-cos ou poios foram, conjuntamente com o arvoredo, o único meio de reter as terraspara cultivo: A ilha da Madeira, em muitas partes plana é quase toda piramidal, pre-cisa de paredes arretas ou socalcos de pedra, que em pouca distância uns dos outrostenham mão na sua terra para se não precipitas no mar com as águas e chuvas, esem estas paredes ficaria a ilha da Madeira reduzida um monte de pedras, sem terraque pudesse produzir25.

A tarefa de transformar a terra desabitada em solo arável foi definida, comoepopeia rural por J. V Natividade26 e humana, por A. Lopes Oliveira27. O teste-munho e apreço pelo labor do madeirense estão presentes na memória e escrita dasautoridades. Vejamos algumas provas disso: Em escassas centenas de anos o vilãomadeirense ergueu com tão pobres materiais um dos mais extraordinários edifíciosagrícolas do mundo e escreveu, com o seu sangue, o seu suor e as suas lágrimas umagrande epopeia. Atacou a rocha para obter terra, transportou-a depois sobre odorso, por caminhos inverosímeis; lapidou amorosamente a montanha, o serro, asescarpas, os espinhadeiros, como se trabalhasse minúsculos diamantes, não rarodebruçado sobre abismos e com risco permanente da própria vida; ergueu poiossobre poios para segurar esses punhados de terra, e fertilizou-a por fim, conquis-tando e dominando o fio de água misteriosamente nascido através de caprichosos ede acidentadíssimos percursos. Nas encostas, agora suavizadas pelo trabalho deinumeráveis gerações e com gigantescos anfiteatros sempre verdejantes esfolha-se ocasario. Junto a cada casa, a parreira, um canteiro ou um modesto alegrete de flo-res: anseio de beleza, doçura, suavidade, após uma tarefa rude e magnífica, numcenário ciclópico... Em nenhuma outra parte do mundo se põe ao serviço da agri-cultura maior soma de trabalho humano por unidade de superfície... Talvez porisso, ninguém votará mais fundo amor à terra do que o vilão madeirense e por amordela mais se sacrifique e padeça... Se atendermos a que grande parte do solomadeirense é explorado sob o contrato de colonia, pelo qual o colono entrega aosenhor da terra o demídio das colheitas, compreende-se que o agricultor para viverobrigue essa terra a fazer prodígios e tenha, na intensificação cultural, a sua únicadefesa. Por isso o vilão, o homem que faz milagres, o lapidador de montanhas, ofeiticeiro da água, que trabalha vida inteira como um animal de carga e vive pobre-mente e no maior desconforto, ao erguer os socalcos gigantescos de degraus na ver-tente das serranias, construiu afinal o seu próprio calvário. Mais do que pela água, a

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX68

23 . ANTT, PJRFF, nº 976, fols. III -9.24 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4846.25 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6478; ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 120/2.26 . Madeira. Epopeia Rural, Funchal, 1953.27 . Arquipélago da Madeira. Epopeia Humana, Funchal, 1969.

28 . J. V. Natividade, Fomento da Fruticultura na Madeira, Funchal, 1947, pp. 15/7, cit. E. Pereira, ibidem, vol. I, 438/9.29 . Ibidem, vol. I, pp. 438.30 . Vide AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6478 e 3281; ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 120/2.31 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6265.32 . Para o estudo das levadas na Madeira vide M. R. Amaro da Costa, “Aproveitamento da Água na Ilha da Madeira”, in DAHM,

vol. I, nº 4, 1950, 18/9.33 . Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, vol. II, pp. 607/40.34 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 7265/6.35 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 7266.

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1880, segundo Henry Vizetelly, era de 2.500ha, e passados três anos, Almeida eBrito refere que passou de 2.500ha para apenas 500ha41. A informação estatísticapara os anos de 1881, 1882, 1885 diz que era, respectivamente, de 594ha, 353,10hae 769,42ha. Já em 1949 Orlando Ribeiro estabelece a área cultivável em 225 Km2, oque corresponde a 30% do total da ilha, em que a vinha ocupa apenas 8%. Na déca-da de cinquenta, segundo José Tavares42, o vinhedo havia já recuperado 1.200ha daárea cultivada, atingindo na década imediata 2.000ha43. A partir dos anos setenta foievidente o avanço da vinha. Em 1977 ocupava 1940ha e passados vinte anos situa-va-se já nos 2000ha. Ao mesmo tempo a cultura adquiriu uma dimensão importantena agricultura, pois que em 1989 ocupava já mais de 20 % da área cultivada.

Orlando Ribeiro44 apresenta o escalonamento das culturas em três zonas. Na ver-tente Sul atingem faixas contínuas até 700 m, enquanto no Norte se apresentamdescontínuas. A primeira zona, que atinge 400 m no sul e 200 m no Norte, oestavadedicada à cana-de-açúcar e mais culturas tropicais. Na segunda até 600 m cultiva-seos frutos mediterrâneos. Já na terceira, que engloba os terrenos os terrenos baldiose florestas45. O presente escalonamento não pode ser considerado estático e per-feitamente definido, pois que a realidade é bem outra e as culturas dispõem-se nosolo conforme as disponibilidades e necessidades dos proprietários do terreno.

É certo que a vinha tinha no Sul, nos terrenos situados entre os 330 e 750 metrosde altitude, as melhores condições para medrar. Mas, o homem fê-la espalhar portoda a ilha, ignorando as condições ideais e sujeitando-se à qualidade do fruto quedaí advinha. A possibilidade de escoamento interno nas tabernas ou a queima parafabrico de aguardente estão na origem da situação. A vinha era uma cultura de con-vívio fácil com as demais, erguendo-se em latadas e sob o solo livre plantavam-sebatatas, abóboras e outras culturas que contribuíram para a adubação do solo. Em1817, Junta de Melhoramento Agrícola insurgiu-se contra a situação considerando-alesiva da cultura da vinha.

Os vinhos das uvas colhidas nas áreas litorais eram os melhores, perdendo quali-dade à medida que se avançava para a montanha ou no sentido da vertente Norte.Os preços do mosto, desde o século XVI, foram estabelecidos de acordo com ospatamares ideais da cultura. A vereação do Funchal definiu dois níveis de preços: osvinhos das meias terras abaixo, os melhores; e os vinhos das meias terras acima, osde inferior qualidade.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 71

tura e de uma cultura regular é a primária causa da ruína. Nem sequer uma quintaparte da ilha se acha cultivada, sendo que toda ela até nos íngremes outeiros tem apropriedade de produzir o centeio, a cevada, batatas, grãos e legumes. A cultura quese emprega é só em vinhas e muito mal cultivadas. Resulta daqui a falta de génerosmais necessários à subsistência e lá se vão buscar ao estrangeiro, que deste modoabsorvem toda a importância dos vinhos e ainda assim mesmo os habitantes nãopodem satisfazer as suas despesas ordinárias.

A gente do pais, que é educada, tem talento, mas o luxo, o fatal luxo lhes temvedado a inclinação para a cultura e indústria36. Os proprietários que têm fundos,nos quais podiam empregar uma interessante cultura, abandonam os seus campos acolonos ignorantes e preguiçosos, cujo trabalho estendem só ao necessário para sub-sistirem, nada adiantam e por isso longe de irem gradualmente cultivando o terrenoinculto, vão deixando de cultivar o que estava culto; a poucos passos acima de tudoem maninhos.

A tenacidade dos camponeses em não admitirem emenda nos vícios, que lhe sãonotados, os instrumentos rústicos do seu uso, sendo eles aterradíssimos aos usosque herdaram de seus maiores, produz outro embaraço para a boa cultura. Muitoconviria para corrigir este erro e semelhantes distribuir com alguma vantagem pelasaldeias desta ilha alguns peritos lavradores do Minho e da Beira, podendo destemodo estabelecer-se uma mais regular e mais conveniente cultura37.

A ilha apresentava outros óbices à afirmação da economia agrícola, resul-tantes do facto de dispor uma área agrícola limitada. Em 1865 o solo cultivável,abaixo dos 900m, cifrava-se em 18.381 ha, sendo 29.448 de baldios e terras situadasacima dos 900 m. Da área agricultada, cerca de 2.500 ha (19%) estava ocupada comvinha, 4.649 de cereais de pragana, 357 de cana-de-açúcar, 488 de milho, 10.389 debatatas, semilhas, inhame, legumes, ervagem. Em 1949, O. Ribeiro38 dava conta de2.525 Km2 (30%) da área cultivada, sendo 247 Km2 de terreno inculto. A área, umaconquista do madeirense, distribuía-se pelas culturas do trigo, bananas, açúcar,notando que: ...a ilha da Madeira é um canto de terra profundamente ordenadopelo homem. (…) a superfície cultivada é pois uma obra humana, uma vitória sobreo declive, a seca estival e a pobreza do solo39. Para Eduardo Pereira (1956) o terrenoarável cifra-se em 30.000 ha., de que apenas 20.000ha, ou seja 1/340, eram apro-veitados.

Outro problema prende-se com a extensão do solo aproveitável, que se situavaapenas abaixo dos 900 metros e ocupava uma ínfima parcela do total da ilha. A áreade vinhedo evoluiu ao longo dos tempos conforme o vinho foi ganhando ou per-dendo importância. O efeito das doenças sentiu-se rapidamente de modo que em

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX70

36 . Mais adiante salienta-se acerca do luxo, “O maníaco luxo dos insulanos que pela criaçäo inglesa tem dado maior valor aosobjectos estrangeiros, quando mesmo os nacionais excedem em bondade, é outra causa de ruina do paíz”.

37 . Eduardo Grande, Sociedade Agrícola do Funchal. Relatório, Funchal, 1865, p. 9.38 . Ibidem, p. 5339 . Ibidem, p. 5540 . Ibidem, vol. I, pp. 437/8.

41 . José Tavares, Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, Funchal, 1953, p.942 . Ibidem. Segundo Ramon Honorato C. Rodrigues [Questões Económicas, vol. II, Funchal, 1953, p.46] a área era de 1650ha43 . Edurado C. N. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. II, p.576. Segundo Rupert Croft-Cooke [Madeira, London, 1961, p.95] as vinhas

ocupavam na década de sessenta 3000ha44 . Ibidem, pp. 56-5945 . Ideia corroborada por Eduardo Pereira, Ibidem, vol. I, pp. 446/447; José Manuel Azevedo e Silva, ob.cit., vol. I., pp.59-65.46 . Vide H. Bento de Gouveia, A Canga.

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VO viticultor madeirense

A documentação do século XIX esclarece a forma como se estabelecia a domi-nação e o tipo de relações geradas. Em 1813 dizia-se: Todo o terreno desta ilha, compouquíssimos, ou talvez nenhumas excessões, tem três donos; o primeiro, é o direc-to senhorio, quando há emprazamento, o que raras vezes acontesse; o segundo, osenhorio útil, enquanto não cai em comisso, o que também sucede, com a mesmararidade; o terceiro é o colono que cultiva de meias, que quanto ao meu entender,tira o mais lucro, porque come e cria todo o ano, de que não paga meação, porquesó a deve dos géneros da colheita, bem assim como o dízimo, o que é aqui um direi-to provincial de 5 de Março de 1723, a favor da lavoura, para se lhe não exigiremdízimos das verdadeiras, coisa muito bem entendida, por ser de dificultosa avalu-ação e que tem causado a ruína de muitos cultivadores do Brasil, o que acontece,quando o dizimado se não pode ajustar com o dizimeiro, o que é muito ordinário.

O colono além das utilidades ditas, tem o direito de retenção e conservação pelasbenfeitorias, que não outra coisa mais do que paredes que sustentam a terra, outaboleiros de vinha, para não serem levados pelas águas das grandes chuvas, o queno Douro se chamão socalcos; cá manda-os fazer o proprietário, aqui são feitos pelocolono e tem um valor verdadeiramente ideal; os socalcos, ou benfeitorias, sem aterra, não valem coisa alguma, a terra sem eles, tem um preço e tudo que nela seedifica, ou planta, pertencia ao dono por direito; aqui não é assim, e é muito justoe útil que assim continue, por ser duplicado interesse de conservação e cultura entreos proprietários e o colono, que tem mútua e recíproca dependência da fertilidade,e cultura do mesmo terreno; o colono é quase servo da gleba, sem o saber e sem oser pela lei; o proprietário não o expulsa, sem lhe pagar as benfeitorias e o colononão se despede com o temor de perdê-las. São poucos os exemplos de serem des-pedidos, ou de se despedirem: uma prova de que as benfeitorias representão muitoe valem pouco, ou um preço ideal, é o número das benfeitorias incorporadas nospróprios, avaliados em nove contos, para as quais não é comprado.

Há ainda um quarto proprietário, que tira sem interesse do trabalho industriosoe dispendioso que concorre para a cultura; sabe-se geralmente que os soberanosreservam para si, quando dão muitos artigos; por exemplo, direitos reais, vieiros demetais, águas, e outros declarados nas ordenações do Lº 2 Nº 26 e nas ordenaçõesda Fazenda, cap. 237. Muitos destes artigos ficariam inertes e estéreis se os sobera-nos os não concedessem a proprietários com certas e determinadas condições, fal-tando-se a elas, caiem em comisso, e revestem para a coroa; desta natureza são asminas e águas47.

Em 1822 argumentava-se sobre o mesmo mas doutra forma: Há também n’estailha uma forma de domínio particular d’ela; e vem a ser, que um é o dono do solo,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 73

O homem e a terra

Na Madeira a relação do homem com a terra foi diferente daquilo que aconte-ceu nas demais regiões do pais, resultado de uma situação particular conhecidacomo contrato de colonia. De acordo com o contrato sobre a terra incidiam doistipos de proprietários: o senhorio e o colono. O senhorio era o legítimo proprietárioque recebera a terra de dadas, por compra ou herança e, por sua vez, a entregava aocolono para que a tornasse arável, ficando com direito a metade das colheitas. Ocolono estava obrigado a criar as benfeitorias necessárias, que era proprietário, paraque a terra se tornasse produtiva. Quanto à vinha o contrato, regido por normasconsuetudinárias, estabelecia que o senhorio tinha direito a metade do mosto à bicado lagar, sendo todos os encargos com a plantação, construção das latadas e lagar,cuidados com a vinha e a vindima da responsabilidade do colono. A situação per-durou por muito tempo em algumas freguesias, terminando apenas em 1976, quan-do o contrato de colonia foi abolido por decreto da Assembleia Regional daMadeira.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX72

47 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3281.

Lavradores.Gravura publicada

por W. Combe, 1821.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 75

ou terra e outro o dono da superfície ou das benfeitorias. Chamam na ilha daMadeira - benfeitorias - a tudo o que está feito, plantado, ou edificado no solo, ouno terreno; as paredes, feitas para sustentar ou defender a terra, as videiras, e árvoresplantadas, tudo entra na classe de benfeitorias.

Para avaliar as benfeitorias das videiras e árvores não se avalia o que elas cus-tavam a plantar, mas sim o que actualmente valem e para se fazer a avaliação dasvideiras contam-se os pés e não se atende à produção. Acontece ordinariamente quese o terreno vale v. g. 100, as benfeitorias de paredes, videiras, árvores, etc. que n’eleestão, valem, 300 ou 400. Por via de regra o dono do terreno é o dono das ben-feitorias, porque se por acaso o é e quer dar a fazenda a cultivar vende ao colono asbenfeitorias avaliadas na dita forma, o qual lh’as paga, ou logo ou em prestações.

O colono, senhor ou dono das benfeitorias, ou porque as fez, ou porque as com-prou, tem de cultivar a fazenda à sua custa, podando, amanhando, e cavando avinha, tem de fazer a vindima e o vinho no lagar e à beira dele dá metade ao donodo terreno, ficando com outra metade.

Esta metade do colono, poucas vezes excede, e muitas não chega à despesa queele faz com a cultura da fazenda anualmente de sorte que a metade da produçãocom que fica o colono é a paga do seu trabalho, ficando assim o valor das benfeito-rias sem ter rendimento algum48.

Finalmente em 1826 temos outra referência mais elucidativa: Geralmente as ter-ras cultivadas nesta ilha tem dois proprietários, um do solo, a que chamam senho-rio, e outro das benfeitorias, a que chamam caseiro, ou lavrador, o qual fazendotoda a despesa do custeamento, parte com o senhorio a metade de deus frutos,sendo bem feliz quando a metade, lhe fica paga a sua despesa e trabalho, do qualtudo depende, e por isso, que política, e que equidade não é precisa para animaresta numerosa classe de habitantes devedores, cuja fortuna é realmente termómetrode felicidade pública? Que resultados podem acontecer pondo-se em desgraça mi-lhares de famílias sem bens, sem domicílio, sem ocupação e sem sustento? Qualserá a autoridade que possa responder pela segurança pública achando-se a forçaunida à mesma segurança?49.

Muitos estrangeiros que visitaram a ilha não entenderam a forma como se estabe-lecia a posse e exploração da terrra. Henry Vizetelly é dos poucos que viu de pertoesta realidade, apresentando uma visão correcta: Em muitos lugares, as vinhas sãoplantadas no solo empilhado em socalcos suportados por paredes de pedra. Este sis-tema foi originalmente adoptado como precaução contra as chuvas periódicas quearrastavam o solo com elas pelas íngremes encostas abaixo. Hoje em dia, onde querque seja possível acumular terra e levantar uma parede, é certo que isto será feitopelo ocupante da terra, embora o proveito muito provavelmente não seja propor-cionado ao tempo e trabalho dispendido. Mas então, de acordo com o sistema de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX74

48 . Idem, nº 6478; ANTT, PJRFF, nº 703, fols. 120/2.49 . ANTT, PJRFF, nº 764, pp. 95/98.

50 . Henry Vizetelly, Facts About Port and Madeira (...), Londres, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 387]

51 . Maria de Fátima Coelho, “O Instituto Vincular, sua Decadência e Morte: Questões Várias”, in O Século XIX em Portugal,Lisboa, 1980, pp. 111/131, e bibliografia aí aduzida, especialmente a obra de Herculano.

52 . M. B. França, Da Administração Pombalina no Arquipélago da Madeira, Lisboa, 1956 (teses de licenciatura), fols. 37-46.53 . Idem, ibidem, fol. 30-32.

posse universal na ilha, um senhorio não pode expulsar um rendeiro sem primeiroo compensar por todos esses melhoramentos - o que, a propósito não incluem pré-dios que tenham sido feitos - que o rendeiro tenha feito no seu pedaço de terra.Estas benfeitorias ou melhoramentos são avaliadas por funcionários do Governo,que invariavelmente se inclinam para o lado do rendeiro e as estimam num altovalor. A consequência disto é que quanto mais terra o arrendatário coloca nummonte e quanto mais muros ele levanta no seu pequeno pedaço de terra, mais certoestá de que nunca será mandado para fora dele, pois presentemente estas cons-truções a que o camponês e a sua família dedicam todo o seu tempo livre, tanto setorne vantajoso ou não, frequentemente excedem o valor da própria terra.Presentemente, deve haver muitas centenas de milhas destes socalcos em toda ailha.

Renda em géneros é a regra na Madeira. O rendeiro lavra, planta e aduba o solo,faz a colheita, que, quando é trigo, ele debulha; se for cana-de-açúcar, ele extrai asacarina; se foram as uvas, ele espreme, dando metade do produto ao senhoriocomo renda, depois do Governo ter tirado a sua dízima. Metade da produção demilho, açúcar e vinho é reclamada rigidamente pelo senhorio, mas todos os vegetaiscultivados são geralmente retidos pelo rendeiro, juntamente com os cereais, embo-ra o senhorio possa exigir metade dos últimos, se quiser.

O rendeiro que reside na terra que lhe foi arrendada é chamado um caseiro,devido à casa que ocupa, enquanto se ele apenas arrendar a terra e não residir nela,é chamado um «médio», pela metade da produção que ele tem que dar ao seu se-nhorio. O último é geralmente o proprietário só da terra - pertencendo, em quasetodos os casos, ao rendeiro prédios, aterros, árvores, vinha, etc.50.

O contrato de colonia provocou o gradual afastamento do senhorio da terra e àfuga para os centros urbanos, onde aguardava peloos proventos, necessários ao sus-tento e vida desafogada. O colono, obrigado à partilha dos proventos resultantes daforça de trabalho não se sentia motivado para apostar no melhor aproveitamento daterra, ficando pelo quanto bastasse para a sobrevivência. Vem daqui a situação deabandono do campo e o lento entorpecimento das forças produtivas.

A partir do século XVI a instituição do morgadio ou a vinculação da terra51 viciouo contrato de colonia tornando-o num misto de parceria agrícola e enfiteuse52. Como Governador e Capitão-general Sá Pereira, o Pombal Madeirense, segundo aexpressão de A. R. de Azevedo, lançaram-se as bases da abolição e regulamentaçãoem face da anarquia vigente, com a lei de 9 de Setembro de 1769 e carta de 3 deAgosto de 1770. A extinção definitiva só aconteceu por lei de 19 de Maio de 1863,enquanto a colonia no Porto Santo fora abolida por lei de 13 de Outubro de 177053.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 77

Em 177454, o Governador em ofício a Martinho de Melo e Castro dava conta dosvexames sofridos pelos colonos, dando apoio à extinção. Em 177655a pretensão doscolonos e rendeiros em arrecadarem 2/3 da colheita conduziu a um protesto daCâmara, justificado pela tradição histórica da partilha a meias. Os colonosbaseavam-se na ordem do Conselho da Fazenda de 17 de Outubro de 1722, que oregulamentava situação distinta para o Porto Santo. Em 1818 deu-se uma sublevaçãodos colonos que reclamavam a aplicação da lei na Madeira: No dia em que espera-vam o despacho de um grande número de homens do campo apareceu à porta daCasa da Junta da Real Fazenda e parecendo, pela grande multidão, que ali se ajun-tou e alvoroço com que estavam que eles se tinham dirigido com espírito de assua-da, imediatamente mandei um ajudante de ordens e um capitão de artilharia, comuma escolta de soldados que fizerão dispersos aquela gente prenderam algunshomens que pareceram ser os autores daquele ajuntamento..56.

Em 185257, A. Gonçalves apresentou o contrato de colonia, conjuntamente como sistema de morgado, responsável da ruína da agricultura da ilha, pugnando pelaextinção: O contrato de colonia desanima o colono, no meio do seu trabalho edesanima e aflige o proprietário... Naquelas partes da ilha onde mais domina o con-trato de colonia, aí a indústria é nenhuma, a agricultura nenhum progresso dá frutoe em lugar de vida e actividade, observamos a indolência, a preguiça e a inaptidão58.

A contabilidade de algumas fazendas, onde dominava o contrato de colónia, eracriteriosa por parte dos feitores, o intermediário entre o colono e o proprietário. Aexemplificação está patente em documentos do arquivo da família de Agostinho deOrnelas e Vasconcellos59. A casa dispunha de fazendas em toda a ilha mas apenasno Caniço, Câmara de Lobos e Estreito de Câmara de Lobos surgem vinhas. Omosto era vendido aos mercadores do Funchal à bica do lagar como sucedeu em1895 à firma Blandy. Da receita, que competia ao senhor, retirava-se as despesas dofeitor, com o plantio de novos bacelos e na compra do enxofre. Os gastos com oenxofre eram avaliados à razão de 200 réis por barril de mosto.

1895 1897 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906CCAASSEEIIRROOSS 10 15 14 6 4 11VVIINNHHOO Barris 53 10 52 18 8 55 121

réis 159$420 44$700 160$525 7$000 62$000 39$400 143$755 153$360 146$890

A cultura da vinha era rentável justificando-se o investimento em novas terras devinha. Em Câmara e Lobos apostou-se em simultâneo na cana doce e novos bace-los enquanto que no Caniço os 89 caseiros receberam barbados de Lisboa e bace-los do Norte. A despesa total, com a compra e despesa de transporte dos bacelos,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX76

54 . A HU, Madeira e Porto Santo, nº41855 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 44956 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 466657 . O Clamor Público, nº 8, pp. 2/3; nº 9, pp. 2/3; nº 10, pp. 1/258 . Idem, nº 9, p.2.59 . ARM, Arquivo da Casa Ornelas, Caixa 2. Cf. Arquivo Histórico da Madeira, vol XXI, 1998.

plantio e enxertia, para o Caniço em 1901 foi 114$400.Os livros de manifesto do vinho e receita do subsídio literário elucidam-nos

sobre a forma com estava estabelecida a estrutura fundiária60. Quanto ao morgadiotemos a predominância na vertente Sul, nomeadamente na área do Funchal aCampanário. Entre 1819/1834 referem-se 12 (50%) em Câmara de Lobos, de quepodemos destacar os mais importantes, como o Visconde de Torre Bela (C. deLobos e Tabua), João de Carvalhal (S. Martinho, Camacha, Ponta do Sol, PontaDelgada, S. Roque, Serra de Agua, C. de Lobos), Ayres de Ornellas de Vasconcellos(Ponta do Sol, S. Martinho, Ponta do Pargo, C. de Lobos), D. João da CâmaraLeme (Quinta do Leme). Em Câmara de Lobos juntam-se os morgados, JoséFerreira, António Ferreira, Carlos Vicente, Henrique Fernandes, Fernando daCâmara61. Em Santa Luzia os morgados Dória, Agostinho António62; em S. Roque,os morgados Faria e Rego63; Nossa Senhora do Calhau, os morgados Faria,Albuquerque, Nunes Freitas64; em S. Pedro Agostinho65; S. Martinho, LuísAlexandre Souveraine, Francisco João de Vasconcelos, Diogo Dias de Ornelas,Pedro Agostinho66. Fora da área da cidade e termo, além dos já referidos, o númeroé reduzido podendo-se salientar apenas, no Porto Moniz, Francisco Ferro, AntónioPedro Barbosa67; em S. Jorge o morgado Falcão68; na Serra de Água o morgadoSaldanha, Diogo de Ornelas, Diogo de Ornelas, Francisco Pedro69; em PontaDelgada, João Lúcio e Nuno de Freitas70. Todos eram detentores de extensas áreasde produção de vinho, que eram entregues ao cuidado dos colonos.

O contrato de colonia predomina no Funchal e áreas limítrofes, em especialCâmara de Lobos onde em 1829 o número de senhorios era superior a trinta. Aquimerecem referência os mais importantes como, Pedro Santana, Visconde de TorreBela, D. João da Câmara. No Campanário em 1831 o número elevava-se a vinte equatro, destacando-se, o morgado João Correia Marques e José Agostinho Jervis,João da Câmara Leme, Luís Sauvaires, João Nunes Bento, A. Francisco Brito,Penfold71. Em S. Vicente, Fajã da Ovelha, Paul do Mar, Seixal, S. Jorge nota-se umfraco número de senhorios, o que poderá ser indício do parcelamento da terra.Quanto ao contrato de colónia, é evidente a presença de proprietários influentes,morgados, ou militares. Mais significativa foi a importância assumida pelos propri-etários militares (Sargento-mor, Capitão, Tenente, Alferes), de que se destaca em S.

60. ANTT, PJRFF, nº 1049/1174. No entanto uma tal constatação requere um trabalho demorado nos referidos registos, o quenos seria impossível de realizar no pouco tempo disponível para a elaboração e investigação com este trabalho, assim, deuma breve consulta tiramos alguns apontamentos elucidativos, deixando para outra ocasião um estudo mais profundo.

61. Idem, nº 1057.62. Idem, nº 116763. Idem, nº 116164. Idem, nº 1161, 113865. Idem, nº 116066. Idem, nº 115667. Idem, nº 111268. Idem, nº 115469. Idem, nº 1170.70. Idem, nº 1093-1094.71. Idem, nº 1104.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 79

Jorge as fazendas do Sargento-mor, do Capitão João Rodrigues Moderno, e deFrancisco Correia do Tenente João Francisco da Silveira72; em Santana o Sargento-mor José Joaquim de Moira e Silva, os capitães, Francisco Moniz Telles deMenezes, Manuel António Silveira73; em S. Vicente do Capitão-mor Filipe JoaquimAbreu, Capitão Gil Gomes74; no Seixal, o Capitão Filipe, o Capitão Roiz Pombo, oAlferes Marcos João; na Serra de Agua, os Capitães João de Freitas, AntónioJoaquim Basto. O mesmo sucedia no Porto Santo com o Capitão Cristóvão Pereirade Vasconcellos, os Tenentes Domingos de Castro Drumond, José Sebastião daSilva, Justiniano José Lomelino e o Major João de Santana Vasconcellos.

A partir da informação aduzida na documentação podemos estabelecer duas for-mas de dominação da propriedade vitícola: a vertente Sul dominando a área doFunchal, C. de Lobos, Campanário, Ponta do Sol, onde predominava o morgado;uma segunda a Norte, abrangendo S. Vicente, Seixal, S. Jorge, onde se afirma o con-trato de colonia com a predominância do senhorio militar, isto é, os oficiais dasordenanças do distrito de S. Vicente. Dentro da primeira área temos Campanário75

como propriedade eclesiástica das confrarias da Sé, Mosteiro de Santa Clara,Religiosas da Encarnação. Os conventos assumiam uma posição de destaque. O deSanta Clara possuía, para além da quinta de Santo António, diversas terras foreirasem toda a ilha. No caso do Convento da Encarnação a área de vinho era menor,atingindo-se em anos de boa colheita, como o de 1763, as 5 pipas76.

Um facto significativo da situação fundiária era a ausência quase total de propri-etários estrangeiros, nomeadamente ingleses. A existência está atestada apenas naárea circunvizinha do Funchal. Em S. Pedro temos Leonardo B. Gordon, DiogoBringuel77; em S. Roque, Penfold; no Monte Henrique Briguel, Henry Temple78; emS. Martinho, Thomas Magrath79. Isto denota que, à partida, os estrangeiros nãomanifestavam interesse pela exploração da viticultura estando apenas empenhadosno comércio80.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX78

72. Idem, nº 112073. Idem, nº.112574. Idem, nº 1166.75. Idem, nº 1104.76. Eduarda Maria de Sousa Gomes, O Convento da Encarnação do Funchal, Funchal, 1995.77. Idem, nº 1160.78. Idem, nº 1161.79. Idem, nº 1156.80. A partir de dados fornecidos em documentos oficiais fomos encontrar uma lista dos proprietários de vinhas na Madeira. A primeira

lista conhecida data de 1803 [Idem, nº 1160.], nela se referindo - João de Carvalhal Esmeraldo, Nuno de Freitas da Silva, LuízAlexandre Sauvayre Vasconcellos Drumond, Agostinho José de Ornellas herdeiros, Nicolau Tello de Menezes, herdeiros de CorreiaJervis d’Atouguia, Henrique de Correia Vilhena herdeiros, Cristóvão Ornelas Telles de Menezes, Pedro Jorge Monteiro, João Antóniode Gouveia Rego, Francisco José de Oliveira, Manuel de Sousa Tomás, José António Monteiro, João Joaquim Neto. Em 1824 [Idem,nº 1161. temos outra mais numerosa: João de Carvalhal Esmeraldo, Nuno de Freitas da Silva, Nuno de Freitas Lomelino, JoãoFrancisco de Florença Perera, João Agostinho Figueiroa Albuquerque de Freitas, Joaquim Francisco d’Oliveira, José JoaquimEsmeraldo, José Joaquim de Freitas Abreu, D. Ana Joaquina de Freitas, D. Joana Francisca de Ornelas, Filipe Joaquim AcciauolyFerraz de Noronha, Luís Teixeira Doria, Pedro Anselmo Correia Olival, António de Carvalhal Esmeraldo, Luís Correia AcciauolyAntónio Caetano de Freitas Aragäo, D. Gertrudes Magna de Menezes Leal, Chrystóväo Esmeraldo, José António Monteiro, CarlosFrederico Acciauoly, António José Spínola de Carvalhal Valdesso, José Caetano César de Freitas, João António Gouveia Rego,Caetano Velloza de Castelbranco, João Sauvayreda Câmara, Luís Alexandre Sauvayre, João Francisco d’Oliveira, Paulo Malheirode Melo,. João Betencourt de Freitas, António de Freitas, António Leandro Escorsio de Menezes, Joaquim José de FariaBettencourt, Francisco António Ribeiro Tojal, João de Freitas da Silva, Roque Caetano d’Araújo, Roberto Leal, António Valério, Ayresde Ornellas Sysneiros de Brito, Luís d’Ornellas e Vasconcelos, Pedro de Sant’Ana, Filipe Joaquim de Freitas e Abreu, DomingosJoão da Affonseca, Jayme de França Netto, Ayres Augusto d’Ornellas, Francisco José de Oliveira, José Cruz de Sá Cabral,Domingos José Ferro Garcez, Francisco João Betencourt, José Joaquim de Betencourt Araújo Esmeraldo, Manuel César de Freitas.

Balseira. Litografia de S. V. Harcourt, 1851.Casa Museu Frederico de Freitas

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E o vilão ataca e tritura a rocha para atransformar em solo agrícola; geme sob opeso de enormes pedras para construir umsocalco; marinha pelas falésias para conquis-tar um palmo de terra, mesquinha gleba,pouco maior por vezes do que um ninho deáguias alcandorando no pendor de umafraga. Antes de ser agricultor, é cabouqueiroe arquitecto. Labuta de sol a sol e transformao seu horto, a sua courela, num jardim. Ondea água corre, o agricultor heróico e operosofaz milagres; a levada empurra-o e ele em-purra a levada. Novos poios se sobrepõem aoutros poios, e assim esse trabalhador hu-milde, além de transportar sobre os ombros opeso da sua cruz, cons-trói nos degraus damontanha o seu próprio calvário. É a Madeirasobrepovoada que luta heroicamente paraviver.

Este vilão madeirense, de torso hercúleo,máscara rude e austera, personificação dapaisagem, figura de painel quinhentista; ohomem que cinzela montanhas, escala abis-mos e amansa torrentes, é uma figura estran-ha. Não se deixou vencer pelas seduçõestraiçoeiras do clima desta antessala dostrópicos que despertam em nós, lusíadasindolentes, sonhadores e sensuais, o horrorao esforço paciente e metódico. A meusolhos, o vilão é um português que teve a cor-agem de partir a guitarra, aquela guitarra quetodos nós trazemos na alma e no coração aconsolar-nos, com seus acordes de plan-gente fatalismo, dos desencantos e dos fra-cassos da vida.

J. Vieira Natividade, Madeira-A Epopeia Rural,Funchal, 1953, pp. 39/40

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 81A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX80

Aguarela anónima. Séc. XIX, Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas

O madeirense

modela

o rochedo

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AA área vitícola ocupava em 1865 cerca de 19% da terra arável distribuída pelas ver-tentes Norte e Sul. Os efeitos da filoxera sentiram-se de forma rápida. A área de vi-nhas no ano de 1883 não o nega. As estatísticas oficiais falam apenas 353ha, que pas-saram em 1885 para 769ha. Segundo O. Ribeiro81: Na encosta norte, a vinha desceaté ao nível do mar, achando-se sempre os maiores vinhedos nas terras baixas dolitoral. Ao Sul sobe até 400 metros, sendo cultivada em latada apenas até 400 me-tros. Nos anos quarenta a área vitícola ocupava 50% do solo cultivado no Sul, dom-inado por Câmara de lobos, Estreito, Campanário, e 30% no Norte com as fregue-sias de Seixal, Porto Moniz, Ponta Delgada, Arco de S. Jorge.

O cultivo da vinha no século XX é descrito de forma sucinta por J. R. Gomes82:Nas terras menos alagadas, como é natural, são as que dão melhores vinhos. Nas pro-priedades mais bem cuidadas, o solo é aberto, até à profundidade de dois metros; obacelo, plantado fundo, alonga-se pelo gavião a procurar a humidade do subsolo,única que lhe dissolve os elementos necessários à sua nutrição. Para que a vinha senão tente com a alimentação, fácil de Inverno, mas em profícua no Verão, das maisaltas camadas do terreno, as raízes superiores, as “pasteleiras”, são cortadas, permitin-do-se-lhe unicamente esse árduo trabalho de mineiro que é de garantir-lhe, por longosanos, o sustento e a produção dos seus saborosos e abundantes cachos de oiro.

Só no fim de três anos é que o bacelo dá colheita apreciável. O seu tratamento não

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 83

A cultura da vinha

Has de nela encontrar cepas viçosasEm partes do terreno transplantadas,já mostrando seus frutos pampinosaspor mäos de natureza agricultadas:farás, que destas parras preciosasfiquem as terras brevemente inçadas,porque fação nos séculos vindouroso prazer das nações, os seus tesouros.

Seja pois esta a planta mais querida de que tratem os íncolas primeiros;seja a terra de cepas revestida em vez de louros, cedros, e pinheiros:a cultura das parras seja a lide dos que forem alli teus companheiro, dizer-te nada mais me cumpre agora, na enseada que vês ó Zargo, ancora.

Francisco Paula de Medina e Vasconcelos, Zargueida, Lisboa, 1806, canto IX, vº XXIII, XXIV

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX82

Pintura de MaX Römer.Sala de Provas da Madeira Wine Company

81. RIBEIRO, Orlando, A Ilha da Madeira até Meados do Século XX. Estudo Geográfico, Lisboa, 1985 ( 1ª edição em 1949 como título: L’ile de Madère. Étude Geographique)

82. O vinho da Madeira..., p. 6/7.

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teem se recusado obstinadamente a adoptar essa pratica, não obstante o resultadodas colheitas ter sido muitas vezes prejudicado por causa da grande quantidade deramos que eles se negam a cortar, porque aumentam a quantidade do vinho (…). Asituação é corroborada por outro estrangeiro em 1823 que refere a reprodução pormeio da mergulhia, que antecedia o enxerto87.

A videira depois de plantada só atingia o nível adequado de produção ao fim detrês anos e passados quinze anos entrava na fase de decadência. Assim, quando con-sideramos as crises da viticultura, é necessário ter em conta a situação. O próprio P.P. da Câmara evidencia o curto período de vida da videira: Antes de 3 anos de cul-tivo, nada produz, a cepa; no quarto começa a vigorizar-se, e a dar anualmente abun-dantes e grandiosos cachos; nos 8 anos acha-se na sua completa maturidade, e logodepois entra na sua decrepidez, perde o vício e a robustez, carrega pouco de uva, epor fim, morre entre os 10 a 15 anos (...). O contrário, porém acontece na do norte,onde uma temperatura, mais fria, e um terreno húmido, abundante de águas earvoredos, lhe conserva uma longevidade sempre viçosa, entrelaçada nos verdesramos das árvores, produzindo quase quer sem trabalho, em muito mais abundân-cia, põem no geral de inferior qualidade88.

Henry Vizetelly, que visitou a ilha em 1877, percorrendo os vinhedos mais impor-tantes da área circunvizinha do Funchal, apresenta-nos informações sobre o modocomo se cultivava a vinha: Na Madeira a vinha propaga-se por mergulhias, que cos-tumavam ser plantadas apenas a uma profundidade de vinte polegadas. Agora, noentanto, costuma-se coloca-las em valas com quatro pés ou mais de profundidade,de acordo com a qualidade do solo. No fundo da vala coloca-se uma camada depedras soltas para evitar que as raízes penetrem no solo duro por baixo. Nos vinhe-dos de melhor qualidade, estas mergulhias são geralmente feitas com muita distân-cia entre elas. As vinhas dão fruto no terceiro ano e são colocadas, na maioria doscasos, tanto em latadas, como em corredores…89.

O texto para além de referir o modo de plantio da vinha dá conta do estado daslatadas no último terceiro quartel do século XIX. Tal como hoje sucede, era comumo uso de latadas ou corredores, no Sul, como suporte das videiras, enquanto que noNorte se fazia em balseiras ou embarrados90. Dos 400 m para cima temos a vinha

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 85

é muito trabalhoso: dá-se-lhe uma cava em Janeiro, para arejar o terreno, metendo-se-lhe adubos, entre os quais o tremoceiro e a giesta que fornecem à planta grandes quan-tidades de azoto, ajudando a acção do ar. Essas cavas, ou “mantas”, permitem oempoçamento da água das chuvas e o seu escoamento profundo na direcção do pé.

Duas enxofrações, uma “esfolha” depois da flor “vingada”, e outra, mais tarde,para melhor amadurecer o bago, é tudo quanto se concede de mais privativo àvinha. Indirectamente, recebe de outros benefícios que visam ao desenvolvimentode certas culturas hortícolas, que medram sob as latadas durante o tempo em que aausência de folha permite à luz do sol chegar ao terreno agricultado.

A actividade vitícola resumia-se até ao século XIX83, a estas actividades. A enxo-fração só surgiu após a doença do míldio. Durante séculos repetiu-se a rotaçãomonótona das tarefas agrícolas marcadas pela cava com adubação, poda, esfolha, cul-minando o ciclo com as vindimas. A vinha não se planta sem uma grande profundi-dade na terra. Toda ela é cavada à força de braços, em muitos lugares os homens acavão até exceder a sua própria altura, o que nunca se pode dispensar em salvo (sic)e em pedra mole aumentão, outro tanto à mesma altura, e se não fosse assim corta-da a terra nada produziria a mesma vinha84. A tendência para o aproveitamento dasterras de vinha no período de Setembro a Maio para o cultivo de produtos hortíco-las, como semilhas, feijão, aboboreiras, é uma tradição que não se perdeu nãoobstante terem existido recomendações das autoridades contra isso como sucedeuem 1817 com a Junta de Melhoramento da Agricultura: Há igualmente por bem amesma junta determinar a vossas mercês que fação proibir todas sementeiras que oslavradores costumão fazer por entre as vinhas, não lhes permitindo o fabrico delaspor princípio algum nem a cultivação de batatas, abóboras, ou outra qualquer plan-ta, que contribua para a destruição das mesmas vinhas, reduzindo este objecto85.

Antes da filoxera a cultura fazia-se geralmente em cavalos da própria casta desen-volvendo-se de seu pé, pois raras vezes se procedia à enxertia. A partir da segundametade do século XIX foi necessário recorrer a cavalos resistentes de herbemont,jacquez, riparia, para enxertar a casta desejada. A primeira indicação sobre a enxer-tia da vinha surge já em 1768. Segundo James Cook86 a mudança não foi fácil: Sãotão insignificantes os progressos que os habitantes teem feito nas artes agrícolas, quesó muito recentemente conseguiram fazer em vinhedo produzir a mesma casta deuvas, por meio da enxertia das respectivas cepas (…) Foi à custa de imensas dificul-dades que se conseguiu decidir os habitantes a enxertarem as suas vinhas; alguns

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX84

83. Em diversos textos é referida a forma como se cultiva a vinha. Cf. João de Andrade Corvo, A Mangra ou Doença das Vinhas,in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 285-286; T. E. Bowdich, Excursionsin Madeira and Porto Santo, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,1993, p. 346; J. L Thudichum e a. Dupré, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties of Wine, London, 1872, in AlbertoVieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 371; H.Vizetelly, Facts About Port and Madeira,London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 386; J. Jonhson,Madeira its Climate and Scenery, London, 1885, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, p. 408.

84. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 131vº-134vº.85. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 106-106vº86. “Relação da Viagem Feita à Volta do Mundo…”, Heraldo da Madeira, nº.463, de 9 de Março de 1906.

87. T. E. Bowdich, Excursions in Madeira…, London, 1850, p.347, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentose Textos, Funchal, 1993, p. 337

88. Breve Notícia sobre a ilha da Madeira, pp. 68/9; a opiniäo de que as cepas apenas duram 15 anos é dada por EduardoGrande, ibidem, p. 77. ... a circunstância de serem os bacelos plantados muito perto uns dos outros, e o género de poda aque a videira é submetida no paíz, determinam o definhamento precoz desta planta e a sua curta vida. Segundo oGovernador Correia de Sá, em 1799 as vinhas necessitavam de 5/6 anos para frutificar; vide AHU, Madeira e Porto Santo,nº 174.

89. Publicado por Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.38690. F. Augusto da Silva, Elucidário Madeirense, vol. I, p. 113. Sobre a cultura da vinha na ilha temos o testemunho de Eduardo

Grande, Agrónomo adido ao Governo Civil do Distrito do Funchal em 1865: A cultura da vinha faz-se no Districto de duasformas differentes; em balseiras, ou embarrados, na região do norte; e em latadas e corredores na parte do sul.Nos embarrados a videira sustenta-se e enlata-se sobre árvores dispostas para esse fim: neste systema a produção abun-dante, mas pouco qualificada, porque as uvas raras vezes chegam a uma completa maturação, já porque não recebem areverberação dos raios caloríficos, já porque as arvores não são podadas convenientemente.As árvores que no Districto se encontram associadas videira são o castanheiro, o carvalho, a faia e o louro. (RelatórioSociedade Agrícola do Funchal.)

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 87

de pé e embarrados. A primeira referência às latadas surge 146191 em que o infanteD. Fernando ordenava a manutenção do dízimo da madeira delgada que se põemnas latadas e vinhas e tapaduras92. A segunda aparece em 1492 quando se refere anecessidade de restauro do caminho de S. Francisco que o tabelião Afonso Lopestinha um lugar de vinha e latada e casas de morada... para a quall hé muyto neces-sario trazer madeyra para repairo da dita latada...93.

A forma de cultivo da vinha acarretava elevados encargos. Em 1815 em repre-sentação ao monarca no Brasil refere-se os custosos trabalhos com as vinhas: Exigeela outro trabalho muito arriscado, que é a condução das madeiras para latadas, ecorredores quase todas elas cortadas, em três ou quatro légoas de distância doslugares cultivados, e pelo meio da escarpa das rochas, onde a maior parte doshomens vão cortá-las amarrados com cordas94. Numa representação da Câmara(1811) aparecem as latadas e corredores como meio de segurar as vinhas dando-seconta do elevado custo do sistema, pois precisava da constante renovação dasmadeiras: Estas vinhas são surpreendidas sobre latadas, e corredores, formados decanas sobre estacas de madeira, e tudo entre si ligado por atas de vimes, tudo expos-to ao rigor das estações, e portanto é curta a sua duração, e precisão de ser reno-vadas todos os anos as porções danificadas, o que induz o colono a mais uma anualdespeza. As mesmas vinhas cuja duração é de poucos anos precisão ser substituídaspor novas plantações, que também são de mais uma despeza anual95.

O espectáculo das latadas madeirenses, verdadeira obra-prima do colonomadeirense mereceu o elogio de Francisco Travassos Valdez: Usam-se muito naMadeira, latadas ou parreiras armadas, trepando as vides pelas canas, e cobrindovarandas, janelas e portadas, à maneira de toldo ou docel, formando em algumaspartes bonitos arcos, aberturas ou espécie de janelas entre cada uma das pilastrasque sustentam aquela vistosa cobertura de pâmpanos e cachos de uvas96.

Quanto à vinha de pé temos algumas referências. Em informação da Câmara doFunchal ao Governador acerca da fome e meios para a debelar, alertava-se para osperigos do corte de árvores: Enfim as vinhas se plantão por entre pedras das rochasaonde não podem haver sementeiras e por causa destas cortando-se os arvoredos sevirão a secar as águas, e em consequência a extinguir as vinhas97.

As balseiras são referenciadas pela primeira vez em 1759 em ofício doGovernador José Correia de Sá sobre a necessidade de promover a cultura: Eporque não convém que haja só vinhos para as carregações aos estrangeiros, mastambém para os gastos da terra para o Brasil se deste também cuidar na cultura dasvinhas que podem servir a este intento o qual se pode facilmente obter plantando-se as costas das ribeiras, e partes mais frias de árvores com vinha a que chamão bal-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX86

91. ARM, RGCMF, t. 1, fols. 202-209.92. Idem, t. 1, fol. 203vº.93. Idem, t. 1, fols. 173vº-174vº.94. Idem, t. 14, fols. 131vº-134.95. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3007.96. África Ocidental, Lisboa, 1864, p.54.97. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 173.

Balseira..Desenho deLitografia de Susan VernonHarcourt, Sketches inMadeira, Londres, 1851. Casa MuseuFrederico de Freitas

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gistos que confirmam a mudança de culturas. Em 1571104 Jorge Vaz de Câmara deLobos decidiu plantar o chão das laranjeiras de malvasia para dar mais proveito. Jáem 1587105 a terra de João Gonçalves em Santo António, que havia sido de vinha,estava com canavial de soca de um ano. Na verdade, a união ibérica alterou ageografia do mercado açucareiro e a Madeira viu de novo a possibilidade de expor-tar açúcar. Mas, nem sempre foi assim, pois, em plena euforia de cultura açucareirano século XVII, Rafael Catanho Vivaldo de Ponta de Sol lastimava a sorte porqueas terras eram de canas he as ditas canas se não quiseram dar106 daí que prantei hasditas terras de vinha he fiz nellas três laguares.

Outro factor que condicionou a substituição de culturas prende-se com as pragas.Nos inícios do século XVII o bicho atacou a cana tornando impraticável a cultura.Martim Afonso reclamava em 1612107 da sua sorte uma vez que a fazenda não era degrande proveito. O vinho em pouco tempo tornava-se em vinagre e as canas estavamatacadas pelo bicho, por isso não entendem o que poderão vir a dar mas tambémque já andarão de canas e por o bicho dar nelas as deixarão estar devolutas e as plan-taram de vinha há poucos anos por não darem canas por o bicho tudo levar a eito108

. Já para Manuel da Gram109 os dois serrados eram quase improdutivos pelos ares emaldade da própria serra, a alforra e a falta de água, não dando para as despesas dacapela a que estavam vinculados. O agricultor madeirense foi tomando consciênciada nova realidade e a vinha acabou por assumir a importância desejada na agricul-tura e economia da ilha. Rapidamente as terras foreiras passaram a estar ocupadasde vinhas, como foi o caso das pertencentes ao Convento de Santa Clara.

TTeerrrraass ddee VViinnhhaa FFoorreeiirraass ddoo CCoonnvveennttoo DDee SSaannttaa CCllaarraa -- 11664444

NNoommee LLooccaall FFoorroo eemm rrééiissGaspar Costa ..................................................................................1 400Francisco Noronha Henriques.......................................................2 500Roberto Vilovit ...............................................................................1 650Pero Catanho ................................................................................3 500Baltasar Gonçalves .......................................................................5 000Afonso Aires .................................................................................1 700João Escórcio Vasconcelos ...........................................................2 000Rafael Estêvão Florença ..............................Calheta ......................3 000António Correia .........................................Funchal .....................1 000Cristóvão Moniz ...........................................................................3 800António Gonçalves .......................................................................3 800 —-Carvalho Valdavesso .................................................................1 200Domingos De Andrade ................................................................2 000Lourenço Matos Coutinho .........................Funchal ...................30 000Domingos Vieira Coelho ...........................S. Gonçalo ...............3 000

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 89

seiras, a que também se deve aumentar o preço a juízo prudente, atende-se a queestas vinhas dão novidade mais tarde. E para que ambição não faça esta cultura inútilplantando árvores, porque umas crescem mais do que outras e fazendo branhasnada darão98.

Em 1851 O Agricultor Madeirense dava conta da crise vitícola no Norte e dadegradação que havia atingido as videiras em razão do abandono votado pelos sen-horios e a morte das balseiras: O certo é que o estado da cultura é assustador; asárvores que sustentam a vinha estão secas, e se por mais de dois anos se lhe con-serva a parreira encostada, também esta morre, é preciso mergulhar as vinhas, cor-tar as árvores e matos gastachos99. Numa sentença de 1853 sobre uma demandaentre um senhorio e um colono, em que o primeiro pretende cortar dezoito pesse-gueiros, um damasqueiro, quatro figueiras, quatro enxertos de ameixoeira, doislaranjeiras é referido que todas ou quase todas essas árvores, estão sustentando par-reiras, as quais correm o risco de se perderem cortadas as árvores, com o que ocolono sofreria grave prejuízo100.

O uso das árvores como suporte das vinhas é uma das características da culturada vinha no Minho e a presença na Madeira tem a ver com a participação minhotano povoamento do arquipélago. Hoje a tradição desapareceu da Madeira mas aindapersiste no Minho101. Eduardo Grande em relatório sobre a vinha no momentoimediato à crise do oídio dá conta do modo de suporte das parreiras no norte combalseiras e embarrados - usando-se para isso o castanheiro, a faia, o carvalho, oloureiro, enquanto no sul se utilizava as latadas e embarrados. No norte se culti-vavam desse modo os bacelos de verdelho, sercial, tinta, que produziam abundantesuvas mas de pouca qualidade, devido à falta de maturação em razão da folhagem dasárvores de suporte. Por isso aconselha o uso de bacelos isabella, que depois serãoenxertados com as ditas castas, ao mesmo tempo que salienta a necessidade deescolha de árvores de suporte com poucas folhagens, como o carvalho, castanheiroe freixo, da disposição espaçada das árvores, e assídua poda das mesmas de modoa que os raios solares atinjam as uvas; isto para que as uvas sejão mais gradas e ovinho de melhor qualidade102.

No Porto Santo, mercê das condições geológicas e climatéricas, o terreno dedi-cado à vinha reduz-se à área do litoral, nomeadamente na vila Baleira, numa áreaque se estende da Calheta ao Espírito Santo103. Aqui sempre dominou a vinha de pé.

O momento de afirmação da cultura da vinha aconteceu na segunda metade doséculo XVI, de modo especial as três últimas décadas. O mercado do vinho adqui-riu importância quando os canaviais deixaram de ser rentáveis. São inúmeros os re-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX88

98. Idem, nº 174.99. Nº 7, p. 116.100.Setenças dum Juiz de Direito, Lisboa, 1860, p. 40.101. Confronte-se J. Leite de Vasconcelos, Opúsculos, vol. VII, Lisboa, 1933, p.129; idem, Estudos de Filologia Portuguesa, Rio

de Janeiro, 1961, p.8102. Eduardo Grande, ibidem, pp. 74/6 in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,

pp.305-306103. C. A. Menezes, “A Vegetaçäo e Clima do Porto Santo”, in Portugal Agrícola, 1908, nº 6, pp. 81/4.

104. JRC., fl. 499vº-500vº, testamento de 30 de Maio de 1571.105. Misericórdia do Funchal, L1 711, fls. 141vº-142vº, trespasse de 20 Dezembro.106. JRC, 427-429vº, 30 de Junho de 1608.107. ARM, JRC, fls. 254-258, testamento de 3 de Fevereiro.108. JRC, fls. 254-258vº, 3 de Fevereiro de 1612.109. RC, fl. 155-175vº, 31 de Maio de 1616.

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e lagar, a troco de metade do mosto saído à bica do lagar. O senhor limitava-se a assistirà vindima, à partilha do mosto e, em muitos dos casos, nem sequer estava presente nemse fazia representar pelo feitor, ficando o colono com o encargo de o conduzir às lojas docentro da freguesia ou no Funchal.

Quase todos os colonos apresentam-se com lagar, construído de acordo com aspossibilidades económicas. Assim, temos as lagariças de pedra, o cocho, o lagar de pedrae fuso. Os lagares e a casa implicavam, para a maioria, um avultado investimento. Todoo investimento necessário à cultura de vinha era quase sempre da responsabilidade docolono. Era ele que atribuía a mais-valia ao terreno para que as culturas medrassem.Daqui resultava a situação de duplo favorecimento do proprietário, que retirava rendi-mento sem qualquer investimento e vinculava o colono à propriedade através de um con-trato regido pelo direito consuetudinário. O sucesso da instituição, conhecida como con-trato de colonia, deverá estar precisamente na teia de relações e interdependências queestabeleceu.

O investimento inicial assumido pelo colono em terras de senhorio era elevadopodendo ultrapassar quinhentos mil réis, distribuídos entre as paredes de retenção de ter-ras, as parreiras, a latada e corredor de canas e vimes e o lagar com casa ou palheiro. Ovalor mais elevado incidia no levantamento de paredes e parreiras. No Norte da ilha umadas características das latadas era a necessidade de construir sebes ou bardos para prote-ger as vinhas do vento e da ressalga. Para isso usa-se a urze, tal como se pode verificar nolitoral entre o Seixal e a Ribeira da Janela.

A casa e o lagar só adquiririam outro valor quando eram em simultâneo morada docolono e portanto de construção mais cuidada, podendo ficar por apenas $800 réis, comofoi o caso do lagar de Manuel Gonçalves em Campanário, ou ultrapassar os trezentos milréis, como sucedeu com a casa e lagar que Domingos da Silva Pinto havia construído nafazenda de Francisco Figueira no Estreito de Câmara de Lobos. Estámos perante umlagar de grandes dimensões, tendo em conta os custos de trabalho com o pedreiro ecarpinteiro. O valor assinalado para as parreiras plantadas era de 372.580 réis112.

Na avaliação do lagar tenha-se em conta a capacidade, forma de construção, dis-ponibilidade de apetrechos e a cobertura que o protegia. A presença de utensílios, comoa tina e funil. A dificuldade em encontrar referências ao vasilhame, poderá ser indício deque o mosto seguia directamente para o Funchal. Em 1664 Manuel Moniz apresentou noinventário da fazenda na Ribeira Seca cinco tonéis, avaliados em 5.000 réis. Já em 1752Romão Figueira declara apenas dois barris no valor de 1.000 réis113.

O maior investimento do viticultor/colono estava no arranjo das terras, no plantio, en-xertia e cuidados com a vinha. Temos informação sobre os preços dos bacelos e enxer-tos. Em 1692 os bacelos eram avaliados em 6 réis cada, situação que se manteve em 1742,uma vez que um milheiro equivalia a 6.000 réis114. Os enxertos são a 50 réis por pé115.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 91

Apolónia de Sousa .....................................Caniço.......................1 200Manuel Vieira Toscano ...................................................................700João Ornelas Abreu .....................................................................1 100Manuel Gonçalves Brandão ........................R0 Brava ...................1 400Isabel Atouguia ............................................R0 Brava ..................1 000Manuel da Silva ..........................................C. Lobos ...................2 000António Gonçalves .......................................................................3 000Heitor Nunes Berenguer ............................Calheta .....................5 000Baltasar Sequeira ........................................Sto. António.....................?Diogo de Ornelas .........................................................................1 000Domingos Rodriguez ...................................................................3 000Jerónimo Teixeira .......................................Gaula............................300Pedro Gonçalvez Sidrão ...............................................................1 000

Fonte: ANTT, Convento de Santa Clara, nº 18.

Os conventos do Funchal, nomeadamente de Santa Clara e Encarnação, eramdetentores de bens fundiários em toda a ilha. No caso do da Encarnação o númerode foros em vinho é mais reduzido quando comparado com os demais produtos oucom o de Santa Clara110. Os dotes das noviças, as doações particulares alimentaramao longo dos anos o património. Os dados evidenciam a realidade e um documen-to que faz a relação das adegas do convento torna-a evidente. Assim em 1667111 oconvento de Santa Clara tinha adega em Santo António, Câmara de Lobos, Estreito,Campanário, Ribeira Brava e S. Vicente com um total de 104 tonéis.

AAddeeggaass DDoo CCoonnvveennttoo DDee SSaannttaa CCllaarraa AAoo LLoonnggoo DDaa CCoossttaa

llooccaall 11668888 11669911 11669922 11770088 11775500 11775522 11775533 11775544 11775555 11775577 11776633CC.. LLoobbooss 4 1LLuuggaarr BBaaiixxooSSaannttaa CCrruuzz 8 4RRªª BBrraavvaa 1PPoorrttoo NNoovvoo 1 2 3 2 3 1 1

A partir do levantamento dos testamentos dos séculos XVII e XVIII disponíveis noArquivo Regional da Madeira é possível saber qual o investimento indispensável para acultura da vinha e sistema fundiário. Na Madeira é necessário distinguir um sistema dedupla propriedade, conhecido como contrato de colonia. Com a cultura da vinha expres-sava-se da seguinte forma. O proprietário pleno detinha apenas o espaço enquanto ocolono era o dono das benfeitorias necessárias ao aparecimento dos vinhedos, isto é, pare-des, pés de vinha, latadas, loja e lagar. É possível saber-se qual o valor das benfeitorias queaparecem nos inventários para a posse dos legítimos herdeiros. O colono recebia muitasvezes a terra e ficava com o encargo de erguer paredes, plantar videiras, construir latadas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX90

110. A Restauração e o Convento de Santa Clara, Funchal, 1940, pp. 45-47; Maria Eduarda Gomes, O Convento da Encarnaçãodo Funchal, Funchal, 1995.

111. ANTT, Santa Clara, maço 2, 10 de Maio de 1667.

112. ARM, Capelas, Inventário, cx. 19, nº 459, 11 Dezembro 1742.113. ARM, Capelas, cx. 36, nº 952, cx. 20, nº 516.114. ARM, Capelas, cx. 7, nº 159; cx. 17, nº 398.115. ARM, Capelas, cx. 30 nº 398.

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que para 24.232 parreiras viu-se obrigada a investir 45.000 réis na construção delatadas a que se somam mais 65.000 réis de paredes117. A última despesa dependiado local onde estava o terreno. O valor mais elevado resultava do trabalho depreparação do terreno para o plantio dos bacelos com a construção de paredes.

IINNVVEESSTTIIMMEENNTTOOSS DDOOSS CCOOLLOONNOOSS NNAASS VVIINNHHAASS..11669922--11778822

DDaattaa LLooccaall CCoolloonnoo//PPrroopprriieettáárriioo VViinnhhaass LLaattaaddaass LLaaggaarr PPaarreeddeess TTOOTTAALL

11669922 Robert Vilovid 10.900 19.000 29.900 11770000 António Gomes 16.500 27.000 2.000 64.500 110.000 11772288 Tábua Manuel de Abreu 27.230 7.000 4.000 38.230 11773300 S. Martinho José gomes Jardim 75.000 3.500 61.600 14.100 11773311 Campanário Manuel Fernandes 33.180 3.000 68200 104.380 11773322 Tábua Manuel Nunes 25.315 1840 1.500 2710 31.365 11773322 C. de Lobos Pedro da Cruz 19.000 4.000 2.600 5.500 31.100 11773333 Ribeira Brava José Gonçalves 27.270 1.000 62270 90.540 11773355 Tábua Manuel Pereira 26.975 30.600 3.200 82.200 142.975 11773366 José Ferreira Mesquita 39.665 10.000 9.500 99.000 158.165 11773366 Manuel Pires 62.500 9.000 125.000 196.500 11773366 Santo António Maria Fernandes 86.528 43.000 8.500 14.500 152.528 11773388 Campanário Catarina Abreu 41.500 4.000 110.500 156.000 11773388 Serra de Água Bernardo Gouveia 41.200 12.000 3.000 10.500 66.700 11773399 Maria Rosa 15.400 500 200.000 215.900 11773399 S. Martinho Mariana de Freitas 51.100 7.000 5.000 116.000 179.100 11774411 Campanário Manuel Fernandes 25.000 4.000 800 120.000 149.800 11774422 Estreito Domingos da Silva Pinto 373.070 305.700 678.770 11774422 Pedro Gonçalves 326.370 9000 335.370 11774422 E. C. de Lobos João Lopes Dantas 127.300 16.000 10.000 140.100 293.400 11774422 Domingas Ascensão 8.250 850 22.00 400 31.500 11774433 Tábua Maria Gomes 40.246 17.900 186.500 186.500 431.146 11774444 S. Martinho António Figueira 119.250 3.000 40.000 35.650 197.900 11774455 S. Martinho Maria Gomes 30.000 12.000 6.500 74.500 123.000 11774466 Campanário António Rodrigues 20.255 10.500 4000 68.000 102.755 11774466 Campanário Joana Duarte 67.000 9.000 76.000 11774466 Campanário Madalena Gonçalves 71.350 33.000 15.000 135.000 254.350 11774477 S. Martinho Martinho de Freitas 15.000 5.000 20.000 11774477 Campanário Pedro Rodriguez Silveira 22.680 12.000 34.680 11774488 Tábua Manuel Rodriguez Serra 15.000 12.000 27.000 11774488 Tábua 7.000 2.5000 65.000 74.500 11774488 Campanário Manuel Rodriguez 31.680 45.000 5650 65.000 147.330 11774488 S. Martinho Antónia Freitas 172.000 10.000 9.000 166.000 357.000 11774488 Campanário Maria de Ascensão 24.600 10.000 36.400 11775500 Campanário Maria Mendes 40.050 10.000 4.000 160.000 214.050 11775522 Romão Figueira 60.000 63.000 123.000 11775533 Campanário Francisco Rodrigues 45.600 3.000 197.250 245.850 11776622 Tábua Leandro de Brito Oliveira 13.100 15.000 2.000 115.000 145.100 1782 S. Roque Josefa Maria 36.200 42.000 4.000 235.000 317.200 FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços: 1 a 42

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 93

CCUUSSTTOO DDAASS VVIIDDEEIIRRAASS..11669922--11778822

Data Vinha Valor Unitário Total

11669922 350 bacelos 6 2100 11770000 1300 parreira 16500 11772288 2 milheiros e 842 parreiras 14210

2604parreiras 13020 11773300 15 milheiros 75.000 11773311 Campanário 6636 parreiras 33180 11773322 Tábua 6650 25315 11773322 C. Lobos 3800 parreiras 19000 11773333 R. Brava 2854 parreiras 9.270 11773355 Tábua 2537 parreiras 12575 11773366 Curujeira 7933 parreiras 39.665 11773366 4500 parreiras 22.500 11773366 12.500 parreiras 62.000 11773366 Santo António 13.085 parreiras 56.000 11773388 Campanário 8.300 41.500 11773388 Será de Água 6400 milheiros e 40 parreiras 2050 11773399 15.400 7.700 11773399 S. Martinho 9.620 51.100 11774400 Estreito de C. Lobos 4800 22.800 11774411 Campanário 5 milheiros 25000 11774422 E. de C. de Lobos 20140 parreiras 77.300 11774422 1840 2.250 11774433 Tábua 2348 parreiras 11.746 11774444 S. Martinho 26700 parreiras 119.250 11774455 S. Martinho 21320 parreiras 70.800 11774466 Campanário 7510 20.255 11774466 Campanário 13.400 67.000 11774466 Campanário 14.270 71.350 11774477 Campanário 4586 22.680 11774488 Tábua 3 milheiros 15.000 11774488 Tábua 8000 7000 11774488 Campanário 24222 31.080 11774488 S. Martinho 43.600 172.000 11774488 Campanário 12 enxertos 600

9180 parreiras 24.000 11775500 Campanário 6.010 22.000 11775522 21.800 60.000 11775533 Campanário Enxertos 50rs 600 11776622 Tábua 620 parreiras 13.100 11778822 S. Roque 1360 parreiras 36.200

FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços:1 a 42

A extensão de vinhedos pode ser deduzida a partir do número de milheiros deparreiras dadas a inventário. Em 1748 Antónia de Freitas, casada com JoãoRodrigues, tinha em S. Martinho terras de benfeitorias do capitão Francisco daCunha com 43.600 parreiras. Estámos perante um dos maiores investimentos algu-ma vez assumido por um colono.

O colono era ainda onerado com a obrigação de outro conjunto de benfeitorias,imprescindíveis à laboração da faina vitivinícola. A construção de paredes, o plantiodas videiras, o erguer latadas e construir lagares estão incluídos no primeiro investi-mento do colono. A despesa em latada é reduzida, o que deverá ser prova do usoda vinha de pé116. Diferente era, todavia, o caso de Maria Pereira no Campanário

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX92

116.ARM, Capelas, cx. 36, n1 968.117.ARM, Capelas, cx. 27, n1 736.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 95

A maior parte dos investimentos na cultura da vinha tiveram lugar a partir dosséculos XVII ou XVIII, revelando que ainda existiam terras por aproveitar que seprocuravam conquistar. A afirmação da vinha foi, assim, resultado da usurpação doterreno ocupado pelos canaviais abandonados e, acima de tudo, pela conquista dosbaldios situados em zonas com condições apropriadas à cultura. Acresce, ainda, ofacto de os dados disponíveis revelerem uma aposta preferencial a partir da segun-da metade do século XVII. Era a vinha que valorizava o espaço agrícola pelo quetodas as tarefas e benfeitorias que conduzissem à sua afirmação eram valorizadaspelo que não é estranho as referências em inventários à vinha e benfeitorias corre-lativas.

Poucos são os elementos, como vimos, que nos dão a imagem aproximada doincremento da cultura da vinha ao longo dos séculos XVIII/XIX e mesmo emperíodo antecedente. Os dados disponíveis são avulsos e outros mais seriam neces-sários para se formar uma ideia do incentivo à cultura. Apenas temos à mão o regi-mento de 1774 para o Porto Santo e as instruções do Corregedor e DesembargadorAntónio Rodrigues Veloso de Oliveira em 1782 que refere a necessidade de diver-sificação das culturas de forma a evitar o sistema de monocultura da vinha e, porconsequência, a dependência dos mercados externos. Em finais do século XVIII atendência dominante era para a monocultura da vinha. O regimento de agriculturade 1774 dá conta das medidas de incentivo da policultura, como solução para mais

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX94

uma crise de seca e fome. Ao mesmo tempo tentava-se acabar com o abandono ealheamento dos proprietários com a extinção do contrato da colonia118. No regi-mento ordenava-se a protecção à cultura: Nas terras incapazes de produzir trigo, cen-teio, ou cevada se deverão plantar vinhas, para que, assim vivão independentes osmoradores desta ilha dos vinhos da Madeira, por ter sido esta falta, o quarto modopor onde se lhes introduziu, o princípio de sua ruína119. Daqui resultou que o plan-tio de vinhas não foi esquecido e no ano de 1784 temos referência ao envio de bace-los da Madeira. O Sargento-Mor da ilha, ao mesmo tempo Inspector de Agricultura,Pedro Telles de Menezes, apossuiu-se delas plantando-as nas suas terras em detri-mento de outras mais apropriadas. A Junta solicitou ao vigário local informaçãosobre o mesmo com a mais cautela e segredo possível120.

Segundo A. R. Azevedo121 , apenas, o período da administração pombalina nãofoi marcado pelo proteccionismo à vinha, uma vez que se promoveu uma diversifi-cação de culturas122. A intenção de arborizar das serras escarpadas e o recurso anovas culturas foi vencida pela febre vitícola pois, como salientam as instruções de1792, a vinha era a dominante e aquela a que o povo se entregava com mais cuidado.Nos documentos consultados não encontramos dados concludentes quanto àafirmação de A. R. Azevedo. Tudo indica que o mesmo excedeu a confiança queseria de depositar nos diplomas que refere. Aliás, no próprio texto encontramos afir-mações que o contradizem.

Com o Governador José António Sá Pereira lançou-se mãos da diversificação deculturas. O facto foi repetido em 1782, mas nunca foi possível destronar a predomi-nância da cultura da vinha que, com o aproximar do fim do século XIX, o vinho setornou cada vez mais solicitado pelos mercados externos e, por isso, mais rentável. Amudança aconteceu na segunda metade do século XIX com o avolumar da crise vití-cola que tem origem nas diculdades da produção, fruto de factores patológico-botânico(oídio em 1852, filoxera em 1872, míldio em 1912). Os agricultores madeirenses foramobrigados a aceitar a substituição da vinha por outras culturas. Sucedeu assim com acana sacarina e diversas experiências como novas culturas como o tabaco, chá e bicho-da-seda. A vinha não ficou no esquecimento do colono e a necessidade da água-pé paraas festanças de Natal e as longas noites de Inverno levou-o a procurar outra forma decultura sob cautela do bicho com o ensaio de bacelos americanos resistentes. Uma novafase relançou a cultura da vinha da ilha. As actividades da Comissão Anti-filoxérica(1882/1883)123 e da Comissão de Auxílio à Agricultura [1888/1890]124 evidenciam aaposta na reconversão agrícola da região no período de crise.

Cuidados com a vinha.Painel de Max Römer.

Sala de Provas da Madeira Wine Company

118.ANTT, PJRFF, nº 976, fols. 111/119119.Idem, nº 960, fols. 64/65.120.Ibidem, p. 718.121.Ibidem, vide pp. 710/718.122.Dois documentos evidenciam esta preocupação do Governo: As instruções de 27 de Outubro de 1781 (Alberto Vieira,

História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.p.22), Informação do corregedor Pedro António Fariade 16 de Maio de 1783[ibidem, pp.25-27), instruções para o Inspsector da Agricultura no Porto Santo de 1 de Junho de1783(ibidem, pp.28-30)

123.ARM, GC, nº 85.124.ARM, GC, nº 150.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 97A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX96

Cultura da Vinha

A cultura e plantação das vinhas são, na Madeira, feita com bastante cuidado e per-feição, o que infelizmente não sucede às outras plantas úteis. Contudo os processosadoptados nessa cultura não são talvez os mais convenientes, como vamos ver. A plan-tação faz-se em valas de profundidade de quatro a seis pés, nos quais se lançam pedrassoltas para o escoamento das águas, e boa terra com uma camada de mato. - Os bace-los são tirados de alguma das variedades mais vigorosas das vinhas, e depois são con-venientemente enxertados. Uma plantação de mil bacelos importa, termo médio, cinquen-ta mil reis, segundo noticia dada por cultivadores inteligentes. De ordinário as vinhas sãopouco estrumadas com estrumes animais, porque se julga, com razão, que estes têmperniciosa influência sobre as qualidades das uvas.

As vinhas começam a produzir frutos, aproveitáveis para a fabricação do vinho, três ouquatro anos depois da sua plantação, e então elas são todos os anos sujeitas a variadasoperações, que favorecem a sua produtividade em frutos, à custa de certo da suaduração. Qual seja a época mais conveniente da poda não é ponto em que haja perfeitoacordo entre os lavradores; uns preferem o mês de Fevereiro, outros o de Março, e algunshoje supõem ser a melhor poda a que se pratica em Janeiro. O processo geralmenteadoptado na prática desta operação tende a dar de ano para ano um maior desenvolvi-mento às videiras, e consequentemente a enfraquecê-las, e a torna-las mui sujeitas adoenças que as destroem; este processo de poda comprida é, principalmente no sul daIlha, seguido nas latadas e corredores, e o seu resultado estarem ao cabo de quinze anosde existência, e ainda menos, estas vinhas em muito grande decadência. A preferência,contudo, a dar à poda curta ou à poda comprida não depende do capricho do viticultor; acada variedade de vinha compete um modo especial de poda, e não seguir esta opera-ção as indicações da experiência é, ou sacrificar a produção da vinha, ou sacrificar ascepas. Há plantas que dão frutos logo nas gemas ou borbulhas mais inferiores, a estascompete a poda curta; outras variedades de vinha há que só frutificam nos ramos que têmgrande desenvolvimento, nestas deve empregar-se a poda comprida. E neste último caso

Vinhas. CampoExperimental do Estreitoda Calheta. Colecção doautor. 2002

estão as variedades preciosas cultivadas ao sul da Madeira; o que contudo, não devatalvez justificar o hábito, em que estão os cultivadores, de dar um extraordinário desen-volvimento às videiras cultivadas em latadas e corredores. Todos os Enólogos confessamque, na cultura da vinha, é a poda a operação mais difícil; e só a experiência pode decidir,qual o modo de a praticar nas diferentes variedades de vinha. Contudo certo que naMadeira muitos proprietários se queixam de que os rendeiros, pelo modo por que podamas vinhas, as obrigam a produzir mais num ou dois anos, enfraquecendo-as assim e arrui-nando-as.

Uma outra operação cara e delicada de que as vinhas carecem no sul é a encana, istoé, o arranjo e concerto das latadas e parreirais, e a disposição das varas sobre estes; éuma operação correspondente à empa, mas imperfeita em relação às necessidades daplanta.

A cava das vinhas novas, de um, dois, ou três anos, faz-se em Janeiro; as outrascavam-se no mês de Março ou nos princípios de Abril, havendo cuidado de escolher diasem que não haja nortes ásperos, porque estes prejudicam as raízes, ofendidas pela enxa-da, que ficam a descoberto depois da cava. Quando, semanas depois da poda, as vinhastem já brotado, e os pequenos cachos, com bagos tendo apenas o diâmetro de dois a trêsmilímetros, (ao que chamam na Madeira cachos em munição), se acham assombradospelas parras, procede-se ao arrancamento das folhas amarelas, e das que fazem maiorsombra aos cachos; tendo contudo cuidado que estes não fiquem inteiramente descober-tos, e expostos aos ardores do sol. Mais tarde esta operação da desfolha torna a repe-tir-se, quando as uvas estão para luzir, isto é para entrarem em maturação; por este modose facilita o progressivo amadurecimento das uvas, e se vão tirando das vinhas folhas queservem para dar ao gado.

CORVO, João Andrade, Memórias sobre as Ilhas da Madeira e Porto Santo: Memória I - Memória sobre a Mangra ou Doença das Vinhas nas Ilhas,

apresentada à Academia de Ciências na sessão de 3 de Fevereiro de 1854

Cuidados com a vinha.Gravura de Max Romer. Sala

de Provas da Madeira WineCompany

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Balseiras

A cultura da vinha faz-se no Districto de duas formas differentes; em balseiras, ouembarrados, na região do norte; e em latadas e corredores na parte do sul.

Nos embarrados a videira sustenta-se e enlata-se sobre árvores dispostas para essefim: neste systema a producção abundante, mas pouco qualificada, porque as uvas rarasvezes chegam a uma completa maturação, já porque não recebem a reverberação dosraios caloríficos, já porque as arvores não são podadas convenientemente.

As árvores que no Districto se encontram associadas videira são o castanheiro, o car-valho, a faia e o louro.

GRANDE, Eduardo Dias, Relatório Agrícola do Funchal, Funchal, 1865

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 99A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX98

Vinhas. Campo experimentaldo E. da Calheta.Colecção do autor. 2002

Cultura da vinha

As terras menos alagadas, como é natural, são as que dão melhores vinhos. Nas pro-priedades mais bem cuidadas, o solo é aberto até à profundidade de dois metros; o bace-lo, plantado fundo, alonga-se pelo gavião a procurar a humidade do subsolo, única quelhe dissolve os elementos necessários à sua nutrição. Para que a vinha se não tente coma alimentação fácil de Inverno, mas improfícua no Verão, das mais altas camadas de ter-reno, as raízes superiores são cortadas permitindo-se-lhe unicamente esse árduo traba-lho de mineiro que há-de garantir-lhe, por longos anos, o sustento e a produção dos seussaborosos e abundantes cachos de ouro.

Só no fim de três anos é que o bacelo da colheita apreciável. O seu tratamento não émuito trabalhoso: dá-lhe uma cava em Janeiro para arejar a terra, metendo-se-lhe oempoçamento da água das chuvas e o seu escoamento profundo na direcção do pé.

Duas enxofrações, uma esfolha depois da flor vingada, e outra mais tarde paraamadurecer o bago, é tudo quanto se concede de mais privativo à vinha. Indirectamenterecebe ela outros benefícios que visam ao desenvolvimento de certas culturas hortícolas,medrando sob as latadas durante o tempo em que a ausência da folha permite a luz dosol chegar ao terreno agricultado.

Quinto Centenário do Descobrimento da Madeira, Funchal, 1922, pp. 41/2

Balseiras. Gravura doséculo XIX. Colecção de

Gravuras da Casa MuseuFrederico de Freitas.

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Cultura da vinha

Modo de Cultivo - As vinhas são amarradas a latadas de madeira ou canas que vari-am em altura entre 3 e 6 pés. Por vezes, as canas são colocadas em arcos, de modo queas uvas amadurecem na sombra dos caminhos cobertos. Na parte norte da ilha, as vi-nhas são estendidas sobre árvores podadas e, como consequência, as uvas são aguadase sem qualidade. Durante a estação chuvosa, de Outubro a Março, as vinhas ficam semfolhas e os vinhedos surgem então nus e desolados. A meados de Março as vinhascomeçam a rebentar e no início de Abril estão bastante verdes; florescem em Maio eJunho e perfumam todas as partes da ilha. Nesta altura, as noites frias por vezes danifi-cam a fluorescência e prejudicam a colheita. Mas o calor do Verão, em qualquer doscasos, rapidamente desenvolve e amadurece as uvas, de modo que a colheita podecomeçar no fim de Julho.

THUDICHUM, J. L. e DUPRÉ, A, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties of Wine, Londres, 1872.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 101A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX100

Casa e latada. Gravura doséculo XIX. Colecção deGravuras da Casa MuseuFrederico de Freitas.

Cultura da vinha

Na Madeira a vinha propaga-se por mergulhias, que costumavam ser plantadas ape-nas a uma profundidade de vinte polegadas. Agora, no entanto, costuma-se coloca-lasem valas com quatro pés ou mais de profundidade, de acordo com a qualidade do solo.No fundo da vala coloca-se uma camada de pedras soltas para evitar que as raízes pene-trem no solo duro por baixo. Nos vinhedos de melhor qualidade, estas mergulhias sãogeralmente feitas com muita distância entre elas. As vinhas dão fruto no terceiro ano esão colocadas, na maioria dos casos, tanto em latadas como em corredores, tendoambos sido descritos no meu relato sobre o vinhedo da Messrs. Krohn em Santa Cruz.Uma desvantagem destas latadas é que por baixo de muitas delas quase não há espaçopara os homens rastejarem de modo a mondarem, podarem, colocarem as vinhas na lata-da e tirarem parcialmente as suas folhas, como é geralmente feito durante os meses deverão, ou apanharem as uvas na altura da vindima. Só em casos particulares é adoptadoum outro sistema de colocar as vinhas mais moderno, tal como o seguido pelo Sr.Leacock em são João. Quando vista de cima, a estrutura destas latadas, descoradascomo é costume pela influência combinada do sol e chuva, assemelha-se muito a umconjunto de redes espalhadas no solo.

No lado norte da ilha, antes das devastações causadas pelo oídio, as vinhas eram pre-sas aos numerosos castanheiros, e podiam crescer até qualquer altura, ou então eram

Latada. Museu dePhotographia Vicentes,Colecção Perestrelos.

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As castas e as áreas dominantes

A História das castas que deram nome ao vinho Madeira não está ainda devida-mente esclarecida125. Sabemos apenas que o Infante D. Henrique mandou vir deCreta a celebrizada Malvasia. Todavia os colonos que estiveram no início do povoa-mento da Madeira, maioritariamente da região de Entre-Douro-e-Minho, nãopodem ser alheios nos primórdios da cultura na ilha, habituados que estavam ao seuconvívio e consumo. A cultura da vinha tem tradição em Portugal, sendo a regiãoNorte uma das áreas privilegiadas126.

Não temos dados precisos sobre os diversos tipos de cepas trazidos pelosprimeiros colonos. Por outro lado, à falta de estudos ampelográficos, é evidente adificuldade na identificação, uma vez que a designação popular das variedades deuva muda de região para região. No caso da Madeira apresentamos aqui um inven-tário a partir dos dados reunidos na documentação e textos. A primeira e maisexaustiva enunciação das castas encontrámos num texto anónimo de 1801127.

CCAASSTTAASS DDOO VVIINNHHOO MMAADDEEIIRRAA AAOO LLOONNGGOO DDAA HHIISSTTÓÓRRIIAA

FONTE Castas

11445555:: CCaaddaammoossttoo Malvasia e “uvas pretas…sem grainha” 11553300:: GGiiuulliioo LLaannddii Malvasia e outros vinhos generosos brancos 11668877:: HHaannss SSllooaannee Casta “hermitage”, e três espécies de uvas: “branca, a vermelha e a grande mus-

cadínea ou malvasia 11668899:: JJoohhnn OOvviinnggttoonn Refere 3 a 4 castas, sem indicar o nome 117777 GG.. FFoorrsstteerr Malvasia 11779977:: GGeeoorrggee TThhoommaass SSttaauunnttoonn Uva branca, tinta e vermelha (=bastarda), malvasia 11880011:: AAnnóónniimmoo Negro mole, verdelho, boal, bastardo, preta, Boalerdo branca, babosa terrantez,

negrinha, maroto, casuda, negrinha de água de mel lestrong Galija, bringo, mal-vasiam, malvasia, malvasia roxa, sercial, sercial grosso, tinta de Lisboa, Alicantepreto, Alicante branco, ferral, moscatel, dedo de dama

11882233:: TT.. EE.. BBoowwddiicchh Verdelho, negro mole, bastardo, bual, sercial, tinta, malvasia candel ou cândida,malvasia babosa, malvasion

11882266:: LLyyaallll Boal, sercial, verdelho, negra mole, malvasia 11882277:: JJ.. HHoollmmaann Tinto, sercial, malvasia 11883344:: JJoohhnn DDrriivveerr Sercial, boal, malvasia, tinta, negrinha

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 103

deixadas crescer à vontade, por cima das rochas e pelo chão. Como o bom vinho só vemdas uvas cultivadas perto da superfície do solo, muita da produção das vinhas presas àsárvores só prestava para destilar em aguardente. Logo depois do aparecimento do oídio,a maioria das árvores foi destruída pela mangra e quando as vinhas foram plantadas denovo, foram colocadas de modo semelhante ao das do lado sul da ilha.

Os solos dos vinhedos da Madeira são saibro ou tufo calcário vermelho decomposto,cascalho, de características pedregoso, pedra mole ou tufo calcário amarelo decompos-to, e massapés ou argila resultante da decomposição de tufos calcários mais escuros. Osolo que produz o melhor vinho é o saibro, mais especialmente quando lhe é juntado umamistura de pedras. Em muitos lugares, as vinhas são plantadas no solo empilhado emsocalcos suportados por paredes de pedra. Este sistema foi originalmente adoptadocomo precaução contra as chuvas periódicas que arrastavam o solo com elas pelasíngremes encostas abaixo.

VIZETELLY, Henry, Facts about Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and theWines of Tenerife, London, 1880.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX102

125.Existem mais de 24.000 variedades de vinhas, mas apenas um grupo reduzido produzm o vinho; veja-se P. Viala e V.Vermorel, Traité Général de Viticulture: Ampélographie, Paris, 1901-1910, A.J. Winkler, General Viticulture, Berkeley, 1962;J. Robinson, Vines, Grapes and Wines, London, 1986, Tim Unwin, Wine and the Vine. Na Historical Geography of Viticultureand the Wine Trade, London, 1991. Em Portugal faltam inventários detalhados das castas por épocas. Chama-se a atençãopara os seguintes estudos, que privelegiam os aspectos ampelográficos: Vicencio Alarte, Agricultura das Vinhas…, Lisboa,1712, A. Girão, Tratado Teórico e Prático da Agricultura das Vinhas, 1822; Cincinnato da Costa, O Portugal Vinícola. Estudosobre a Ampelografia e o Valor Oenologico das Principais Castas de Videiras de Portugal, Lisboa, 1900; A. M. Lopes deCarvalho, Subsídios para a Ampelografia Portuguesa, Lisboa, 1885.

126.Cf. O Vinho na História Portuguesa (Séculos XIII-XIX), Ciclo de Conferências, Porto, 1983, Mário Viana, Os VinhedosMedievais de Santarém, Cascais, 1998; Deniz de Ramos, Subsídios para a História da Vinha na Bairrada (Séculos X aoXII), Anadia, 1991;J. Duarte Amaral, O Grande Livro do Vinho, Lisboa, 1994.

127.Produz-se uma grande variedade de uvas na Madeira, tais como a Negro Mole, Verdelho, Boal, Bastardo, Preta, BoalerdoBranca, Babosa Terrantez, Negrinha, Maroto, Casuda, Negrinha de Agua de Mel, Lestrong, Galija, Castelão, Bringo,Malvasia, Malvasia Roxo, Malvasiam, Sercial, Sercial Grosso, Tinta de Lisboa, Alicante Preto, Alicante Branco, Ferral,Moscatel, Dedo de Dama, etc, etc, etc. Mas se este grande número de qualidades fosse reduzido Negro Mole, à Verdelhoe à Boal, os vinhos seriam certamente de muito melhor qualidade. ( A Guide to Madeira Containing a Short Account ofFunchal, Londres, 1801, pp.12-20.)

UVAS. Colecção doAutor. 2001

O vinho vem a reparoa caninga também éarco, madeira e ateloo herbemon e o jaquet

eram mais aventureirasas parreiras do boal,depois vem a americanae o delicado ferral

em tempos houve verdelho,parreiras de terrantia,moscatel, alicantee cachos de malvasia

havia o rico bastardosercial e jarracãovi a tinta negra-molee cada cacho de listräo.

Alfredo F. Gomes, Poetas e Trovadores da Ilha, II, Versosde Manuel Gonçalves, Feiticeiro do Norte, 1959, pp. 44/46

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O panorama vitivinicola madeirense foi dominado por uma diversidade de cas-tas, que hoje se torna difícil identificar por falta de estudos ampelográficos, SegundoP. Perestrelo de Câmara[1841] às castas era atribuída a valoração de acordo com aqualidade e apreciação do vinho. São quatro as que se destacam, sendo o Sercial aprimeira casta em qualidade, ficando a Malvasia no segundo nível. Seguem em ter-ceiro lugar o Boal e o Bastardo e em quarto o Tinta negra mole. Sem classificaçãoficam as Canaria, Peringó, Moscatel, Ferral e Negrinha.

Já em 1865 Eduardo Grande divide as castas existentes na ilha em dois grupos:

11.. UUvvaass bbrraannccaass - Boal, sercial, malvasia, verdelho, bastardo branco, peringó,carão de moço, gancheira, vermejolho, barrete de clérigo, sabba, listrão.

22.. UUvvaass ccoorrooaaddaass - Negra mole, negrinha, bastardo preto, terrantés, maroto ecastellão, isabela (americano), ferral, muscatel roxo, alicante roxo.

De acordo com o Estatuto da vinha e do vinho, aprovado em 1985129, as castasdo vinho Madeira distribuem-se entre:

CCaassttaass rreeccoommeennddaaddaass: Brancas: Sercial (ou Cerceal), Boal (ou Boal), Malvasia Cândida, Terranteze Verdelho Branco; Tintas: Bastardo, Tinta da Madeira, Malvasia Roxa, Verdelho Tinto eNegra Mole;

CCaassttaass aauuttoorriizzaaddaass: Brancas: Carão de Moça, Moscatel de Málaga, Malvasia Babosa, MalvasiaFina, Rio Grande, Valveirinha, Listrão e Caracol; Tintas: Tinto Negro, Complexa, Deliciosa e Triunfo.

A partir daqui ficou definido o panorama ampelográfico do arquipélago daMadeira. No sentido de contribuir para a elucidação da ampelografia históricamadeirense apresentamos alguns aspectos históricos das castas tendo em conta asáreas de expansão e o valor apreciativo no mercado130.

A malvasia é a casta que deu nome ao vinho da Madeira e está presente desde osinícios da ocupação. A tradição anota que foi o Infante D. Henrique que mandouvir os primeiros bacelos do Mediterrâneo. A Malvasia é originária de Napoli-di-mal-vazie na ilha de Monia, junto da costa oriental de Moreia131, donde foi trazida paraa Madeira. Aqui desenvolveu-se em áreas específicas do litoral na vertente meridi-onal, estendendo-se pela Fajã dos Padres (Campanário), Paul do Mar, Jardim do

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 105

11884400:: FF.. TTaayylloorr Boal, sercial, verdelho, negra mole, malvasia 11884411:: PP.. PP.. CCââmmaarraa Sercial, malvasia, bastardo, boal, tinta, canaria, peringó, muscatel, ferral, negrinho 11885511:: RRoobbeerrtt WWhhiittee Malvasia, boal, sercial, tinta ou Borgonha da Madeira, negra mole, maroto 11885511:: EEddwwaarrdd VV.. AArrccoouurrtt Malvasia, sercial, tinta, boal, verdelho, bastardo, negrinho e maroto 11885544:: JJ.. AAnnddrraaddee CCoorrvvoo Boal, sercial, tinta, negrinho, verdelho, terrantez, bastardo, isabele 11885544:: EE.. SS.. WWoorrttlleeyy Malvasia, tinta, sercial, negrinho, boal 11886633:: FF..RR..GG..SS.. Malvasia cândida ou malvasia, bual, sercial, tinta, 11886655:: EEdduuaarrddoo GGrraannddee Boal, sercial, malvasia, verdelho, bastardo branco, peringó, carão de moça,

gancheira, vermejolho, barrete de clerigo, sabba, listrão, moscatel branco, Alicante,tinta, negrinha, bastardo preto, terrantez, maroto. Castelão, isabele, ferral, mosca-tel roxo Alicante roxo, Arinto e tinta Padre António.

11887722:: JJ..LL.. TThhuuddiicchhuumm ee AA.. DDuupprréé Malvasia, vidonha, bagonal, sercial ou esgana-cão, muscatel, Alicante, bastardo,tinta, negra mole, ferral, pérgola

11887788:: SS.. GG.. WW.. BBeennjjaammiinn Malvasia, bual, sercial, tinta 11888800::HH.. VViizzeetteellllyy Malvasia, verdelho, sercial, boal, 11888800::DDeenniiss EEmmbblleettoonn Malvasia, verdelho, sercial, bual, tinta, bastardo 11990000:: AA.. JJ.. DDrreexxeell BBiiddddllee Verdelho, tinta, malvasia cândida, bual, sercial, negra mole, maroto, terrantez,

carão de moça, malvasia roxa, malvasião, listrão, bastardo, verdelho

A filoxera, a partir de 1872, condicionou a viticultura madeirense, pois caso se pre-tendesse manter os vinhedos deveria socorrer-se das castas americanas como produ-tores directos ou cavalos porta enxertos. O Governo criou dois viveiros, um noTorreão e outro no Ribeirinho, evidenciando a aposta na reposição das vinhas. Em1883 foram distribuídos mais de 60.000 bacelos americanos das mais distintas var-iedades: riparia, jaquez, hebermont, rupestris solonis, taylor, clinton, ebimbro, yorkmadeira. A que se juntaram, depois, outras como cunningham, viale, elvira, othelo,cineree, back pearle, gaston bazile, etc. Algumas serviram de cavalos para enxertia dascastas tradicionais outras conquistaram o lugar, como foi o caso do jacquez, herbe-mont, cunningham e vinho americano, tornando-se em produtoras por excelência.Ganharam fama os jacquez de S. Vicente, Seixal, Porto Moniz, Ponta Delgada, Arcode S. Jorge, e o vinho americano do Porto da Cruz. No Sul, nomeadamente em C. deLobos, persistiram as antigas castas enxertadas em cavalos americanos.

No século XX estabeleceram-se medidas de reposição das castas tradicionais.Em 1909 o Governo estabeleceu um regulamento no sentido de erradicar as castasamericanas num prazo de oito anos. Acontece que a situação não mudou e em1935128 insiste-se no arranque das videiras americanas a partir de 30 de Março de1936. E de novo ninguém cumpriu a ordem chegando até nós a presença e fama dovinho americano.

A Junta Geral, para fazer cumprir a medida de reposição das castas primitivas,estabeleceu, a partir de 1945, vários campos experimentais de videiras na Madeirae Porto Santo. Como corolário disto tivemos, desde 1954, a renovação das castas doPorto Santo com barbados vindos da Madeira. As diversas castas assumem particu-laridades que as diferenciam de idênticas na Madeira. Daí a adjectivação de PortoSanto que normalmente se associava a Tinta, o Boal e o Moscatel. Somente a par-tir de 1978 ficou assente o plano de reconversão das vinhas da Madeira no sentidode reconstituir o aspecto vitícola anterior ao oídio e à filoxera.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX104

128.Decreto-lei 24976, de 28 de Janeiro de 1935, Diário do Governo, nº.22.

129.Decreto Regulamentar Regional n.º 20/85/M: Aprova o Estatuto da Vinha e do Vinho da Região Autónoma da Madeira130.Fica desde já posto de parte o estudo botânico, que embora se afigure importante, por razões metodológicas reservamo-

lo para os especialistas como Carlos Azevedo de Menezes, “Vinhas da Madeira”, in Portugal Agrícola, 1908, pp. 353/9, videtambém Menezes Pimentel, “Vinhas e Vinhos da Madeira”, in ibidem, 1901/1902, pp. 262/266.

131.Segundo Filippo Cantannessa, Il Vino..., 1898, a Malvasia existia nas seguintes regiöes italianas (15/34): ProvinciaAlexandria (p. 19), Novara (p. 20), Marche ed Umbria (p. 21), Regiäo Meridional do Adriático (p. 26), Sicilia (p. 28), Sardenha(p. 29).

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XVIII nunca excedeu as 80 ou 100 pipas e a de superior qualidade era no séculoXIX de apenas 200 pipas138. Ainda hoje continua a ser uma raridade.

Em 1757, um marinheiro inglês de passagem pela Madeira dá conta da descober-ta da malvasia do seguinte modo: As regards the Malmsey henhole island producesonly abord 50 pipes annualy & they are the sole property of one gentleman & theexcessive high prices graid him groth em & quantity being só small has made thatwine never been regarded as a branch of trade & trade & whenany has beer shippedto oblige our friends they have seldom been charged more than has really been paidin the island for them and this I can affirm to you, that two years ago I paid for aquarter cask at the rate of 25 moidore p. pipes besides only & charge on shippings139.

Para H. Warner Allen o que despertava a atenção era a qualidade do vinho quese produzia com a Malvasia: Gratest of old Madeira, malmsey, in wich quart bottle-age transforms a quinessence of sweetness into a progronard magnificience ofambrosial in ventacity such as the gods in the golden age drank are Olympus afterthey had quenched their first with nectar, is perhapss the finest wine in the world...140.

A vinha, por ser tão considerado, surge com frequência em testamentos e encargospios. Nos encargos e foros do Convento da Encarnação do Funchal sabe-se da presençada casta na cerca do convento e terras foreiras de Câmara de Lobos e Porto Novo141.

O Sercial, não tão conhecido como a Malvasia, pertence ao grupo das castasgenerosas de superior qualidade e é referido por P. P. da Câmara como de primeiraqualidade antes mesmo da Malvasia: A mais preciosa e esquisita das bebidas, assimcomo a mais custosa e rara de obter, e a que mais tempo exige para um completoaperfeiçoamento (...). Nada menos de 10 anos são necessários, para este líquidoadquirir o gosto, aroma, e torrado que tanto o caracterizão, e durante este longoperíodo, mais dispendioso e difícil é o seu tráfego... faz sobressair as qualidades na-turais que é dotado as quais a idade aperfeiçoa142.

O Sercial terá sido importado do Reno, sendo conhecido no continente comoEsgana cão. A área de cultivo é definida pelo Funchal, Câmara de Lobos, Fajã dosPadres, Campanário, Paul do Mar, Fajã (Ponta do Pargo). Segundo Henry Vizetellyera uma casta de superior qualidade fornecendo um vinho de sabor inestimável: pro-duz um vinho branco, forte, seco, que possui um requintado aroma143.

O Boal é a terceira casta na nomenclatura de P. P. da Câmara: A 3ª qualidade devinho que mais valor tem no mercado, mas que poucos proprietários mandão fazerem separado por ser o vidonho raro, é o boal, cujo cacho comprido e bago miúdo,dando-se bem na vinha de pé... produz um líquido de sumo precioso, é o maisaromático de quantos há na Madeira, porém de escassa quantidade144. A videira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 107

Mar, Arco da Calheta, Madalena, Sítio do Lugar (Ribeira Brava), Anjos (Canhas).Os testemunhos de vários visitantes dos séculos XV e XVI anotam apenas a pre-

sença da Malvasia. Somente em 1687 Hans Sloane diferencia três variedades deuvas: branca, vermelha, muscadinea ou Malvasia. A mais famosa surgiu na Fajã dosPadres, mas a área de cultivo estendia-se ao Paul do Mar, Jardim do Mar, Arco daCalheta, Madalena, Sítio do Lugar (Ribeira Brava), Anjos (Canhas).

De entre as variedades de superior qualidade, que deram nome ao vinhoMadeira, sobressai a Malvasia, com as variantes cândida, roxa, babosa e propea, quemereceu a atenção dos mais afamados apreciadores do vinho - os ingleses - que noteatro, com Shakespeare, ou nos últimos desejos (morte do Duque de Clarence em1495) nunca a esqueceram. A fama do vinho Madeira, como é óbvio, adveio de cas-tas superiores que estiveram na origem do vinho generoso: É a malvasia cândida,associada ao sercial, verdelho, boal, bastardo, malvasia roxa e tinta da Madeira quesustentando os créditos de enologia insular deram nome aos seus vinhos, cuja famase espalhou por todo o mundo132.

Existem várias variedades de Malvasia. A mais recente é apelidada de S. Jorge,área onde incide a maior produção. Na ilha a mais conhecida foi a Malvasia cândi-da ou fina, Algumas não merecem a aprovação de todos os especialistas. BatalhaReis, em conferência realizada no Funchal em 1905133, contraria a opinião correnteao condenar a Malvasia babosa por se desfazer em mosto e ser pouco doce.

A Malvasia foi a bebida, por excelência, do aristocrata e colonialista britânico.Bebida doce que muitos preferem ao sercial, e que com ele emparelha na superi-oridade e valor... esta se poderá bem comparar ao fabuloso néctar, no melífluogosto e delicioso aroma, que parece sair de um ramo de odoríferas flores. Com 3anos de idade já esta bebida é preciosa, e quanto mais velha melhor, acrescendo,que mesmo de um ano é muito agradável, e até mais exala o seu perfume, e maisgosto de uva tem134.

A Fajã dos Padres, propriedade dos Jesuítas na ilha, foi um dos lugares porexcelência de produção da casta, tendo merecido a atenção dos comerciantes.William Bolton, em carta de 1699 ao Lord Somers em Bóston, que acompanhavao envio de 30 dúzias de Madeira Wine, dizia: There is a white wine Madeira wichcalled the jesuits wine and I think equal any of the spanish montain wines só muchliked of late in England. Those Jesuits there so egross it, that it is ahard matter to getany: and I never tasted of that sorte of wine in two houses since my being in America135. Nas cartas comerciais é frequente a referência à produção e excelência daMalvasia136, apresentado sempre como produto raro malmseys are very few this vin-tage, not exceding above half the quantity of other years137. A produção no século

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX106

132.A. T. Sousa, Subsídio para o Estudo das Castas do Vinho da Madeira, Lisboa, 1938, p. 5.133.Resumo da Conferência Realizada na Associação Commercial do Funchal em 15 de Outubro de 1905…., Funchal, 1905.134.P. P. Câmara, ibidem, p. 70.135.Portland mss, vol. VII, part. II; cit. A. L. Simon, The Bolton Letters..., vol. I, p. 18.136.Idem, ibidem, pp. 2, 51, 56, 159/61.137.Idem, ibidem, p. 56.

138.P. P. Câmara, ibidem, p. 70.139.Ruppert Croft-COOKE, ibidem, p. 136.140.The Wines of Portugal, Londres, 1962, p. 172.141.Eduarda Maria de Sousa GOMES, O Convento da Encarnação do Funchal, Funchal, 1995142.P. P. CÂMARA, ibidem, pp. 60/70.143.Alberto VIEIRA, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.385144.P. P. CÂMARA, ibidem, pp. 70/1.

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tornaram-se improdutivas com o oídio ou definharam com o ataque da filoxera àsraízes. Os produtos químicos não resolveram cabalmente o problema e só com orecurso às castas americanas, vindas directamente dos EUA ou através da Europa,conseguiu-se assegurar a reposição dos stocks de vinho e corresponder à solicitaçãodo mercado de consumo interno e externo.

Apenas para o século XX se torna possível fazer uma ideia da importância asumi-da pelas diversas castas no conjunto da produção de vinho. Antes disso temos ape-nas informação dispersa para os anos de 1849 e 1850148.

PPRROODDUUÇÇÃÃOO SSEEGGUUNNDDOO AASS CCAASSTTAASS

CCaassttaass 11884499 11885500PPiippaass %% PPiippaass %%

MMaallvvaassiiaa 100 0,76 107 0,79SSeerrcciiaall 93 0,71 99 0,69TTiinnttaa 88 0,67 94 0,63TToottaall 13 080 13 571

De entre as castas nobres a Malvasia parece ter sido a rainha mas a que hoje con-tinua a ser a principal fonte do vinho Madeira é a Tinta negra-mole. O quadro dosvalores médios da produção em litros para o quinquénio de 1935-1939 evidencia adominância do jacquez com 40% do total.

EEVVOOLLUUÇÇÃÃOO DDAASS CCAASSTTAASS EEUURROOPPEEIIAASS EE AAMMEERRIICCAANNAASS..11993355--3399

CCAASSTTAASS EEUURROOPPEEIIAASS CCAASSTTAASSAAMMEERRIICCAANNAASSTTiinnttaa 2.644.740 IIzzaabbeellaa 647.045LLiissttrrããoo 146.326 CCuunnnniinngghhaamm 157.965VVeerrddeellhhoo 43.401 HHeerrbbeemmoonntt 736.846BBooaall 58.373 JJaaccqquueezz 3.494.887MMoossccaatteell 6.495SSeerrcciiaall 45.521MMaallvvaassiiaa 698.173 TToottaall 44..003366..553344 TToottaall 55..003366..774433

A dominância das castas americanas ocorre nos concelhos do Norte, com espe-cial destaque para S. Vicente, enquanto as europeias têm uma incidência particularno Sul. Apenas com o Verdelho e o Sercial se altera a situação em favor do Porto

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 109

importada da Bretanha espalhou-se pela vertente meridional: Campanário, Câmarade Lobos, Santo António, Estreito de C. Lobos, Paul do Mar, Fajã (Ponta do Pargo).

A quarta qualidade mais conhecida é a Tinta, distinguindo-se duas classes con-forme as áreas de cultivo:

•• 11ªª qquuaalliiddaaddee de Santo António, Câmara de Lobos, Estreito de Câmara deLobos, S. Martinho;

•• 22ªª qquuaalliiddaaddee em Porto Moniz, Santa Cruz, Gaula.

A casta foi trazida de Espanha para o reino e Canárias e da última para aMadeira. A ela se refere H. Vizetelly: A uva negra, geralmente redonda, misturadacom as anteriores variedades brancas é a tinta, da qual se faz, em certa quantidade,um vinho diferente…145.

O Verdelho é uma das que melhor produz na ilha, situando-se a área de culturanas zonas altas. Na segunda metade do século XIX alcançou um lugar destacado naviticultura madeirense, ocupando dois terços do vinhedo146.

Como esclarece A. T. Sousa o vinho produzido por uma mesma casta em diver-sas regiões apresenta-se com qualidade e características diversificadas, pois que ascaracterísticas dos mostos das diferentes castas estão em estreita dependência danatureza do solo, e da variação dos factores climatéricos da região onde são culti-vadas147. Daí distinguir-se os vinhos de primeira, segunda e terceira qualidade, con-forme a região a que pertenciam. Por outro lado os estrangeiros, nomeadamente osingleses mais atentos ao vinho, delimitavam as melhores áreas de vinha. Em 1851Edward V. Harcourt refere que os melhores vinhos eram oriundos de Câmara deLobos, S. Martinho, S. Pedro, partes baixas de Santo António, Estreito de Câmarade Lobos, S. Roque, S. Gonçalo e Campanário. Para Henry Vizetelly(1884) S.Martinho produzia um vinho de elevada categoria enquanto a melhor área se situa-va na Torre em Câmara de Lobos.

Algumas das castas com que se faz o vinho Madeira são consideradas e valo-rizadas pela raridade e excelência dos vinhos. São elas o Bastardo, Listrão eTerrantez. O vinho da última continua a ser considerado um verdadeiro néctar dosdeuses. A cultura popular não se faz rogada em elogios:

As uvas terrantezNas as comas nem as dêsPara uvas Deus as fez

Eduardo Grande (1854) evidencia valorização das castas americanas a partir demeados do século XIX. Elas chegaram à Europa pela fama da resistência ao oídio.Mas acontece que transportavam nas raízes as larvas da filoxera. A situação impli-cou uma mudança radical no espectro vitícola. As castas tradicionais europeias

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX108

148.O Agricultor Madeirense, 1851, pp.96-97, 125

145.Publicado por Alberto VIEIRA, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.385146.CÂMARA, Benedita, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002, p.104147.bidem, p. 5.

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QQUUAADDRROO EEVVOOLLUUTTIIVVOO DDAASS DDIIVVEERRSSAASS CCAASSTTAASS.. 11992255--22000011CASTAS 1935-39 1951 1966 1954 1980 1986 1990 1992 1994 1995 1997 1998 1999Tinta 30,4 48,5 38,0 54,0 70,1 77 67,8 Listrão 1,7 Verdelho 0,5 0,5 0,4 0,7 0,9 1,4 1,4 1,6 Boal 0,7 0,6 0,6 0,7 0,9 1,7 2,3 2,7 Sercial 0,5 1,1 0,8 1,2 1,4 1,1 1,2 1,8 Malvasia 1,2 0,9 2,0 1,8 3,1 2,6 3,4 Malvasia babosa 8,1 1,83 1,6 Moscatel 0,1

TTOOTTAALL 4411,,99 2255,,66 2244,,33 3300,,44 3322,,88 4422,,44 5522,,22 4411,,00 5588,,88 6699,,66 7777,,77 8844,,33 7777,,33 Isabella 7,46 Cunningham 1,82 Herbemonmt 8,5 Jacquez 40,41

TTOOTTAALL 5588,,11 7744,,44 7755..9944 6699,,66 6677,,22 5577,,66 4477,,88 5599,,00 4411,,22 3300,,44 2222,,33 1155,,77 2222,,77

(1) malvasia babosa

Não existe um estudo ampelográfico actual e comparativo que permita conhecera situação da viticultura madeirense enquadra-la no panorama nacional e interna-cional. Os raros estudos que conhecemos são do Eng. Teixeira de Sousa149, que apre-sentou um trabalho no V Congresso Internacional da Vinha e do vinho realizadoem Lisboa em 1938, e de Carlos Azevedo de Menezes150. Estamos perante umcampo em aberto que espera pela atenção dos especialistas.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 111

Moniz, a principal área de ambas. A relação maioritária das castas americanas manteve-se nas décadas de cinquen-

ta e setenta. A total reconversão da vinha para as europeias só começou a ganharforma na década de setenta com o impulso do recém-criado Instituto do Vinho daMadeira. Tudo isto foi consequência de directivas comunitárias que proibiram desdede 1996 os vinhos de híbridos de produtores directos. A partir daqui resultou ainversão dos valores da produção de vinho a favor das castas europeias.

EEVVOOLLUUÇÇÃÃOO DDAASS CCAASSTTAASS EEUURROOPPEEIIAASS EE AAMMEERRIICCAANNAASS..11995511--22000022

ANOS Castas Europeias Castas Americanas TOTAL(litros) (litros)

11995511 1.830.425 5.332.890 7.163.315 11995522 1.962.085 6.091.185 8.053.270 11885533 3.181.616 8.739.949 11.921.565 11995544 3.747.454 8.585.589 12.333.043 11995555 3.488.792 .269.317 11.758.109 11996666 2.413.426 7.518.259 9.931.685 11997711 2.134.056 6.549.744 8.683.800 11997755 1.788.704 5.783.920 7.572.624 11997788 2.692.102 6.980.422 9.672.524 11997799 3.145.399 8.530.139 11.672524 11998800 3.770.259 7.725.949 11.496.208 11998811 3.622.858 4.988.879 8.611.137 11998822 3.390.749 3.918.990 7.309.739 11998833 2.927.930 3.761.314 6.689.244 11998844 2.528.538 3.178.853 5.707.189 11998855 2.086.694 3.695.484 5.782.178 11998866 5.842.895 7.939.000 13.781.895 11998877 4.947.508 6.849.092 11.796.600 11998888 4.692.926 5.636.652 10.329.578 11998899 4.841.029 5.738.272 10.579.301 11999900 4.025.780 3.686.685 7.712.465 11999911 2.093.487 5.913.347 10.006.834 11999922 3.779.875 5.454.466 9.234.341 11999933 3.100.225 2.810.364 5.910.389 11999944 3.108.223 2.178.352 5.286.575 11999955 3.265.100 2.781.300 6.049.400 11999966 4.759.401 1.252.605 6.012.006 11999977 4.554.584 1.310.460 5.865.044 11999988 3.792.189 698.904 4.491.093 11999999 5.102.830 1.499.194 6.601.923 22000000 5.651.548 591.351 6.242.89922000011 5.017.681 676.190 5.693.87122000022 4.564.085 539.936 5.104.021

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX110

149.Um sumário das castas mais importantes é apresentado por Eduardo C. N. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, 1989,p.564.O mesmo corre em folheto de divulgação editado pelo IVM.

150.Artigo publicado em 1902 no Portugal Vinícola, transcrito, parcialmente, no Elucidário Madeirense, vol. III, Funchal, 1966,pp.384-387. Cf. P. Viala e V. Vermorel, Ampélographie, 7 vols, Paris, 1901-1910.

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Lagar.Postal antigo

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1663 para plantar 7000 bacelos de Malvasia, namaioria em latada153.

A Fajã deveria ser uma referência para osestrangeiros, pois em 1825 Edward Bowdich154

descreve a viagem por barco à descoberta desterecanto. Já para John Driver155 aquilo que o entusi-asmou em 1834 foi o Malvasia, considerado o me-lhor entre todos. Em meados do século XIX a famada Malvasia persistia ainda como afirma Isabellade França: há um sítio chamado Fajã dos Padres,por ter pertencido antigamente aos jesuítas:cresce aqui a melhor malvasia, famosa em todo omundo156. Em 1873 Henry Vizetelly refere a cele-bridade do local pelas mesmas uvas, mas salientaque a família Neto, proprietária da Fajã, aí plantouverdelho157.

Os jesuítas, desde a fixação na ilha na 2ªmetade do século XVI, foram detentores de fartasfazendas onde medravam culturas ricas como acana-de-açúcar e a vinha. As quintas estendiam-se por toda a ilha ficando célebre a que se situavana freguesia de Campanário. Daí resultou o nomeda actual Quinta Grande. Em 1759 os bens dacompanhia foram confiscados e arrematados emhasta pública por João Francisco de FreitasEsmeraldo no ano de 1770. Na década de setentado século XIX a Fajã estava em poder do coronelManuel de França Dória, que a vendeu em 1919 aJoaquim Carlos de Mendonça. A Quinta dosJesuítas de Campanário, definida pela actualQuinta Grande, indicia uma faixa de terreno que iaaté ao mar, contemplando a ubérrima Fajã, isoladano litoral, cujo acesso se fazia apenas por mar

Não dispomos de muitas informações sobre aFajã, para além do afamado Malvasia que aí seproduziu. O isolamento do lugar, os vestígios sobreo terreno indiciam a presença permanente decolonos, tendo-se para o efeito construído umaCapela da invocação de Nª Sr.ª da Conceição.Apenas sabemos da existência em 1626, quandofoi profanada por corsários, mas a construçãodeve ser de inícios da centúria, se tivermos emconta a data da aquisição pelos jesuítas em 1595.A ermida é referida em 1722 por HenriqueHenriques de Noronha158, sendo quarenta anos

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 113

A Malvasia da Fajã dos Padres

Entre todos os tipos de vinho o mais celebrado é o Malvasia, o rico sumo das luzidiasuvas brancas que descem as latadas em largos e fartos cachos. Foi assim na Antiguidadee continuou nas épocas subsequentes até ao presente. A Malvasia cândida manteve-se pormuito tempo a rainha das videiras. Aconteceu assim no Mediterrâneo e também noAtlântico, tendo por assento as paradisíacas ilhas como a Madeira e Canárias. Na Europado século XV foi celebrado por poetas e dramaturgos, como Shakespeare. A fama condi-cionou a opção do Infante D. Henrique em recomendar aos povoadores as videiras deMalvasia de Cândida. O senhor da ilha pretendia cultivar no novo espaço o vinho. Todavia,o mesmo não previa que havia de se tornar no mais afamado da ilha, que levou o nome aosquatro cantos do mundo.

Já em meados do século XV o veneziano Cadamosto fazia fé na realidade ao afirmarque provaram muito bem. Aliás, em 1530 outro italiano, Giulio Landi, proclamava que omalvasia madeirense é reputado melhor do que o de Cândida151. A fama persisitiu até aopresente, sendo o Malvasia de todos o mais considerado dos vinhos da ilha. A produçãofoi sempre reduzida mas a procura foi sempre elevada. Em 1757 a produção foi de ape-nas 50 pipas, muito disputadas pelos mercadores funchalenses. Aqui incluíam-se algu-mas pipas da Fajã dos Padres. A Fajã confunde-se com o Malvasia. Foi o Malvasia o maiscobiçado entre todos os mercadores.

Os jesuítas destacaram-se na produção de vinho, sendo acusados em 1689 por JohnOvington de quasi monopólio da malvasia: Eles asseguram aqui o monopólio do malva-sia do que existe em toda a ilha apenas uma boa e grande vinha - na dita fajã - de quesão os únicos possuidores.152

A malvasia foi plantada por iniciativa do Padre Sebastião de Lima. É dele a ordem de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX112

Fajã dos Padres.Colecção do autor.1999

151.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.37 e 86152.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.198

Vinhas na Fajã dos Padres.Colecção do autor. 2002

153.Rui Carita, O Colégio dos Jesuítas do Funchal. Descrição e Inventários, Funchal, 1987, vol. II, p.240154.T. E. Bowdich, Excursions in Madeira…, London, 1825, p.59155.Letters From Madeira, London, 1838, p. XII.156.Jornal de uma Visita à Madeira…, Funchal, 1970, p.91157.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.386158.Memórias Seculares e Eclesiástics para a Composição da História da Diocese do Funchal ilha da Madeira, Funchal, 1996.

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Começaremos pelo Sercial, a meu ver, a mais preciosa e esquisita das bebidas, assimcomo a mais custosa e rara a obter, e a que mais tempo exige para um completo aper-feiçoamento. O seu cacho, raramente adquire uma madureza perfeita, conserva sempreuma natural agrosidade, e apenas é tolerável o que nasce na beira-mar, crestado pelamaresia e ardor do sol. Nada menos de 10 annos são necessários, para este liquidoadquirir o gosto, aroma e torrado que tanto o caracterizam, e durante este longo período,mui dispendioso e difícil é o seu tráfego, absorvendo perto de metade da sua totalidadeem aguardente, a qual evaporando-se em tão comprido espaço, não falando já no daEstufa, faz sobressair ao Sercial as qualidades naturais de que é dotado, as quaes aidade aperfeiçoa; por isso uma pipa d’elle, da melhor qualidade, com o tratamento quedeixo dito, vale nunca menos de 200$000 rs. O melhor, e talvez o único bom que se cul-tiva, é o da freguesia do Paul do mar, pertencente ao morgado João da Câmara deCarvalhal, e toda a ilha poderá produzir anualmente 100 pipas do bom.

Vem logo depois a Malvasia, bebida doce que muitos preferem ao Sercial, e que comele emparelha na superioridade e valor. Da de superior qualidade apenas se colherãoanualmente umas 200 pipas; esta se poderá bem comparar ao fabuloso néctar, nomelífluo gosto e delicioso aroma, que parece sair de um ramo de odoríferas flores. Com8 annos de idade, já esta bebida preciosa, e quanto mais velha melhor, acrescendo, quemesmo de 1 ano é muito agradável, e até mais exala o seu perfume, e mais gosto da uvatem.

A colheita total, entre boa e má, chegara a perto de 600 pipas, porem a melhor,provem do lugar no Campanário, denominado Fajam dos Padres, que pertenceu aosJesuítas, e logo depois a do Paul, Jardim, Arco da Calheta e Madalena.

A 3ª qualidade de vinho que mais valor tem no mercado, mas que poucos proprietáriosmandão fazer em separado por ser o vidonho raro é o Boal, cujo cacho comprido e bagomiúdo, dado se bem na vinha de pé, e por isso prematuramente crestado pelo ardor dosol e calor natural da terra, temporãmente amadurece, o que junto à fortaleza e gene-rosidade da sua natureza, produz um liquido de suma preciosidade, e o mais aromáticode quantos da Madeira, porem de escassa quantidade pois de Boal puro, apenas sepoderão colher anualmente umas 50 pipas. O de melhor qualidade é produzido nasfreguesias do Campanário, Câmara de Lobos, Stº António, Estreito da Calheta &c. &c. e

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 115

depois deixada ao abandono com a expulsão e sequestro dos bens dos jesuítas na ilha.A memória material da presença quase que se apagou no tempo, restando em uma dashabitações a pia para a água benta.

Aí deveria existir uma pequena comunidade de jesuítas e colonos que tratavam doamanho da terra, sendo certamente um local de veraneio dos frades, como sucedia naQuinta do Cardo no Funchal. As construções existentes são testemunho disso.Certamente que os piratas argelinos não assaltariam um lugar ermo, sem vivalma e algode interesse económico e religioso. O assalto provocou uma devassa, por as gentes deCâmara de Lobos, nomeadamente os pescadores, não terem acudido ao rebate dossinos.

Saíram os jesuítas mas ficou o nome na designação do local, Fajã dos Padres, e ointeresse pelo vinho aí produzido continuou até 1920, altura em que a Fajã logrou o últi-mo afamado malvasia, sobrevivendo apenas algumas parreiras. Em 1940 encontrou-seuma donde se retiraram bacelos que foram plantados em Câmara de Lobos nas terras deDermot Francis Bolger159. Em 1979 a operação foi repetida pelo actual proprietário, oEng.º. Mário Jardim Fernandes, que enviou um exemplar ao Instituto Gulbenkian para pro-ceder à clonagem e plantar no local. Hoje as latadas que cobrem o caminho de acessoàs casas estão cobertas da videira, tornando o espectáculo alucinante nos meses deJulho e Agosto.

Hoje a Fajã está rejuvenescida e os largos e dourados cachos de uvas regressaramao recanto junto ao precipício. E a quem como nós tiver o prazer de degustar o actualMalvasia espreitar e fotografar os cachos luzidios poderá afirmar que a tradição está devolta. Recuperou-se a memória e a técnica do afamado malvasia, ao mesmo tempo quese redescobriu um recanto paradisíaco, refúgio de locais e estrangeiros. Para nós osimples gesto de degustar um cálice de malvasia conduz-nos a um sinuoso percursona descoberta da história. Todavia, ontem como hoje, resta a dúvida: quem plantou aías primeiras videiras e fez brotar por entre os penhascos o sumo que escorreu nos qua-tros cantos do mundo para dessedentar o paladar dos mais exigentes apreciadores.Hoje, como ontem, apenas uma certeza, o malvasia madeirense confunde-se com aFajã.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX114

Parreiras e uvas de malvazia na

Fajã dos Padres.Colecção do autor. 2002

159.Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol.I, 1989, p.563.

Uvas das castas sercial,malvazia e boal.Colecção do Autor. 2001

Page 61: avieira-vinhavinhomadeira

As variedades principais da vinha, que se cultivam na Madeira, são as seguintes:Boal. - Uvas de um branco alambreado: bagos pouco unidos de pequena grandeza. Parra

com as quatro divisões superiores muito profundas e agudas; pelos com ambas as faces.Julga-se que esta variedade de vinha foi trazida de Bucelas para a ilha; há porém, quempense que ela veio de Borgonha.

Sercial. - Uvas amareladas de bagos redondos, parras com quatro lobos arredondados;nervuras salientes; de um verde amarelado. Esta variedade é a conhecida em Alemanha como nome de Hock.

Malvasia. - Há quatro qualidades de Malvasia. A candila ou cadel; a malvasia roxa de bagoredondo; a babosa de bago branco e um tanto alongado; e a malvasia propriamente dita.Destas variedades o principal é a candila, esta dá cachos grandes e ovais de bagos ovadose cor de ouro, parras de cor amarela esverdeada, com quatro divisões muito profundas, eredondas, e com duas menos distintas; cada dentadura tem uma ponta pequena e amarela-da. Esta foi a primeira variedade de vinha introduzida na Madeira pelo príncipe D. Henriqueem 1445, vinte e seis anos depois da descoberta de ilha; é originária de Cândida. Como aposição da Ilha da Madeira é quase idêntica à da ilha de Cândida, em relação à direcção dalinha isoterma dos 20º nada admira que esta variedade prosperasse na Madeira.

Negra Molle-Tinta. - Uvas pretas de bago redondo. Parras de sete lobos, com sinuosi-dades muito profundas e redondas; de cor verde escura com pontuações purpurinas.

Negrinha. - Uvas pretas, pouco preciosas. É necessário para delas se fabricar vinho dealgum merecimento sujeitar à acção do sol, oito ou mais dias, as uvas depois de colhidas.

Verdelho. - Uva de bago amarelo, oval, Parras com sete lobos, com sinuosidades poucoprofundas, de cor verde escura. Esta variedade é das que sobem a maiores alturas.

Tarrantés. - Bago roxo escuro; alongado.Bastardo. - Bago preto, e redondo.Isabelle. - Cachos grandes - bagos arredondados de um roxo escuro, de pele grossa,

muito abundantes em sumo; com um perfume um pouco semelhante ao das maçãs - Parrasgrandes, pouco divididas, com a página inferior coberta de pelos abundantes. Variedadeamericana da vitis vulpina.

João de Andrade Corvo, Memórias sobre as ilhas da Madeira e Porto-Santo. Por João Andrade Corvo, sócioefectivo da Academia Real de Sciencias de Lisboa - Memória I. Memoria sobre a “mangra” ou doença das vinhas

da Madeira e Porto-Santo. Apresentada à Academia na Sessão de 3 de Fevereiro de 1854, (Lisboa), (1954); “Amangra ou doença das vinhas”, in Das Artes e da História da Madeira, vols. IV-V, nºs.24-29, 1956-1959

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 117

o seu preço pouca diferença faz para menos do da malvasia.Apenas aqui farei menção da muito rara e estimada uva denominada bastardo, a qual

já hoje pela sua escassez, não se pode separar para fazer liquido puro, de uma só qua-lidade. Duas cousas se lhe notão que a tornão apreciável e curiosa; a primeira é por serrara e excelente para o prato ou mesa, pela dureza e adstringência do seu bago, e asegunda é, que sendo uva preta, produz vinho branco.

Em ordem numérica de valor, poderemos contar em quarta qualidade, a conheci-da e afamada Tinta, denominação bem aplicada, pela sua cor, e exclusivamente feita dauva preta. Os epicuristas classificam-na em duas qualidades, a forte e a fraca. A daprimeira classe abunda nas freguesias de Stº António, Camera de Lobos, Estreito, e S.Martinho, e a da 2ª nas de Porto do Moniz, Santa Cruz, e Gaula. O seu uso é muitorecomendado nas diarreias, gozando alem d’essa, d’outras virtudes medicinais, e emadstringência emparelha com o melhor vinho do Porto tinto. Sendo velha, mais preço tem;com tudo a meu ver o estado da sua perfeição é aos 3 annos, antes que perca a cor e oaperto do gosto, o que acontece dos 4 em diante. A sua colheita não escassa, da melhorsorte, se poderão colher anualmente 350 pipas e no total umas 800; a do primeiro lotetendo de 2 a 3 annos de idade pode valer 110$000 rs por pipa, mas a do segundo comoquase só sirva para misturar com o vinho branco afim de lhe dar cor, regula menos demetade d’est’outra, e não tem consumo em pais estrangeiro.

Muitas outras qualidades de uva ha, tais como Canaria, Peringó, Muscatel, FerralNegrinho & porem a sua diminuta quantidade pertencente a um só proprietário, em ossítios onde nascem, não permite d’ellas fazer liquido puro, e vão juntamente com o verde-lho, formar a grande maioria da produção dos seus vinhos, dos quaes esta ultima quali-dade entra nas seis decimas partes da sua totalidade.

Paulo Perestrelo da Câmara, Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX116

Uvas das castas bastardoe tinta negra-mole.

Colecção do autor. 2002Uvas da casta terrantez.Colecção do autor. 2001

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era feito com uvas cultivadas num local especial, perto do mar e por baixo de um alto pe-nhasco, chamado Fajã dos Padres, a oeste de Câmara de Lobos e num vinhedo perten-cente aos Jesuítas. Hoje, no entanto, o vinhedo tornou-se propriedade da família Neto eestá cultivado principalmente com vinhas da qualidade verdelho. A uva malvasia requerum solo muito seco e calor intenso, e não é normalmente colhida até que se adquira ascaracterísticas de uva passada. Uma quantidade insignificante de vinho é feita da uvamuscatel, de sabor doce, e possuindo o bem conhecido aroma especial que umadecoação de flores de sabugueiro imita muito bem. Uma vez que os vinhedos da Madeirasão, em regra, de área reduzida e cultivados com diversas qualidades de vinhas, não valea pena ao cultivador separar as diferentes espécies antes de as espremer no lagar.Consequente mente, a totalidade das uvas são esmagadas juntas, sendo o resultado umrico vinho branco, de certo modo com uma cor profunda, devido à mistura de uvas negras,encontrando-se em todos os vinhedos uma certa quantidade delas. Em vinhedos demaior extensão, geralmente tem-se mais cuidado. As diferentes qualidades de uvas sãoesmagadas separadamente, e o mosto de cada uma delas é mantido separado, espe-cialmente o das qualidades sercial, boal e malvasia.

Henry Vizetelly, Facts about Port and Madeira(...), Londres, 1880

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 119

Dois terços das vinhas nos vinhedos da Madeira são da qualidade verdelho, cujasuvas possuem muita sacarina e produzem um rico vinho de qualidade esplêndida. A uvasercial, que se diz ser a famosa uva «riesling» do Reno, transplantada para a Madeira,agora muito rara, (predomina, na sua maioria, no concelho da Ponta do Pargo, no ladosudoeste da ilha), produz um vinho branco, forte e seco, que possui um requintado aroma.No entanto, quando é novo, este vinho é desagradável ao paladar, sendo a idadenecessária para o levar à perfeição e desenvolver o sabor agradável pelo qual se dis-tingue. Outra uva é a boal, também bastante rara, dando um rico vinho saboroso, delica-do em sabor e com um aroma especial. A uva negra, geralmente redonda, misturada comas anteriores variedades brancas é a tinta, da qual se faz, em certa quantidade, um vinhodiferente, com uma cor profunda e um sabor adstringente, devido aos pedúnculos e àscascas das uvas que ficam em infusão no mosto durante a fermentação. Dentro depoucos anos, este vinho torna-se amarelo-acastanhado, e com o passar do tempoadquire a cor de um profundo Madeira médio. Outra variedade de uva, conhecida como abastardo, tem uma tonalidade cor-de-rosa. o vinho que ela produz tem um aroma muitodelicado e é doce ao paladar, deixando, no entanto, uma adstringência não desagradá-vel. Outras uvas brancas que ocasionalmente encontrámos são a terrantês, a listro e amaroto, a primeira das quais produz um vinho de certo modo estimado quando velho.

Toda a gente já ouviu falar no famoso Malvasia da Madeira, produzido da espécie deuva malvasia - um vinho delicioso, que com a idade se torna um tanto alcoólico e tem todoo carácter de um delicado licor. Durante alguns anos o melhor Malvasia produzido na ilha

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX118

Vinhas. Campo experimen-tal do E. da Calheta.

Colecção do autor.2002

Latada.Vicentes Photographos.Museu Photographia Vicentes

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Boal

Folhas medianas, cotanilhosas napágina inferior, subglabras ou pubescentesna superior, com os 3 lóbulos do alto bemaparentes, as vezes acuminadas, os inferi-ores de ordinário mal esboçados; dentesdesiguais, em geral sub-obtusos, menosvezes agudos; seio peciolar fechado oupouco aberto; seios laterais superioresmuitas vezes pouco aparentes em virtudeda sobreposição dos lóbulos; cachosgrandes, muito alados, densos; bagosquase sempre elípticos, de 15/22 milíme-tros, rijos, verdoengo-amarelados, doura-dos depois de maduros, muito dotes. Cepamediana; sarmentos de um pardo claro,tom entre nós curtos. Produz boas uvas demesa e um vinho meio dote muito estima-do.

Eng. Teixeira de Sousa, 1938.

Sercial.

Folhas medianas, cotanilhosas napágina inferior, subglabras ou pubescentesna superior, tom os 3 lóbulos do alto bemaparentes e os inferiores apenas esboça-dos; lóbulo superior quase sempre maior emais agudo ou acuminado que os laterais;dentes pouco profundos, desiguais; seioslaterais superiores e o peciolar quase sem-pre abertos; cachos pequenos ou medi-anas, mm excedendo em geral 20 cen-tímetros, densos quase sempre alados;bagos elípticos, de 15/20 milímetros,esverdinhado-amarelados, um pouco acer-bos, sub-rigidos. Cepa vigorosa; sarmentospardentoclaros, de entre nós curtos. O seuvinho quando amadurecido (antes dos 10anos é áspero e cru), e seco e de exce-lente qualidade.

Eng. Teixeira de Sousa, 1938.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 121

Malvasia

Folhas glabras ou quase nas duasfaces, com 5 lóbulos muito profundos, emgeral pontiagudos; dentes desiguais trian-gulares, agudos ou sub-agudos; seios late-rais quase sempre abertos e o peciolarmuito aberto; cachos grandes, cónicos,densos ou frouxos, quase sempre muitoalados; bagos de 17/20 milímetros elípticosou eliptico-globosos, pouco rijos ou moles,verdoengo-amarelados, por fim dourados.Cepa grossa, alta; sarmentos de um pardoamarelado ou acastanhado, de entre nóscurtos ou medianos. E esta casta, conheci-da também pelos nomes de malvasia decheiro, m. cândida e m. da ribeira, que pro-duz o precioso vinho malvasia muito co-nhecido pela sua doçura e perfume.

Eng.Teixeira de Sousa, 1938.

Verdelho

Folhas medianas, arredondadas, ondea-das, glabras ou providas de alguns pelos napagina superior, cotanilhosas na inferior, mascom o indumento pouco denso e irregular-mente distribuído, sendo as vezes quasenulo em todo o limbo ou em parte dele; lóbu-los muito pouco profundos ou apenasesboçados com dentes obtusos ou agudos;seio peciolar de ordinário muito fechado;cachos pequenos ou medianas (15/22 cm),geralmente alados e densos, cilíndricos oucilindrico-cónicos; bagos de 15/20 milímetros,muito doces, rígidos, elípticos ou oblongos,verdoengo-amarelados, geralmente doura-dos na maturação, cepa Alta e muito vigo-rosa; sarmentos pardentos ou pardento-aver-melhados, de entre nós curtos. As suas uvasum tanto fortes são muito boas para comer eproduzem um vinho meio seco e de saboragradável que e tido como um dos mais finosda Madeira.

Eng. Teixeira de Sousa, 1938.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX120

Uvas da casta Verdelho.Campo Experimental das Preces.Colecção do autor. 2001

Uvas da casta Boal.Campo Experimental das Preces.

Colecção do autor. 2001

Uvas da casta Sercial.Campo Experimentaldas Preces.Colecção do autor. 2001

Uvas da casta malvazia.Campo Experimental

das Preces.Colecção do autor. 2001

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SSecas

As condições climáticas são distintas na Madeira e Porto Santo. Enquanto naprimeira as crises de seca foram reduzidas e de menor influência, já na segunda per-duraram ao longo do século XVIII e XIX, provocando graves crises de fome e oabandono por parte da população da ilha. A mais antiga referência a uma seca pro-longada na ilha da Madeira, no período invernal data de 1798, pois que em carta de31 de Janeiro160 o Senado da Câmara da cidade em carta ao bispo implorava que sefizessem preces públicas: Os tempos que tem e concorrem com geral falta de chuva,nos promete notável esterilidade, nos frutos no presente ano, por impedirem aoslavradores a semearem seus trigos, e a outros haver nascido as plantas do que a terratem entregue para a multiplicação, motivo porque ansiosos desejam deprecar a DeusNosso Senhor para do mesmo Deus alcançarem o remédio a tanto mal ameaçado.

E nós por bem de todos somos conformes a pedir a Vossa Exa. se digne deter-minar três dias de preces nessa catedral do Santíssimo Sacramento, concorrendo aelas as colegiadas e mais clero, para que o Altíssimo Deus nos conceda o remédionecessário como temos recebido, quando nestas deprecações o imploramos.Determinando-nos Vossas Senhorias com a brevidade possível, o dia que dão princí-pio às ditas rogativas para nós concorrermos com juntamento todo o povo desta ilha.

Em 1850 aconteceu nova seca no período invernal e de novo se efez apelo aomesmo sentimento de impotência e submissão ao Divino. O Governador Civil, JoséSilvestre Ribeiro, implorava, em carta de 6 de Fevereiro162, ao bispado que sefizessem novas preces públicas: Desgraçadamente tem continuado a falta de chuva,e é bem claro que, ou não poderão lançar-se as sementes à terra ou as que tiveremsido e forem sendo lançadas não poderão frutificar, nem tão pouco os campospoderão produzir pastos para os gados.

Nesta apurada situação, em que as providências humanas se apresentam inefi-cazes, a alguém tem ocorrido apelar para a misericórdia divina e seguir os exemplosde outros tempos, nos quais em idênticas circunstâncias costumavam os povos cor-rer aos templos, e dirigir a quem tudo manda fervorosas preces para que Deus secompadecesse da desgraça dos homens163.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 123

Factores Meteorológicos E Botânicos

O clima nem sempre favoreceu a cultura da vinha no século XIX. Os factoresmeteorológicos actuaram por vezes de forma negativa no cultivo da vinha, não sóporque ao homem faltavam os meios para os combater, mas também porque osefeitos se faziam sentir no volume de produção e qualidade do produto. Daqui resul-ta a diferenciação dos vinhos de colheita. A designação vintage é a que celebra obenefício favorável da meteorologia. Mais evidentes foram os efeitos negativos dassecas, tempestades e aluviões.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX122

O vingar do cacho.Colecção do autor. 1999

160.ANTT, CSF, maço 6, nº 32.162.Uma Época Administrativa na Madeira, vol. III, pp. 300/2.163.Idem, pp. 301/2.

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A

elevada quebra da produção que ficou por um quarto do ano anterior.Em conclusão podemos afirmar que uma seca sendo prolongada torna-se lesiva

da cultura da vinha, provocando um decréscimo da produção, devido ao defi-nhamento das parreiras. Mas quando extemporâneas e aparecem em determinadasépocas do ano tornam-se propícias à manutenção da uva como úteis e benéficas àboa qualidade da colheita. Pelo menos assim se exprimia em 1851 NotíciasAgrícolas do Agricultor Madeirense, quando aludia que o ano era seco nas fregue-sias do Norte: Sítios há onde nunca se viu uva cerejada como este ano, ou seja madu-ra, a novidade não é das grandes, mas também não das escassas, e os vinhos devemser excelentes para a sua qualidade173.

Aluviões e tempestades

Em contraste com as estiagens prolongadas do Porto Santo temos na Madeira aolongo dos séculos XVIII e XIX a afluência espaçada de aluviões e tempestades. Aconfiguração piramidal, com vertentes abruptas sobranceiras ao mar, fazia com quea acção continuada e torrencial das chuvas se tornasse catastrófica, porque arrastavaos terrenos férteis dos socalcos e as poucas árvores, como as parreiras. De entre asmais significativas destacamos: 18 de Novembro de 1724, 18 de Novembro de 1765,9 de Outubro de 1803, 26 de Outubro de 1815, 24 de Outubro de 1842, 19 e 20 deNovembro de 1848, 5 e 6 de Janeiro de 1856174.

De todas as aluviões referidas a mais catastrófica e lesiva da viticultura, foi semdúvida a de 1803175, que atingiu toda a ilha e de modo especial o Funchal, Machico,Santa Cruz, Campanário, Ribeira Brava e Calheta. A de 1848 inundou o concelhode Santana arrastanto as águas as benfeitorias produtivas mais importantes.Devemos, ainda, considerar as que assolaram a cidade do Funchal em 1765, 1803,1815, 1842, provocando danos nas lojas e contribuindo para a deterioração do vinhoarmazenado176. A tudo isto acresce a destruição de estufas, maioritariamente situadasna margem das ribeiras.

Com as secas implorava-se a clemência e intercessão divina por meio de precespúblicas. Já com as chuvadas o madeirense poderia intervir no sentido de minoraros efeitos, através de projectos de rearborização e desentulhamento das ribeiras177.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 125

Em carta ao Governador ao Administrador do concelho da Ponta do Sol164 jus-tifica-se as razões que estiveram na origem do pedido ao Bispo: Quando as calami-dades públicas excedem as faculdades humanas, só resta invocar a misericórdia divi-na, e n’este caso nos encontramos hoje, tendo que deplorar o temeroso flagelo daseca, que se continuar pode acarretar-nos horrores de fome, como V. S. tão judi-ciosamente antevê - uma filosofia desdenhosa e altiva pergunta n’estas circunstânciasse a Natureza não obedece, por ventura, a leis gerais e imprescritíveis, - e argumen-ta com esse facto para rejeitar a submissão ao omnipotente. Sim a Natureza obedecea leis gerais: mas quem prescreveu esses leis? Foi Deus. Humilhemo-nos, pois anteos seus decretos e não nos envergonhemos de lhe pedir socorro nas nossas atribu-lações. E ainda quando esta piedosa crença deixasse de assentar em sólidas con-vicções do espírito, conviria, em todo o caso não arrancar aos infelizes a consolaçãoúnica, que nos dolorosos transes da vida pode ter o desgraçado165.

O Porto Santo, mais propício às secas prolongadas devido ao posicionamentogeográfico e à falta de arvoredos, ficou como a ilha seca, pobre e sujeita a prolon-gadas estiagens. Em 1770 temos notícia da primeira seguindo-se outras em 1802,1806, 1815, 1815, 1829, 1847, 1850, 1854, 1855, 1883. Se tivermos em conta que, acada momento segue-se outra crise mais prolongada de fome e abandono dos cam-pos com a fuga para a Madeira poderemos prever o nível dos efeitos catastróficos.

Em 15 de Junho de 1770166 o Governador João António Correia de Sá, em ofíciodirigido a Martinho de Mello e Castro, dava conta da situação deplorável dos povosda ilha do Porto Santo em resultado das prolongadas estiagens, da invasão dasareias, esterilidade do solo, excesso populacional em relação aos recursos da região,implorando por medidas eficazes. Em 27 de Outubro167 a Câmara em carta aoGovernador faz saber a situação clamando por auxílio. O Governador respondeu,seguindo as orientações régias, com um regulamento ao capitão Pedro Telles deMenezes168 para executar e solicitando ao povo obediência169. Mesmo assim em 1783a situação pouco se havia alterado o que obrigou o Governador, D. Diogo PereiraForjaz Coutinho, a enviar o Sargento-mor Manuel da Câmara Bettencourt Noronhae o Ajudante Diogo Luís Drumond em diligência170.

Em 1829 ocorreu novo período de estiagem pela falta de chuvas por quatro anosconsecutivos, que provocou nova crise de fome a que acudiu o Governador JoséMaria Monteiro171. Daqui resultou uma quebra na produção do vinho pois, das 1000pipas que a ilha recolhia entre 1815/1816, ficou-se por apenas 600 em 1829172. Omesmo sucedeu na Madeira em 1876 em que os efeitos da seca conduziram a uma

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX124

164.Idem, pp. 302/4.165.Idem, pp. 303/4.166.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 391.167.Idem, nº 395.168.Idem, nº 396.169.Idem, nº 397. A estas medidas juntaram-se outras por provisão régia de 13 de Outubro[Idem, nº 394.]170.Vide Documentos, ANTT, PJRFF, nº 960; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 662/4, 666/8, 671, 3033.171.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 11273/11278.172.Idem, nº 11275.

173.Agricultor Madeirense, nº 7, p. 116.174.Elucidário Madeirense, vol. I, pp. 51/5.175.A. R. Azevedo, ibidem, pp. 723/725.176.Vide, Defensor, nº 149, pp. 2/3, no que concerne ao aluvião de 1842; ARM, RGCMF, t. 14, fols. 126-130vº, quanto a alu-

vião de 1815.177.Raimundo Quintal, Aluviões da Madeira. Séculos XIX e XX, Territorium, 6, 1999, pp.31-48. IDEM, O Parque Ecológico do

Funchal e a Prevenção das Cheias e Incêndios Florestais, in Territorium, 7, Coimbra, 2000, pp.39-54;

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OOidium tucheri

O oídio, vulgarmente conhecido como mangra da vinha, surgiu em Inglaterra em1845, alastrando depois à França e mais regiões vinícolas da Europa. SegundoHermann Schalack a doença começou, tal como na Alemanha, com o nascer daflor178. A origem na Madeira deve estar relacionada com o facto de um francês tervendido em Fevereiro de 1851 castas colhidas em zonas infectadas na França. Poreste ou por outro qualquer motivo a doença fez sentir desde 1852 alastrando doFunchal ao resto da área de cultura, atingindo, de modo especial, a zona deMachico, Agua de Pena, Funchal, e arredores. Ficaram imunes à praga algumasáreas, como as plantações de Roberto Donaldson no Curral do Mar (Porto da Cruz)e as propriedades de Nicolau d’Ornelas no Caramanchão (Machico)179.

A 23 de Agosto o Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, em proclamação aosmadeirenses, referia os efeitos da doença, implorando aos agricultores para que nãoabandonassem os campos: Uma grande calamidade, talvez a mais temerosa de quehá notícia a história desta ilha pende hoje sobre vós

A fatal moléstia, que acometeu o rico fruto das nossas vinhas, ameaça reduzir-nosà miséria.

Não o dissimularei. O mal é extremo, e os prejuízos que esse desastre vos acar-reta hão-de ser consideráveis, intensos, opressores... Madeirenses. O vosso gover-nador civil também vos brada agora: coragem. Confiança em Deus.

Moradores das freguesias rurais. Não abandoneis a vossa terra. Não fujais dessescampos que vossos pais regaram com seu suor. Não deixeis o tecto das vossasmoradas, onde nasceram vossos filhos. Não volteis as costas à vossa risonha ilha.Lembrai-vos de que perdeis, talvez para sempre, o ar puro das vossas montanhas, orisonho céu e o saudável clima da vossa pátria. Trazei à lembrança que muitas vezestendes recolhido abundantes frutos, em recompensa das vossas fadigas, e que nãoconvém ceder aos primeiros golpes da adversidade180.

A 5 de Fevereiro de 1853181The Illustrated London News dava conta ao públicolondrino da nova fatalidade que assolava a ilha. No breve historial da situação pre-

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Factores patologicos e botanicos

O mundo vitícola não se prende apenas com os problemas relaciondados com ociclo de vida da vinha, como o replantio e a enxertia, necessários a uma melhor pro-dução, pois também deverá juntar-se os factores patológicos e botânicos. A actuaçãodos últimos foi mais catastrófica porque atacou as cepas destruindo-as e tornandoimpossível a permanência de qualquer casta em zona infestada, a não ser com orecurso ao sistema de replantio com cepas resistentes (americanas). O oídium efiloxera foram os principais agentes destrutivos da vinha na segunda metade do sécu-lo XIX. Tardaram soluções e medidas preventivas. A recuperação das vides ata-cadas, com o recurso a uma campanha de plantio com videiras americanas, só resul-tou em pleno alguns anos após o alastramento da doença.

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Phylloxera Vastatrix, Gravura publicadaem A vinha Portugueza, Julho de 1898.

178. “Notícia da Madeira”, tradução do alemão por J. Félix Pereira, in A Lâmpada, nº 27, p. 3.179.“Annaes do Municipio da Antiga Villa de Machico-Ilha da Madeira”, in Flor do Oceano (1865), nº 260, p. 2.180.Proclamação avulsa, BNL, Leitura Geral, J. 437M.181.Ruppert Crooft-Coock, ibidem, p. 9.

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Obras Públicas, Comércio e Indústria que, por sua vez, se encarregava de comu-nicar à Madeira. Em 2 de Agosto de 1853 tivemos notícia do tratamento das cepascom cal e sangria. Em 17 de Agosto, a partir dos ensaios de D. Eramos de Janes,avançou-se com a aspersão do cacho com sulfato de ferro dissolvido em água191. E,finalmente, em 5 de Agosto de 1854192 divulgou-se a solução descoberta por D. JoséSacristia, natural de Barcelona: Toma-se pouca de lã, cânhamo, estopa ou pelo, efar-se-á na extremidade superior do corpo das cepas, atada com um fio, banhando-a com qualquer azeite, substância gordurosa, ou mesmo alcatrão. Far-se-á istodurante o mês de Junho e no princípio de Agosto, cortar-se-ão as vides, desde aextremidade ate ao ponto em que pendemos o cacho.

Tendo em conta que o oídio é uma doença que ataca a flor da vinha, fácil seráde deduzir o desconhecimento que então havia sobre a origem da moléstia, pelomenos por parte dos autores dos processos usados em Espanha, e de quem osdivulgava em Portugal, em oposição aos conselhos do Conde de Canavial e doBarão de Ornelas, que apresentavam meios de reconhecida probidade científica. Oprimeiro de regresso à Madeira tomou contacto com a situação lamentando-se de asua voz não ter sido ouvida: Infelizmente a minha voz não foi ouvida. Não foramseguidos os meus conselhos. Cruzaram-se os braços; o flagelo caminhou sem encon-trar obstáculos, deixando por toda a parte ruína e destruição; e, quando, mais tarde,os lavradores, acordando do letargo, quiseram acudir às suas vinhas, não encon-traram já senão cadáveres.

Veio então a miséria com todos os seus horrores. Veio a emigração e a Madeira,vestida de andrajos, esmolando de cidade em cidade, de paíz em paíz. Quedolorosas recordações. Mas também que profícua lição193.

As perdas foram elevadíssimas, colocando a ilha num completo estado de pros-tração. Segundo dados oficiais as perdas cifraram-se em mais de um milhão de réis.

VVAALLOORR DDAASS PPEERRDDAASS

LOCALIDADE VALOR EM RÉIS

FFuunncchhaall 638.120$000 SSaannttaa CCrruuzz 50.999$000 MMaacchhiiccoo 31.200$000 CCââmmaarraa ddee LLoobbooss 150.000$000 PPoonnttaa ddoo SSooll 25.000$000 CCaallhheettaa 20.000$000 SS.. VViicceennttee 120.000$000 SSaannttaannaa 103.670$000 TToottaall 1:137.990$000

Fonte: Alberto Vieira, História do vinho da Madeira.

Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.295

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 129

cavia-se o comerciante menos avisado para as consequências que se seguiriam nasexportações. Em 4 de Junho, ia já avançando o estado de crescimento do cacho, oAmigo do Povo182 referia o alastramento da moléstia a toda a ilha, fazendo apelo aoGovernador Civil para que fossem tomadas medidas: Convoque-se a SociedadeAgrícola, unam-se a ela todos os homens inteligentes e amigos da pátria, delibere-seaí o que convém reclamar a bem da agricultura.... Pois como refere Já não resta dúvi-da a pessoa alguma que a mangra é geral em todas as vilas, posto isto, é mister quedesde já se oficie ao governo reclamando as providências adequadas parecerem paranos socorrer em quanto é tempo. A. G. Gomes, em comunicado no ClamorPúblico183, alude à moléstia, a quem acusa da origem da desgraça que se abateusobre a ilha: No pio sinistro de 3 anos, um aluvião de mangra tem encomendadonossas vinhas à desgraça, roubou-nos 3 novidade, no valor aproximado de 4 mil con-tos de reis. Perdidas estas novidades, a fome tem, crescido de dia para dia em todaa extensão desta ilha.

A gravidade da crise de fome e a situação das vinhas, principal origem do sus-tento da maioria dos madeirenses, levaram a que as autoridades fossem obrigadas aintervir. Em 1853 foi criada em Lisboa uma comissão para fazer o estudo da situ-ação, merecendo o desacordo de O Amigo do Povo que considerava colidirem assuas competências com a Sociedade Agrícola184. Entretanto, a 15 de Julho185 reuniu-se a Sociedade Agrícola, para estudar a conjuntura decorrente da mangra e onomear de uma comissão para estudo da crise186. Mas, a Academia de Ciências deLisboa enviou à ilha João Andrade Corvo com intuito de estudar a moléstia davinha. Esta atitude foi acolhido com grande regozijo pelos madeirenses187. Da deslo-cação resultou um relatório sobre o estado das vinhas do arquipélago188.

D. João da Câmara Leme, à altura em Paris, de imediato enviou à ilha osesclarecimentos necessários sobre a doença e o modo de a atacar. Em texto publi-cado no Estudo de 30 de Novembro de 1852, manifestou-se contrário à emigração,aconselhando que tratassem de conservar as suas vinhas pelos meios que a ciênciae a experiência mostrassem ser os melhores, e que tivessem resignação, confiançano Senhor e esperança no futuro189. Ao mesmo tempo apresentou os meios usadosem França para combater a mangra por meio de pó de enxofre. Ainda, em França,o Barão de Ornelas deu conta de um novo processo de tratamento com sulphurque só começou a ser utilizado a partir de 1861190.

Outros processos de combate foram descobertos e ensaiados em Espanha e ocônsul português deles deu notícia à repartição da Agricultura do Ministério de

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182.Nº 134, p. 1, vide igualmente nº 135, pp. 1/2.183.Nº 9, p. 4, vide nº 10, p. 1 e 4, onde se refere a acção então desencadeada, não se poupando críticas severas ao Governo

Civil.184.Nº. 135, pp. 1/2.185.O Amigo do Povo, nº 135, p. 4.186.Idem, nº 136, p. 1.187.Idem, nº 142, p. 1.188.Apresentado à Academia de Ciências em sessão de 3 de Fevereiro de 1854.189.Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha, Funchal, 1872, p. 2.190.Ruppert Crooft-Coock, ibidem, p. 92.

191.O Amigo do Povo, nº 177.192.Idem, p. 2.193.Idem, p. 2.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 131

Phylloxera Vastatrix

Vinte anos depois da mangra da vinha, surgiu outra doença, não menos catas-trófica, que deu o golpe mortal à viticultura madeirense: A moléstia da vinha queme refiro foi descoberta na América em 1854, em Inglaterra em 1863, e em Françatambém em 1863, mas só bem determinada neste paíz em 1866. Em Portugal foinotada de 1868 para 1869194. Segundo F. Almeida Brito chegou em 1865 em bace-los de Izabella, ou vinha americana, castas resistentes ao oídio195. Os primeiros indí-cios da doença contagiosa foram detectados em 1872 por D. João da Câmara Leme,em amostras de S. Gonçalo e S. Roque, cedidas por um lavrador196. A partir deentão o cientista dedicou-se ao estudo da fêmea aptera e dos pós escuros na sendade encontrar o processo adequado de tratamento.

Em 15 de Outubro de 1876 o inglês Michael Grabham publicou no Times197 umacarta sobre o estado da cultura da vinha na ilha dando conta dos efeitos devastadoresda filoxera: Os cultivadores que plantaram vinhas depois da primeira moléstia que osdestruiu, gosaram apenas de pouca prosperidade, porque a phylloxera vastatrix,insecto que suga as raízes, espalha geral e completa destruição. Nos melhores pontosos lavradores estão já queimando em montões os corredores das suas ainda há poucobelas plantações, e nos lugares menos importantes a devastação está quasi a par dasoutras. Nos arredores do Funchal não há uma só parreira em condições de vigor e éclaro que já se não deve esperar colheita considerável de vinho bom198.

A declaração, em tom alarmista, provocou a reacção dos produtores e comer-ciantes locais (nacionais e estrangeiros). O articulista de O Popular, ao publicar atradução da carta, tece algumas considerações sobre as intenções do Sr. Grabham aopublicar a missiva alarmista, notando os erros da visão, pois a área alastrada, resumia-se apenas a Câmara de Lobos, Estreito e arredores do Funchal (S. Martinho, SantoAntónio, Monte, S. Gonçalo), enquanto a maior parte dos vinhedos da ilha ainda seacham cheios de vigor e de vida e em estado de produzirem de futuro, como pro-duziam no corrente ano (1876), grandes quantidades de excelente vinho199. Refere-se,ainda, que a filoxera não atingiu a Quinta Grande, Campanário, Fajã dos Padres, Pauldo Mar, Ponta do Pargo, ou seja as melhores áreas de vinhos da ilha.

Cossart Gordon & Ca.200 em carta ao periódico londrino desmente o tom catas-trófico da missiva do compatrício: não há dúvida que a philloxera tem feito algumdano às vinhas este ano (1875), mas a nossa casa, segundo nos escreveu da ilha em15 de Agosto do corrente (Setembro último), informa-nos que a qualidade da co-lheita deste ano é boa, tanto quanto se pode julgar pelo sacarímetro, e que a quan-

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194.D. João da Câmara Leme, Carta sobre a Moléstia da Vinha da Madeira, p. 2.195.F. A. Silva, Elucidário Madeirense, vol. I, p. 31.196.Uma Crise Agrícola..., pp. 122/4.197.Tradução e publicação em O Popular, nº 73, p. 2.198. Idem, p. 2.199.Idem, p.3.200.Publicado no Diário de Notícias, Funchal, nº 5, pp. 1/2.

201.Idem, p. 1202.Diário de Notícias, nº 16, pp. 2/3.203.Nº 39. p.1.204.“A Navegação e Clima do Porto Santo”, in Portugal Agrícola, 1908, nº 6, p. 81.205.Idem, ibidem, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.381

tidade vem a ser muito grande em proporção dos embarques, posto que menos quemenos que a do ano passado201. Em 5 de Outubro foi a vez de Leal Irmãos & Ca.,a dirigir-se ao mesmo jornal para desfazer as notícias do Sr. Grabham: E verdadeque a filoxera já apareceu na Madeira, mas o facto não é tão assustador como o seucorrespondente parece querer profetizar, a produção dos nossos vinhos tem aumen-tado nos últimos anos.202

Idêntica opinião tinha um articulista de A Lâmpada em 26 de Setembro de1873203 ao referir-se que a moléstia ainda não havia alastrado a toda a área vitícola,apontando-se a necessidade de proteger as que ainda estavam imunes como era ocaso do Porto Santo. Segundo Carlos Azevedo Menezes a acção da filoxera foi tar-dia de modo que em 1908 ainda se fazia sentir: A philloxera, que apareceu pelaprimeira vez na Madeira em 1872, só há poucos anos se manifestou igualmente noPorto Santo, mas apesar de ser recente a sua introdução, consideráveis são já osestragos que tem causado. As cepas mais atacadas, têm sido as dos terrenosargilosos, mas n’alguns pontos, embora poucos, onde o solo é arenoso, também asvinhas têm sido invadidas por esse insecto. Segundo nos informam, as cepas dolitoral desapareceram quasi todas, só existindo ali duas faixas cultivadas de vinha,uma do Espírito Santo e outra na Ponta.

(...) A não se cuidar a sério na introdução de cepas resistentes e adequadas aosterrenos, grandes devastações poderá sofrer ainda a viticultura porto-santense, poisa experiência tem mostrado que as areias nem sempre constituem um dique àinvasão da terrível phylloxera204.

No período sucedâneo de 1877/1880 o panorama dos vinhedos da Madeirapoderia ser considerado dramático. Os efeitos da doença eram visíveis, principal-mente na área circunvizinha do Funchal, como testemunha Henry Vizetelly em1877. Da visita que fez dá conta da situação. Sobre as vinhas das terras de ThomasSlapp Leacock em S. João refere: Não há muitos anos, o vinhedo do Sr. Leacockfoi atacado pela filoxera e muitas vinhas foram seriamente afectadas. No entanto, oproprietário, através do seu atento cuidado e de tratamento sensato, incluindo a apli-cação de uma espécie de verniz nas raízes principais da vinha, o qual neste casoparece ter sido o necessário, conseguiu recuperar a maior parte das vinhas doentes,atingindo uma condição comparativamente saudável. O cultivador de vinha naMadeira tem não só pavor da filoxera, como também que proteger as suas vinhascontra o oídio. Isto consegue-se enxofrando-as, mas esta prática tem a desvantagemde se tornar difícil retirar todo o enxofre do fruto. O Sr. Leacock faz isto com aajuda de um fole e escovas que as mulheres aprenderam a usar com paciência e jeitona estação do ano em que as cascas das uvas começam a brilhar205.

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A situação trazia à mente do insulano os tempos difíceis passados com a fome de1847 e a crise de 1852. Estavam criadas as condições para reacender o debate naimprensa. Primeiro foi a procura desesperada das curas possíveis, a que se seguiu atentativa de implantação de novas culturas como a cana-de-açúcar, o tabaco e acochonilha206. Aqui evidenciaram-se algumas personalidades locais, conhecidos pelaactividade política e dom da oratória, como D. João da Câmara Leme. O Conde deCanavial, cientista madeirense, havia adquirido em França a experiência e conheci-mentos científicos necessários para se dedicar à investigação enológica e à Medicina.A ele se deve um dos raros estudos sobre a filoxera vastatrix207, os processos de trata-mento das videiras infestadas, e as soluções para a crise vitícola com a definição deuma politica de desenvolvimento local e a criação de uma associação de viticultores

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX132

Conde de Canavial

José Silvestre Ribeiro

206.Vide estudos de D. João da Câmara Leme, Uma Crise Agrícola...; e jornais da época, especialmente O Direito, A Lâmpada,Diário de Notícias, o Popular.

207.Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha da Madeira, Funchal, 1872.

208.Uma Crise Agrícola..., pp. 143/5.209.Vide Uma Crise Agrícola..., pp. 118/31, as transcrições e referências aos processos usados ou experimentados localmente

e em França, e mais referências ao mesmo em Uma Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha, pp. 12/5.210.Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha, p. 9.211.Idem, ibidem, p. 11.212.Idem, p. 11.213. Idem p. 15.214.Idem, pp. 17/8.215.Idem, p. 19.216. Idem, pp. 20/21.

e comerciantes208. Segundo afirmava todos os processos e meios até então usadospara combater a doença da vinha209 haviam sido quasi todos ineficazes, insuficientesou inaplicáveis210 tendo em conta que o progressivo desenvolvimento da nova molés-tia da vinha não devida a um estado particular das videiras, mas sim ao contágio epropagação da phylloxera..211. Só devemos combater a nova moléstia da vinha, comohoje combatemos a sarna no homem e os animais; isto é prevenindo quanto pos-sível o contágio, e destruindo o acarus nos indivíduos em que ela se manifesta, nãosimplesmente com remédios internos e gerais, como faziam os antigos, mas sim, esobretudo, por meio de agentes insectidos aplicados localmente.

Para impedir o contágio é indispensável procurar destruir a phylloxera nas vinhasjá atacadas, ainda que não sejam de todas mortas, ainda quando seja necessário paraisso sacrificá-las.

(...) a conservação das vinhas sans exige que se sacrifique as vinhas atacadas demoléstia e que já estão votadas a uma morte certa; pois que só enquanto o vinho temvida, só enquanto tem raízes suculentas que possam ministrar alimentos aos phyl-loxeras, é que se acham junto delas e podem ser aí destruídos212.

Por isso propunha as seguintes medidas para atacar a doença das cepas. 1ºnomear uma comissão, com a sua sede na cidade do Funchal, encarregada de estu-dar a nova moléstia das vinhas na Madeira, fazer ensaios, e propor os meios conve-nientes de a debelar; 2º criar em cada concelhos uma comissão filial presidida pelorespectivo administrador e da qual devem fazer parte os párocos, o presidente dacâmara municipal, e alguns dos proprietários mais instruídos, - comissões que se cor-responderiam com a comissão central dando conhecimento do desenvolvimento damoléstia, dos sintomas observados, dos ensaios feitos, e dos resultados obtidos; 3ºfornecer, já pela caixa de socorros, sendo possível, já por subscrições, ou por qual-quer outro modo que V. Exa. (dirige-se ao governador civil) entender conveniente,os recursos necessários para que essas comissões possam pôr em prática os meiosque entenderem dever-se empregar para preservar as nossas vinhas de tão terrívelcalamidade”213.

O Governador Civil deu bom acolhimento à medida proposta, como se pode verem carta de 28 de Agosto de 1872214 em que lhe solicitava a indicação das pessoasadequadas para fazerem parte da comissão. Em 30 de Agosto215 apontaram-se asseguintes: Juvenal Honório de Ornellas, José Leão Drumond Cavaleiro, DomingosAlberto Cunha, Maurício de Andrade, João Maria Moniz, João Araújo Cunha,Francisco António de Freitas Abreu, Salvador Augusto Gramito d’Oliveira. Por

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 135A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX134

217.Uma Crise Agrícola..., p. 39.218.Idem, ibidem, pp. 40/3.219.Idem, pp. 44/6, 61/72.220.Idem, pp. 46/56.221.Idem, p. 73, igualmente Joaquim Ricardo de Trindade Vasconcelos em 15 de Outubro, no Diário de Notícias refere-se à

acção de D. João da Câmara Leme, cit. idem, ibidem, pp. 74/9.222.Idem, pp. 114/24.223.Idem, p. 138.

alvará régio de 11 de Setembro foi criada a comissão216. Mas pouco ou nada sabemosda actividade desenvolvida, ficando condenada ao malogro por força da luta políti-ca e partidária217.

A 8 de Outubro de 1876 o Governador Civil, Francisco Albuquerque Mesquitae Castro convocou uma reunião para estudo da crise agrícola, protestando D. Joãoda Câmara Leme, quer pelo aspecto formal da reunião pública218, quer pelas decla-rações aí proferidas219. E, mais uma vez, no discurso apresentou a solução para acrise220, com forte impacto nos jornais, nomeadamente nos afectos ao PartidoProgressista de que o Conde era o líder local. Tal foi o caso de O Direito que refe-ria, a propósito: Tomou então a palavra o Sr. João da Câmara Leme, e num bri-lhante discurso, fez sentir o estado agrícola do paíz, a grave crise que este atravessa-va, e, em linguagem enérgica, apontou o mal e aconselhou o remédio eficaz para odebelar; demonstrou a evidência, a utilidade, a riqueza agrícola da cultura dabeterraba; e leva igualmente à convicção de todos os que o escutavão o grandealcance do meio de transporte ou viação acelerada por um cabo, como S. Exa. pro-punha.

Era o homem da ciência que falava, o trabalhador incansável que expunha aosseus concidadãos o fructo das suas vigílias em favor da terra natal, que tanto honra.O discurso do Sr. Câmara foi extenso mas suculento, construtivo, à altura de serproferido numa academia, como o foi ante homens ilustrados”221.

O Conde de Canavial, confrontado com a convocatória da reunião da SociedadeAgrícola para 27 de Novembro sentiu-se magoado por ver as propostas votadas aoesquecimento pelas autoridades civis, decidindo não comparecer, mas presenciandode fora com olhar crítico o que aí se passou222. Discordou da argúcia das palavras doGovernador Civil e da medida reabilitadora da decadente Sociedade Agrícola: Edizem que a Sociedade Agrícola ressuscitou... não ressuscitou, não. Arracaram-namorta do túmulo; deram-na morta em espectáculo público; e morta a encerraram,de novo no túmulo, repetindo em coro - requiescet in pace223. Proveita ainda paradesfazer qualquer dúvida que as tomadas de posição pudessem suscitar: não façooposição a este ou aquele ministério, a este ou aquele representante do governo:revolto-me contra todos os que se opuseram à realização do que for útil, justo,necessário.

Quem quiser unir-se em torno desta bandeira, alistar-se nesta cruzada, combaternesta fileiras, achará em mim um fiel companheiro. Venham todos os que prezamdeveras o bem do seu paíz; formemos um grupo forte; não para servir um conilhopolítico qualquer mas para empreender tudo quanto for conveniente e proveitoso à

causa pública224.Em 30 de Julho de 1879 D. João da Câmara Leme foi finalmente nomeado

Governador Civil, com a possibilidade de pôr em prática as soluções que há muitotempo vinha pugnando. Mas se assim o pensava, cedo chegaria à conclusão que sehavia enganado, pois que instalado no cargo teve de fazer frente aos adversáriospolíticos que dominavam parte dos serviços administrativos e se negaram a põr emprática as medidas. O primeiro facto surgiu em 11 de Agosto225, quando solicitou àscâmaras e Administradores dos concelhos do distrito um parecer sobre o estado daagricultura de cada zona. Todos se escusaram226, invocando razões várias, o que onão impediu de fazer um breve relatório em 6 de Dezembro de 1879227, dandoconta da situação aflitiva da ilha e da falta das necessárias medidas por parte deLisboa, ou a autorização para serem postas em prática as por si apresentadas, poiscomo refere a Madeira, não só não poderá entender-se, mas há-de forçosamenteesmorecer, se não tiver eficaz protecção228.

Mais uma vez aguardou-se por soluções de Lisboa que tardavam e só chegaramdepois da filoxera ter alastrado no continente. A partir de então a situação da ilhatornou-se clara para as autoridades nacionais e surgiram medidas para atacar a crisevitícola. Houve que aguardar pelo ano de 1882 e pela acção da recém-criadaComissão Anti-filoxérica Distrital (5 de Agosto)229 para que fosse posta em práticauma política de auxílio aos viticultores no sentido de minorar os feitos da crise. Anova comissão composta por ilustres personalidades locais - Henrique de Lima eCanto, João de Calles Caldeira, Manuel José Vieira, John Leacock, Daniel SimõesSoares - tinha como objectivo combater a filoxera por meio do uso do sulfureto decarbono, montando para o efeito um posto de tratamento. Ao mesmo tempo incen-tivava os viticultores ao replantio da vinha com castas resistentes.

Em sessão de 20 de Dezembro de 1882230 foi deliberado solicitar à comissão cen-tral que o distrito do Funchal, excepto o Porto Santo231, fosse considerado zona inva-dida pela filoxera. Na reunião tratou-se da criação de um viveiro de cepas ameri-canas para as campanhas de replantio. O processo arrastou-se por algum tempo e oviveiro por ser instalado nas propriedades de Maurício Carlos Castelo-Branco232 edepois foi transferido para outros terrenos no Ribeirinho e Torreão233. O presidenteda comissão, João Salles Caldeira, havia ensaiado com êxito as cepas americanas nas

224.Idem, p. 142.225.D. João da Câmara Leme, Apontamentos para o Estudo da Crise Agrícola no Distrito do Funchal, pp. 8/10.226.Idem, ibidem, pp. 11/3; só houve uma resposta satírica apresentada sob o pseudónimo João Craca, publicada em Lisboa

em 1879.227.Idem, ibidem, pp. 15/110.228.Idem, ibidem, p. 31.229.ARM, GC, nº 85, fols. 1vº-2vº.As actas das reuniões foram publicadas por Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.

Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 127-134230.Idem, fols. 5/6.231.Quanto à ilha do Porto Santo, porém, que não deve ela ser compreendida nesta lista porque pela natureza do seu terreno

(arreias finas) e isolamento da ilha se espera que ela se conserve indemne... [Idem, fols. 1vº-2vº.]232.Idem, fol. 2.233.Idem, fols. 11/2.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 137A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX136

234.Idem, fols. 2vº-3.235.Idem, fols. 14vº-5.236.Idem, fols. 16vº-17vº.237.Idem, fols. 3vº/5, 7vº/9vº.238.Idem, fols. 11/12, 17.239.Idem, fol. 8.240.Idem, fol. 15.241.ARM, GC, nº 149, pp. 1/7.

propriedades da Madalena (Santo António)234, como incentivo para a acção dacomissão que de imediato procedeu plantação de bacelos e sementes americanas.Em 27 de Março de 1883 a comissão mandou avisar os jornais locais que comuni-cassem ao público de que distribuíam gratuitamente grainhas de vinhas americanasresistentes235. Daqui resultou a distribuição de 6.000 pés de videira de diversas castasamericanas resistentes. Ao mesmo tempo recomendou-se ao Juiz da Alfândega quepermitisse a entrada dos bacelos americanos sem cobrança de qualquer direito236. Em1885 nos 2000ha de vinha destruídos temos 40ha com videiras americanas.

A Junta tentou, ainda, recorrer aos métodos de tratamento disponíveis no senti-do de conservar as poucas castas não atacadas ou de minorar os efeitos da doençanas já atacadas. Assim, estabeleceu-se um posto de tratamento, vindo em 1882 doisinspectores do reino com alguns barris de sulfureto e as instruções para proceder aotrabalho237. O prático, foi enviado, em Março, às freguesias de S. Vicente eCalheta238. Em 1883239 os trabalhos de sulfuração dos terrenos afectados estavam acargo de António Brito Guedes. No tratamento da vinha o proprietário pagava 1/3do custo do tratamento, ficando o restante a cargo da comissão. Mesmo assim a áreaabrangida pelo tratamento do sulfureto não ultrapassava os 4ha, quando tínhamos2000ha de vinha afectada.

Desde 10 de Junho de 1883 funcionou uma comissão de inspecção às vinhascomposta por F. Almeida Brito (Inspector Geral), Salvador Gamito de Oliveira(Intendente pecuário), João Salles Caldeira (Presidente da comissão antifiloxéricado distrito), para saber das áreas afectadas, aconselhando o processo de tratamentoe adquirir os necessários elementos para elaborar o mapa filoxérico da Madeira240.

Na conformidade do decreto de 2 de Novembro de 1880 e do ofício daComissão Central de 16 de Julho de 1883, surgiu a 7 de Setembro de 1883 aComissão de Vigilância à ilha do Porto Santo composta por João Fausto de Santanae Vasconcelos, Pedro Júlio de Vasconcellos, José Alexandre Lomelino deVasconcellos, Júlio César de Vasconcellos, Tomás Maria Tello, Manuel AntónioRuas e Luís Faustino de Vasconcellos, com função de vigiar as vinhas de forma a evi-tar o ataque da filoxera.

A partir de 5 de Abril de 1888, com a criação da Comissão de Auxilio à Lavourada Madeira241, todas as tarefas de combate à filoxera transitaram para a sua alçada.Manuel do Carmo Rodrigues Morais havia sido enviado à ilha, segundo portaria de4 de Fevereiro de 1888, em comissão com o fim de estudar o estado da cultura davinha e cana doce na ilha, distribuir gratuitamente pelos agricultores videiras ameri-

242.Idem, p. 1.243.Idem, pp. 1/7, 20/4.244.Idem, p. 30.245.Idem, pp. 33, 37.246.Idem, p. 21.247.Idem, pp. 2, 8/15, 23/30, 63/74; vide igualmente livro nº 150.248.Idem, pp. 49/51, 55/60.249.Idem, pp. 60/1.250.Idem, pp. 29/34.251.Idem, pp. 75/78.252.Eduardo Pereira [Ilhas de Zargo, vol. II, pp. 575-576] refere ainda outras pragas que atacam a vinha: gota, lapa ou sarnica,

lapa preta, alforra, e a lagarta.253.Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, Funchal, 1953, p.44254.Noel Cossart, ob.cit., p.82

canas e cana doce de castas resistentes às respectivas doenças, bem como estabele-cer e organizar a estação química agrícola desta 100 região agronómica e o campoexperimental adjacente e demonstrativo, junto da mesma estacão e em outras pon-tas da ilha242. O certo é que toda a acção, incluso da comissão apoiante, compostapelo Visconde do Ribeiro Real, Domingos Alberto da Cunha, João Maria Curadode Vasconcelos e José Eduardo Gomes, se orientou para a procura de uma culturaalternativa com valor mercantil. Daqui resultaram novas experiências com a cana-de-açúcar, chá e tabaco.

As actas das sessões realizadas são elucidativas e abundam em informações sobrea cana doce vinda de Demerara243, Jamaica244, Taiti, Maurícias, Brasil245 e Canárias246,que se distribuíram pelo Funchal, Porto da Cruz, Ponta Delgada, Ponta do Sol247.Para o vinho as referências são mínimas. Apenas se dá conta da distribuição das cas-tas pagas248. Em 16 de Março de 1889 os 15 requisitantes receberam cada um 687bacelos. Manuel José Vieira adquiriu 135 bacelos de três castas e a Tomás Rebelobacelos de quatro castas249. A situação evidencia uma tendência para a concentraçãoda cultura em determinados proprietários com capacidade para enfrentar a despesaque o acto acarretava. Além disso, refere-se a necessidade de trato das vinhas com ouso do adubo betuminoso antifiloxérico250. A comissão, ao fim de dois anos de activi-dade, foi extinta por ofício de 20 de Dezembro e portaria de 30 de Dezembro de1889 realizando-se a última sessão em 13 de Janeiro de 1890251.

Não terminou aqui a acção das doenças da vinha. O míldio atacou os vinhedos nosanos de 1894 e 1912. A cultura da vinha passou a merecer por parte do viticultor exces-sivos cuidados. O uso de pesticidas e a enxertia são hoje os meios de tratamento con-tra as doenças252. As doenças ainda continuam a fazer sentir os efeitos sobre a cultura,onerando os custos de produção. De acordo com José Tavares253 em 1938 os custosmédios do cultivo da vinha no Porto Santo foram onerados em mais de 28%.

A política de reconversão e expansão da vinha contou, a partir de 1972, com aintervenção do Governo através da Junta Geral, criando-se campos experimentais naRibeira Brava, Ponta do Pargo, Câmara de Lobos, Estreito da Calheta. Com oprocesso autonómico o Governo Regional reforçou a aposta na viticultura comnovos campos em S. Vicente, Ponta Delgada, Seixal e S. Jorge. A par disso, entre1973 e 1983, foram distribuídos 1.168.519 bacelos254.

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DA Vinificação

O ciclo vitícola distribui-se entre o plantar do bacelo, o trato das videiras e as tare-fas rotineiras da vinha distribuídas ao longo do ano, em muitos casos executadas deacordo com determinados princípios supersticiosos que a tradição não deixouesquecer, transmitindo-os de geração em geração sob o olhar expectante das autori-dades interessadas em inovar. Aqui apenas destacaremos alguns aspectos da vinifi-cação madeirense iniciada com a vindima, que tem expressão em diversas tarefascomo a pisa, repisa, fermentação e trato do vinho.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX138

Da vindima ao lagar

A vindima, pelo movimento desusado de pessoas e animação é considerada omomento mais importante da faina rural ligada à vinha. Ao longo do ano sucedem-se os diversos cuidados com a vinha, quase sempre a cargo dos homens, atingindo-se em Setembro o clímax com a vindima, que conta com a participação de todos. Éaqui que o agricultor vê o esforço compensado pela contemplação dos maduros eluzidios cachos ou amenizado com os cantares característicos da época. As trovaspopulares alusivas ao momento davam a necessária animação e alento.

Setembro é, por excelência, o mês das vindimas. Ao Agosto, de férias e festas,sucede-se o mês do trabalho em que a viticultura é rainha. As terras de vinha são ocentro de todas as atenções. Do Estreito de Câmara de Lobos a S. Vicente, tudo semovimentava em torno das latadas, dos poucos lagares e inúmeros postos recep-tores de uvas. No passado o movimento era inusitado, ocupando quase todas asgentes. Era um verdadeiro assalto às vinhas e lagares. Os senhores desciam do burgoao campo a observar e fiscalizar os pâmpanos de uvas e o pastoso mosto. Os demaisiam à procura de trabalho, pois a vindima aumentava a oferta de trabalho e, por isso,em meados do século dezanove com o espectro da fome e da emigração, as autori-dades rejubilavam por se fecharem, ainda que temporariamente, as portas da emi-gração. A cidade ficava deserta. Todos estavam nas vindimas: uns a reivindicar opecúlio, outros no árduo labor da apanha, transporte, pisa da uva e posterior con-dução do mosto aos tonéis, para descanso de alguns meses, até à viagem ao Funchal.O processo era moroso e implicava a presença de mão-de-obra para que as tarefasfossem executadas atempadamente.

Hoje tudo mudou. As terras não são de colonia ou de rendeiros. As tarefas davindima perderam em bucolismo mas ganharam em alívio do esforço humano. Odorso do Homem deu lugar à caixa da furgoneta, o lagar passou a peça de museu,sendo o serviço executado pela hodierna maquinaria. O borracheiro desapareceuda paisagem, dando lugar às cubas de metal, transportadas encosta acima peloautomóvel. A força do progresso joga a favor do madeirense e contra o espectador(turista de dentro e de fora) que se compraz no sofrimento dos outros. Não foi o

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 139

Armazéns da firma BlandyBrothers & Co.

Gravura A. Vizetelly, 1880

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A festa das vindimas é uma tradição antiga estando documentada a realizaçãono Funchal em 1938, 1945 e 1946256. Para além do Funchal refere-se ainda em S.Vicente uma ocasional comemoração em 1981257. Hoje é ainda possível o reen-contro com o passado através das memórias descritivas e romances como sucedecom Horácio Bento de Gouveia, o retratista das emoções rurais do norte da ilha,nas gravuras inglesas ou fotografias, de que fizemos uso numa exposição que tevelugar no Teatro Municipal em Outubro de 1982. Os museus do Funchal sobre atemática são os fiéis depositários.

A época da vindima, que se estende de Agosto a Setembro ou Outubro, é omomento de maior azáfama rural e origem de migrações internas. Em terras ondeimperava o contrato de colonia, a apanha da uva subordinava-se à autorização dosenhorio, a disponibilidade de lagar e ao chamar gente para o dia aprazado: Oscolonos ao passo que as uvas amaduravam, dirigiam-se ao senhorio ou feitor a pedirlicença para fizeram a colheita, a apalavrarem o dia de empréstimo dos lagares. Osquais, porque em número restrito, não bastam nunca para os pedidos. E assim,aindaum lagar está a empesar um pé de uvas, já para dentro dele se despejam cestos sobrecestos, propriedade de outrem.

Logo que a manhã dealba, onde o mar toca no céu, começa a labutação de fazervinho de uvas que fazem apanhadas de véspera e o bulício lagareiro prolonga-se,fora de horas até passante da meia-noite258.

A vindima ocorria no dia marcado e desde muito cedo a azafama era grande: ...

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 141

instinto destruidor que fez apagar a bucólica imagem mas a urgência de libertaçãodo madeirense da canga acumulada no dorso, há mais de quinhentos anos. Na actu-alidade resta apenas a obra de engenharia que são os poios, agora ligados por estra-da, e o canto de Vieira Natividade em a Madeira. Epopeia Rural. Ninguém melhorque ele entendeu a luta hercúlea do íncola contra a natureza. Ninguém como elesentiu a dor e sofrimento do madeirense no acto de transformação do rochedo emhorta ajardinada. A imagem, que pertence ao passado, perpassa a escrita poética.

Pretender o regresso ao passado é atraiçoar o progresso e perpetuar o secularsofrimento. O Eco-museu, realidade que não entrou no quotidiano, em que o visi-tante é participante activo é a resposta e o meio de harmonização do passado como presente. A emoção ao vivo não deve ficar-se pela hipócrita contemplação masalargar-se à observação participante. E, talvez, consigamos entender o grito de dor eos impulsos que fizeram progredir e inovar as tarefas que fazem parte do dia à diadas vindimas. Assim, fica demonstrado que o progresso não é o virar de costas aopassado, mas a expressão do presente e a projecção para o futuro.

Em muitos lugares o ciclo de trabalho revestia-se de um cerimonial inaudível queatraía centenas de forasteiros da cidade. Sucedia assim em Câmara de Lobos nas quin-tas do Visconde de Torre Bela, do Conde de Carvalhal como no Estreito da Calheta eterras de João Nascimento255. Hoje temos algumas manifestações que pretendem recor-dar a faina em torno da vinha e do vinho. Referimo-nos às festas da uva, do Porto daCruz e das vindimas, desde 1980, no Estreito de Câmara de Lobos e Funchal. Ambasas evocações são o momento ideal para a comunhão do passado com o presente.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX140

Máquina de moer uvas.Museu de Photografia

Vicentes.

255.J. Reis Gomes, Op. cit., pp. 7/11.

Lagar. Museu dePhotografia Vicentes.

256.Danilo José Fernandes, O Folclore em Eventos Sociais entre 1850 e 1948, Funchal, 1999, pp.34, 71-77257.Horácio Bento de Gouveia, Crónicas do Norte, Funchal, 1994, pp.112-115258.Horácio Bento de Gouveia, A Canga, Coimbra, 1975, pp. 116/7.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 143

por toda a parte, em montados, fajãs, cabeços, fraldas da montanha, um agitar debraços fazia estremecer as folhas das vinhas. Velhos e gente nova, munidos de facase navalhas, cortavam os cachos que lançavam para dentro dos cestos pequenos osquais por sua vez, se despejavam em barreleiros, que se enchiam, até que as uvas,acamadas umas sobre as outras para cima da roda da beira se acogulavam. E alça-dos trabalhadores a carregarem os barreleiros às costas a caminho do lagar...259. Jáno lagar, os homens de pé descalço e calça arregaçada após a respectiva licença dosenhorio da lançavam-se aos montes de uvas260. Iniciada a tarefa os cachos esbor-rachavam-se e o mosto espumava na tina formando bolhas que cresciam e reben-tavam para dar lugar a outras que se vão desfazendo por sua vez261.

Esmagadas as uvas o bagaço era arrumado ao centro, posto em pé enrolado heli-coidalmente, por uma corda, que dá todo o aspecto dum tronco de cone de largasbases sobre a superior como diâmetro, e na direcção da “vara” assenta o “juiz”decidindo, pela justa colocação da proficuidade dos esforços que o todo se preparapara suportar. E em cima do “juiz” que se colocam “sucessivamente” as tábuas, os“malhais”, e a “porca”, os “leitões”, e por último o “cachaço”, pedaço de madeirade grossura variável, sendo este último que recebe directamente a acção da vara. Oestremo livre desta grossa trave é atravessado pelo “fuso” que se prende inferior-mente à pesada “pedra de lagar”. Pondo-o em movimento de aperto, atarrachando-o, a pedra, que descansava no solo, levanta-se e fica exercendo pressão sobre obagaço. É a chamada empesa262. ... no silêncio da noite, ao longo e ao perto, ouve-se o guinchar, o ranger das roscas do fuso que vai andando em torno da concha esubindo na parte a vara com o esforço dos braços do homem, até fazer a pedra le-vantar do chão263. ... e cai da bica do lagar, na tina, o mosto espumoso e pegajentoque é medido pelo pote e canada nos barris...264. Depois pela noite segue-se a repisa,em que se humedesse o bagaço obrigando a deitar o último pingo de vinho. Sóentão depois de espremido todo o vinho é que o senhorio autoriza o caseiro a fazera água-pé, a chamada babida “dui proves”265. Feito o vinho, o mosto era vendido àbica do lagar ou transportado à adega que se situava junto à costa ou no Funchal. Ocolono só ficava com a água-pé, pois a parte do mosto que lhe cabia era vendida, deordinário, ao senhorio e muito raramente ao comerciante. O facto de não dispor deadega ou vasilhame condicionava o campo de acção.

Eram muitos os abusos praticados com as vindimas fora de tempo, porque oscolonos não esperão que as suas uvas estejão perfeitamente sazonadas para as vin-dimarem; nem no tempo da vindima fazem a precisa escolha que se requer para quenão se misture o verde com o maduro...266, conduziu às reclamações dos senhorios

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX142

259.Idem, ibidem, p. 116; vide idem, Canhenhos da Ilha, Funchal, 1966, pp. 57/9, 123/5.260.Idem, A Canga, p. 125.261.Idem, ibidem, p. 125.262.J. Reis Gomes, ibidem, p. 8.263.H. B. Gouveia, Canhenhos da Ilha, p. 125.264.Idem, ibidem, p. 58.265.Idem, A Canga, p. 134.266.ARM, GC, nº 70, fol. 29vº-32.

267.ARM, GC, fols. 29vº-32,São diversos os regimentos sobre as vindimas: 12 de Agosto e 4 de Setembro de 1784, 16 deAgosto de 1785, 16 de Agosto de 1786, 7 de Janeiro de 1839, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentose Textos, Funchal, 1993, pp. 31-35, 39-42,121-122.

268.ARM, GC, fol. 32.269.ARM, RGCMF, T. 14, fols. 202/203vº.270.ARM, GC, nº 70, fols. 29vº/32, 35vº/43vº., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,

1993, pp.31-42271.Idem, T. 14, fols. 202/203vº.

ao monarca, solicitando medidas urgentes contra tais práticas, o que foi prontamenteatendido pelo regimento das vindimas de 16 de Agosto de 1785267. Aí estabeleceu-seo processo e a obrigatoriedade da escolha das uvas. Quanto ao primeiro deliberou-se que em nenhuma das freguesias desta ilha se fará vindimar, sem expressa licençapor escrito deste governo, antes dos dias que vão indicados na relação que será comesta e assinada pelo secretário do mesmo governo. A tarefa ficou a cargo duminspector, coadjuvado por inspectores locais. A autorização para vindimar só erapassada após uma visita às vinhas. Quanto ao segundo providenciariam junto doscolonos para que à bica do lagar se procedesse a necessária escolha das uvas, situ-ação difícil de controlar. Ao infractor aplicavam-se severas penas: O lavrador que seatreva a vindimar sem a referida licença, fique por esse efeito incurso nas penas deprisão, e de perdimento das uvas que tiver vindimado, e vinho que delas tiver feito,em que o mesmo inspector-geral mandará fazer apreensão e fará vender. Em anexovêm estipuladas as datas da vindima em cada localidade:

•• aa ppaarrttiirr ddee 1155 ddee SSeetteemmbbrroo, nas freguesias de Stº António, Stª Luzia, Stª Cruz,Ribeira Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta, Paul, Ponta do Pargo, S. Roque,Caniço, Campanário, Tabua, Madalena, Calheta, Jardim do Mar, Fajã da Ovelha,Canhas.

•• ddeessddee 2255 ddee SSeetteemmbbrroo nas freguesias de Machico, Estreito de Câmara deLobos, Stª Anna.

•• ddeessddee 11 ddee OOuuttuubbrroo na freguesia de S. Vicente e a malvasia por ser este ovidonho o que mais custa a sazonar268.

As recomendações quanto à cultura da vinha surgiram pela primeira vez em1785, conjuntamente com a proibição da baldeação interna e de adulteração dos vi-nhos. São medidas próximas das que o Marquês do Pombal preparou para o vinhodo Porto quando ordenou a criação da região demarcada. Chegou-se mesmo areclamar por uma companhia para a Madeira como se havia feito em 1756 para oDouro269.

Em Agosto de 1785270 publicou-se o regimento das vindimas em todos os distri-tos da ilha com indicações sobre a forma de evitar o dano provocado pela colheitaprematura sem escolha das uvas. Em 1819271 refere-se a prática corrente de apanhadas uvas verdes era considerada uma das três causas da crise: são as vindimas pre-maturas, sem chegar a uva ao estado da perfeição natural, pois o vinho vai feito decepas regulando a uma inspecção prudente e deste modo se corta pela raiz o mal

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em conjugação com os representantes das empresas quem determina a data de iní-cio da vindima.

Podemos ainda considerar outras medidas sobre a cultura da vinha, com a inter-dição de cultivos intermédios os cuidados nas fases mais importantes do ano vitíco-la. Acontece que as regulamentações esbarravam quase sempre com uma práticarotineira e adversa a qualquer progresso. A mesma opção rotineira é correspon-sabilizada pelo atraso da viticultura e vinificação madeirenses.

A qualidade do mosto não dependia apenas do respeito das medidas atrás referi-das. As condições climáticas do ano vitícola e, nomeadamente no período estival,condicionaram a situação e determinaram em última instância o resultado final. Apartir de informações dispersas é possível acompanhar o quadro das vindimas280.

SSIITTUUAAÇÇÃÃOO DDAASS VVIINNDDIIMMAASS.. 11669955--11998833

AANO COLHEITA CASTAS LOCALIDADE QUALIDADE do vinho

11669955 Pequena Regular 11669966 Pequena Muito bom 11669977 Pequena 11669988 Muito pequena 11669999 Maior que ano anterior 11770000 Grande 11770011 Pequena 11770022 Pequena 11770033 Grande Bom 11770044 Pequena Bom 11770055 Grande Bom 11770066 Grande 11770077 Menor ano anterior Muito bom 11770088 Pequena 11770099 Média Muito bom 11771100 Bom 11771111 11771122 Muito bom 11771133 Muito grande 11777744 Pequena Muito bom 11777755 Muito bom 11778833 Pequena verdelho Bom 11778877 Pequena Bom 11778888 Muito bom 11778899 Câmara de Lobos Muito fino 11779900 Câmara de Lobos Muito fino 11779922 Boal Bom 11779955 Muito bom 11880033 Muito bom 11880055 Verdelho Muito bom 11880066 Câmara de Lobos e S. Martinho fino 11880088 Muito bom

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 145

que se faz ao vinho, deitando-se-lhe açúcar e mel de barbadas para emendar a ver-dura. A Junta de Melhoramento da Agricultura ordenou em 18 de Agosto272 que fos-sem nomeados três inspectores por freguesia para fiscalizarem a aplicação. As medi-das tiveram eco nos anos de 1827273 e 1838274. No primeiro retomou-se a provisão de1819275 enquanto no segundo foi-se buscar fundamento à lei de 1786. Desta formaprocurava-se defender a qualidade do vinho e evitar os efeitos prejudiciais da práti-ca corrente no comércio. A expressão espaçada das medidas dá conta da premên-cia em momentos de agudização da crise ou discussão e evidencia a apatia doscolonos perante uma prática que se tornava onerosa e lesiva da safra da vinha.

Em 1819 uma provisão da Junta d’Agricultura ordenava que se nomeasseminspectores para as vindimas, três por freguesia, de maneira a que nos mesmos bair-ros não possa pessoa alguma vindimar, antes do dia aprovado, guardando-se nesteprocedimento quanto for possível e direito dos proprietários em combinação como interesse geral da ilha, e fabrico dos bons vinhos...276. Foi fácil a elaboração dasmedidas mas difícil a aplicação. O fim em vista era de utilidade face ao descréditoque o vinho estava enfrentando no mercado colonial britânico. A reclamação dasmedidas prende-se com a crise de exportação do produto.

A mesma política ressurgiu em 1939, quando o Conselho do Distrito decidiu poracórdão manter a regulamentação das vindimas, ordenando que se fizessem depoisda aprovação por inspectores competentemente nomeados pela municipalidade, deacordo com o regulamento de 16 de Maio de 1831277. Em carta de 4 de Outubro278

o Administrador Geral recomendava vivamente à Câmara a aplicação das medidas,replicando a Vereação com as devidas providências. Sabe-se, ainda que era comumos lavradores misturarem as variedades de uva, enganando os compradores. Em1849279 uma postura estabelecia a pena de 6$000 réis para quem misturasse as uvasde bom vidonho denominadas malvasia, carão de moça, maroto, caxudo, etc., comoutras de pior qualidade.

Não sabemos a forma como se procedeu à aplicação da medida, consideradasalutar para a boa qualidade do vinho e, de certo modo, lesiva para o colono.Apenas podemos afirmar que em 1940 ainda persistia sob outra forma na freguesiada Ponta Delgada como testemunha Horácio Bento de Gouveia. O colono estavaobrigado a avisar o senhorio do início da vindima, aguardando o sim ou não de iní-cio da vindima. Estamos perante uma variante muito afastada, que comprova demodo inequívoco a subordinação do colono ou mieiro ao senhorio. Com a criaçãodo Instituto do Vinho da Madeira a vindima passou a ser controlada, sendo o IVM

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX144

272.Idem, T. 14, fols. 204/204vº.273.Defensor da Liberdade, nº 20, p. 3.274.ARM, RGCMF, T. 19, fols. 14/5vº, 224vº/225vº.275.Tendo-se então granjeado forte apoio, como podemos inferir das informações fornecidas pelo Defensor da Liberdade [nº

20, p. 2, nº 17, nº 15, p. 2.]276.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 14-15vº.277.ARM, RGCMF, t. 1, fols. 15-15vº.278.ARM, RGCMF, t. 19, fols. 224vº-225vº.279.Posturas da Câmara Municipal do Funchal, Funchal, 1849, p.21 280.Cf. Noel Cossart, ob.cit., pp.158-159

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 147

11881122 Boal Muito fino 11881144 Boal Muito fino 11881155 Boal Bom11881166 Boal Muito fino11881177 Sercial Bom 11882222 Excelente 11882244 Boal Muito fino 11882266 Sercial Muito fino 11882277 Sercial Muito fino 11883344 Boal Muito bom 11883366 Sercial Muito bom 11883377 Malvasia Muito bom 11883388 Verdelho Muito bom 11883399 Malvasia Muito bom 11884400 Sercial e verdelho Muito bom 11884422 Sercial Muito bom 11884444 Boal Muito bom 11884455 Boal Muito fino 11884466 Terrantez, boal e verdelho Muito fino 11884488 Boal e terrantez Muito bom 11885500 Verdelho Muito bom 11885511 Sercial, boal, malvasia Muito fino 11885522 Oidium 11885544 Muito pequena Sercial Muito bom 11885577 Muito pequena Sercial Muito bom 11885588 Muito pequena Verdelho Muito bom 11886600 Muito pequena Sercial Muito bom 11886622 Pequena Malvasia Bom 11886633 Pequena Malvasia Câmara de Lobos Muito fino 11886644 Pequena Boal, malvasia Bom 11886655 Pequena Tinta Bom 11886666 Pequena Tinta Bom 11886677 Pequena Tinta Bom 11886688 Pequena Boal Bom 11886699 Pequena Boal Bom 11887700 Pequena Sercial Bom 11887711 Bom 11887722 Filoxera, pequena Fino 11887733 Muito pequena Quinta Paz Fino 11887744 Muito pequena Quinta Paz Fino 11888800 Malvasia Fino 11888822 Muito pequena Boal Fino 11888833 Muito pequena Sercial Fino 11888844 Muito pequena Sercial Fino 11888855 Muito pequena Malvasia Fino 11888866 Produção média 11889900 Boa colheita Bom 11889911 Boa Boal Bom 11889922 Produção média Sercial Bom 11889933 Pequena Malvasia Bom 11889955 Pequena Boal Fino 11889977 Pequena 11889988 Verdelho e sercial Muito fino 11889999 Regular Norte da ilha 11990000 Média Muito fino

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11990022 Pequena Norte e Oeste Muito fino 11990033 Boa Sercial Fino 11990044 Acima da média 11990055 Abundante Sercial e verdelho Norte Bom 11990066 Boa Malvasia Bom 11990077 Verdelho fino 11990088 Boa 11990099 melhor que ano anterior 11991100 Pequena Sercial, boal, verdelho Excelente 11991111 Boa 11991122 Boa 11991133 Pequena 11991144 Pequena Boal Fino 11991155 Muito boa Boal fino 11991166 Muito boa malvasia Fino 11991188 Muito boa 11992200 Muito boa Malvasia, Boal Excelente 11992266 Muito boa Boal Fino 11993344 Verdelho boal e malvasia Muito fino 11993366 Sercial Fino 11994400 Sercial Muito fino 11994411 Boal e malvasia Muito fino 11884444 Muito fino 11995500 Sercial Muito fino 11995511 Muito fino 11995522 Verdelho e malvasia Muito fino 11995544 Boal, malvasia e bastardo Muito fino 11995566 Boal, malvasia Muito fino 11996699 Verdelho Muito bom 11997744 Normal 11997755 Pequena 11997766 Pequena 11997777 Normal 11997788 Extraordinária 11997799 Normal 11998800 Normal 11998811 Normal 11998822 Extraordinária 11998833 Muito extraordinária

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viticultores tinham meios para o dispor, sujeitando-se a maior parte dos caseiros aolagar do senhor. O lagar é hoje uma peça de museu, sendo substituído pela moder-na tecnologia, mas noutros tempos foi um instrumento imprescindível ao fabrico dovinho.

Na Madeira está documentada a presença de três tipos:

•• llaaggaarriiççaass ddee ppeeddrraa, com o cocho escavado na rocha dispondo de vara e fusoem madeira para exercer pressão sobre o bagaço;

•• llaaggaarreess ddee mmaaddeeiirraa, que podiam ser escavados num tronco formando umcocho ou de traves de madeira calafetada;

•• llaaggaarr ddee aallvveennaarriiaa com vara e pedra ou de prensa mecânica.

A tradição de uso da pedra e madeira na construção dos lagares foi trazida docontinente português onde ainda existem testemunhos de épocas anteriores ao sécu-lo XV282. Na Madeira persistiram até a actualidade alguns lagares de madeira oupedra. Dos construídos em pedra temos notícia de vestígios no Curral das Freiras,Arco da Calheta, Ponta do Pargo e S. Vicente, na chamada lapa do Chiapa. Para osde madeira persistem vários exemplares na Madeira e Porto Santo, propriedade departiculares, museus e empresas do sector. O de cocho poderá ser encontrado noCampo de Baixo no Porto Santo e no Museu da Ribeira Brava, quanto ao de caixatemos exemlares nos Museus do IVM e da Madeira Wine Company.

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Do lagar ao canteiro

Nem todos os colonos e lavradores, na ânsia de uma rápida vindima, aguardavampelo total amadurecimento dos cachos, obrigando as autoridades a regulamentar afaina vitícola através do regimento das vindimas publicado em 12 de Agosto de 1785.A partir daqui a vindima passou a ser autorizada por inspectores nomeados paratodas as freguesias, ficando os infractores sujeitos à pena de prisão e de sequestrodas uvas.

Concluída a apanha das uvas a animação transferia-se para a beira do lagar ondeos homens esmagavam as uvas para poderem extrair o mosto281. Noite fora, até quefosse concluída a tarefa, o bulício continuava com desusada animação. A presençado lagar foi sinónimo de uma rectaguarda importante de vinhas, pois nem todos os

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Lagar. Gravura de A.Vizetelly, 1880

Lagar de Krohn Brothers. Museu de Photografia Vicentes. Lagar. Museu de Photografia Vicentes.

281.A faina do lagar está devidamente descrita por alguns autores estrangeiros [Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira,Funchal, 1993] e nacionais [GOMES, João dos Reis, O Vinho da Madeira. Como se Prepara um Nectar. Monografia,Funchal, 1937; Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, pp.577-582.]

282.V. Loureiro, As Lagaretas Escavadas na rocha. Uma Perspectiva Tecnológica, in O Vinho, a História e a Cultura Popular.Actas de Congresso, Lisboa, 2001, pp.27-37

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11772233 Santo António 11.000 11772288 Tábua 4000 11773300 S. Martinho 3500 11773311 Campanário 3000 11773322 Tábua 1500 11773322 C. de Lobos 2600 11773333 R. Brava 1000 11773355 Tábua 3200 11773366 9500 11773366 12.000 11772266 9.000 11773366 Santo António 8500 11773388 Campanário 4000 11773388 Serra de Água 3000 11773399 S. Martinho 5000 11774411 Campanário 800 11774422 9000 11774422 Estreito 305.700 11774422 Estreito 10.000 11774422 22.000 11774433 Tábua 19000 11774444 Campanário 2000 11774444 S. Martinho 40.000 11774455 S. Martinho 6500 11774466 Campanário 4000 11774477 S. Martinho 5000 11774477 Campanário 12000 11774488 Tábua 12000 11774488 Tábua 2500 11774488 Campanário 5650 11774488 S. Martinho 9000 11774488 Campanário 10.000 11775500 Campanário 2000 11775522 63000 11775533 Campanário 6000 11776622 Tábua 2000 11778822 4000

FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços: 1 a 42

De acordo com o inventário das indústrias, feito em 1863 por Francisco P.Oliveira286, o arquipélago dispunha de 185 lagares assim distribuídos:

Funchal. 39 Porto Moniz. 31Machico. 1 Calheta. 25Santana. 13 C. Lobos. 23S. Vicente. 12 Porto Santo. 41

Não deverá esquecer-se que o inventário ocorreu numa fase em que a economiavitícola estava ameaçada pelo oídio, pelo que o número de lagares em funciona-

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O lagar foi e continua a ser um elemento de fascínio na faina vitivinícola. Todosos que o descobrem ficam encantados com a monumentalidade e tarefas que aindaocorrem. A descrição do lagar tradicional de madeira atraiu o interesse de algunsliteratos283.

Junto dos vinhedos encontrava-se quase sempre o lagar que atingia a dimensãoigual à área de vinha. São lagares de madeira mas também lagariças de pedra. NaPonta de Sol, Rafael Catanho Vivaldo apresentava em 1608284 uma extensa fazendade vinhas com três lagares. Em 1728 o lagar de pedra de Manuel de Abreu na Tabuaé avaliado em 4$000 réis e servia um vinhedo de 3.444 parreiras. Já em 1742 JoãoLopes do Monte do Estreito de Câmara de Lobos apresenta uma casa e lagar novalor de 10.000 réis para uma extensão de 20.140 parreiras. Os agricultores comcourelas de vinhas não tinham possibilidade de montar a estrutura e, por isso, socor-riam-se do lagar do vizinho.

Os custos de construção da infra-estrutura eram elevados, sendo em muitos casosmais um encargo a que estava sujeito o colono. O preço do lagar variava consoantefosse construído em madeira ou escavado na rocha, acrescentando-se, ainda, acobertura. Quanto às diversas partes do lagar sabemos em 1767 do valor285 das dolagar de Paula de Aguiar na Tábua. Dos 28.9000 réis de despesa o senhorio con-tribuiu com 10.000 réis para o fuso, pedra e paredes:

Caldeira do lagar em rocha e tina: 10.900 réisPedra de empesar: 5.000Obra de carpintaria: fuso e toda a madeira: 2.400Palha e canas do lagar: 600total: 28.900

O quadro, que se segue, completa a elucidação dos valores do investimento emlagares na ilha.

LLAAGGAARR EE CCAASSAA--CCUUSSTTOOSS((11665500--11778822))Ano Local Lagar Lagar e Casa

Pedra Madeira Pedra Madeira

11665500 S. Martinho 80.500rs 11666644 Ribeira Seca 12.000 11669900 Campanário 800 11770000 1800 11771177 S. Martinho 4000 11771188 Campanário 2000 11771188 Campanário 21500 11772200 Ribeira Brava 1400 11772200 Campanário 15.000 11772200 2000

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283.Marquez de Jácome Correa, A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.113; Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, 582.284.ARM. JRC, fls. 427-429vº, testamento de 30 de Junho.285.ARM, Capelas-Inventário, maço 18, nº.429, 11 de Setembro.

286.Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de Leiria e Funchal,Lisboa, 1863.

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casas, foi definida pela substituição dos lagares de madeira por outros em cimentoe o aparecimento generalizado das prensas manuais e mecânicas. Na actualidade ailha dispõe da mais avançada tecnologia para o fabrico do vinho. Toda a produçãodos viticultores destinada ao vinho Madeira é vendida em uvas, tornandodesnecessária a infraestrutura. Lagares ou prensas existem apenas em museus ou emcasas particulares para a laboração do vinho caseiro.

Hoje são raros os lagares tradicionais de madeira. No século XX evolui-se para aconstrução do cocho e tina em cimento ficando apenas a vara e o fuso, como sobre-vivência da madeira. Os lagares de madeira são peças de museu, enquanto que nosde cimento já poucos restam, pois deram lugar aos de fuso ou deixaram de ter utili-dade. As casas comerciais compram as uvas e no fabrico do mosto utilizam a maisactual tecnologia. No Norte da Madeira, nomeadamente no Seixal, Ribeira daJanela, era comum a construção das adegas junto dos vinhedos, situação que aindahoje persiste. São edifícios térreos de duas águas, tendo no interior um lagar e can-teiro de pipas.

O momento mais esperado da vindima acontecia quando se procedia à divisão evenda do vinho. Era à bica do lagar que todos vinham em busca dos dividendos: Asvinhas são entregues apenas em posse anual e o cultivador somente recebe quatrodécimos do produto - outros quatro décimos são pagos em espécie ao dono da terra,um décimo ao rei e um ao clero. Proveito tão escasso e a ideia de estar meramentea labutar para os lucros de outros, excluem absolutamente a esperança de um

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mento deveria ter sido superior na primeira metade da centúria. Aliás, o autorchama a atenção para isso, destacando que muitos dos lagares estavam abandona-dos por falta de uvas. Sucedia assim em quase todos os municípios, excepto noPorto Santo e Porto Moniz. A maioria era apenas utilizada no fabrico de vinho deperos. Quanto ao Funchal o autor declara que Não se trabalha geralmente noslagares de vinho pela falta de uvas depois do aparecimento do oidium tuckery, eapenas em três lagares se espremem alguns peros para fabricação de vinho.

A situação piorou, passados dez anos, com a filoxera, mas no século XX a ilharecuperou a vinha e os lagares voltaram ao activo, referindo-se para 1916 a existên-cia de cerca de 1000 lagares para um total de viticultores não superior a 8000287. Istoquer dizer, se tivermos em conta que a produção era pouco superior a 50 mil hec-tolitros, que a laboração média por lagar era de 50hl. Muitos dos lagares erampequenos e artesanais, sendo construídos pelos proprietários para apoio à poucaprodução de vinho. A maioria dos viticultores não os possuia socorrendo-se dos queestavam mais próximos. A contrapartida, tanto poderia ser feita em género, comoem serviços ou em dinheiro. Para o vinho de peros refere-se que em Ponta de Solo pagamento de 49 a 59 réis por hectolitro de vinho saída da bica do lagar288.

A última geração, anterior ao actual processo de mecanização organizado pelas

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Lagar. Museu dePhotografia Vicentes.

Borracheiros. Museu dePhotografia Vicentes.

287.Vida Económica da Madeira (…), Funchal, 1916, p.82.288.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de

Leiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.77. Tenha-se em conta que a pipa de vinho se poderia a retalho entre 575 a 860 réis olitro [idem, ibidem, p.77]

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como nas vizinhas Canárias. A população indígena do arquipélago, donde osmadeirenses trouxeram os primeiros escravos, utilizava este tipo de vasilhame, soba designação de zurrones, para guardar o gofio e leite de cabra. No século XVIsurgem referências avulsas a odres e sabemos da existência do ofício de odreiro295.Falta-nos informação sobre o momento em que passaram a chamar-se borrachos.

Entre nós ganharam fama e foram um dos elementos pitorescos que maischamou à atenção dos estrangeiros. Isabella de França296, no retrato da visita à ilhaentre 1853 e 1854, refere-o: A pele de cabra usava-se no tempo do vinho para otransportar até às pipas, frequentemente a algumas milhas de distância, quando aestas não era fácil trazê-las do local da vindima. A pele é voltada do avesso, cortam-lhe a cabeça e os pés e as aberturas assim formadas ligam-nas com cordel. Ao dis-tender-se, dá a impressão de estranho animal acéfalo. E que espectáculo singular ode uma fila de homens a descer pelos montes com essas peles cheias aos ombros.

Os odres cheios de vinho eram transportados até ao porto mais próximo deembarque ou ao Funchal aos ombros dos homens ou no dorso das mulas297. Os gru-pos intermináveis de borracheiros faziam parte do espectáculo das vindimas. A ne-nhum estrangeiro passava desapercebido tal burburinho: No momento da nossa visi-

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aumento de produção, mesmo que sejam tentados melhoramentos289. A mesmaideia repete-se noutro testemunho: O proprietário da terra e o cobrador dos impos-tos da Coroa assistem a esta operação: este último tira da tina o décimo de mostoque lhe corresponde, sendo depois dividido o restante entre o proprietário da terrae o arrendatário. Cada um leva consigo um número suficiente de carregadores paratransportar as suas respectivas partes, às vezes em barris, e às vezes em odres de pelede cabra, para as adegas no Funchal. Os comerciantes Ingleses geralmente fornecemantecipadamente dinheiro aos agricultores de maneira a motivá-los para um cultivomais cuidadoso290.

Feito o vinho o mosto era transportado ao destino, que poderia ser a loja do viti-cultor, ou o armazém dos comerciantes no Funchal. No último caso tanto podiaacontecer por via terrestre, nas regiões próximas da cidade, ou marítima, quandoproveniente das diversas freguesias. Era no Funchal, sede as casas exportadoras, quetinha lugar a fase seguinte. O transporte às adegas rurais ou da cidade era feito porcarreteiros em borrachos291. O mosto era enviado directamente ao Funchal, por viamarítima ou terrestre, onde fermentava nas lojas292. Era aí que se iniciava o proces-so de vinificação. Após a fermentação era sujeito às trasfegas e trato em canteiro ouestufa.

Os borrachos ou odres assumiram um papel importante na circulação interna domosto. A tradição do odre para o transporte de líquidos está documentada nomundo mediterrânico desde a Antiguidade293. Também na cultura berbere encon-tramos o uso, donde a origem dos chamados zurrones das Canárias294. Os mesmosestão testemunhados em Portugal no século XV e no século seguinte na Madeira.Está ainda por apurar a origem na Madeira, pois tanto pode estar na Península,

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289.G. Forster, A Voyage Round the World (...), Londres, 1777, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos eTextos, Funchal, 1993, p. 337.

290.J. Barrow, A Voyage to Conchinchina…, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos eTextos, Funchal, 1993, p. 337

291. J. Reis Gomes, ibidem, p. 11. Já em 1793 John Barrow de passagem pela Madeira refere os odres feitos com pele de cabrapara transporte do vinho, vide A. A. Sarmento, Ensaios Históricos da Minha Terra, Funchal, vol. III, pp. 131/3; J. Barrow, AVoyage to Conchinchina…, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,1993, p. 337

292.Temos três fontes que comprovam de modo directo o que vimos afirmando e explicitam as razões de tal procedimento. Aprimeira é-nos dada num documento de 1777 [ANTT, PJRFF, nº 994, pp. 8/11.], em que se salienta que na ilha não se pro-cede de modo idêntico como no reino: não se praticäo as colheitas como no reino que vão passando dos lagares a encubarnas adegas, mas como as terras estão aqui divididas em porções módicas de colonos, estes pisando suas módicas porçõesque logo imediatamente conduzem a meia parte respectiva ao senhorio para a cidade, nem dão lugar a tirar guias, o queé impraticável por ser a condução em barris de dois almudes, ou odres sobre ombros de homens, porque a escabrosidadedos caminhos faz impraticáveis outras conduções [Idem, ibidem, p. 9.]. A segunda surge-nos de modo idêntico em docu-mento de 1779 [ANTT, PJRFF, nº 995, pp. 25/41]: ... os moradores são avulsos por não haver na ilha povoações, ou lugares,nem os colonos encubäo os vinhos em suas adegas, porque não tem, e cada um em sua casa em lagariças de pau faz ovinho que daí se transporta por homens rústicos muitas légoas para as dos senhorios pela escalosidade dos caminhos, taisque nem cavalgaduras o podem transportar, quanto mais vasos ou pipas. [Idem, ibidem, p. 37.]. A terceira é dada noutrodocumento de 1789 [ANTT, PJRFF, nº 995, pp. 53/4.]. ... no campo não se achäo adegas suficientes para o vinho, porquea parte dos senhorios habitantes nesta cidade, todo é transportado para esta e a maior parte do vinho dos caseiros, é ven-dido à bida a infinitos habitantes também desta cidade para onde igualmente transportäo[ Idem, ibidem.].

293.Robert Flacelière, A Vida Quotidiana dos Gregos no Século de Péricles, Lisboa, sd., p.190: O vinho destinado ao consumolocal era metido em odres de pele de cabra ou de porco…

294.Luis Diego Cuscoy, Los Guanches, Santa Cruz de Tenerife, 1968; Vários, Aproximación a la Descripción de la CartaArqueológica de Fuerteventura, in I Jornadas de História de Fuerteventura y Lanzarote, vol. II, Puerto del rosario, 1987,p.129.

Borracheiro.Foto José Pereira da Costa

295.Bernardete Barros, A Festa Processional, “Corpus Christi”, no Funchal (séculos XV a XIX), in Actas do I ColóquioInternacional de História da Madeira. 1985, Funchal, 1989, vol. I, p.348

296.Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal. 1853-1854, Funchal, 1970, p.112-113297.O mosto fermenta em barris. Quando vendido aos comerciantes de vinho, é transportado para as suas adegas em

pequenos barris ou odres de pele de cabra amarrados no dorso das mulas. [J.L.Thudichum e A. Dupré, A treatise on theorigin, nature and varieties of wine, Londres, 1872, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, pp. 389]

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A vindima é uma época de grande excitação em toda a ilha. Os homens e mulheresque apanham as uvas formam uma alegre multidão que rasteja por baixo das latadas e,entre muita conversa e brincadeira colhem os cachos que são em seguida colocados empequenos cestos. Quando cheio, o conteúdo destes cestos é cuidadosamente deitadonum grande e forte cesto de salgueiro, o “cesto de vindima”, redondo, com uma bocaque abre como a duma trompeta, neste, as uvas são levadas para o lagar. Ele suportacerca de cem pesos de uvas, as quais devem produzir um barril de sumo. Quandochegam ao recinto onde a operação de esmagar tem lugar, os cestos são esvaziadospara dentro de uma rude tina de madeira chamada “lagar”.

J. Jonhson, Madeira its Climate and Scenery (...), Londres, 1885, pp.81-91 in Alberto Vieira, História doVinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.409

Vindima. Pintura de Max Romer.Sala de Provas da Madeira Wine Company

ta [à casa Krohn Brothers & Co.], encontrámos um grupo de borracheiros enchar-cados de suor, entregando odres com mosto, que tinham trazido das montanhasnessa manhã. Ao serem despejados nas pipas, um empregado do armazém volta emeia media os conteúdos de um certo número deles escolhidos ao acaso e verifica-va a quantidade de sacarina através de um sacarómetro, para se certificar de que cadaodre continha todo o seu barril, correspondente a cerca de nove ou dez galões, e deque o mosto não fora falsificado «en route». O preço do mosto oscila entre 18s. e21s. por barril - sendo doze barris equivalentes a uma pipa. Os borracheiros maisrobustos fazem, durante o auge da vindima, duas ou mesmo três viagens das mon-tanhas para a cidade e de regresso às montanhas, durante um dia298.

O espectáculo dos borracheiros é hoje um dado do passado e só ficou a célebrecanção dos borracheiros e alguns borrachos como ornamento de lagares perdidos.Hoje a realidade é distinta. A partir da década de quarenta o automóvel ocupou olugar do homem no transporte do vinho ao Funchal. Às filas intermináveis de bor-racheiros sucedeu o desusado movimento de furgonetas com pipas em pé a trans-bordar de mosto. Mudou também o processo. As casas exportadoras passaram nosúltimos anos a adquirir as uvas directamente aos viticultores, através de uma rede deagentes em toda a ilha. A vindima resume-se quase só ao rotineiro gesto do apanhardas uvas. Esta nova forma de intervenção das empresas permite controlar todo oprocesso de vinificação, adequando-o às actuais exigências do mercado e àsrecomendações legislativas.

Muitas das terras de vinhas eram de colonia, residindo o senhor no Funchal.Aqui destaca-se os conventos, importantes senhorios em toda a ilha. Em 1667 oConvento de Santa Clara apresentava-se com cinco adegas, com 154 tonéis, pararecolha do quinhão de vinho: Santo António, Câmara de Lobos, Estreito de Câmarade Lobos, Campanário e Ribeira Brava. Apenas neste ano o convento vendeu parafora 165 pipas de vinho.

As adegas madeirenses, não eram edifícios preparados de raiz, pois qualquercave, desde que ampla e escura, servia para guardar e envelhecer os vinhos299. Juntoestavam as estufas e a oficina de tanoaria. Foram os ingleses quem no século XIXtentou alterar a situação definindo uma arquitectura e estruturas adequadas à funçãodas instalações300. A maior evidência de mudança pode ser encontrada nas insta-lações da firma Cossart Gordon, de que apenas dispomos descrições, gravuras efotografias.

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298.Henry Vizetelly, Facts about Port and Madeira (...), Londres, 1880, pp.149-202, in Alberto Vieira, História do Vinho daMadeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 392-393

299.Ruppert Croft-Cook, ibidem, pp. 159/166.300.Confronte-se o texto de H. Vizetelly in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1983, pp.375-399.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 159A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX158

Por Regimento de 12 de Agosto de 1785 foi regulamentado o processo das vindimasna ilha, de modo a evitar os abusos praticados pelos colonos, que não esperam que assuas uvas estejam perfeitamente sazonadas para as vindimarem; nem no tempo da vin-dima fazem a precisa escolha que se requer para que não se misture o verde com omaduro....

No mesmo regimento se estipulava a data certa para a vindima em cada locali-dade, ficando o cumprimento desta regulamentação a cargo de um inspector coadjuva-do por inspectores locais.

ARM, GC, N.º 70, fols. 29Vº/32

Vindima.Gravura de A. Vizetelly. 1880

Transporte uvas ao lagar.Colecção Perestrellos.Museu de Photographia Vicentes

Transporte de uvas ao lagar.Grvura de a. Vizetelly.1880

Azáfama das vindimas

Os colonos ao passo que as uvasamaduravam, dirigiam-se ao senhorio oufeitor a pedir licença para fazerem a co-lheita, a apalavrarem o dia de emprésti-mo dos lagares. (...) por toda a parte, emmontados, Fajãs, cabeços, fraldas damontanha, um agitar de braços faziaestremecer as folhas das vinhas. Velhose gente nova, munidos de facas e nava-lhas, cortavam os cachos que lançavampara dentro dos cestos pequenos, osquais por sua vez, se despejavam embarreleiros, que se enchiam, até que asuvas, acamadas umas sobre as outraspara cima da roda da beira seacogulavam. (...) trabalhadores a car-regarem os barreleiros às costas a ca-minho do lagar...

H. B. de Gouveia, A Canga, Coimbra. pp.116/117

Cestos Vindimo.Foto de José Pereira

da Costa.

Década de sessenta doséculo XX Vindima.

Fotografia Perestrellos.Museu de Photographia

Vicentes.

Vindima.Museu de Photographia Vicentes.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 161A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX160

Evolução do lagar

Pisam os homens as uvas nos lagares, de calça arregaçada até ao joelho, músculosestriados e faces congestionadas. E há 44 lagares em actividade, construídos de cimen-to, assim como as tinas. Os de madeira de til com tinas feitas de ripas arcaizaram-se eaproveitaram-se as tábuas. O cimento conferiu aos lagares uma eternidade que amadeira não podia dar. E, de feito, a substituição desta por aquele trouxe vantagens aolavrador. Pois os lagares de madeira, todos os anos, por altura das colheitas, tinham deser calafetados. Através das juntas das tábuas, com o batuque das repisas e no ardorainda maior de tirar do bagaço a água-pé, as pranchas davam de si e o mosto começa-va de pingar. As tinas apertadas por arcos de ferro também se desconjuntavam. Deixou,portanto, de haver a preocupação do conserto, semanas antes das vindimas, além deque era outra a durabilidade.

Introduziu-se, há muitos anos, a prensa no lagar, mas, no norte da ilha não vingou omoderno aperfeiçoamento da técnica no espremer das uvas. Mais dispendioso, menospratico e de resultados não superiores ao processo primitivo. Pelo que o sistema da varacorpulenta de pinho ou de castanho e o fuso de pau branco, das nossas serras, conti-nua mantendo o costume, posto que absoleto, dos avoengos. A mesma corda grossa aenrolar o monte dos engaços, se bem que o chincho a vá substituindo, as mesmaspeças de madeira, o tampão e os dormentes, sobrepostos aquele e até tocarem a parteinferior da vara, a mesma pedra redonda, volumosa e pesada, com um buraco ao decima, onde sai um ferro que se encaixa na base do fuso e se prende a ele.

Horácio Bento de Gouveia, Canhenhos da ilha, Funchal, S/D, pp. 124/5

Lagar.Postal pintado.Barrault Photographie

O lagar madeirense

A espremadura das uvas faz-se a pé calcante, a dentro dum reservatório que antiga-mente era um simples tronco escavado, em geral de dragoeiro, que constituía o velholagar de coxo.

Fez-se depois de tábuas justas, calafetadas em caixa aberta com biqueira na base,sobre um suporte de traves, encimando-o a vara do lagar, grossa viga articulada numextremo e apoiada no outro por uma porca, onde vem morder um alto parafuso demadeira, ligado a um pesado bloco de pedra. Esta suspende, ao elevar-se o parafuso depau branco, transfurando a vara, e actua como reforço, premindo de alavanca inter-resistente sobre o bagaço, depois deste ter sofrido o primeiro piso, a pé nu lavado.

Há pequenos lagares mais simples, sem parafuso, e então o reforço do peso é feitonum prato, como os de balança decimal, onde sucessivamente se vão colocandopedras, aumentando a potência de espremeção, sobre o “frascal”, em forma de pão deaçúcar, formado pelos engaços e folhelho, apertado espiralmente por uma resistentecorda fabricada de esparto ou raízes de era.

A. Sarmento, Notícia Histórico-militar sobre a Ilha do Porto Santo, Funchal, 1933, pp. 94/95

Lagar. Pintura de Max Romer. Sala deprovas da Madeira Wine Company.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 163A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX162

Aqui, as vinhas plantadas em canteiros elevados que formam um rego entre as dife-rentes filas , são colocadas ao longo de arames horizontais, sustentados por postesinclinados, que se juntam na parte superior, formando um V invertido.… Embora o vinhe-do possua menos de treze acres, as uvas são colhidas em não menos de oito alturasdiferentes, sendo apenas apanhados em cada momento os cachos completamentemaduros. Por este motivo, a vindima que começou a 24 de Agosto, durará um períodode três semanas completas. Quem colhia as uvas eram mulheres descalças, com vesti-dos leves e casacos brancos de linho, com lenços vermelhos e amarelos amarrados àcabeça. ...

A casa do lagar é uma construção baixa de pedra com um alto telhado, iluminada poralgumas pequenas janelas, e à sombra dos grandes ramos de um óptimo espécime daeriobotrya japonica. Possui vários lagares, sendo o maior deles capazes de espremerquatro ou cinco pipas de mosto ao mesmo tempo. Encontrámos seis homens a trabalharlá, três em cada lado de uma espécie de trave divisória ou vara. O primeiro sumo quesaiu foi deitado num balseiro ou pequena tina, contendo cerca de oitenta galões, e quepossui uma torneira na parte mais baixa, para permitir que o sumo saia depois dosrestos de enxofre que ficaram nas uvas se terem depositado na parte mais baixa. Ospisadores fizeram várias vezes o mesmo movimento que já descrevemos, e quando o

Lagar. Gravura de W. S.Pitt Spingett.1843.Colecção da Casa MuseuFrederico de Freitas

Armazéns de Messr. Krohn

Como em todos os vinhedos da Madeira, a sua área limi-tada, compreendendo apenas quatro acres, estando rodeadode muralhas por todos os lados. Elevações abruptas apre-sentando poios cultivados e com abetos coroando os seuscumes, rodeiam o vinhedo de ambos os lados. A maioria dasvinhas, que são principalmente da qualidade verdelho, comuma quantidade insignificante de tinta, ou uva negra, sãocolocadas sobre uma baixa latada horizontal, a uma altura decerca de quatro pés do chão, quase uma cópia do sistema decolocar as uvas que prevalece em certos distritos vinícolasda Alemanha chamado «Kammerbau». As restantes vinhassão colocadas mais altas em relação ao solo naquilo que échamado corredor, oferecendo as latadas colocadas porcima uma agradável sombra para os calores do Verão. Estaslatadas são construídas em cana ou madeira de pinheiro,com estacas de castanheiro a servirem de suportes.

Aqui, os trabalhadores que colhem as uvas são todoshomens, com barba preta, descalços, e com roupas esfar-rapadas, com a sua pele quase tão castanha quanto os seuscalções cor de mogno. Eles apanham as uvas e atiram-naspara dentro de redondos cestos abertos com pegas,esvaziando-os depois num cesto maior, semelhante na formae conhecido como o «cesto da vindima». Este último cestotem capacidade para mais de um quintal de uvas, mais oumenos o suficiente para produzir um barril de mosto, o mesmoque um pouco mais de nove galões imperiais. A casa do lagarficava no centro do vinhedo, e o próprio lagar era formado poruma enorme tina de madeira, semelhante ao usado na regiãodo Xerez. No entanto, em vez de um parafuso de metal ele-vando-se no centro do lagar, uma enorme trave de madeira,como aquelas usadas nas proximidades de Lisboa e no AltoDouro, está pendurada no meio do lagar e ajuda na extracçãodo sumo das cascas de uvas amontoadas, depois destasterem sido bem pisadas por vários pés acastanhados. Noentanto, antes dos pisadores entrarem no lagar, o própriopeso das uvas produz um fluxo contínuo de sumo que correpara a tina contígua - um regato que se torna uma torrentequando se começa a pisar. Os homens, dispersos pelo lagar,começam com um movimento lento e regular, depois esticamos braços e agarram-se na enorme trave interveniente, apro-ximando-se e afastando-se rapidamente um do outro, dando,ocasionalmente, meia volta uma vez para a esquerda, umavez para a direita, abrandando, depois, os seus movimentosagitados para um tipo de dança lenta e monótona.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices ofWines Vintaged Around Lisbon and the Wines of Tenerife, London, 1880.

Lagar.Pintura de Max Romer.

Sala de provas da Madeira Wine Company.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 165A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX164

sumo já não saia do lagar através da abertura que ficou tapada com as uvas esma-gadas, estas foram empilhadas no centro ou aos lados, pressionadas e levementeespremidas com as mãos, e o sumo, conforme ia escorrendo, era coado, passando porum cesto pendurado na bica ou tubo do lagar. Este empilhamento foi repetido três vezes,conhecidas como a primeira, segunda e terceira abertura, e depois passou-se a outraoperação - a massa é reunida de modo compacto num monte central, ficando prontapara receber a corda, que foi cuidadosamente enrolada à sua volta, com espaços pelomeio, pelos quais o sumo podia passar. Um forte disco de madeira, reforçado compedaços cruzados, foi colocado na parte de cima, e sobre este foram colocadas, trans-versalmente, várias pequenas barras quadradas de metal, e uma forte tábua por cimade tudo. A pressão é exercida sobre este monte através do parafuso perpendicular numadas duas extremidades, que se apoia numa enorme pedra a alguns pés do lagar. Osumo espremido deste modo chama-se vinho da corda. Depois de uma ou duas horasnesta operação, a massa sólida é quebrada com as mão ou, se necessário, com enx-adas, e depois começa a repisa, um vigoroso movimento de dança ou saltos executadosobre as cascas de uvas aparentemente secas. Faz-se isto para esmagar, de maneiraeficaz, aquelas uvas que estão já em passas e que se tornaram mais moles por teremficado de molho no sumo produzido. A repisa dura cerca de meia hora, e os homens ale-gram o seu trabalho com uma variedade de piadas, partidas ou outras. Por vezes, doisdeles de um lado da trave subitamente agarram um camarada e atiram-no por cima datrave para o outro lado, onde os homens o receberão com os braços abertos, mas sópara o atirar de volta outra vez por cima da trave, entre o riso de todos. As cascas dasuvas são novamente empilhadas; depois deita-se água por cima delas, e são bemrevolvidas e espremidas pela última vez, produzindo a água-pé que se dá aos trabal-hadores para beberem.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines VintagedAround Lisbon and the Wines of Tenerife, London, 1880.

Latada em Madeira.Vicentes Photógraphos.

Museu Photographia Vicentes

Festa das Vindimas. Estreito de Câmara de Lobos, 2002

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PA VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 167A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX166

Para que a análise do quadro da produção de vinho no arquipéla-go seja completa devemos ter em conta a evolução quantitativa, deacordo com as áreas produtivas e o tipo de uva, com também a carac-terização do sistema de exploração da terra, que teve na ilha umaforma peculiar de expressão, com o contrato de colónia. No que con-cerne aos valores de produção a informação é escassa e, por vezes,contraditória. Daqui que resulta que o o completo esclarecimento sóé possível se tivermos em conta os níveis de produtividade da ilha, oestado e a forma de cultivo da vinha.

Segundo T. Bowdich301 um acre de terra de vinha podia produzirquatro pipas, mas a média era de apenas uma pipa. Insiste-se na ideiade que a produtividade é fraca: A produtividade das vinhas não é, emgeral, muito grande na Madeira. Ainda que nalgumas das balseiras daregião do norte, como por exemplo sucedeu em 1850 no sítiodenominado Fajã do Penedo, duas cepas possam produzir atécatorze barris de vinho, é contudo certo, que no sul a produção é deduas a seis pipas, ao mais, por hectare, ou de oito almudes por milbacelos, o que é uma produção muito pouco considerável302. A pro-dução para E. Harcourt estava de acordo com as condições do solo:Um alqueire de terreno, quando se trata de solo da melhor quali-dade e bem cultivado, produzirá, num ano médio, entre doze equinze barris de vinho, dos quais doze vão para a pipa. Se o solo éde qualidade média e bem cultivado, produzirá entre oito e dez bar-ris. Terreno de qualidade média ou boa com maus cultivadores nãoproduzirá mais do que um ou dois barris.303

Latada no E. de Câmara deLobos. Colecção

Perestrellos. Museu dePhotografia Vicentes.

A PRODUÇÃO DE VINHO301.Excursions in Madeira, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,

p.346 e corroborado por Alfred Lyall, Rambles in Madeira, London, 1827, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 349; F. W. Taylor, The Flag Ship, NY, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho daMadeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 357.

302.João Andrade Corvo, Memoria I.Memoria sobre a “Mangra” ou Doença das vinhas da Madeira e Porto Santo. Apresentadaà Academia na Sessão de 3 de Fevereiro de 1854, (Lisboa), (1954); “A Mangra ou Doença das vinhas”, in Das Artes e daHistória da Madeira, vols. IV-V, nºs.24-29, 1956-1959. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, p.288.

303.Edward V. Harcourt, A Sketch of Madeira…, London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos eTextos, Funchal, 1993, pp. 362-363

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abrangendo a vertente de Machico ao Porto Moniz representava mais de metade daprodução. No Norte as maiores áreas vitícolas, situam-se em S. Vicente, PontaDelgada, Porto da Cruz, que até a actualidade se afirmaram como as principaisáreas. A situação tornou-se mais clara a partir de 1821 com o surto dos alambiquese as crises provocadas pelas doenças em 1852 e 1872. No Sul, as áreas de maior pro-dução estavam em Santo António, Câmara de Lobos e Estreito, Ponta do Sol, S.Roque, onde se encontrava também o melhor vinho da ilha para embarque.

De acordo com o mapa da produção, elaborado por Casado Giraldes305, eviden-cia-se, mais uma vez, o predomínio da capitania do Norte, sobressaindo Ponta Del-gada, Faial, Porto da Cruz, S. Jorge, S. Vicente e Santana, enquanto no Sul temosSanto António e Estreito de Câmara de Lobos. A relação entre os valores do vinhode inferior qualidade e os de superior qualidade de castas europeias era de 3 para1. A situação é idêntica entre a produção e a exportação o que pode ser encaradocomo um forte indicio de que os vinhos do Sul eram reservados para embarque,enquanto os do Norte ficavam para consumo interno e destilação. A receita doSubsídio Literário dá conta da mesma diferença, numa relação de 324 para 17,destacando-se, mais uma vez Câmara de Lobos, Santo António, S. Martinho, no sule S. Vicente, Faial, Porto da Cruz, Ponta Delgada, Machico, no norte. Segundo umamédia de produção estabelecida entre 1830/1840 por P. P. da Câmara306 confirma-se o predomínio do Norte, desde o Faial, Porto da Cruz, S. Jorge, Ponta Delgada,Santana, e no Sul de Santo António, Câmara de Lobos e Estreito.

PPRROODDUUÇÇÃÃOO DDEE MMOOSSTTOO PPOORR CCOONNCCEELLHHOO 11778877--11888877((EEMM HHEECCTTOOLLIITTRROOSS))

Localidade 1787 1813 1837 1851 1852 1986 CCaallhheettaa 6773 5295 4106 4573 1063 833 CCââmmaarraa ddee LLoobbooss 6838 8850 11960 8208 1455 53891 FFuunncchhaall 14231 14225 10217 11470 1363 9068 MMaacchhiiccoo 9348 15580 10882 3017 247 678 PPoonnttaa ddee SSooll 7006 4380 5941 4530 348 7225 PPoorrttoo SSaannttoo 916 1650 2270 2412 SSaannttaannaa 11214 28760 25576 23341 931 19092 SSaannttaa CCrruuzz 2528 3695 23925 1493 200 1030 SSããoo VViicceennttee 19879 30520 26766 19486 4283 38911

TTOOTTAALL 7788773333 111111330055 111199337733 7766112211 99889944 113377881188

Obs.: os municípios de Câmara de Lobos e Santana só surgiram após a reforma de Mouzinho da Silveira. A conversãodos barris foi feita pelo valor médio de 50 litros

Fonte: AHU, Madeira e Porto Santo, nº.977, José Pedro Casado Giraldes, Estatística Histórico Geográfica das Ilhas daMadeira e Porto Santo…, Paris, sd.; Alberto Vieira, História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,pp.295

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 169

Áreas de produção

A ilha apresenta duas áreas vitivinícolas perfeitamente demnarcadas. Na vertenteSul, dominada na quase totalidade pelo espaço da primitiva capitania do Funchal,encontramos o melhor vinho, enquanto na vertente Norte, área quase exclusiva dacapitania de Machico, produzia-se em maior quantidade mas de pior qualidade. Estevinho raramente saia da ilha, sendo usado para consumo interno e fabrico deaguardente.

Já atrás aludimos às áreas vitícolas de acordo com a qualidade e castas e a demar-cação de 1795, aqui apenas daremos conta da importância e peso no volume de pro-dução304. Pelos dados de 1787 constata-se que a capitania de Machico, ou do Norte,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX168

Borracheiros.Museu

de Photographia Vicentes

304.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 977.305.Estatística Histórico Geográfica da Madeira e Porto Santo, Paris, s/d.306.Op. cit., pp. 78/81

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P

o ano foi mau sendo a colheita inferior a metade do ano anterior. Apenas a partirde finais da centúria temos informações claras. Assim, enquanto Hans Sloane refereem 1687 que a maior parte da ilha estava coberta de vinhedos, em 1689, JohnOvington torna a situação mais clara, dando-nos os primeiros valores de produção,que se cifravam em 20.000 pipas312, situação que se repete em 1698313. O vinho erao principal produto da ilha, pelo que as colinas e vales estavam abafados de vinha.A vinha ganhou importância no último quartel do século. As vindimas de 1697 e1698 foram reduzidas, melhorando no ano imediato, como corrobora WilliamBolton314.

PRODUÇÃO DE VINHO NO SÉCULO XVII. Cálculo estimado315

Borracheiros. Foto José Pereira da Costa Com dados disponíveis elaboramos omapa da produção que contempla os momentos mais significativos da História dovinho no arquipélago316. A evolução da cultura da vinha adequa-se às exigências domercado e à influência da comunidade britânica na ilha que definiu um destino priv-ilegiado para o vinho. A partir de meados do século XVII a produção entrou emcurva ascendente só parando na década de vinte do século XIX. O golpe mortal foidado na segunda metade da centúria tendo origem nas diversas doenças que asso-laram a vinha. Em 1852 tivemos o oídio e desde 1872 a filoxera. O oídio deverá terchegado à ilha em Fevereiro de 1851 em castas trazidas de França. E rapidamentealastrou a doença a toda a ilha, atingindo de modo especial o Funchal e Machico.As soluções tardaram e, por isso mesmo, os efeitos fizeram-se sentir de forma pro-longada na produção.

Em meados do século XVII a tendência era para a subida em ritmo galopantede modo que, num intervalo de 26 anos (1650/76), quintuplicou a produção, man-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 171

PPRROODDUUÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO eemm hheeccttoolliittrrooss

Localidade 1986 1996 1997 1998 1999

CCaallhheettaa 833 770 760 608 1404 CCââmmaarraa ddee LLoobbooss 53891 33827 29414 25602 31483 FFuunncchhaall 9068 3194 889 552 1499 MMaacchhiiccoo 678 404 323 102 451 PPoonnttaa ddee SSooll 7225 475 205 158 728 PPoorrttoo MMoonniizz 9293 4231 2947 1715 3764 PPoorrttoo SSaannttoo 2412 507 1187 477 367 RRiibbeeiirraa BBrraavvaa 4664 1449 1103 910 1508 SSaannttaannaa 15092 7760 5448 2784 6367 SSaannttaa CCrruuzz 1030 17 60 645 205 SSããoo VViicceennttee 29618 20007 16308 11933 18237

TTOOTTAALL 113377881188 7722664466 5588665500 4444991100 6666002200

Movimento da produção

Não dispomos de dados completos que permitam acompanhar a produçãodesde o século XV. A informação apenas se torna frequente a partir do século XIX.Mesmo assim os dados disponíveis, ainda que avulsos, dão-nos uma ideia do proces-so evolutivo da produção e da importância que a vinha assumiu na economia agrí-cola do arquipélago. Em 1455 Cadamosto realçava a elevada produção de vinho,pois que satisfeitas as necessidades dos residentes se exportam muitos deles.307 Aideia mantém-se no século XVI, referindo Giulio Landi, cerca de 1530, que seexportava vinho, por lá haver em grande abundância.308 Passados trinta e sete anos,outro italiano, Pompeo Arditi, refere que toda a ilha produz grande quantidade devinho.309

Gaspar Frutuoso310 apresenta, para finais do século XVI, o panorama das áreasde produção do vinho da ilha, referindo 1180 pipas. O Funchal era o principal cen-tro produtor onde se encontravam vinhas de muitos vidonhos e de boas malvasias.Aos vinhos de boa qualidade juntavam-se os das Ribeiras do Porto do Seixo, deSanta Cruz e Socorridos, dos lugares de Gaula, Caniço e Câmara de Lobos. A áreade produção de vinhos de inferior qualidade compreendia as localidades da RibeiraBrava, Ponta do Sol, Canhas, Calheta, Jardim do Mar, Machico, S. Jorge, PontaDelgada, S. Vicente e Seixal.

Para o século XVII escasseiam dados sobre a produção. Em 1625311 sabe-se que

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX170

307.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.37. De acordo com o dinheiro da imposição sabe-seque no Funchal se consumiram em 1488 cerca de 439 pipas de vinho [J. M. Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção doMundo Atlântico, Funchal, 1995, vol. I, p.265.].

308.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.83309.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.130310.Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, caps. XV, XVI e XVII.311.ARM, CMF, nº.1323, fl.66, 25 de Outubro de 1625.

312.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.158, 197-198313.Cabral do Nascimento, Documentos para a História das Capitanias da Madeira, Funchal, 1930314.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.341, 351, 366315.J. M. Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico, Funchal, 1995, vol. I, p.269316.Elementos colhidos em quase toda a bibliografia consultada, sendo de destacar Eduardo Grande e a informação apresen-

tada por D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., pp. 30/31.

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40.000 pipas e dão uma média de 20.000. Até 1852, altura da crise da produção dovinho, a Madeira nunca conseguiu estabilizar o mercado exportador, ainda queentre 1833/1846 se tivesse dado um curto incentivo, a quebra é acentuada. Se aolongo do século XVIII e inícios do XIX a crise se apresentava como de sub con-sumo, tendo como ponto de partida as mudanças temporárias do mercado de des-tino em pleno século XIX a crise dominou a produção resultando de vários facto-res e, não unicamente dos patológico-botânicos. Entre 1814/1816 foi evidente a crisena produção, pautada pela estagnação do vinho no mercado local em razão da aber-tura de outros portos exportadores do vinho de França e Espanha.

O período que decorre de 1801/1825 foi marcado por altos e baixos, comosucede em 1806, 1810, 1820. O facto revela o incentivo dado à cultura em razão dasolicitação que o vinho tinha no mercado mundial e ao elevado preço que alcançouentre 1780 a 1810318. A quebra momentânea da procura com a Paz Geral fez-se sen-tir, conduzindo, à crise de sub consumo em 1820/1821, com reflexos na produçãofruto do abandono das vinhas.

O período de 1816/1820 foi marcado por uma ligeira quebra, a que se seguiramanos fartos entre 1821/1827. Isto demonstra que os reflexos da crise nas exportaçõessó se fizeram sentir a partir de 1837. Embora, entre 1831 e 1851 se note uma recu-peração, atingindo-se valores elevados em 1836, o certo é que a produção estava

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 173

tendo-se o último quartel do século com valores médios de 20.000 pipas. Se nosprimeiros anos do século XVIII os dados oscilaram pouco, desde 1730 é evidentea descida, mas é em 1756 que se atinge o valor mais elevado até então, isto é, 35.000pipas.

Desde 1776 entrou-se numa fase descendente, atingindo-se em 1780 valores infe-riores (856 pipas), seguindo-se um momento ascendente em 1781/1782, com umperíodo de estabilidade até 1796, altura em que a subida foi vertiginosa até 1801. Deacordo com os dados de 1787 o arquipélago produziu 22.053 pipas de vinho maiori-tariamente na Madeira, uma vez que no Porto Santo tivemos apenas 179 pipas. Orestante valor era da capitania de Machico com 68%. O concelho de São Vicenteera o principal produtor com 3.898 pipas, seguido do Porto da Cruz com 1245. NoSul o maior volume e qualidade estava no Funchal e freguesias limítrofes, donde saiao chamado vinho de exportação. A afirmação da viticultura na vertente Norte acen-tuou-se na primeira metade do século XIX, mercê da incessante solicitação de vi-nhos para exportação e da destilação nos alambiques. Além disso as medidasproibitivas de entrada de aguardentes de França foram favoráveis à alambicação dosvinhos do Norte, cujas guardentes passaram a fortificar os do Sul.

Os dados reunidos dão conta que a produção entre finais do século XVIII e iní-cios do XIX, o período de apogeu, oscilava entre as 50.000 pipas e as 20.000, comuma média de 30.000317. Acontece que os números disponíveis não ultrapassam as

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX172

Borracheiros.Postal Antigo.

Borracheiros.Estreito de Câmara de Lobos.Foto de José Pereira da Costa

317.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 78-81, 126-130vº; t. 15, fols. 100vº-104.

318.O texto anónimo de um autor francês testemunha o surto da viticultura: On planta des ceps sans interruption de la mer ala montagne et toute la main d’oeuvre disponible fut y employé. La vigne prenait avec une facilité incroyable; même dans leNord elle s’enroulait autor des cataigners. L’ile entiére se transforma en une vaste vignoble. [Rupert Croft-Cooke, Madeira,London, 1961, p.81]

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de Ciências de Lisboa, as perdas foram elevadas sendo contabilizadas em1.137.990$00 réis, fruto de uma quebra de 132.454,7 barris de vinho

A busca desesperada de soluções para debelar a crise levou os agricultores asocorrerem-se dos bacelos de Izabella, resistentes ao oídio, que começaram a chegarà ilha em 1865. Só que eram portadores de uma larva, a filoxera vastatrix, que ata-cou as raizes das videiras europeias fazendo-as definhar.

Não foi fácil a recuperação da cultura. O desânimo do madeirense, o abandonode algumas casas inglesas, a conturbada situação das colónias inglesas, principal des-tino do vinho, fizeram retardar o processo de restabelecimento da cultura. Em 1883apenas 353 ha dos 2500 que a vinha ocupava quando foi atacada pela filoxeraestavam plantados. As estatísticas referem que mais de 80% das vinhas foramdestruídas. Os cuidados com a vinha e a forma de debelar a doença foram morosos.Apenas quatro hectares estavam a ser tratados com sulfureto e as vinhas americanasficavam-se por 40ha. A conjuntura conduziu ao quase total desaparecimento das cas-tas que deram fama ao vinho Madeira. A Malvasia só se salvou na Fajã dos Padres.O panorama da viticultura madeirense mudou passando a dominar as castas amer-icanas. O quadro dos valores da produção em litros, para o quinquénio de 1935-1939, evidencia a total dominância do jacquez com 40% do total.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 175

condenada, ficando comprometida desde 1852 com o oídio. Entre 1852/1859 tive-mos os valores mais baixos de produção, que oscilaram entre 30 (em 1855) e 1.872pipas (em 1858). As décadas de 60 e 70 foram favoráveis à produção, denotando-sea recuperação rápida após os anos de doença. Além disso os efeitos da filoxera(1872) só se fizeram sentir de forma clara em 1876/1877. O vinho estava condenadoe perdia-se na memória dos tempos os anos de abundância e riqueza.

Em 1837 a crise de produção é reflexo da estagnação das três colheitas(1818/1820). A situação conduziu ao abandono de muitos vinhedos e à fuga da popu-lação do campo para a cidade ou a emigração para as colónias inglesas. A crise acen-tuou-se a partir de 1848, caminhando a passos largos até 1851/1852 para um momen-to de forte quebra. Deste modo será errado atribuir ao oídio a origem e princípio dacrise de produção vitícola, uma vez que esta já se arrastava desde 1814 e se eviden-ciou de uma forma nítida desde 1837. Mais, a crise de sub produção do vinho liga-sea outra de sub-consumo que, como já referimos, vinha de 1815, com expressão plena1820. A perda dos mercados das Índias Ocidentais e Orientais não foi, no imediato,compensada com a conquista do nórdico, já invadido e dominado por outros vinhos.

A quebra da produção torna-se mais nítida em 1823, 1826/1827, 1830/1831,1847/1848 e, como é óbvio, de modo acentuado a partir de 1852/1853. No períodode 1852/1861 fez-se sentir, concomitantemente, uma crise de sub produção e subconsumo. A tendência de subida da produção só foi acompanhada das exportaçõesa partir de 1866. Esta coincidência cronológica dos factores patológicos sobre a pro-dução vitícola torna quase impossível discernir as consequências de um e outrofenómeno, uma vez que o efeito de ambos se exerce no mesmo sentido319.

A crise vitícola madeirense diferencia-se da que aconteceu no Douro. NaMadeira desde o primeiro quartel do século XIX tivemos uma forte quebra no volu-me das exportações resultante da contracção do mercado externo, que se acentuoua partir de 1852. A retracção do consumo repercutiu-se na produção, conduzindo auma diminuição acentuada, fruto do abandono do campo pelo viticultor.

PRODUÇÃO POR CONCELHOS-1851-1852

LOCALIDADE 1851 1852

FFuunncchhaall 2.2941,3 2.727,8 SSaannttaa CCrruuzz 2.987,3 400,8 MMaacchhiiccoo 6.034,7 4.946,0 CC.. LLoobbooss 16.417,5 2.911,3 PPoonnttaa SSooll 9.061,0 697,9 CCaallhheettaa 9.146,1 2.127,7 SS.. VViicceennttee 38.972,6 8.566,7 SSaannttaannaa 46.683,2 1.862,2

Total 115522..224433,,77 1199..778899

Tal como informa João Andrade Corvo, no relatório feito em 1854 à Academia

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX174

319.M. H. Pereira, Livre Cambio e Desenvolvimento Económico em Portugal na Segunda Metade do Século XIX, Lisboa, 1971,p. 151. 320.José Tavares, Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, pp.16-17

PRODUÇÃO DE MOSTO POR CASTAS. 1935-39320

CCaassttaass eeuurrooppeeiiaass CCaassttaass aammeerriiccaannaassConcelhos Tinta Listrão Verdelho Boal Moscatel Sercial Malvasia Cunnin- Izabela Herbe- jacquez

Babosa gham montFFuunncchhaall 374.628 38.850 3.121 39.854 5.676 1.359 689.124 109.046 202.974 14.785 1.040.085CC.. ddee LLoobbooss 1.792. 10 315 12.561 334 221 43.065 173 10.432 6.141 63 302.127 PPoorrttoo MMoonniizz 32 26.463 162 33 2.205 968.168SS.. VViicceennttee 49.239 365 558 1.444 140.187 823.616SSaannttaannaa 260 3.173 517.599 122.087CCaallhheettaa 179.559 120 40 785 3.976 28.723 74.162 37.943 108.065PPoonnttaa ddee SSooll 113.584 100 45 3.580 290 68.541 4.679 64.693RRiibbeeiirraa BBrraavvaa 105.136 28 732 17.955 312 1.130 4.245 57.451 1,582 31.317 MMaacchhiiccoo 7 207.131 17.765 6.062SSaannttaa CCrruuzz 14.624 34 28 3.518 27.439 18 28.667PPoorrttoo SSaannttoo 5.328 106.913 125 185

A incidência das castas americanas ocorre nos concelhos do Norte, com especialdestaque para S. Vicente, enquanto as europeias tinham plena afirmação no Sul.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 177

Apenas com o Verdelho e Sercial se altera a situação em favor do Porto Moniz, aprincipal área de ambas as castas. A posição maioritária das castas americanas man-teve-se nas décadas de cinquenta e setenta.

PPRROODDUUÇÇÃÃOO..11993355--22000022

Castas Europeias Castas Americanas TOTALHHll %% HHll %% HHll

11993355--3399 40365 44,5 50367 55,5 90732 11995511 18304 25,6 53328 74,4 71632 11995522 19620 24,4 60911 75,6 80531 11995533 31816 26,7 87399 73,3 119.215 11995544 37474 30,4 85855 69,6 123329 11995555 34887 29,7 82693 70,3 117580 11996666 24134 24,3 75182 75,7 99316 11997711 21340 24.6 65497 75,4 86838 11997755 17887 23,7 57839 76,3 75726 11997788 26921 27,9 69804 72,1 96725 11997799 31453 24,9 85301 73,1 116725 11998800 37702 32,8 77259 67,2 114962 11999900 40258 52,2 36866 47,8 77124 11999911 40934 40,9 59133 59,1 100064 11999922 37799 41,0 54544 59,0 92343 11999944 31082 58,8 21783 41,2 52865 11999977 45546 77,7 13104 22,3 58650 11999988 34587 83,2 6989 16,8 41576 11999999 51028 77,3 14991 22,7 66019

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX176

321.João Brazão, A Reestruturação e Reconversão da Vinha na RegiãoAutónoma da Madeira, in Os Vinhos Licorosos e a História, Funchal,1998, pp. 185-197.

A total reconversão da área de vinha para cas-tas europeias só começou verdadeiramente nadécada de setenta com o impulso e apoio dadopelo Serviços de Viticultura do Governo Regionalda Madeira. A reconversão das vinhas atingiu demodo especial a costa Norte onde dominavam oshíbridos americanos. Tudo isto foi resultado dedirectivas comunitárias que proibiram a partir de1996 os vinhos de híbridos de produtores direc-tos. Só a partir daqui sucedeu a inversão dos val-ores da produção de vinho em favor das castaseuropeias321.

Armazéns de envelhecimento de Vinhos.

Madeira Wine Company

Pipas.Vinhos Barbeito, Ldª

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L

e na Ásia de 10 reis em cada canada de aguardente das que fazem nas terras, debaixode qualquer nome que se lhe dê ou venha a dar. Estava assim criado um novo impos-to que onerava o vinho na produção. O imposto manteve-se por largos anos até 11 deSetembro de 1861, altura em que foi extinto na Madeira e nos Açores323.

O alvará de 1772 e instruções de 1773324 dão conta do modo a seguir na adminis-tração do imposto, tendo em conta as fraudes e subterfúgios que habitualmente sur-giam na arrecadação. As instruções de 1773 especificavam a forma de recolha da colec-ta: As pipas de vinho a 315 reis cada uma e os almudes a 12 reis, as aguardentes a 248reis e os seus almudes a 48 reis, e as de vinagre a 160 reis, e os almudes dele a 6 reiscada hum. Estavam isentos os vinhos produzidos nas cercas, muradas de qualquer con-vento, que diserem respeito às cláusulas deles, como também o fabrico e os casais efazendas, que forem enfiteutas ao cabido da colegiada de Nossa Senhora de Oliveirade Guimarães...325.

De acordo com as instruções de 1773 e alvará de 1772 a arrecadação deveria ser feitapor meio dos juízes ou contadores. Mando que nos tempos em que os vinhos das co-lheitas entrarem nas adegas e os do consumo ordinário nas tavernas sejam obrigadosos donos deles a manifestálos perante os respectivos juízes que farão lançar, por termosestes manifestos nos sobreditos livros, debaixo das penas contra os primeiros do perdi-mento dos vinhos que não manifestarem, ou os manifestarem com diminuição em pre-juízo público, contra os segundos de suspensão dos seus lugares até minha mercê noscasos em que acharem incursos nas negligências de não terem obrigado os donos dosvinhos de colheitas até o fim do mês de Novembro de cada ano. E os que venderemvinhos por meudos antes de os recolherem nas tavernas onde será perdido provando-se que nelas sem ser manifestado, salvos somente os casos que apresentarem certidõese guias com que provem que as imposições serão já pagas pelos primeiros vendedores.O mesmo se observará debaixo das mesmas penas pelo que toca às aguardentes,incumbindo sempre aos ditos respeitos. E em todos os casos os pagamentos, e osencargos as pessoas que fizerem as vendas em grosso os seus armazéns, ou suas ade-gas, como sucede nos vinhos das costas e demarcações do Alto Douro, cujaarrecadação se acha encarregada a Junta da Companhia Geral da Agricultura deles326.

Os juízes ou contadores deveriam ir às terras das comarcas e incumbir ao juiz davara ou o juiz ordinário a diligência de tomarem aos lavradores e mais pessoas delasdebaixo de juramento dos Santos Evangelhos, os manifestos dos vinhos, que cada umtiver recolhido nas adegas e casas de sua morada e isto no acto da revista, que os ditosjuízes devem dar ao tempo das colheitas deles. Obrigando-os outrossim a manifestaremas aguardentes e vinagres que a esse tempo tiverem nas ditas adegas e que pelo ano emdiante fabricarem...327.

No final do mês de Novembro de cada ano os juízes deviam ter concluída a revista

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 179A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX178

323.Vide “Informação Vinícola”, nº 5, 1950, pp. 1 e 3.324.ARM, RGCMF, t. 12, fols. 9vº-12vº.325.Idem.326.Idem, t. 13, fols. 5-7vº.

Subsídio literário

A reforma pombalina dos estudos foi feita para suprir a falta provocada pela extinçãoda Companhia de Jesus, que detinha o controlo do ensino. Com isto acabaram-se ascolectas usadas para tal, mas em contrapartida criou-se um novo direito para financiaro ensino oficial. D. José em 1772322 ordenou que acabassem todas as colectas que forãolançadas para por elas serem pagos mestres de leis, e escrever ou de solfa, ou degramática, ou de qualquer outra instrução de meninos... mando que para a útil apli-cação do mesmo ensino público em lugar das sobreditas colectas até agora lançadas ea cargo dos povos se estabeleça, como estabeleço o único imposto, a saber, nestesreinos e ilhas dos Açores e Madeira, de um real em cada canada de vinho, e de quatroreis em cada canada de aguardente, de cento e sessenta reis por cada pipa de vinagre...

Igreja eColégio dos Jesuítas.

Desenho de E. h. Locker.1805.

322.ARM, RGCMF, t. 12, fols. 5-7vº; ANTT, PJRFF, nº 994, fols. 3-4.

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pagarem, a qual é consequência, porque estes povos não tem todo o acatamento devi-do às ordens régias e menos ideias de utilidade resultante deste subsídio. E por isso énecessário todo o cuidado como em nenhuma outra terra335. Deste modo retornou osistema antigo, moroso e lesivo do colono ou mieiro.

Em 14 de Julho de 1777336 o escrivão da Junta do Subsídio Literário, Vicente LuísNobre, representou ao monarca os inconvenientes da arrecadação em dinheiro e a pos-sibilidade de passar a ser feito em género por meio de contrato. Deste modo seobviaram os inconvenientes devidos à inépcia dos oficiais: Agora devo participar aVossa Mercê que estes povos estão no miserável estado de não poderem pagar, poislhes falta o dinheiro, que aqui é pouco, em vinho muito bem poderião satisfazer, masainda que ordem houvesse para isto, muito trabalhosa seria a arrecadação dedução esó assim por meio de arrematação, arrecadando-se a colecta ou por massa geral, ou porfreguezias como se faz aos dízimos, porque os mesmos rendeiros dos dízimos, os ou-tros administrando e recebendo a colecta em vinho era suavíssima aos lavradores elucrosa à colecta, porque neste continente não se praticão as colheitas do reino que vãopassando dos lagares a encubar nas adegas, mas como as terras estão aqui divididas emporções módicas de colonos, estes pisando suas módicas porções que logo imediata-mente conduzem a meia parte corespectiva ao senhorio para a cidade, nem dão lugara tirar guias, o que é impraticável por ser a condução em barris de dois almudes, ouodres sobre ombros de homens, porque a escabrosidade dos caminhos faz imprati-cáveis outras condições. Ou deixão de pagar a colecta quem só tem 2, 3 e 4 barris oque farião se pagassem o vinho por almudes. E por isso é impossível fazerem os juízesleigos o lançamento como devem, porque não há adegas lá para onde se conduzão, ousão de mercadores, que comprão em mosto, ou de senhorios em que recebem as suasmais partes do rendimento, ficando a outra meia parte, que pertence ao colono noarbítrio deste quando não chega a pipa a ocultá-lo, além de que os oficiais para os lança-mentos são inábeis, e escusão-se com razão pelas longas e falta de possibilidade, porqueas vilas são muito distantes e os oficiais opidâneos são inertes mas assim vão tratandodo modo mais activo que pode ser337.

Noutro documento de 1779338 insistiu-se na má arrecadação e administração dosjuízes nas comarcas: Nem a ilha pelos juízes ordinários rudes que há nas ilhas e que sóo seu sinal mal fazem podem dar conta de semelhante encargo, porque os chamadosà Contadoria Geral da Junta para aprenderem, tanto pela sua inversível ignorância,como pela quotidiana expulsão de uns, entrada de outros, e finalmente pela longitudedas terras e um só escrivão não pode, porque nem tem que viver e menos com quetransitar, porque os moradores são avulsos por não haver na ilha povoações ou lugares,nem os colonos encubam os vinhos em suas adegas, porque não as tem...339. As

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 181A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX180

335.Idem, nº 994, pp. 8/11.336.Idem, nº 994, pp. 8/11.337.Idem, nº 994, pp. 8/9.338.Idem, nº 994, pp. 25/41.339.Idem, nº 994, p. 37.

às adegas e casas dos moradores do distrito de modo a enviarem uma certidão autênti-ca extraída do livro dos ditos manifestos328. A partir das certidões o Provedor fazia omapa geral que enviava à Junta da Administração e Arrecadação do SubsídioLiterário329. Foi este o modelo administrativo aplicado na ilha com a Repartição doSubsídio Literário330.

O sistema de propriedade, assente no contrato de colónia, gerou dúvidas quanto àforma do lançamento e arrecadação do imposto. Não se sabia sobre quem deveriarecair o imposto: o senhorio, colono ou mieiro. Em 1777 o Governador desfez todasas dúvidas por meio de um edital, partindo do princípio que os colonos ou mieirosque, na verdade, são jornaleiros, que as cultivão e recebem a satisfação de seus jornaisas meunças de todos os frutos que colonizão e que os mesmos eram pobres e a acçãode manifesto do vinho os obrigava a deslocações prolongadas e desgastantes, pelo quedecide: Ordeno, que os ditos lavradores, ou sejam proprietários das fazendas, quais sãoos que nelas tem o domínio directo e útil, ou sejam arrendatários delas, quais são osque por certo e determinado tempo e preço tem só o domínio útil, sejam unicamenteos obrigados a manifestarem todo o vinho que produzir cada uma propriedade dasditas fazendas, ou de sua propriedade, ou do seu arrendamento e a pagarem aimposição ou coleta respectiva a todo o dito vinho produzido na sua fazenda sem quesejam contemplados para o pagamento as pessoas, ou colonos a quem os ditos propri-etários ou arrendatários façam à parte ou o todo dos ditos vinhos, ou em pagamento,como é aos colonos, ou em renda, como é aos mercadores que lhes comprão. Ficandolhes sempre o direito salvo (se entenderem que o tem) para haverem dos mesmoscolonos, e dos mesmos mercadores a importância respectiva à coleta que pagarem dosreferidos vinhos, que pelos referido modo lhes entregarem331. Eram os proprietários ouarrendatários que pagavam os direitos do vinho e tinham poderes para deduzi-los dototal da colheita. Em aviso às câmaras de 12 de Julho de 1777332, em consequência doedital, ordenou-se o manifesto dos vinhos. O pagamento era feito em dois quartéis,sendo o primeiro pago logo no início e o segundo a partir de 5 de Novembro333.

Como seria de esperar a medida não teve bom acolhimento por parte dos propri-etários, que se sentiram lesados. Em 27 de Novembro de 1778334 dá-se conta que sendoparcial (o edital) fez causar uma revolução nesta terra que nem a política e o cuidadocom que a Junta fez logo anular o dito edital e influir nos povos, que em nada se altera-ria a cobrança da sua consistência antiga, pode remover a repugnância congénita a

327.Idem, t. 12, fols. 9vº-12vº.328.Idem.329.Para a escrituração existiam vários livros de contabilidade - um borrador, um livro-diário, um livro do mestre, 4 livros de reg-

isto de ordens, e 7 livros auxiliares . Cf. A. F. Germano, O Subsídio Literário e os Estudos Menores - 1772/1782, Lisboa,1969 (tese de licenciatura em História apresentada em Lisboa à Faculdade de Letras), pp. 95/96.

330.Da acção da repartição, guardam-se no ANTT [ANTT, PJRFF, nº 994/1186.] alguns livros que atestam a actividade e nosfornecem elementos importantes para o estudo de determinados aspectos da estrutura da propriedade fundiária na ilha[Idem, nº 1049/1073.].

331.ANTT, PJRFF, nº 995, p. 11.332.Idem, nº 995, pp. 12/14.333.Idem, nº 995, pp. 14/15.334.Idem, nº 994, pp. 26/28.

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maior parte é transportado (o vinho em mosto) para a cidade do Funchal em mosto eno breve espaço da vindima, que dura de 40 a 50 dias, sendo o seu transporte feitoparte por mar e parte por terra, em muito pequenas porções. Nestes termos quais serãoas pessoas encarregadas desta cobrança, que tão breve espaço possam tomar denuncias,receber o pagamento e passar guias e examinar os vinhos que em tão grande quanti-dade entram naquele espaço, assim por mar, como por terra, não só de dia, como denoite. Que confusão e desordem se seguiria em querer embaraçar o expediente destesindispensáveis transportes, quando no campo se não achão adegas suficientes para ovinho, porque a parte dos senhorios, habitantes nesta cidade, toda é transportada paraesta, e a maior parte do vinho dos caseiros, é vendida à bica a infinitos habitantes tam-bém desta cidade para d’onde os transportão.

Em 1787344 procedeu-se à reformulação da lei de 1772 com o novo regimento dadopelo Visconde de Vila Nova da Cerveira e, em 1805345 determinou-se uma nova modali-dade de arrecadação com o recurso aos arrendamentos. Procedeu-se à arrematação dacolecta para os anos de 1805/1807, ficando encarregado Francisco Alexandre Silva. Em1798346 os proprietários negaram-se ao pagamento da colecta, ocultando a quantidade equalidade do vinho produzido, contado para o efeito com a complacência do escrivãoda arrecadação. A 14 de Março347 a Junta recomendou ao Juiz vereador da cidade queexercesse vigilância sobre a acção do escrivão. Neste ano corria um processo contraAgostinho Pedro de Vasconcelos e Manuel Acciauoly, por não ter pago a colecta de1795348, o que prova a maior dureza da Junta após a reformulação do regimento em1787. É também a partir de então que os livros de registo da arrecadação são mais abun-dantes.

Por alvará e edital de 7 de Julho de 1787 isentou-se os vinagres e aguardentes,enquanto os vinhos verdes ou de enforcado pagavam apenas 120 réis por pipa, o queem 1789349 foi abolido, passando a pagar igualmente 315 réis por pipa e 1 real por cana-da. A medida de interditar as aguardentes e vinagres tinha, de certo, em mente umaconsulta de 1779350 que referia aos inconvenientes da colecta sobre o vinagre eaguardente, únicos géneros que faziam mover desta ilha o comércio do Brasil, comér-cio tão suspirado... visto que por indolência dos povos se não tinha com a corte351. Ocomércio era tão pouco que, a manter-se o estanco a favor do imposto, ficaria reduzi-do a nada.

Os dados quantitativos evidenciam a evolução do volume do produto arrecadado ea relação directa com o volume de produção. A partir de 1805 é evidente a assiduidadena marcação dos dados das colectas, facto que deve resultar de as colectas passarem aser feitas por meio de contratos de arrendamento por hasta pública.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 183A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX182

344.Idem, nº 996, pp. 17/18.345.Idem, nº 996, p. 85.346.Idem, nº 995, pp. 63/5.347.Idem, nº 995, pp. 65/68.348.Idem, nº 995, pp. 69/72.349.Idem, nº 996, pp. 24/25.350.Idem, nº 995, pp. 25/41.351.Idem, nº 761, pp. 173/174.

recomendações foram de pouca importância, pois que nada havia sido feito até 1788340

mantendo-se a prática lesiva dos juízes: Estes umas vezes por negligência, incapacidade,outras vezes por ser aquele trabalho sem remuneração alguma deixam passar o ano doseu juizado sem fazer diligência alguma, correspondendo unicamente em cartas erespostas de dúvidas e embarcações, desculpando-se com os procedimentos de seusantecessores ou exagerando a miséria e impossibilidade dos colectados, ao ponto, quequando pela Contadoria Geral se chega a conhecer os fundamentos verdadeiros ouinabilidade, ou descuido dos juízes ordinários, é em tempo que tem findado a sua juris-dição e produz novos motivos de desculpa, que deste modo se amontoam as dúvidas,impossibilitar-se os devedores e se confundem os procedimentos e escrivães, os quaismuitas vezes se aproveitam desta mesma desordem para se servirem dos dinheiroscobrados e espalhados pelas freguezias.

À inépcia dos arrecadantes juntava-se a retracção dos arrecadados e a falta de opera-cionalidade das repartições da Junta na vigilância e controlo, pois a população desta ilhadispersa por branhas e serras, sem lugares ou aldeias, em que não pode caber nadiligência dos exactores vagarem, ainda quando não os embaraçasse, a incapacidade, ecomissão, pobreza...341. À Junta não interessava nem era possível punir todos os infrac-tores, mas apenas os casos mais gritantes, para servirem de exemplo, como então sedizia. A justificação foi mais uma forma de subtrair a responsabilidade directa e definea complacência dos quadros administrativos. A Junta pautava-se pelos seguintes princí-pios: Porque esta tem por dictame castigar poucos para terror de muitos e não destru-ir um corpo desfalecido quando vê que a falta de prontidão nos exactores nasce da mi-séria em que vivem sem os lucros a que esta junta não pode deferir, vendo que os mere-cem pela pobreza em que são obrigados a vagarem por serras e branhas, a desamparemsuas casas e famílias, e a conduzirem consigo o alimento, pagando casas, por não haverestalagens; finalmente porque os mesmos oficiais por falta de rendimento de ofícios,são inertes, por não se aporem a eles alguns hábeis, o que dá causa a não persistirem enunca poder conseguir-se, não manifestos regulares, mas nem clareza desordenada,numa força dos emprazamentos de juízes e oficiais, de que outra consequência algumase tira do que perpetuarem-se nos cárceres, como então alguns sem poder averiguar-sea sua responsabilidade e dívidas342.

Segundo a lei de 1772, que criou o subsídio literário, era necessário proceder-se aosvarejos e guias, aquando da passagem do vinho de uma localidade para outra, de modoa evitar-se as fugas ao tributo e os inconvenientes de uma segunda imposição. A práticaseria difícil de concretizar na ilha, sendo necessárias soluções que se adaptassem aoscondicionalismos locais. A primeira medida foi a obrigatoriedade dos senhorios elavradores ou arrendatários darem conta do vinho produzido e pagarem a respectivasoma aos juízes encarregados da arrecadação. Em consulta de 1789343 justifica-se: A

340.Idem, nº 995, pp. 50/52.341.Idem, nº 994, p. 74.342.Ibidem, nº 994, pp. 76, 91.343.Idem, nº 995, pp. 53/54.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 185A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX184

LLOOCCAALLIIDDAADDEE 11779955 11779966 11880022 11880033 11880044 11880055 11880099 11881111 11881122 11881166 11881177 11881188 11881199 11882233 11882255 11882277 11882288 11882299 11883311 11883322 11883333 11883344

Arco da Calheta 112749 108981 151563 51271

Arco de S. Jorge 65219

Calheta 144403 143036 84208 62774

Camacha 1992 11057 170672

Câmara de Lobos 67744 110130 84209 211708

Campanário 170790 60482 46004 25965 55700 60733

Canhas 87889 26565 99649 18023 48619

Caniço 126334 56406 39523 37022 13936 13463 24153 33550 24099

Curral das Freiras

Estreito da Calheta 115011 108981 279880 75438

E. Câmara de Lobos 215644 149623

Faial 349541

Fajã da Ovelha 22164 13885

Gaula 28004 21418 11341 17588 23136

Jardim do Mar 13892 19374

Madalena 18580 23610 9591 21535

Machico 37551 210509

Monte 50309 45714 61977 59695

Nª Senhora do Calhau 54782

Ponta Delgada 403986

Ponta do Pargo 12840

Ponta de Sol 53072 26020 52633 27008 49403 104171

Porto da Cruz 343364 212135

Porto Moniz 94456 339100 83194

Porto Santo 108582 269757 128512 188172 208012 108847 82419 64968

Prazeres 11478 9441

Ribeira Brava 46944 12282 56332 152396

Ribeira da Janela 108632 71322

Santa Maria Maior 81582 33294 33431 60896 67138 42275 41988

Santa Cruz 144374 68841 31285 63613 52477 93379

Santana 100438 132418

Santa Luzia 93467 99649

Santo António 301570 166495 143095 282370

São Gonçalo 39871 19009 32512 15269 23385

São Jorge 45644

São Martinho 72147 74178 113134

São Pedro 315672 58402 75887 85061

São Roque 82229 52282 86797

São Vicente 351941 269503

Sé 1769 1127

Seixal 169374

Serra de Água 160075 6726 33795 8524

Tábua 35661 63504 21505 6536 25960 26661

SUBSÍDIO LITERÁRIO.

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P

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 187

Os preços

O estudo dos preços torna-se importante na abordagem das flutuações económi-cas e conhecimento do processo histórico no geral352. Guiados por este princípiodecidimo-nos por uma breve abordagem dos preços do vinho. Acontece, que umaanálise do movimento de preços necessita de uma reflexão aturada da dinâmicaenvolvente, uma vez que os números e gráficos, de per si, não são elucidativos e idên-ticos aos movimentos de produção e exportação. Aqui há que ter em conta a relaçãoentre os valores monetário e real, com o ouro e prata. No caso da Madeira devemoster em conta a disponibilidade de prata uma vez que a moeda corrente era a prataespanhola. A moeda circulante na ilha entre os séculos XVII/XIX foi a pataca espan-hola. Estamos perante um facto notável se tivermos em conta a obsessão pelo ouro edos ingleses não terem conseguido inverter a situação353.

A questão financeira dominou as carências do mercado insular sem nunca se terencontrado uma solução satisfatória, reflectindo-se nas crises económicas quesucederam ao longo dos séculos XVIII e XIX. Em 1799354 a situação económica da

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX186

Marcas da firma Cossart Gordon & Co.

352.Como o sugere A. Silbert [Do Portugal do Antigo Regime ao Portugal Oitocentista, Lisboa, 1977, pp. 3/31] no estudo quefaz sobre o movimento dos preços dos cereais em Lisboa desde 1750/1850: Ninguém ignora quanto a História dos preçospode enriquecer a História Geral. Ela permite tirar conclusões suficientemente seguras sobre as flutuações. É indispensávela toda a tentativa de compreensão de um período. Os movimentos longos agem sobre as estruturas ou reflectem as mod-ificações que as afectam. E o jogo combinado das estruturas e conjunturas apresenta muitas vezes a chave das grandestransformações históricas [Idem, ibidem, p. 9.]. V. M. Godinho [Introdução à História Económica, Lisboa, s/d, pp. 87/181, eno Dicionário de História de Portugal, vol. IV, pp. 488/516. Prix et Monais au Portugal.1750/1850, Paris, 1955.] salienta quea importância do estudo do movimento de preços com elemento importante para o estudo de uma dada conjunturaeconómica, tendo para tal feito um estudo, bem elaborado sobre preços. No que foi secundado por M. H. Pereira [LivreCâmbio e Desenvolvimento Económico..., Lisboa, 1971, pp. 189/231.]. Num estudo do movimento dos preços agrícolas nasegunda metade do século XIX, tendo em consideração que por tal meio seria possível verificar a correlação entre as alter-ações produzidas na produção e os preços e entre estes e a exportação.

353.A. Silbert, Madère un Carrefour..., pp. 42/44.354.ANTT, PJRFF, nº 761, pp. 52/59.

Borracheiro. E. C. Lobos.Foto Figueiras.

Photographia Museu Vicentes

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 189

No século XVII o preço de compra do mosto era estabelecido em vereação, deacordo com as estimativas da produção e a qualidade da colheita de acordo com aposição geográfica das vinhas: meias terras acima ou meias terras abaixo362. A desig-nação, que diferencia os preços de acordo com a altitude, desapareceu a partir de 1667.

PPRREEÇÇOO DDOO MMOOSSTTOO..11662200--11666677AAnnoo MMeeiiaass tteerrrraass cciimmaa MMeeiiaass tteerrrraass aabbaaiixxoo

1620 5$500 4$8001625 5$000 6$0001665 5$000 4$5001667 6$500 7$000

O preço de venda à bica do lagar tinha em conta não só a área de proveniênciacomo também o tipo da casta. No Funchal estabeleceu-se a diferenciação entre asmeias terras abaixo e meias terras acima. Depois demarcaram-se as áreas entre S.Gonçalo e Câmara de Lobos e daí por diante até à Lombada da Ponta de Sol363.Quanto à casta sabemos que a Malvasia era a mais valorizada, havendo uma dife-renciação do preço por localidade. Em 1641 uma pipa de malvasia do Caniço, ven-dida à bica do lagar, custava 8$000 réis, situando-se o demais entre 4 e 5$000 réis364.Em 1846 ao barril de mosto de Malvasia da Madalena do Mar valia 3$600 réis,enquanto a dos Anjos, nos Canhas ficava por 2$500365.

PREÇO DO MOSTO POR LOCALIDADE DE ACORDO COM A CASTA.1839-1848

CASTA LOCALIDADE 1839 1846 1848

Anjos 3400 5010Madalena 4200 2400Santa Cruz 4000Arco da Calheta 5000

MALVASIA Jardim do Mar 5500 4000Paul do Mar 7000 5700 4300Calheta 3600Canhas 1800Ribeira Brava 2300

SERCIAL Paul do Mar 5000 3000 3000S. Vicente 3000Jardim do Mar 4500

BOAL Paul do Mar 4000 3200

No século XX as câmaras municipais passaram a diferenciar a qualidade dovinho por sortes. Os preços eram tabelados em 3 sortes:

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX188

362.T. B. Duncan, Atlantic Islands, Chicago, 1972, pp.40-43363.Em 1661 o primeiro vinho valia 8$000 e o segundo 7$000, veja-se João Adriano Ribeiro, Ribeira Brava. Subsídios para a

História do concelho, Funchal, 1998, p.157364.F. Mauro, ob.cit., p.119.365.J. Adriano Ribeiro, Ponta de Sol. Subsídios para a História do Concelho, Ponta de Sol, 1993, p.117.

ilha é resultado do facto de não haver dinheiro girante e em girar o pouco emmoeda castelhana de 200, 100 e 50 reis com vinte e cinco por cento de perda novalor de 160, 804 reis, porque corre fora da ilha quanto ao dinheiro sarrilhado,porque o do Peru ou mechicano se não pesa como devera e como susceptível defurto se vai o povo agravando355. Como solução tivemos a substituição pela moedado reino, o que facilitou as trocas. Em 1813 a falta de dinheiro corrente era crónica,contribuindo para isso as práticas especulativas dos comerciantes: Há aqui nego-ciantes com grandes liquidações em todos os artigos, sem comprarem vinhos, nemletras. Tem estes contra si a presunção de réus na matéria sujeita, minando surda-mente o fundamento principal do comércio, que é a moeda, com prejuízo públicoe particular, pois falta o dinheiro e para paga da Real Fazenda, dos proprietários dosvinhos, falta o giro das letras e por consequência extinta aquela mola real ficamparadas todas as ramificações do bem público e particular. Tão grandes males mere-cem proporcionados remédios356.

Em 1821357 a falta de moeda foi compensada pelo hábito da troca directa, de pro-duto a produto, sendo o vinho a moeda corrente ou a contrapartida à importaçãode comestíveis e manufacturas358. Quando o circuito falhava era o caos financeiropara o agricultor e o momento ideal para o inglês aumentar os réditos, através docrédito aos agricultores. A situação marcou a relação entre o agricultor e o comer-ciante de vinhos e do preço de compra do vinho. A prática dos mercadores inglesesfoi vantajosa, não só porque assegurava uma permanente actividade dos represen-tantes e casas comerciais, mas igualmente porque era um incentivo ao controlo doscircuitos comerciais e preços de compra do vinho. Contra isto manifestaram-se porvárias vezes a Junta e a Câmara. A primeira referência surge em 1722359, dando-seconta que o vinho da Madeira era escoado para o Brasil ou vendido aos ingleses elhe tinham pouca conveniência, porque os ingleses os queriam extrair, comoextraem, por muito inferiores preços e a troco de alguns géneros comestíveis, quelhe tinham pouca conta aos moradores dessa ilha.

Em 1814360 com o tratado de 1810 a dominação inglesa fazia-se sentir de formavincada, tornando o comércio dos insulares passivo: O nosso comércio é absoluta-mente passivo, os ingleses põem o preço aos nossos vinhos e aos seus efeitos. Ocabedal da gente da terra está todo em poder deles pelos longuíssimos prazos, a quetem puxado os pagamentos e para aguentar, ainda, a sua preponderância eascendência comercial trabalham por fazer parar nas nossas mãos, para passar àssuas pelo preço que quiserem um grande excedente de vinhos e não há decertomeio mais adequado para obter este danado fim do que arruinar e obstruir o nossoconsumo interior, que sendo só dos nossos vinhos, emparelha com a exportação361.

355.Idem, p. 55.356.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 59-59vº.357.Idem, t. 15, fols. 263/264.358.ANTT, PJRFF, nº 942, fols. 45, 160; idem, AF, nº 239, fol. 54vº.359.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 59-59vº.360.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79vº/81.361.Em documentos de 1814 e 1817 alude-se ao mesmo facto, vide ARM, RGCMF, t. 14, fols. 87vº, 154-155.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 191A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX190

LOCALIDADE 1821 1822 1839 1844 1845 1846 1846 1848 1850 1851 1852

1ª 2ª 3ª 1ª 2º 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1º 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª

Água Pena 4000 4000 3800 3300 3000 1310 1900 1400 1200 2800 1800 1500 2800 2000 1700 1500 1200Arco Calheta 4.500 45000 3000 2400 2000 1800 1600 1500 1380 1200 1800 1400 1300 1000 800 2000 1600 1200 2000 1500 1200 1200 1000 800Arco S. Jorge 2800 3000 2500 2000 1450 1500 1200 1000 800 1500 1100 1800 1500 3000Boaventura 1000 700Calheta 4000 3800 2800 2500 2000 1800 1600 1500 1380 2000 1800 1400 300 1100 900 2200 1800 1500 2000 2000 1800 1500 1200 1000Camacha 1800 1200 1100 3000 2200Campanário 5600 6200 4000 3200 2500 1200 1500 4000 3500 2500 2200 1800 5000 4500 2500 2000 1600C. Lobos 5600 6000 4000 3000 7000 6000 4000 3500 2500 1500 2400 4700 4000 2000 5300 4500 2500 5400 4000 2500 3800 2500 1500Canhas 3500 3000 2500 2000 1200 1400 1000 800 1100 1800 1500 800 1400 1000 700 2000 1500 800 1800 1500 1400Caniço 4000 4500 4000 3000 2700 2400 1800 1600 1100 1400 2000 1600 1200 1700 1400 1000 2100 1800 1200 2000 1500 1200Curral 2000 100 900 935 1100 800 900 800 1500 1200 1400 1100E. Calheta 3000 3000 2700 2500 2400 1800 1500 1300 1380 1800 1600 1500 1300 1200 1800 1600 1400 1800 1700 1500 1800 1200 1000E. C. Lobos 5500 5500 4000 3000 6600 4500 3000 3500 2500 1800 1700 4500 3000 2000 2800 2000 5000 3500 2500 5100 3500 2000 3500 2200Faial 3400 3000 3000 2500 2000 1600 1300 1000 1200 1700 1400 1100 1200 1100 1000 2000 1700 1400 2000 1800 1400 3000Fajã Ovelha 4000 4500 3500 3000 1500 2000 1800 1000 1220 2900 2000 1500 1500 1200 800 3200 2000 1500 2000 1500 1200Gaula 4000 4000 1900 1500 1000 1400 2000 1600 1200 1600 1400 1000 2000 1800 1200 1900 1800 1300 2000Jardim do Mar 3500 3000 1500 4000 3500 3000 4000 3000 2000 1500 800Lombada 5000Machico 3000 2500 2600 2300 2000 1310 1500 1300 1100 1300 1200 1000 1800 1600 1400 1900 1600 1400 1500 1200 1000Madalena 3500 3500 3400 2800 2000 1800 1500 1300 1120 1800 1500 1200 2000 1600 1200 2000 1800 1500Monte 4500 4500 4200 2000 1700 1900 2200 2000 1600 1200 2600 2200 3000 2600 1500 1200Nª Sª Calhau 5000 5000 4000Paul do Mar 4000 5000 3000 2800 1220 3000 5500 5400 4000 8000P. Delgada 3000 2000 3000 2300 2000 1400 1100 800 1320 1900 1600 1300 2200 1800 1600 3000 4000Porto Moniz 5000 4000 3600 3300 3000 2000 1800 1600 1700 2000 1700 1600 1500 1300 1100 2500 2200 2000 4000 3500 2500P. Pargo 4000 5000 3000 2500 2000 2000 1500 1200 1220 2400 2000 1500 2000 1500 1000 3000 2500 5000 1800 1200P. Sol 3000 3000 2600 2000 1200 1500 1100 800 1100 1900 1400 1000 1500 1200 800 2000 1500 1000 1500 1200 800 2000 1500 600P. Cruz 3200 3000 3400 3100 2700 1600 1400 1000 1500 1600 1500 1200 1600 1500 1300 2000 1800 1500 2000 1900 1800 3200 2000 1500Porto Santo 1410 1600 1500 1400 1300 1200 1100 2000 2400 2300 2200 4200 4000 3800Prazeres 5000 3000 1220 2500 2000 1000 1500 1300 800 2000 1500 1000 1800 1600 1200 1200 1000 800Ota Grande 2000 1600 1300 4000 4000 3000 3000 2000Ribeira Brava 5000 4500 3500 4000 3500 1800 2200 1600 800 1100 2500 2000 1500 1600 1200 800 2000 1600 1200 2600 1500 800 3000 1800 1000R. Janela 3500 3000 3000 2500 2000 1500 1300 1000 1700 1700 1500 1200 1300 1200 1000 2000 1800 1500 2600 2000 1500 3000Santa Cruz 4000 3900 4000 3500 1900 1500 1100 1400 2000 1600 1200 1600 1400 1000 2000 1800 1500 2000 1600 1200Santana 2400 2200 2000 1800 850 709 1230 1300 1000 900 800 1200 1000 1500 1000 2000S. Maria Maior 2500 2200 1800 1910 2800 2500 2000 2200 2000 1600 3000 2500 2200 3300 2600 2200 1000Santa Luzia 4500 4000 1800 1600 1500 1900 2100 1900 2400 1800 1400 2500 2200 2000 3000 2500 2000 1500S. Martinho 5000 5000 4000 2000 2160 3000 2400 4000 4000 6000 3000S. Pedro 5000 5000 3500 2600 2200 1600 2350 3000 2600 2000 2400 1800 1400 4000 3000 2000 4000 3000 2000 5500 2500S. António 5500 5000 2600 2000 2450 3000 2400 2400 1700 3800 2500 4000 2800 3000 2200S. Gonçalo 4500 5000 4000 3000 2300 2000 1400 1910 2700 2200 1800 2000 1800 1500 3300 3000 2800 3300 2800 2600 1500S. Jorge 2600 2100 2000 1000 950 1220 1350 1200 1000 900 800 1200 1000 1400 1300 3000 1000S. Roque 5000 5000 4500 2500 2200 1900 2900 2400 200 1700 3300 2700 3300 2600 2200S. Vicente 1500 1500 2000 900 800 1365 1400 1300 800 700 1100 1000 1500 1500 1000Seixal 3300 3000 2800 2300 2200 1200 1100 1000 1410 1600 1500 1400 1200 1100 1000 1800 1600 1500 2500 200 1800 3000 2500 2000Serra Água 1400 1200 1000 1100 1800 1500 900 1500 1300 800 1900 1500 1000 1600 1200 800 1000Tabua 5000 4600 3000 2500 2800 2000 1400 1400 1000 800 1100 1800 1500 1000 1800 1200 600 1800 1400 1000 1900 1400 1000 2000 1200

PREÇO DO MOSTO POR FREGUESIA.1821-1852

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de 16.000 reis o barril. A quebra acentuou-se, atingindo valores de 3.000 e 8.000reis, igual ao que tivera há cerca de 250 anos370.

Em 1829 pressente-se uma ligeira recuperação a que se seguiu entre 1833/1834uma quebra superior à de 1819/1823, num momento em que a exportação se encon-trava em notável recuperação, se tivermos em conta os anos de 1830/1831. Entre1837/1845 tivemos um aumento acentuado do preço da pipa de vinho, seguindo-sea partir de 1846 uma quebra que se manteve até 1850, altura em que aumentou deforma vertiginosa, como se pode verificar entre 1851/1854371, atingindo em 1863 ovalor de 80.000 reis, regressando em 1875 a valores inferiores. A subida do preçojustifica-se pela permanência da procura pela colheita má, provocada pelo oídio. Aquebra foi provocada pela estagnação em 1878 dos vinhos nos armazéns. Entre1882/1888 a tendência foi novamente para uma progressão descendente372. A subi-da nos inícios da década de noventa prende-se com o facto de se ter retomado aqueima de vinhos para o fabrico de aguardente. Embora em 1893 as perspectivasnão fossem as melhores a tendência desde 1898 foi para subida atingindo mais de30%, fruto do aumento das exportações e consumo local. Acontece que nos anosimediatos o preço desceu devido às colheitas abundantes. O início do século XX foimarcado pela estagnação dos preços dos vinhos superiores, enquanto com os infe-riores do Norte a tendência foi para descida em 1907 e de subida em 1912.

No mercado local o preço do vinho em mosto variava de terra em terra con-soante a qualidade e as castas. Os preços eram tabelados anualmente peloAdministrador do concelho373, de acordo com os condicionalismos de cada área pro-dutiva, sendo a principal diferença entre os preços do vinho do Norte e o do Sul.Em 1783 enquanto os preços do Sul oscilavam entre 60/80.000 reis por pipa, os doNorte ficavam por 30 a 50.000 reis; em 1850 enquanto os do Sul eram vendidos a50.000 os do Norte por 30.000. No que concerne à qualidade do vinho tem-se emconta quatro sortes com preços distintos para a mesma casta. Em 1822 na freguesiade Câmara de Lobos o vinho comum da primeira sorte vendia-se a 6.000 reis aobarril, da segunda a 4.000 e da terceira a 3.000.

As castas, de acordo com a região a que pertenciam, tinham preços variados. AMalvasia do Paul do Mar vende-se a 7.000 reis o barril, do Arco da Calheta a 5.000,da Madalena a 4.200, Santa Cruz a 4.000, dos Anjos a 3.400 (1839). Outra modali-dade de preço era estabelecida consoante a casta. Em 1839 no Paul do Mar temosa Malvasia a 7.000 reis o barril, o Sercial a 5.000 e o Boal a 4.000; em Santa Cruz ovinho ordinário a 3.100, a Tinta e Malvasia a igual preço.

A situação manteve-se no século XX apontando-se, em muitos dos casos, a ati-tude dos chamados partidistas que se substituíram aos ingleses. A depreciação dospreços de compra do vinho era uma forma de exploração, tanto mais evidente

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 193

Para o período de 1699 a 1863 temos informação dos preços da pipa de mostovendida à bica do lagar no concelho de Machico366:

PPRREEÇÇOO DDOO MMOOSSTTOO EEMM MMAACCHHIICCOO.. 11669999--11886633

Ano 1ª sorte 2ª sorte 3ª sorte

1699 13$000 10$000 6$0001700 9$000 7$500 5$0001712 11$000 7$000 4$0001799 48$000 36$000 30$0001800 56$000 54$000 48$0001814 80$000 75$000 70$0001815 100$000 80$000 70$0001823 25$000 22$000 20$0001829 30$000 26$000 21$0001833 18$000 16$000 13$0001834 19$000 16$000 12$0001850 18$000 16$000 13$0001851 19$000 16$000 14$0001860 50$0001863 80$000

A partir do quadro da evolução global do movimento de preços é possível con-statar a influência dos factores atrás enunciados. Partindo dos dados disponíveisvamos acompanhar a evolução dos preços do vinho. Desde 1615 a 1815 a tendênciageral foi para uma subida acentuada que se evidenciou nos anos de 1810/1815. Ofacto revela a importância que ganhou no mercado colonial consumidor. O períodode 1810/1815 define-se por valores elevados marcando um dos momentos mais sig-nificativos do comércio e valoração no mercado internacional. Em 1813 atingiu-se opreço mais elevado. A situação é tanto mais saliente, se tivermos em consideraçãoque a produção de 1812 foi das mais profícuas (40.000 pipas) correspondendo tam-bém a uma exportação de valor elevado (22.000). A quebra do preço em 1814 só setorna compreensível com a descida acentuada das exportações, pois que o volumede produção é reduzido, acentuando-se em 1815, o que provocou um aumento dopreço.

A partir de 1819 a tendência foi para descida, que se acentuou em 1823 e1833/1834. No primeiro caso a situação explica-se pela estagnação da colheita dostrês anos antecedentes por falta de escoamento367. Estava-se num momento de fartascolheitas e de contracção do mercado do vinho. A conjuntura vintista não foi favorá-vel à viticultura madeirense. A contenção das pipas de vinho vinha-se verificandodesde 1819368, acentuando-se em 1821369 com a estagnação de 20.000 pipas de vinhonas adegas. A quebra do preço foi elevada, ficando reduzido a 1/3 do de 1817, cerca

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX192

366.Zita Cardoso, Machico. Cidade Histórica, Machico, 1996, p.32367.A. Silbert destaca a mesma conjuntura de crise no reino, vide, Le Problème Agraire Portugais au Temps des Premières

Cortes Libérales, Paris, 1968, pp. 37/9.368.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 198-199vº369.Idem, t. 15, fols. 263-264, 100vº-104.

370.Idem.371.Coincidindo com igual subida coincide com igual subida do vinho do Porto conforme salienta M. H. Pereira, ibidem, pp.

223/229.372.Idem, t. 14, fols. 263-264, 100vº-104.373.ARM, RGCMF, t. 18, fols. 97/98.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 195A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX194

374.Eduardo Atonino Pestana, Ilha da Madeira. II. Estudos Madeirenses, Funchal, 1970, pp.233-238; Eduardo Pereira, Ilhas deZargo, vol. II, pp. 583-589.

375.Cf. Benedita Câmara, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002, pp.139-140376.Estatutos da Real Associação Vinícola da Madeira. Sociedade Cooperativa, Anonyma, Responsabilidade Limitada. Fundada

na Cidade do Funchal em 19 de Janeiro de 1900, Funchal, 1900.

quando se estabelecem comparações. Antes da Primeira Guerra Mundial a pipa dovinho do Porto valia 70$, quando o Madeira não ultrapassava os 20$, inferior aopreço dos chamados vinhos de pasto do continente374.

Os madeirenses estavam dependentes dos interesses das casas de vinho inglesasque fixavam os preços. Em finais do século XIX a casa Cossart Gordon Lda., umadas principais no comércio de vinho, era quem de forma arbitrária estabelecia opreço. Aliás, o senhor Cossart era considerado o rei do comércio do vinho daMadeira.375 Para combater o poder discricionário dos estrangeiros insistiu-se na cri-ação de uma associação de viticultores, o que veio a suceder em 1900 com a RealAssociação Vinícola da Madeira, que teve apenas um ano de vida.376

O estabelecimento do preço manteve-se durante muito tempo ao livre arbitriodos comerciantes e partidistas. A partir de 1835 a classe de Exportadores de Vinhoda Madeira, da Associação Comercial do Funchal, anunciava os preços de compra.O preço começou por ser determinado anualmente antes da vindima pelo GovernoCivil. Todavia, a partir da década de quarenta do século XX o Ministério daEconomia interveio através da delegação da Junta Nacional do Vinho, que determi-nava o preço do mosto, mas depois voltou-se a situação arbitrária da determinaçãodo preço pelos compradores.

No sentido de combater a situação foi manifesto o empenho de algumas autori-dades. Foi o caso do empenho do Agrónomo António Teixeira de Sousa na criaçãode Adegas Regionais, com a função de regular o preço de mercado e de salvaguar-da dos interesses dos agricultores em época de vindimas excedentárias. A primeiraadega foi montada no Porto Santo em 1956, seguindo-se no ano imediato outra emCâmara de Lobos.

Com a criação do Instituto do Vinho da Madeira, desde 1979, ainda se avançouem consonância com a Mesa de Vinhos da Associação Comercial do Funchal, como tabelamento do preço de compra do mosto, mas hoje a opção é livre, intervindoo IVM apenas na determinação da data da vindima e na fiscalização.

Na década de setenta do século XX generalizou-se o uso de aquisição das uvaspor parte das empresas, passando o preço a ser estabelecido por kg e graduaçãoalcoólica do mosto. Para uma vindima com 10º Baumé o preço de compra pelasempresas da Tinta negra mole ao kg era o seguinte:

1974: 11$20 1979: 35$001975: 10$88 1980: 40$001976: 12$00 1981; 44$001977: 17$00 1982; 44$001978: 24$00 1983; 54$20

Sistema de engarrafamento manual. Artur Barros & Sousa Ldª

Sistema de engarrafamentoautomático.Justino & Henriques, Ldª

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CAs lojas e os serrados

A partir do texto de Henry Vizetelly377 edas gravuras que adicionou de Ernest A.Vizetelly é possível conhecer algumas cons-truções que serviram para de adegas paraabergar o vinho. Aqui são descritas as insta-lações de algumas das mais importantes fir-mas: Cossart, Gordon and Cº, KrohnBorthers & Cº, Blandy Brothers, Leacockand Company, Henry Dru Drury, Henriquesand Lawton, Mrs Welsh, R. Donaldson andCº, Meyrelles Sobrinho e Cia, Henrique J. M.Camacho, Augusto C. Bianchi, Sr. Cunha eLeal Irmãos e Cia.

Em todos é evidente a mesma definiçãodo espaço. Uma fachada imponente, que dáentrada para um grande pátio coberto de lata-da, que serve de logradouro comum às diver-sas arrecadações: as lojas de fermentação eenvelhecimento do vinho, a oficina detanoaria e a estufa. O bom gosto com quealguns souberam combinar as diversasdivisões e o cuidado que lhes atribuíam nãoforam ignorados por Henry Vizetelly que nacasa Blandy Brothers é levado a afirmar queestava perante um verdadeiro museu devinho.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 197A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX196

Os complexos vinícolas

377.Facts About Port and Madeira. Londres, 1880

Fachada dos armazéns deBlandy Brothers no Funchal.

Peretrellos Photographos.Museu de Photographia Vicentes.

Princípios do século XX

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A oficina de tanoaria assumia um papel relevante no quotidiano estando emrelação directa com a importância da casa378. Maior número de pipas com vinho aenvelhecer implicava um aparato enorme de operários preparados para reparação,como para proceder à construção de novas para envelhecimento e embarque dovinho. Acresce, ainda, que, até meados do século XIX, o sistema ordinário de trans-porte do vinho para os principais mercados era estes recipientes de madeira, feitos emdiversos tamanhos: pipas, quartolas, barris e barrilinhos. Embora esteja documentadoo uso das garrafas nas exportações foi muito tardia a plena afirmação. Muitas das pipasretornavam à origem em peças de aduela, poupando-se espaço nos navios.

O vasilhame de madeira usado no transporte, vinvificação e envelhecimento dovinho, era quase todo fabricado na ilha. Para isso usava-se habitualmente asseguintes vasilhas:

TIPOS CAPACIDADE

Tonel 750 a 2500 litrosPonche 630Pipa 550Meia pipa 210Quartola 105Barril de mosto 50

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 199A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX198

Antiga oficina deTanoaria da

Madeira WineCompany nas adegas de S.

Francisco.[Colecção do autor

, 1998]

A tanoaria

378.Cf. Lília Mata, Ofícios Tradicionais: os Tanoeiros, in Islenha, 12, 1983, pp.97-105.

Antiga oficina de Tanoariada Madeira Wine Company nas adegas de S. Francisco.[Colecção do autor , 1998]

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AAnnoo OOrriiggeemm PPaaccaass AArrccooss AAdduueellaass MMoollhhaaddaassPipa Quarto Quartola (molhos) Pipas quartos

1827-28 Filadélfia 10Liverpool 300 300 197 1.192Londres 621 342 329 7.230Newport 160Neverson 60 20Nova York 125 160Garnizé 37Estad. Unidos América 15.919

1829-30 Filadélfia 109Liverpool 2.072Londres 404 100 2.307Dublin 25 125 20 4Bristol 1.498Nova York 464 636 760Hamburgo 218

As peças de tanoaria importadas tinham preço de venda ao público publicitadonos jornais:

PPRREEÇÇOO DDEE VVEENNDDAA AAOO PPUUBBLLIICCOO DDOOSS MMAATTEERRIIAAIISS DDEE TTAANNOOAARRIIAA..11883366--11883388

PEÇAS 1836 1838

Aduela de pipa(milheiro) 120$000 a 130$000 120$000 a 130$000Aduela de quarto(milheiro) 85$000 a 90$000 70$000 a 80$000Aduela de quartola(milheiro) 45$000 a 60$000 60$000Arcos de ferro(quintal) 4$000 a 4$500 4$000 a 5$000

FONTE: Flor do Oceano, 71, 1836; A Chronica, nº.18, 1838

O convento de Santa Clara dispunha de uma ampla adega no Funchal e outrasdispersas por toda a ilha, de forma a poder armazenar o vinho que lhe pertencia.Em 1667 são referidas 161 pipas para uso corrente283. Ora isto implicava a existênciade uma importante oficina de tanoaria. As aduelas eram preparadas até fim do sécu-lo XVII com madeiras de S. Vicente, passando a partir daqui a depender demadeiras importadas da Grã-Bretanha284.

O tanoeiro, para além do serviço de apoio às lojas de vinho, tinha também ocu-pação no apoio às embarcações que demandavam o porto. O trabalho era duplopois o vasilhame era usado para manter as reservas necessárias de água potável abordo. Em 1566, de acordo com o livro de posturas de Lisboa, tanto faziam as pipasno porto de Lisboa, como nos da Madeira, Castela e Algarve285. Em 1698 aProvedoria da Fazenda pagou aos tanoeiros 26.110 réis pelo concerto de 98 pipas deágua da fragata Nossa Senhora das Hortas, vinda de Lisboa286. O trabalho do

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 201

A partir do registo de exportação de vinho é possível fazer uma ideia do vasi-lhame necessário para o processo de vinificação e transporte do vinho aos princi-pais mercados. A maior incidência, no século XVIII, estava nas pipas, mas na cen-túria seguinte as vasilhas de capacidade inferior ganharam importância. De acordocom os dados da exportação de 1784 a 1787 as embarcações transportavam emmédia 80 pipas.

AAnnoo TToonnééiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass1784 8358 41785 11498 11786 6556 41787 10831 21831 42 3182 280 34151832 39 3515 3522

As madeiras usadas na construção do vasilhame tinham várias proveniências. Ailha fornecia alguma de vinhatico, aderno, castanho e carvalho, mas a maior parteera de importação379. Das florestas do Báltico, até à Revolução Russa, vinham as adu-elas preparadas de carvalho negro, o mesmo sucedendo com as de carvalho e faiade Nova Orleães e Charleston. A maior frequência de madeiras é dos EstadosUnidos da América380. No período de 1727 a 1810, temos a entrada de 181 embar-cações com aduelas381. Da Inglaterra e da Irlanda evidencia-se a maior constânciaaduelas e arcos, mas também de pipas e outro vasilhame. Estamos perante o retornodo vasilhame usado no transporte do vinho. No período de 1727 a 1810 foramdeclaradas na alfândega 238 embarcações com aduelas e arcos e 147 com pipas eoutras vasilhas.382

II IIMMPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE MMAATTEERRAAIISS DDEE TTAANNOOAARRIIAA-- 11881199--2288

AAnnoo OOrriiggeemm PPaaccaass AArrccooss AAdduueellaass MMoollhhaaddaassPipa Quarto Quartola (molhos) Pipas quartos

1819-20 Nova York 24.309Londres 275 73 105 10Canárias 1.200 191 3Liverpool 55 55 10

1821 Filadélfia 1.389Bordéus 221Liverpool 223 20 10 2.189Leithe 100Londres 2.900

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX200

379.Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.138380.Importa-se madeira incluindo tábuas para barris, sobretudo da América. [Alfred Lyall, Rambles in Madeira…, London, 1827,

in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.348]381.J. J. Abreu de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727 a 1810. Alguns Aspectos,

Funchal, 1989., pp.146-148382.J. J. Abreu de Sousa, ibidem., pp.138-141.

383.ANTT, Convento de Santa Clara, maço 2, 10 de Maio de 1667.384.Otília R. Fontoura, As Clarissas na Madeira, Funchal, 200, p.100.385.Livro das Posturas Antigas, Lisboa, 1974, p.363386.ANTT, PJRFF, nº.969, fl. 114vº-115vº.

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PREÇO DO VASILHAME. 1884-1740

Ano Barril Quartola Pipa Tonel

1664 1$0001667 1$6661670 $320 $6001690 2$0001720 1$8001740 $290 1$500Fonte: ANTT, Convento da Encarnação, nº.14-15; ANTT, Convento deSanta Clara, maço. 2; ARM, Capelas- inventário, maços: 15, 20, 36

O ofício de tanoeiro assumiu desde o século XV uma importância relevante noquadro dos ofícios do Funchal, estando representado na Casa dos Vinte e Quatrocom dois oficiais388 e tinha lugar cativo na procissão do Corpo de Deus, sendo elesquem levavam a torre389. A arte da tanoaria era de prestígio na sociedade fun-chalense390. O juiz de tanoeiro tinha a obrigação de controlar a capacidade do vasi-lhame feito pelos companheiros de ofício, sendo a marca da corporação a garantia.Na Ribeira Brava um destes, por nome António Rodrigues Jardim, terá construídouma capela da invocação das Almas, que hoje já não existe.

A Funchal era o local onde se concentravam-se as oficinas de tanoaria, quecomeçaram a funcionar de forma isolada. Com o desenvolvimento das casas co-merciais do vinho, a partir de meados do século XVII, passaram a estar próximasou incorporadas nas adegas. A Rua dos Tanoeiros existe desde o século XVI391.

Num inventário dos ofícios de 1863 sabemos que dos 52 tanoeiros existentes emtoda a ilha 46 eram do Funchal392.

Funchal. 46Calheta. 3Câmara de Lobos. 1Porto Moniz. 1S. Vicente. 1

Henry Vizetelly393, no relato que faz da situação da vinha e do vinho da Madeiraem finais do século XIX, destaca a importância de algumas oficinas de tanoaria,associadas a empresas, descrevendo a da firma Cossart Gordon & Co: Aqui observá-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 203

tanoeiro era bem remunerado. Assim em 1671 o conserto de um barril custou 500réis ao Convento da Encarnação, quando apenas um novo poderia valer 320 réis287.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX202

Oficinas em plena Rua de João Esmeraldo.

Gravura de 1850.

387.ANTT, Convento da Encarnação, nº.14 fls.58vo, 61

388.Alberto Vieira, O Município do Funchal (1550-1650), in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira.1986, Vol.II, Funchal, 1990, pp.1056-1057.

389.Bernardete Barros, A Festa Processional, “Corpus Christi”, no Funchal (séculos XV a XIX), in Actas do I ColóquioInternacional de História da Madeira. 1985, Funchal, 1989, vol. I, p.348

390.Diz-se que os barris da Madeira são os melhores do mundo; säo todos feitos na ilha e os tanoeiros formam uma corporaçäoque tem privilégios especiais. Säo os únicos trabalhadores autorizados a exercer a sua actividade na rua. [Alfred Lyall,Rambles in Madeira…, London, 1827, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,p.348]

391.Álvaro Manso de Sousa, Ruas do Funchal (Notas para o Estudo da Toponímia Citadina), in DAHM, nº.510, 17 de Julho de1949, p.279.

392.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito deLeiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.10

383.Facts about Port and Madeira…, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, pp. 375-399]

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aguardente394.Em 1910 são referidas apenas 10 oficinas de tanoaria, mas os operários do ofício

deveriam ser em número mais elevado, uma vez que em 1913 foi criada aAssociação de Tanoeiros do Funchal, com 124 sócios. Na década de vinte sãorecenseados duzentos operários relacionados com a actividade de tanoaria395.

Hoje a profissão está em vias de extinção e são poucas as empresas que continu-am a manter e valorizar as oficinas de tanoaria. Os recipientes de aço inoxidável reti-raram-lhe parte do protagonismo. O vasilhame de madeira é apenas usado para oenvelhecimento dos vinhos no canteiro. E mesmo aqui a aposta continua a ser noscascos velhos, já preparados para receber o vinho.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 205

mos pipas a serem feitas precisamente do mesmo modo que o utilizado no Jerez,talvez com a excepção do cutelo que os homens manejam tão destramente ser umpouco mais pesado e desajeitado do que o que é usado pelos seus irmãos da mesmaconfraria do Jerez. Os tanoeiros do Funchal trabalham à peça e cada pipa, que é cer-tamente um artigo bem executado, custa qualquer coisa como algumas libras. à voltada tanoaria havia pilhas de aduelas de carvalho Americano, já preparadas ou embruto, enquanto no centro do terreno havia barracões onde as pipas são medidas,marcadas com ferro quente, escaldadas e submetidas à acção do vapor de água, bemcomo alguns grandes reservatórios. O espaço vago entre os barracões e os armazénsestá ocupado com filas de pipas de vários tamanhos, acabadas de vir da tanoaria,passando aqui por um período de habituação com água. Quando sito está termina-do, as pipas são transferidas para o armazém de Avinhar, sendo lá enchidas comvinho comum, que permanece dentro delas durante dois ou três meses. Nestesarmazéns há sempre em uso para este fim entre oitenta e cem pipas de vinho, o qualdepois de usado muitas vezes não está mais adequado e é destilado em

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX204

Antiga oficina de Tanoariada Madeira Wine Companynas adegas de S. Francisco.[Colecção do autor , 1998]

Antiga oficina de Tanoariada Madeira Wine Company

nas adegas de S. Francisco.[Colecção do autor , 1998]

394.Facts about Port and Madeira…, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, pp. 389]

395.Peres Trancoso, O Trabalho Português, I Madeira, Lisboa, 1928, pp.119-123

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Mjas usadas na venda de líquidos. As botijas de arroba deveriam ter capacidade para7 canadas e meia, enquanto a botija de meia arroba equivaleria a 3 canadas e 3 quar-tilhos400. Ao mesmo tempo determinou-se a capacidade do vasilhame usado notransporte do vinho.

A imposição do vinho determinava, ainda, algumas regras sobre a forma devenda do vinho ao público nas tabernas. Em 1485401 o almude passou de 12 para 13canadas, sendo a referida canada para a imposição. Já em 1637402 o almude, que erade 14 canadas, passou para 15.

O barril, para carregar o mosto, deveria ser de 27 almudes, sendo a pipa equiva-lente a 12 barris de 3 almudes e 1 de 2 almudes403. De acordo com postura de 1842o barril do carreteiro deveria medir 19 canadas e meia404, mas, passados sete anos, obarril de mosto era de 2 almudes e meio405, enquanto o usado pelos taberneiros erade 2 almudes e 1 almude. Aqui, diferenciava-se a canada de aguardente da de vinho,pois a primeira era de 7 canadas, enquanto a segunda de 14 canadas406. Em meadosdo século, José Silvestre Ribeiro refere distintas medidas. Assim, o barril de mosto,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 207

Medidas do vinho

A Historiografia testemunha o pouco interesse votado à Metrologia Histórica.Entre nós é uma realidade ignorada, assumindo importância significativa em estu-dos de História económica396. Até à reforma dos pesos e medidas de 1865, que esta-beleceu a uniformização para o todo o país, a cada região correspondia um sistemade medição distinta. Aqui devemos considerar dois tipos de medidas usadas no con-sumo e comércio que, por vezes, não eram coincidentes.

A regulamentação das medidas era uma prerrogativa do poder municipal,estando definido de forma clara a intervenção, quer nas posturas, quer nasvereações397. O município, através dos almotacés e afiladores, procedia ao afilamen-to das medidas usadas nas lojas de venda ao público como de transporte e expor-tação. Em 1789 foi provido no cargo de marcador das pipas António José DrumondNovais e Henriques, uma vez que o cargo estava na posse da família398.

A venda do vinho ao público só poderia ser feita por almudes estando proibidoo uso de jarras e botijas399. Em 1547 a vereação determinava a capacidade das boti-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX206

Medidas.Exposição de1988.Colecção do autor

Medidas.Exposição de1988.Colecção do autor

396.Confronte-se Witold Kula, Las Medidas y los Hombres, Madrid, 1980; Manuel Lobo Cabrera, Monedas Pesas y Medidas enCanarias en el siglo XVI, Las Palmas, 1989.

397.José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, Funchal, 1998, p.98-99.398.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.46399.José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Primeira Metade do Século XVI, Funchal, 1998, p.286

400.Ibidem, p.393.401.IARM. CMF, t.1, fls.22-24vº402.IARM. CMF, t.6, fls. 26-31vº, 16 de Março.403.Iibidem, p.392.404.IPosturas da Câmara Municipal do Funchal, Funchal, 1849, pp.57-60; Posturas da Câmara Municipal da Cidade do Funchal,

Funchal, 1895, p.49405.ISérvulo Drummond de Menezes, Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, Funchal, 1850, pp.49-61.406.IPosturas da Câmara Municipal da Villa de Machico, Approvadas pelo Concelho de Distrito em 5 julho 1856, Funchal, 1856,

p.13.

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A uniformização das medidas nunca foi alcançada na plenitude e ainda hoje per-sistem as antigas em alguns lugares, como é o caso do Porto da Cruz, onde é notóriauma diferença quanto ao barril. De acordo com Eduardo Pereira415 o barril apre-sentava uma medida distinta nos concelhos da região:

CCaappaacciiddaaddee LLOOCCAALLIIDDAADDEESS ddoo bbaarrrriill 4455 lliittrrooss C. de Lobos, E. de Câmara de Lobos, Curral das Freiras, Funchal, Porto Santo 5500 lliittrrooss Arco de S. Jorge, Boaventura, Calheta, Faial, Ponta Delgada, S. Vicente 5566 lliittrrooss Porto Moniz, Ribeira da Janela, Seixal, Achadas da Cruz

A necessidade de definir uma medida padrão, de forma a evitar o dolo, levou aque ficasse assim estabelecido:

DDEESSIIGGNNAAÇÇÃÃOO CCAAPPAACCIIDDAADDEE

TToonneell 50 pipasPPiippaa ccaarrrreetteeiirraa 5 00 litrosPPiippaa ddee eexxppoorrttaaççããoo 418QQuuaarrttoollaa 105BBaarrrriill 45 a 50 litrosVVaassiillhhaass 20 a 1 litroAAllmmuuddee 25 litrosCCaannaaddaa 2 litrosGGaallããoo 4,5 litros

Acontece que na construção do vasilhame de madeira torna-se difícil, senãoimpossível, ao tanoeiro conseguir acertar com a medida atribuída. Desde temposrecuados ficou estabelecido que o tanoeiro deveria marcar a medida exacta. Existiamesmo alguém que recebia o encargo de proceder à aferição do vasilhame. De acor-do com postura de 1587, uma pipa ou barril que fosse concertado deveria ser nova-mente afilado e confirmado por contra marca416.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 209

a Sul e a Norte, era de dois almudes e meio, e o de vinho limpo ficava igual noNorte, sendo reduzido para 2 almudes no Sul. Também no barril anota algumasdiferenças, de acordo com o tipo de medida de almude usada. Em S. Vicente ePorto Moniz o barril era de 35 canadas de folha, enquanto no Sul as mesmas debarro. Atente-se que doze canadas de folha equivaliam a catorze de barro407.

A pipa de vinho, normalmente de 30 almudes, distingue-se consoante fosse demosto ou vinho limpo. A diferença era de menos 4 almudes para o vinho limpo.Acontece que no Porto a de mosto tinha 25 almudes e a de vinho claro 26 almudes.Já em Machico a pipa tinha a capacidade única de 10 barris de 2 almudes408.Também se diferencia a pipa carreteira da de embarque. A primeira media 418litros e a segunda 500 litros, equivalendo a 92 galões ingleses409. Todavia em 1755410

o Conselho da Fazenda determinou que as pipas de exportação do vinho Madeiradeveriam ser de 23 almudes. Anotam-se ainda outras medidas para a pipa, que tantopoderia ser de 389,95 litros ou de 429 litros411.

As medidas usadas tanto podiam ser de barro, folha e, em alguns casos demadeira. Entre o almude de barro e o de folha havia uma diferença de duascanadas412. A afilação das medidas passou a fazer-se desde 1484 de acordo com aforma que se fazia em Lisboa, sendo obrigatório. O vinho só podia ser medido poralmude que deveria equivaler a 13 canadas.

Paulo Dias Almeida413 apresenta, em princípios do século XIX, o quadro dasmedidas usadas na Madeira.

MMeeddiiddaa EEqquuiivvaallêênncciiaa CCaappaacciiddaaddee eemm lliittrrooss

CCaannaaddaa 1 e ? almude 2,0 GGaallããoo 4,5 AAllmmuuddee 48 quartilhos ou 22 canadas 25,0PPiippaa 23 almudes 375,0TToonneell Pipa e meia 562,5

A equivalência das diversas medidas foi estabelecida em 1865414.

Tipo Funchal C. Lobos P. de Sol Calheta S. Vicente Santana Machico S. Cruz P. Santo

Meio almude 9 8,85 9,29 9,08 9 8,88 8,81 Canada de folha 1,5 1,47 1,46 1,46 1,47 1,47 1,5 1,45 1,45 Canada de barro 1,286 1,27 1,24 1,34 1,3 1,286 1,25 1,27 Meio pote 4,34

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX208

407.IAlberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.172408.ISérvulo Drummond de Menezes, Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, Funchal, 1850, pp.49-61409.IElucidário Madeirense, vol. II, 1978, p.80.410.IAlberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.20411.IPauta Geral das Alfândegas do Continente de Portugal e Ilhas, Lisboa, 1885, p.44, Inquérito sobre a Situação da Ilha da

Madeira, Lisboa, 1885, pp.183-185412.IIbidem413.IRui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.99414.IMappas das Medidas do Novo Systema Legal Comparadas com as Antigas nos Diversos Concelhos do Reino e Ilhas,

1868, pp.129-131415.IIlhas de Zargo, vol. II, Funchal, 1967, p.586.416.IArquivo Histórico da Madeira, vol. I, p.75

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tufas encontram-se os vinhos mais baratos da Messrs. Krohn Brothers and Co. - umMadeira absolutamente leve variando entre 26 e 30 libras por pipa - armazenados noandar superior; enquanto no andar de baixo, trabalhadores com as habituais camisascompridas, estão a preparar um carregamento de um puro vinho seco de sabor suavepara o mercado Holandês, trasfegando a bebida alcoólica para grandes jarros de cobre.

No rés-do-chão deste armazém há barricas de aguardente e de vinhos acabados devir da estufa, à espera de serem melhorados antes de passarem para outros armazénsmais espaçosos, situados numa rua contígua. Estes últimos compreendem um rés-do-chão e dois andares superiores, cada um formando um vasto compartimento iluminadopor grandes janelas em cada uma das extremidades, e com filas de pilares de pedra adividi-lo em três partes. Aqui, a firma recebe as suas aquisições de mosto, sendo depo-sitadas no armazém, no rés-do-chão do prédio.

No primeiro e segundo andares do prédio de que temos estado a falar, são armazena-dos vinhos de qualidade mais baixa e intermédia, sendo um dos melhores um «Verdelhofino» de sabor delicado e de agradável aroma, com alguns vinhos novos que prometemtransformar-se em Madeira de alta categoria. Depois de visitarmos vários outros arma-zéns, onde são guardados lotes de vinho diverso, incluindo um recentemente arrendadopara armazenar uma parte das aquisições da firma de mosto novo, passámos para o anti-go armazém onde a Messers. Krohn tem reunidos os seus melhores vinhos. Entra-seneste venerável armazém através de um estreito pátio pavimentado, e os vários andares,com as pesadas cargas que têm que suportar, estão apoiados em fortes vigas. As gran-des pipas têm pequenas chapas pretas penduradas, indicando o seu conteúdo.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Aound Lisbon and theWines of Tenerife, London, 1880

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 211

Krohn Brothers and Co.

Em frente da casa espaçosa onde está instalada a casa da contabilidade - uma constru-ção pomposa com uma alta torre central com telhado, com as habituais barras de ferroem todas as suas janelas mais baixas e varandas ornamentais nas de cima -, uma baixapassagem em arco conduz a um pátio pavimentado onde estão dois carros de bois espe-rando à sombra para transportarem algumas pipas de vinho para a praia. Em frente àentrada de onde as pipas são trazidas a rolar, ficam as estufas da firma, um compactoprédio de dois andares, encimado por um compartimento espaçoso com os lados e otecto em ferro. Este é a Estufa do Sol, na qual sessenta pipas de vinho podem ser sub-metidas à influência dos raios de sol ao mesmo tempo. Nos dois andares da estufa pro-priamente dita, o primeiro dos quais tem entrada pelas traseiras. - ficando ao mesmo níveldo pátio devido à inclinação do solo - cerca de 500 pipas podem ser empilhadas, eamadurecidas através de calor artificial, provocado, como já foi explicado, por serpentinasque passam pelo interior do prédio. Perto da estufa fica uma pequena estrutura que con-tém os utensílios do empacotador para a exportação de amostras, os ferros de marcar,etc. A fornalha propriamente dita confina com a fresca tanoaria com sombra, no lado direi-to. Por baixo de um grande alpendre, na parte traseira do prédio e perto de um jardimumbroso, estão empilhadas em filas pipas de todos os tamanhos. As pipas são medidaspor meio de um pequeno tanque que possui um indicador e mesmo ao lado homensdescalços com compridas camisas estão a limpar as pipas com uma quantidade depequenas pedras redondas dentro delas, rolando-as para a frente e para trás com ummovimento brusco ao longo de suas fortes traves. No armazém mesmo em frente das es-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX210

Armazéns de KrohnBrothers no Funchal.

Gravura de a. Vizetelly. 1880

Aspecto de armazém de vinhos. Madeira Wine Company

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as quais, ao contrário dos vinhos produzidos no lado sul da ilha, ocasionalmente desen-volvem a «mycoderma vina» ou as chamadas flores da vinha, tão ansiosamente procu-radas pelos produtores de xerez. Continua-se por uma série de armazéns, unidos pornumerosos pátios e plataformas - com várias «Clapham Junctions» - onde estãoarmazenados vinhos que variam entre 1865 e 1875.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and theWines of Tenerife, London, 1880.

A casa de Henry Dru Drury, antigamente Rutherford, Drury and Co., estabeleceu-seinicialmente na Madeira logo depois do início do presente século. Os seus armazéns,situados no quarteirão oeste do Funchal, e onde se entra através de um estreito pátio,compreendem alguns prédios grandes, com não muito menos de 200 pés de compri-mento, cada um com dois andares, e ligados ao primeiro andar por uma galeria demadeira com vinhas em latada, deixadas crescer à sua vontade. Num lado armazena-seo mosto enquanto completa a sua fermentação, e no outro estão os vinhos maduros e osvelhos e valiosos vinhos da firma, sendo os últimos armazenados em pipas com aspectoantigo no andar superior. A tanoaria fica na parte detrás dos armazéns, confinando comum pequeno terreno com vinhas das quais a firma produz algumas pipas de vinho. Estepequeno vinhedo está ligado, num dos lados, a um velho convento onde se instalaram naaltura da nossa visita, sete veneráveis irmãs, tendo a mais nova cerca de setenta anos.Uma vez que a legislatura portuguesa decretou a supressão de estabelecimentos con-ventuais, não se fazem mais adições à venerável irmandade.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and theWines of Tenerife, London, 1880.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 213

A maior reserva de Madeira armazenado por qualquer casa de exportação no Funchalé a que pertence à Messrs. Blandy Brothers. Ela chega a atingir cerca de 5.000 pipas,variando em valor entre 35 e 250 libras cada, e foi acumulada pelo velho Sr. Charles R.Blandy, a seguir à destruição dos vinhedos da Madeira de 1852. Estes vinhos - queincluem alguns admiráveis exemplares e uma variedade de produções, armazenados dis-tintamente tanto quanto à localidade de produção como quanto ao ano da vindima - estãoguardados em não menos de quarenta armazéns, ligados por passagens, escadas, pata-mares e entradas abertas em maciças paredes de pedra.

Sai-se dos escritórios na Rua de são Francisco - uma rua que segue em direcção aomar - e entra-se num pequeno pátio rodeado por estranhos prédios irregulares, sendo orés-do-chão de um deles o antigo armazém onde os vinhos mais veneráveis da firmaestão reunidos. É um compartimento longo e sombrio, iluminado por pequenas janelasquadradas, protegidas por barras de ferro, e pavimentado com lages. Aqui, alinhadas emfilas, estão umas trinta ou quarenta enormes pipas, todas com um aspecto mais oumenos antigo, e muitas possuindo as marcas de firmas madeirenses antigamente famo-sas, hoje extintas, cujas reservas ainda estão aqui expostas. …. Confinando com este ver-dadeiro museu de vinho ficava antigamente o velho teatro do Funchal, que o Sr. CharlesR. Blandy adquiriu e converteu num armazém de vinho. Aqui, uma série de arcos con-duzem a uma sucessão de pátios rodeados de prédios cheios de pipas sobre pipas devinho. No antigo teatro, onde se armazenam vinhos em pipas duplas, os trabalhadoresestavam ocupados a melhorar o vinho com clara de ovo, enquanto que numa espécie dearmazém aberto se fazia uma mistura de cinquenta pipas. …. Daqui, uma escada conduzpara uma plataforma em cima, onde está instalado um mecanismo para erguer e desceras pipas, e tem-se acesso a vários armazéns espaçosos, contendo cada um duzentas outrezentas pipas. Num destes as pipas estavam alinhadas em cinco filas separadas, e numoutro, cujo chão assentava em sólidos suportes de alvenaria, as pipas estavam colocadasuma sobre a outra. Aqui estavam algumas das produções do norte, agradáveis e leves,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX212

Armazéns de H. Dru Drury no Funchal.Gravura de A. Vizetelly. 1880

Fachada dos armazéns deBlandy Brothers no Funchal.

Peretrellos Photographos.Museu de Photographia Vicentes.

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OO trato do vinho

A necessidade de apurar a qualidade do vinho para exportação levou as autori-dades a estabelecerem medidas no sentido de impedir que os vinhos bons do Sulfossem baldeados com os de inferior qualidade do Norte. A Vereação do Funchal,em face de reclamação dos mercadores, aprovou em 9 de Janeiro de 1737 uma pos-tura interditando a entrada dos vinhos de inferior qualidade na cidade. Mais tarde,em 1768, o Governador e Capitão General Sá Pereira retomou as medidasproibindo a entrada dos vinhos do Norte no Sul até Maio, de forma a poder escoar-se o do Sul. Por outro lado defendia-se que os vinhos das melhores áreas, que écomo quem diz, de Câmara de Lobos, Canhas, Calheta, Arco da Calheta, Prazerese Fajã da Ovelha, não podiam ser baldeados com outros inferiores. Em 1785 ficouestabelecido que todos os vinhos do Norte deveriam permanecer encascados atéJaneiro. Caso alguém tivesse intenção de o movimentar deveria fazê-lo com umaguia passada pelo Juiz do lugar ou Comandante do distrito militar. Tais medidas nãocolheram grandes apoios por parte dos proprietários. Os vinhedos a Norte e a Sulestava quase todos sujeitos ao contrato de colonia. O senhorio da terra residia no

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 215

Na Messrs. Henriques and Lawton passámos através de uma «porte cochère» em ruí-nas, com altos pilares de pedra de cada lado, entrando num espaçoso pátio empedrado,onde a mansão desmantelada erguia a sua fachada maciça, com as suas numerosas egrandes janelas ornamentais, no nosso lado esquerdo, e uma fila de armazéns maisbaixos, parcialmente cobertos de vinhas, surgia em frente. Através da casa, chega-se aum segundo pátio pavimentado, coberto com vinhas cheias de folhas, colocadas emcorredores, por baixo de cuja sombra numerosos tanoeiros trabalham. As estufas da firmaque incluem uma estufa aquecida por temperatura artificial e uma estufa do sol, sendo oseu calor causado, como sugere o nome, exclusivamente pelo sol, contêm as duas jun-tas 350 pipas e ficam situadas noutra parte da cidade com uma panorâmica total sobre omar.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and theWines of Tenerife, London, 1880.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX214

Casa de H. Lawton noFunchal. Gravura de A.

Vizetelly. 1880

Borracheiro. Pintura de MaxRomer. Sala de provas daMadeira Wine Company

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Vinho canteiro

Vejamos agora o modo singular de os tratar nosdois sistemas em uso Canteiro e de Estufa. Oprimeiro reduz se a conserva-lo no vasilhame colo-cado em cima de duas traves, na altura de 2 ou 3palmos do chão, e ahi se lhe presta o necessáriotratamento; começarei desde o seu primeiroprocesso. Colhida que é a uva, e lançada no lagar,é pisada com os pés até que o bago fica quasimoído; então de todo o bagaço se forma uma pyra-mide sustentada em roda por cordas, em cima daqual uma taboa vai servir de base a algunspedaços de madeira quadrados até irem tocar navara do lagar, isto é, uma grossa viga que o atra-vessa, com um maquinismo de espremer, ou aper-tar o objecto a que aplicado, com um peso depedra. Findo este processo, desmancha se obagaço, o qual ficou exausto de suco aparente-mente, cortado, separado, e então outra vez forte-mente calcado, ao que chamão repisa, findo o que,o mesmo resíduo ensopando-se outra vez doâmago da uva que, se não poude esgotar noprimeiro processo, passa a um segundo igual, e oliquido que produz, chamado o da corda ou repisa,é de superior qualidade. Depois torna-se a des-manchar o bagaço, deita-se lhe agoa, o que pro-duz a agoa pé.

Sacado o mosto da tina, he lançado em pipas,não batocadas, por causa da efervescência quelogo se lhe desenvolve, e dura nos vinhos gen-erosos até Dezembro. Claro que esteja, é tiradode cima da borra; então é logo mandado para oalambique, e o que se quer tratar para velho vaipara o canteiro onde é clarificado com goma depeixe, ou claras d’ovo, ou sangue, e logo trasfega-do e agoardentado. Nos primeiros 18 mezes, énecessário repetir este processo 6 ou 8 vezesabafando-o sempre com aguardente. Se acasopor ser muito maduro ou muito verde o vinhoamolece, e fica como azeite, o que acontece ásvezes nestes dois estremos, é preciso logobaldea-lo, rolar a pipa em que está, ou bate-lobem com o mechedor e agoardenta-lo, mas se anada disto cede, só o calor da estufa o curará, ouservirá para aguardente.

(PAULO PERESTRELO DA CÂMARA Breve Notícia sobrea Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91)

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 217

Funchal e era aí que se encontravam os armazéns e pipas para encascar os vinhos.Por outro lado o colono não tinha loja nem cascos para a armazenar o quinhão, ven-dendo-o todo à bica do lagar.

Feita a vindima e escorrido o mosto sucedia-se nova fase do ciclo vitivinícola, nacidade onde se encontram os armazéns dos exportadores com as adegas para ondeeram escoados todos os vinhos. O Funchal era o centro privilegiado do processo devinificação, tendo as casas exportadoras, servidas de amplas adegas, como o palcode actividade. Isto manteve-se sem alteração por muito tempo.

A partir de finais do século XVIII ocorreram profundas alterações no processode vinificação madeirense provocadas, quer pelo funcionamento das estufas paraaceleração do envelhecimento do vinho, quer pela adição de aguardentes, primeirode França e, depois da terra, para fortificar os vinhos mais fracos. O método antigo,conhecido de canteiro, entrou em desuso, por ser mais demorado, dispendioso eincapaz de antender às solicitações do mercado. A solução estava nas estufas e nafortificação com as aguardentes.

D. João da Câmara Leme, qu, em meados do século XIX tomara contacto comos processos de vinificação utilizados no trato, apercebeu-se do deficiente uso dasaguardentes e estufas, apostando numa solução mais rápida e eficaz para o trato dovinho, que ficou conhecida como sistema canavial, definido pelas seguintes fases: 1º- sistema sem aquecimento; 2º - sistema com aquecimento lento, ficando o vinho emcomunicação com o ar ambiente; 3º - sistema com aquecimento rápido e arrefeci-mento lento, demorado ou não, em recipiente fechado417.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX216

417.IIdem, ibidem, p. 1.

Canteiro. Armazém de Artur Barrose Sousa Lda. Colecção do autor.2002

Pormenor do armazémda empresa Henriques

& Henriques, Ldª

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pouco mais ou menos. Quando terminada esta fermentação faz-se o trasfego do vinhopara outras vasilhas; sendo esta operação acompanhada de uma clarificação, e do adi-cionamento de uma quantidade considerável de aguardente. depois desta operação quecomeça para os vinhos essa lenta transformação, que os enriquece e torna preciosospelas suas qualidades. Para fazer adquirir rapidamente ao vinho propriedades que só otempo lhe pode dar convenientemente, introduziu-se na Madeira, na época da guerra queagitou a Europa nos primeiros anos deste século, e em que os vinhos daquela ilha forammuito procurados, o uso de sujeitar vinhos novos durante meses a uma alta temperatura(60º ou mais) dentro de estufas que para isso se construíram. O número das estufas foi,desde essa época, progressivamente crescendo, e em 1850 havia quarenta e duas estu-fas em actividade. Os vinhos porém, assim trabalhados, não chegam segundo a opiniãodos homens entendidos na matéria, a adquirir as boas qualidades do vinho velho daMadeira, antes adquirem às vezes um sabor pouco agradável, e o seu aparecimento nosmercados estrangeiros tem contribuído para o descrédito dos vinhos da ilha.

A aguardente que se aplica ao tratamento dos vinhos, fabricada na Madeira com vi-nhos da região do norte e com os vinhos do Porto Santo; a aguardente estrangeira, emesmo a de Portugal não é, por lei, admitida na Ilha.

João de Andrade Corvo, Memórias sobre as Ilhas da Madeira e Porto-Santo. Por João Andrade Corvo,sócio efectivo da Academia Real de Sciencias de Lisboa - Memória I. Memoria sobre a “Mangra” ou Doença

das Vinhas da Madeira e Porto-Santo. Apresentada à Academia na Sessão de 3 de Fevereiro de 1854,(Lisboa), (1954); “A Mangra ou Doença das Vinhas”, in Das Artes e da História da Madeira, vols. IV-V,

nºs.24-29, 1956-1959.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 219

Na Madeira e Porto Santo produzem-se muitas qualidades de vinho, algumas dasquais tem grande importância no comércio, e outras só são próprias para o consumointerno das ilhas, ou para serem destilados nas fábricas de aguardente. Os vinhos maisconhecidos pelas suas qualidades são:

O Boal - vinho branco delicado e maduro, de alto preço; podendo ser consumido querquando novo, quer quando velho. este vinho é extraído das uvas do mesmo nome.

O Sercial - vinho seco, de cor alambreada, “aromático e de fino perfume”. E este vinhosó adquire todas as boas qualidades no fim de anos. É produzido pela variedade de vinha“sercial”, que descrevemos.

O Malvasia - vinho de cor alambreada, muito apreciado pelo seu “perfume” e com-parável ao Tokai; mas que a ilha da Madeira produz só em pequena quantidade, e emlugares muito pouco elevados.

A Tinta - vinho tinto bastante agradável, e que se assemelha no sabor e qualidade aoPorto. A fermentação fazendo-se em contacto com o engaço, dá a este vinho o saboradstringente.

O Madeira - vinho, de todos o mais conhecido nos mercados da Europa e da América,branco alambreado; quando amadurecido pelo tempo, de um delicado perfume. Estevinho é o resultado da mistura de uvas das variedades Verdelho, Tinta, Tarrantés,Bastardo e Boal.

O Vinho pálido - vinho de pouco valor feito de “verdelho”, e clarificado.Para a fabricação dos vinhos mais preciosos da Madeira faz-se escolha dos cachos

de uvas melhores, logo depois da vindima. As uvas levadas ao lagar, são espremidas,primeiro por homens que as pisam, depois pela pressão da vara, e o líquido assim tiradodelas é levado em odres para os cascos onde fermenta por quatro, ou cinco semanas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX218

Armazém de Vinhos.Cossart Gordon & co.

Vindima em Santa Cruz. A.Vizetelly. 1880

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CO canteiro

O sistema, conhecido como de canteiro, era simples. As pipas descansavamcheias de vinho sob duas traves, onde se procedia à clarificação e múltiplas trasfe-gas. A clarificação ocorria num período de 19 meses e tinha lugar entre 6 ou 8 vezes,usando-se goma de peixe, clara de ovo e sangue. Os vinhos da Madeira que hojeaparecem, geralmente nos mercados, são muito diferentes d’esses vinhos afamados,e que a Madeira exportava antes dos fins do século XVIII. A ilha da Madeira nãomudou... o que mudou foi o sistema de tratamento418.

O método de envelhecimento do vinho em canteiro era o único usado até finaisdo século XVIII. A forma de execução surge descrita em alguns documentos. Nailha do Porto Santo as autoridades procuraram por todos os meios disciplinar osmétodos de tratamento do vinho, estabelecendo regras a serem usadas por todos osagricultores, de forma a conseguir-se um produto de superior qualidade: De pois demuito bem lavada a pipa, se concerve destapada vinte e quatro horas sobre os can-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 221

Somente a partir de meados do século XVIII temos notícia do uso da aguardente para“adubar” os vinhos. Primeiro usam-se as afamadas aguardentes de França, mas numsegundo momento apostou-se na aguardente local. Esta pratica de fortificação do vinhofoi provocada pelos ingleses que também fizeram chegar até nós as ditas aguardentes

A partir de 1822 proíbe-se a entrada dessa aguardente que será substituída pela dailha feita com os vinhos do norte. Pois tal como se proclama em 1821 era “um erro capi-tal na economia política receber de fora as produções e manufacturas de que o país nãocarece, antes abunda”.

Esta medida favoreceu o desenvolvimento dos alambiques, especialmente na zonanorte, o que favoreceu de forma vantajosa o vinho daí de inferior qualidade. Severiano deFreitas Ferraz foi um dos destacados interventores neste processo tendo descoberto ummaquinismo avançado de destilação contínua.

Em meados do século XIX a ilha estava servida de 13 alambiques que ferviam emmedia 7 a 8.0000 pipas de vinho. O resultado desta aposta é evidente, uma vez que em1821 foram assinalados apenas 3 alambiques.

A generalização do uso da aguardente como bebida e produto para adubar os vinhosé, entre nós, uma realidade apenas na segunda do século XVIII. Foram os ingleses queintroduziram tal uso, oferecendo-nos as aguardentes de França. Eles estavam habituadosa beber os vinhos franceses fortificados, mas, impossibilitados pela guerra, forambuscá-los a outros destinos. Note-se que no período de ocupação da ilha pelas tropasbritânicas (1801-1802, 1807-1814) generalizou-se entre os madeirenses o hábito do con-sumo de aguardente e demais bebidas espirituosas.

A Madeira ficou conhecida como a ilha da Aguardente. O alcoolismo tornou-se numapraga social e para o combater tivemos, após a saída dos ingleses, inúmeras proibições,mas a aguardente continuou a entrar por via do contrabando e a encontrar consumidor.

Entretanto o madeirense começou a alambicar os seus vinhos e a dispor deraguardente local para consumo nas tabernas e fortificação dos vinhos. As dificuldades nasaída dos vinhos a partir de 1814 vieram aumentar as possibilidades de recursoaguardente local e a guerra aberta às aguardentes de França, proibidas desde 1822.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX220

Réplica de “decanter” de vinhoMadeira de Thomas Jefferson.

Colecção Museu do

Armazém de Vinhosde Freitas Caldeira.

418.D. João da Câmara Leme, Os Três Sistemas de Tratamento de Vinho, p. 1.

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Alfândega, Manuel António Serrão para proceder ao trato, pois que o trato dos vin-hos deste país é inteiramente diferente daquele que se pratica em Portugal, sendonecessário cuidá-lo de contínuo424.

Já em Lisboa o mesmo representou que aonde se achão os vinhos da Madeira,não é aquela comodidade necessária para os beneficiar, e fazer caldas que é precisoser em mais particular, da mesma forma não há nas sete casas a dita comodidade...o único lugar onde tal seria possível era o armazém no sítio da Boavista, que já antesservira tal fim e ora encontrava-se cheio de tabaco425. José Joaquim Rosa Coelho, doArsenal da Marinha, não ficou contente com a relutância do madeirense e por issoem representação, chama-o de impostor refinado: Tratei imediatamente de fazerdespejar dois armazéns, os mais inxulados (sic), fi-los limpar, pôr canteiros,arrecadar neles o vinho que se tem recebido, e guardei em meu poder as chavesficando desta maneira o vinho acondicionado de forma que é costume desde queno mundo há vinho, e a coberto de toda e qualquer fraude, que ele pudesse ter, (...)o encarregado de os tratar perguntou em um dos armazéns se era fresco, respondeu-se-lhe que era que sim, desaprovou-o logo, porque deve ser quente, passou imedi-atamente ao outro e fez a mesma pergunta, respondeu-se-lhe que era quente,reprovou-o porque devia ser frio. Reprovava os canteiros que não são outra coisa,mais do que uns paus sobre os quais se estivão as pipas, para não estarem no chão,por conseguinte o homem reprovava tudo, e por tal motivo confirmo a opinião quedele faço, e digo a V. Exa. que neste arsenal só pode haver armazéns quentes comoele quer, metendo-lhe dentro alguma estufa, e frescos talvez também como ele dese-ja tendo-lhe a porta aberta426.

Em Agosto foram escolhidos cinco homens para o trabalho de lotação do vinhoda Madeira, pagos a 300 reis por dia427, iniciando-se de imediato os trabalhos. Naaltura da trasfega deu-se por falta de 2 almudes em cada pipa o que o encarregadodo trato de imediato deu conta, ilibando-se de qualquer responsabilidade: Eu nãosei se é dos navios que conduzirão os vinhos, donde esta falta procede, eu não sei,só o que sei que falta, eu não estou para responder a V. Exa. por faltas dos outros428.

Durante os meses de Agosto e Setembro laborava-se com grande intensidade nosarmazéns de vinho do Arsenal da Marinha, onde se encontrava o vinho, ora envasi-lhando o vinho novo, ora trasfegando o velho ao mesmo tempo que se clarificava etratava com aguardente e se baldeava alguma Malvasia velha. A 5 de Agosto429 fez-seo trato dos lotes de vinho sercial de 1820, de 1823/1825, procedendo-se à clarifi-cação com goma de peixe 28 tonéis e 1 pipa, à trasfega de um lote particular de 1244pipas, um lote de 1824 com 7 tonéis e 12 pipas e outro de 1826 com 6 tonéis e 8pipas. Entre 27 de Agosto e 10 de Setembro foram clarificados e trasfegados outros

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teiros para se enchugar e expellir o mofo. Dece-lhe huma boa porsao de mecha;com a qual se conservará tapada por espaço de cinco a seiz horas; no fim das quaesse lhe hirá lançando o mosto, e estando a pipa meia, se lhe deitará canada e meiade agoardente boa, sobre a qual se contenuara o mosto de sorte que não fique a pipaperfeitamente cheia. Tenha-se prevenido huma porsão de uvada ou marmelada deuvas, como aqui se lhe chama, feita de verdelho, ou boal, com alguma passa, desorte, que fique em boa consistência, e lançando-se em cada pipa de cinco até seisarráteis de marmelada muito bem desfeita, não sesse o mechedor de trabalhar pellamanha, e noite, até que tutalmente suspenda a fervura. Descance o vinho paraabater as fezes, tendo cuidado de o ver de tempo a tempo para se obeservar se estápropenço a algum vicio; e concervando-se sem novidade até 20 do mez de Março,se porá em limpo, e trasfegará; lançando-se no meio da pipa duas canadas de agoar-dente boa, que será muito bem encorporada pello mechedor, atestando-se e tapan-do-se imediatmente. Se o vinho for tão doce, que se possa temer a fermentação doaccido, se ajunte na tansfega com trez cannadas de agoardente; se estiver tão turvo,que se purefique, se lhes lance na transfega algumas claras de ovos muito bem bati-dos, com os quaes se mexerá o vinho muito bem, e facilmente se hirá alimpando, epurifficando.419

Feito o vinho o mosto era transportado à adega onde fermentava no vasilhameinstalado sobre o canteiro, ou seja duas traves na altura de dois ou três palmos420,depois de retiradas as borras, o que deveria envelhecer era transfegado, após tersofrido o processo de clarificação com goma de peixe, clara de ovo, sangue. Oprocesso de clarificação repetia-se por seis ou oito vezes no decurso de 19 meses.Só numa fase posterior se começou a adicionar aguardente na fase de transfega421.

À informação fornecida por P. P. da Câmara422 podemos juntar outra avulsa queencontramos no Arquivo Histórico Ultramarino em que se dá conta do modo comoera tratado em Lisboa os vinhos para aí enviados após a fermentação. Nos armazénsdo Arsenal da Marinha procedia-se às diversas tarefas de trato do vinho, como aclarificação com goma de peixe423 e trasfegas. A prática encontra-se documentada apartir de 1832. Em Abril a Junta da Fazenda do Funchal enviou para Lisboa o vinhodo sequestro feito nos armazéns do morgado João de Carvalhal Esmeraldo, pro-nunciado na devassa de 1828. A acompanhar o vinho seguiu o Escrivão da

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX222

419.AHU, Madeira e Porto Santo, nº.667., confronte, Jorge de Freitas Branco, Camponeses da Madeira, Lisboa, 1987, pp. 211-212

420.P. P. da Câmara, ibidem, p. 73.421.D. João da Câmara Leme, ibidem, p. 6.422.Paulo Perestrelo da CÂMARA Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91423.O processo de vinificação é descrito pelos inúmeros estrangeiros que visitaram a Madeira no decurso do século XIX.

Quanto à clarificação referem o uso do gesso, sangue de boi, clara de ovo e carvão. Cf. A Guide to Madeira,…, London,1801, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 342; T. Bowdich, Excursionsin Madeira, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 347;Robert White, Madeira, London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,p. 359; E. Wortley, A Visit to Portugal and Madeira, London, 1854, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 366; D. Embleton, A Visit to Madeira, London, 1882, in Alberto Vieira, História doVinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 401; J. Jonhson, Madeira, London, 1885, in Alberto Vieira,História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 409.

424.AHU, Madeira e Porto Santo, (documentos näo catalogados), maço 24, doc. 5 de Abril de 1832.425.Idem, doc. de 5 de Abril de 1832.426.Idem, doc. de 5 de Abril de 1832.427.Idem, doc. de 10 de Agosto de 1832.428.Idem, doc. de 14 de Agosto de 1832.429.Idem, doc. de 25 de Agosto de 1832.

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foram ao longo do século XIX motivo de polémica. As francesas, comummenteusadas para adubar os vinhos, ora surgem como adubo necessário e precioso, oracomo prejudiciais.

Em 1863 temos outra informação, que acrescenta novos dados sobre o métodousado no tratamento do vinho: Lançam o mosto em pipas enxofradas, tapando-oconvenientemente. Alguns fabricantes limpam as impurezas que se reúnem emcima do liquido na ocasião de fermentação tumultuosa, outros reservam-se para olimpar mais tarde e totalmente, depois da fermentação, ou ainda depois de já estartratado pela aguardente; para limpar os vinhos usam do emprego ordinário da collade peixe, das claras de ovos, e ainda alguns de gomma arábica.

Passada completamente a fermentação tumultuosa, e quando pelos signaesadquiridos pela pratica só tratamento de vinhos, principalmente pela densidade,sabor, cheiro e cor, se reconhece que o liquido está capaz de começar a ser tratado,immediatamente o trasfegam, com as attenções convenientes e ordinárias a estaoperação, para outras pipas, misturando com o mosto fermentado uma certa quan-tidade de assucar, isto é, 7 a 8 kilogrammas por pipa, assim como aguardente e pas-sas de Alicante pisadas, ou o sumo destas, sendo 48 litros de aguardente e 6,5 litrosde passas por cada pipa. Passado algum tempo os vinhos são outra vez trasfegadose limpos, e ainda mesmo sem os trasfegarem, são levados para as estufas, ondeficam por espaço de três mezes; no fim deste tempo tiram-se os vinhos das estufas,sendo então tratados com iguaes quantidades de aguardente, assucar e passas, como

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 225

lotes de vinho totalizando 32 tonéis e 399 pipas430. A 15 de Setembro clarificou-sevinho Madeira Particular de primeira qualidade ao mesmo tempo que foram trata-dos 46 tonéis e 369 pipas com efusão de Malvasia431. Seguindo-se, depois, mais 220pipas clarificadas com goma de peixe432. A 17 de Setembro433 procedeu-se à trasfegae clarificação de 39 pipas, e em 14 de Outubro a 228 tonéis e 459 pipas de Sercial.

A 14 de Outubro, Manuel António Serrão dava por terminados os trabalhos,descrevendo de modo sumário o processo usado: Achando-se acabado as lotações dovinho de que vim encarregado pelo Exmo. Governador e Capitão General da ilha daMadeira, sendo do meu dever como encarregado de uma tal comissão e para créditode tais vinhos, uma vez que sejão exportados para países estrangeiros, exceptuandodeste o da Rússia, que é aonde tem menor preço por não gostarem senão de vinhosbaixos e estufados, com bastante aguardente, e como estes sejão vinhos, sejão criadosde canteiro, tem por sua idade adquirido cheiro balsâmico por isso se fizeram doislotes, como já fiz patente a V. Exa. por um mapa que remeti e agora por o que vai juntoe, que pertence ao segundo lote, sendo estes dois lotes de primeira e segunda qua-lidade, que pouco diferem do primeiro, a que ficará tudo igual logo que leve a sua com-petente aguardente, e como esta só haja própria na ilha da Madeira dos mesmos benssocrestados, onde se acha preparada e concertada com malvasia, que era já para adubarestes mesmos vinhos. E por isso de certo não se poderá dispensar o ela vir, não só paraque dê mais valor aos mesmos vinhos, como também para interesse da Real Fazenda,cujos vinhos já se acham clarificados, e prontos a entrar na sua trasfega. Logo queaguardente venha para se deitar aquela porção que for suficiente, segundo o clima dopaís e ficarem de todo prontos. E por isso julgava de necessidade que V. Exa. mandassevir da dita ilha, a qualidade de 180 a 200 galões d’aguardente já acima indicada. Eachando-se a malvasia ainda por concertar, não se poderá fazer sem vir a ditaaguardente, pois na ocasião de ser concertada é que leva a sua competente porção...434.

O uso da aguardente de França e, depois, da terra, foi uma prática muito tardiano tratamento dos vinhos de canteiro, uma vez que está documentada apenas a par-tir de meados do século XVIII: O que porém, parece averiguado é que, na segun-da metade do século XVIII, os vinhos da Madeira superiores eram já adubados comaguardente de França para o mesmo fim435. A partir daqui a tradição de adicionardois galões de aguardente a uma pipa de vinho generalizou-se436. As aguardentes

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX224

430.Idem, doc. de 10 de Setembro de 1832.431.Idem, maço 20, doc. de 15 de Setembro de 1832.432.Idem, maço 24, doc. de 15 de Setembro de 1832.433.Idem, doc. de 17 de Setembro de 1832.434.Idem, doc. de 14 de Outubro de 1832.435.D. João da Câmara Leme, ibidem, pp. 3/4; vide H. Machard, Traité Pratique sur les Vins, Besançon, 1865, p. 87 e seguintes.436.São vários os testemunhos sobre a adição de aguardente. Cf. A Guide to Madeira,…, London, 1801, in Alberto Vieira,

História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 342; T. Bowdich, Excursions in Madeira, London,1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 347; Robert White, Madeira,London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 359; E. Wortley, AVisit to Portugal and Madeira, London, 1854, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,1993, p. 366; D. Embleton, A Visit to Madeira, London, 1882, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos eTextos, Funchal, 1993, p. 401; J. Jonhson, Madeira, London, 1885, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 409.

Actual sistema de filtrageme transfega. EmpresaJustino Henriques. 2002.

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deveria fazer-se com ovos, goma, leite, sangue, barro. O sercial, de todos o maisalcoólico é também o que requere menos trabalho (...).

Mas ao passo que as clarificações e trasfegas se iam tornando menos frequentesà medida que os fermentos iam sendo eliminados, o vinho ia perdendo, sem sair docanteiro, o gosto, o sabor, o cheiro e cor de novo, e adquirindo o gosto, sabor, ocheiro e a cor de vinho mais velho; até que quando, passados quatro ou cinco anos,o vinho podia conservar-se, por muito tempo, sem alteração, em vasilha fechada elonge de vinhos mais novos, era considerado pronto para o consumo, tendo adquiri-do as qualidades especiais que o caracterizavam.

Assim o sercial, cor de topázio claro, tornara-se seco, muito alcoólico, e muitoaromático; o malvasia, também cor de topázio, talvez mais apertada, do que a do ser-cial conservara-se menos doce, mas tornara-se muito menos alcoólico e menosaromático; o boal, de cor semelhante à do sercial, conservara-se menos doce do queo malvasia mas tornara-se um pouco mais alcoólico e aromático; o tinta era espe-cialmente caracterizado pela sua cor escura que os anos faziam desaparecer; omadeira, em que entrava, em grande parte o verdelho, e, muitas vezes, o tinta a corde rubim mais ou menos viva e apresentava qualidades um pouco variáveis, segun-do as variedades das uvas que nele predominavam438.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 227

tinham sido antes de entrarem nellas.Depois de dez ou doze dias e às vezes de mais, limpam os vinhos conveniente-

mente, pelos processos ordinários. Alguns fabricantes deitam o assucar no mostoantes de começar a fermentação tumultuosa e a outra metade depois de sair da estu-fa.437

Em finais do século, quando a vinha agonizava, publicaram-se vários estudos comas soluções adequadas para debelar a crise. Surgiram instruções sobre a forma decultivo e o método mais adequado para o tratamento de vinho. Um deles foi apre-sentado por D. João da Câmara Leme, o maior especialista em enologiamadeirense: Era então pequeno o número de cepas, principalmente cultivadas naMadeira: verdelho, malvasia, boal, sercial, tinta. O vinho feito de uvas de uma só va-riedade tomava o nome de cepa que o produzia; quando no vinho entravam uvasde diversas variedades, ele tomava o nome de vinho Madeira.

Na apreciação do vinho tinham-se em conta o sítio e a exposição; a maturação dauva, que muitas vezes, se queria que estivesse meio passado, o que exigia sempreuma rigorosa escolha, para que o vinho da uva bem madura ficasse separada do dauva menos madura, que era chamado vinho de escolha, ou vinho verde; os anosmais chuvosos e frios eram cuidadosamente notados nas reservas anuais; de modoque, quando as casas exportadoras compravão o vinho antes da colheita, os culti-vadores não tinham, geralmente licença para a vindima, senão depois de terem sidoenviados inspectores por essas casas, para verem se as uvas estavam capazes.

Mas, a esse tempo, os exportadores, para mais segurança costumavam compraro vinho, depois de claro, aos colonos, aos senhorios ou a comerciantes inter-mediários. Por isso a colheita da uva era feita sempre com o maior cuidado; e ovinho ia dos lagares para as adegas; onde permanecia enquanto fermentava.

Se era sercial, a fermentação durava enquanto havia açúcar no vinho, que porisso, ficava seco e mais alcoólico, e se tornava, depois mais aromático. Se era mal-vasia ou boal, numa palavra, era vinho que não contivesse fermentos suficientes paradesdobrarem todo o açúcar, o vinho ficava doce, menos alcoólico, e não se tornavatão aromático.

Se era vinho Madeira, mais ou menos doce, mais ou menos alcoólico, e tornava-se depois mais ou menos aromático segundo as variedades das uvas que o tinhamproduzido.

O tinta era especialmente notável por sua cor escura, que perdia com o tempo.O vinho ficava claro “quando os fermentos tinham desdobrado todo o açúcar, ou

quando havia mais fermento em actividade que desdobrassem o açúcar.A partir de então retirava-se as borras e os exportadores conduziam-nos ao envel-

hecimento no canteiro.Os vinhos menos alcoólicos incapazes de manter inertes os fermentos eram sub-

metidos maiores tratamentos com clarificações balde, celhas por vezes a clarificação

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437.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito deLeiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.48.. 438.Idem, ibidem, p. 6.

Bomba de transfegas.Colecção do Autor. 1988

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Vinho canteiro

Vejamos agora o modo singular de os tratar nos dois sistemas em uso Canteiro e deEstufa. O primeiro reduz se a conserva-lo no vasilhame colocado em cima de duas tra-ves, na altura de 2 ou 3 palmos do chão, e ahi se lhe presta o necessário tratamento;começarei desde o seu primeiro processo. Colhida que é a uva, e lançada no lagar, épisada com os pés até que o bago fica quase moído; então de todo o bagaço se formauma pyramide sustentada em roda por cordas, em cima da qual uma taboa vai servir debase a alguns pedaços de madeira quadrados até irem tocar na vara do lagar, isto é, umagrossa viga que o atravessa, com um maquinismo de espremer, ou apertar o objecto aque aplicado, com um peso de pedra. Findo este processo, desmancha se o bagaço, oqual ficou exausto de suco aparentemente, cortado, separado, e então outra vez forte-mente calcado, ao que chamão repisa, findo o que, o mesmo resíduo ensopando-se outravez do âmago da uva que, se não poude esgotar no primeiro processo, passa a umsegundo igual, e o liquido que produz, chamado o da corda ou repisa, é de superior qua-lidade. Depois torna-se a desmanchar o bagaço, deita-se lhe agoa, o que produz a agoapé.

Sacado o mosto da tina, he lançado em pipas, não batocadas, por causa da efer-vescência que logo se lhe desenvolve, e dura nos vinhos generosos até Dezembro. Claroque esteja, é tirado de cima da borra; então é logo mandado para o alambique, e o quese quer tratar para velho vai para o canteiro onde é clarificado com goma de peixe, ouclaras d’ovo, ou sangue, e logo trasfegado e agoardentado. Nos primeiros 18 mezes, énecessário repetir este processo 6 ou 8 vezes abafando-o sempre com aguardente. Seacaso por ser muito maduro ou muito verde o vinho amolece, e fica como azeite, o queacontece ás vezes nestes dois estremos, é preciso logo baldea-lo, rolar a pipa em queestá, ou bate-lo bem com o mechedor e agoardenta-lo, mas se a nada disto cede, só ocalor da estufa o curará, ou servirá para aguardente.

PAULO PERESTRELO DA CÅMARA Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 229A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX228

Preparação das pipas. Gravurade Max romer. Sala de Provas

da Madeira Wine Co.

Canteiro com pipas.Artur Barros & Sousa, Ldª

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R

principais consumidores do vinho Madeira, foram os primeiros apreciadores dovinho da roda, por isso no mercado britânico, desde finais do século XVIII, osCommon Madeira, London Market e London Particular foram preteridos em favordo East India Madeira. As pipas embarcadas eram marcadas com as seguintes ini-ciais: V.O. W. I (Very Old West Indies Madeira). A diferença de preços entre ume outro era do dobro, resultante dos custos do transporte, elevada procura e repu-tação que o mesmo adquiriu no Reino Unido onde teve um estatuto especial440. Aprimeira referência ao comércio do vinho retornado das Índias surge em 1722441.Nos meses de Setembro e Novembro de 1790 Mr. Christie colocou à venda no mer-cado britânico 3 pipas de vinho Madeira vindo da Índia e 39 do Brasil.

Foi a partir daqui que se generalizou o uso das estufas como sistema de enve-lhecimento dos vinhos, estando a primeira documentada em 1794. A solução re-presentava uma maior economia de tempo e custos permitindo colocar, em poucomais de três meses, à disposição do cliente um vinho prematuramente envelhecido,com propriedades semelhantes ao que tinha cinco anos no casco. O uso das estufasgeneralizou-se. Era vulgar ver-se as pipas jacentes nos fornos de pão da cidade, ousimplesmente ao Sol. O vinho estufado, para alem de ter gerado acesa polémica emprincípios do século XIX não mereceu os elogios do consumidor.

O vinho da Roda era diferente e tinha o condão de melhorar as qualidadesorganolépticas sem se degradar, o que não sucedia, segundo alguns, com o vinho estu-fado. Em 1818 a própria Junta deu o exemplo ao carregar 50 pipas no brigue-escunaMaria do Capitão José A. Martim de Sá442. Tendo-se dado ordem de embarque a 21de Abril443. Em aviso ao Deputado-escrivão da Junta de Cabo Verde se dá conta daremessa de vinho para envelhecer e depois ser dado o destino que S. M. desejar,recomendando o cuidado e vigilância de sua existência, de maneira que receba omuito calor possível de Verão futuro e não haja extravio444. Noutro aviso a J. de AraújoBarros, em Cabo Verde, dá-se conta da remessa para os fazer pôr nessa ilha e voltarema vir depois de passado o Verão futuro... lhe rogo o maior desvelo e cuidado na boaguarda e vigilância do dito vinho a fim de que não haja extravio casual nem voluntárioe obtenha aquele grau de melhora que se espera146.Em 1826 a prática de embarquede vinhos nem voluntário e obtenha aquele grau de melhora que se espera445

Em 1826 a prática de embarque de vinhos para emvelhecer havia-se generalizadoe todo o vinho de roda era reembolsado dos direitos pagos à saída ou levantavafiança até ao retorno. Em 21 de Fevereiro Philip Noailles Searle solicitou o descon-to dos direitos de 3 quartos e 10 meias quartolas de vinho de roda, autorizado em 8de Junho de 1825446.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 231

O vinho da roda

A situação privilegiada da comunidade britânica é resultado dos tratados de ami-zade, nomeadamente o de Methuen, e da estratégia definida pelas actas de navega-ção inglesas (em 1660 e 1665). A Madeira foi para os ingleses a ilha das escalas eabastecimento em vinho. São inúmeros os testemunhos da presença das armadasbritânicas no porto do Funchal. A passagem era frequente, usufruindo de um trata-mento especial das autoridades locais. Relevam-se as de 1799 e 1855 compostasrespectivamente por 108 e 112 embarcações que saíram da ilha a abarrotar de vinho.

Muito do vinho fazia o percurso de ida e volta. Os tonéis de vinho no porão dasembarcações estavam expostos ao calor dos trópicos e sujeitos à constante baldeaçãoresultante das correntes marítimas, adquiria um envelhecimento prematuro, assimdescrito por A. Sarmento439: Pelo final do século XVIII, notaram os negociantes eexportadores de vinho que este, sujeito a uma longa viagem, batido pelo balouço daembarcação, aquecido às abafadas temperaturas que se notam nos porões, tornavacaracterísticas especiais de aromatização, um todo precocemente envelhecido, peloque mandavam muitas pipas à índia com frete de torna-viagem, para de lá voltar me-lhorado o vinho, que ficou sendo chamado da roda do mundo ou simplesmentevinho da roda.

Diz-se, que da constatação deste facto à prática corrente foi um salto. Os ingleses,

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Rótulo antigo. Colecção daMadeira Wine Company

439.SARMENTO, Alberto Artur, Ensaios Históricos da Minha Terra, vol. III, Funchal, 1952, pp.119-120

440.A.Jullien, Topographie de tous les Vignobles Connus, Paris, 1816(reed.1832), p.467; Rupert Croft-Cooke, Madeira, London,1961, p.86

441.A. Huetz de Lamps, Le Vin de Madere, p.36.442.ANTT, PJRFF, nº 759, fol. 407.443.Idem, nº 405, fol. 161.444.Idem, nº 759, fols. 408/409.445.Idem, nº.759,fl. 409.446.Idem, nº 241, fol. 39vº.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 233

Um ano depois a generalização e a prática causou graves incómodos à adminis-tração da alfândega, pelo que se determinou o embargo: Havendo-se nesta ilhaintroduzido o costume de embarcar vinho com faculdade de voltar a ela para na via-gem ganhar melhoramento, foi sempre tolerado em pequenas proporções. De taluso passou a fazer-se abuso, pois que os negociantes para ganharem maior prazo nopagamento dos direitos, figuravam em mui tas das suas especulações os embarquesdo vinho para vir de roda, dando a sua fiança, e a final quando passava o prazo mar-cado para a entrada do vinho, e este não chegava, se lhes carregavam os direitos, cujaarrecadação ia ter a demora que as mais ordens terminam a favor dos assinantes.Resultava deste meio acharem-se muitos direitos por cobrar, poderem ometer-seoutros dolos que esta Junta por bem da fazenda intendeu dever prevenir e substrarna continuação de tal prática447.

Nos registos de embarque de vinho entre 1823/30 assinala-se o vinho da roda quedurante a fase permissiva atingiu grandes proporções. Em 1823 saíram 1650 pipas eem 1824, 366. Aqui destacaram-se os comerciantes ingleses John Howard March &Ca. e Philip Noailles Searle, e poucos portugueses, de que se afirmam as casasmadeirenses mais importantes como Monteiros & Ca., Luís de OrnelasVasconcelos, João Oliveira & Ca.

RREEGGIISSTTOO DDEE SSAAÍÍDDAA DDEE VVIINNHHOO DDAA RROODDAA.. 11882233--11883300

MMERCADOR 1823 1824 1828 1830

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Rótulo antigo.Colecção da Madeira Wine Company

447.Idem, nº 764, fol. 139. Este informe vem a propósito de um requerimento de Philip Noailles Searle & Ca, solicitando o reem-bolso dos direitos de 50 pipas de vinho de roda [Idem, nº 406, fol. 20.].

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A Junta da Real Fazenda reconhecendo os per-calços que a situação causava à arrecadação dos direitosdecidiu por fim tal prática. Daqui resultou a perda deimportância do vinho da roda na ilha e a consequentevalorização no mercado britânico, onde as pipas daroda passaram a afluir com maior assiduidade.

Ficou célebre, entre os apreciadores, o vinho que ocônsul inglês H. Veitch ofereceu em 1815 a NapoleãoBonaparte, aquando da passagem pelo Funchal comdestino ao exílio de Santa Helena. O imperador não obebeu e o vinho acabou de volta à ilha, onde foi engar-rafado a partir de 1840 com o título de Battle ofWaterloo. Winston Churchill de visita à ilha em 1950foi um dos poucos contemplados com uma garrafa.

Em 1992 recriou-se a referida rota e a técnica deenvelhecimento com o embarque de 600 litros de Boala bordo do veleiro Kaisei, que participou na regataColombo 1992.

O vinho da roda é para o madeirense e o britânicouma dádiva do oceano. As agitadas águas do Atlânticoe Índico transformaram-se numa grande adega, ondeos vinhos madeirenses envelheciam. Foi uma mais-valia, sabiamente aproveitada pelos insulares quecativou os tradicionais apreciadores britânicos. Masnem todos comungaram da mesma ideia, surgindoopiniões contrárias: Consumidores de vinho emInglaterra são muitas vezes enganados pela ideia deque uma viagem às índias Orientais ou Ocidentais ésuficiente para garantir a excelência do vinho. Mas istoé uma falácia óbvia, pois, se o vinho não fosse de boaqualidade quando exportado da ilha, mil viagens não opoderiam tornar no que nunca tinha sido. Todos oscomerciantes na Madeira sabem bem que uma grandeparte dos vinhos assim exportados são de uma quali-dade inferior, e são adquiridos em troca de génerospor pessoas geralmente conhecidas como comer-ciantes por troca448.

John Howard March & C. 100 77 73 38 2 3Monteiros & Co. 19 18 8Gordon Inglis & Co. 74 1Luiz de Ornelas Vasconcelos 22 2 11Seymonds Rfly & Co. 25 31 22 18Minett Honotton & Cº. 3Diogo Hougton 46 20 8Gould & Co. 3George Blackburn & Co. 80 5 5 19Alexander Hally 54 2 43 42João Oliveira & Co. 13 24 1Rutherefort & Grant 1 9 14 12Diogo Taylor 30 16Guilherme Tindlay 55 38 18 1 9Philip Noailles Searle 94 78 47 161 34 21 5Gough & Hollway & Co. 27 54 12Outros… 402 432 560 25 2 2 4

448.J. Holman, Travels in Madeira, London, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,1993, p.354. Sobre o vinho da roda veja-se: A Guide to Madeira, London, 1801, in Alberto Vieira, História do Vinho daMadeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.343; J. L. Thudichum, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties ofWine, London, 1872, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.372; A. DrexelBiddle, The Land of the Wine Being na Account of the Madeira, London, 1900, in Alberto Vieira, História do Vinho daMadeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.421.

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E

passaram a ser expostas ao sol450 ou colocadas por cima dos fornos de pão sujeitasao calor. Ao mesmo tempo construíram-se as primeiras estufas, isto é, recintos fecha-dos onde circulava o ar quente por canos. A mais antiga conhecida, mas não aprimeira, é a de Pantaleão Fernandes e data de 1794451.

O sistema de estufa está considerado oficialmente como o método de tratamen-to do vinho, apenas usado pelas casas para o vinho das castas autorizadas, nomeada-mente, a tinta negra mole. De acordo com a legislação em vigor o vinho deverá man-ter-se recipientes a uma temperatura constante até 55ºC. por um prazo de noventadias. Antigamente o vinho sofria uma evaporação de cerca de 15%, mas hoje com anova tecnologia as perdas são reduzidas. A disponibilização no mercado só poderáacontecer após dois anos de estágio no canteiro452.

Apenas a empresa familiar Artur Barros & Sousa Lda. não utiliza no tratamentodo vinho as estufas. As demais dispõem do referido sistema, usufruindo da maismoderna tecnologia. A Madeira Wine Company Lda. dispõe nas instalações aoLargo Severiano Ferraz dois tipos de estufas tradicionais: a estufa de cimento e demadeira. Além disso usa aqui e na rua de S. Francisco do chamado sistema dearmazém de calor.

A estufa é entendida como resultado da conjuntura favorável ao escoamento rápi-do do vinho, que adveio com as guerras napoleónicas, com consequente esgota-mento dos stocks, criando a necessidade do trato rápido dos vinhos novos para sat-isfazer as encomendas do mercado, o que só poderia ser possível com as estufas. Aoprimeiro facto comenta D. João da Câmara Leme: Estamos em fins do séculoXVIII. A exportação dos vinhos da Madeira tem aumentado, muito principalmentepara a Inglaterra, porque, em razão da guerra, lhe estão fechados os portos daEuropa. As reservas de vinhos em boas condições de embarque estão esgotadas. Osistema do canteiro não é processo aplicável a um largo e importante consumo coma perspectiva de grandes lucros453. Quanto ao segundo Alberto Artur Sarmentodestaca: Pelo final do século XVIII, notaram os negociantes exportadores de vinhoda Madeira, que este sujeito a longa viagem batido pelo balanço da embarcação,aquecido às abafadas temperaturas que se notam nos porões, tomava característicasespeciais de aromatização, um todo precocemente envelhecido, pelo que man-davam muitas pipas à Índia com frete de torna-viagem, para lá voltar melhorado ovinho, que ficou sendo chamado de roda do mundo ou simplesmente vinho deroda454.

O processo generalizou-se rapidamente, embora continuasse a ser oneroso edemorado para as exigências do mercado. Estamos perante uma situação comu-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 235

As estufas

O vinho da roda é considerado um feliz acaso das viagens transoceânicas. No per-curso da Madeira à Índia e retorno à Inglaterra, com duas passagens pelos trópicos,melhorava. O calor dos porões atribuía-lhe um rápido envelhecimento, que cedo setornou notado pelos ingleses. Foram eles os primeiros a usufruir da situação vanta-josa. Este vinho tem a fama de possuir muitas qualidades extraordinárias. Tenhoouvido dizer que se Madeira genuíno for exposto a temperaturas muito baixas atéficar congelado numa massa sólida de gelo e outra vez descongelado pelo fogo, sefor aquecido até ao ponto de fervura e depois deixado arrefecer ou se ficar expostoao sol durante semanas seguidas em barris abertos ou colocado em caves húmidasnão sofrerá o mínimo dano apesar de sujeito a tão violentas alterações449.

De imediato o vinho da roda ganhou fama e começou a embarcar-se pipas devinho nos porões dos navios para aí envelhecerem. A partir daqui deu-se o salto paraa concretização local do processo de envelhecimento prematuro do vinho. As pipas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX234

Fornalha da estufada firma Cossart

Gordon & co.

449.J. Barrow, A Voyage to Conchinchina, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, p.339

450.Construíram-se até estufas para fruir do calor do sol, como nos refere Henry Vizetelly [Facts about Port and Madeira,London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.397] sobre a casaMeyrelles sobrinho & cia.

451.Manoel de Santanna e Vasconcellos, Clamor dos Madeirenses. Funchal, 1835, p.8452.Alex Lidll, Madeira, London, 1998, pp.126-128.453.Idem, ibidem, p. 6.454.Op. Cit., vol. III (1965), p. 119.

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acontece com John Ovington462 que em 1689 referia: O vinho Madeira tem a quali-dade muito peculiar de, quando está a fermentar, ser melhorado pelo calor do solse o batoque for desviado da abertura da pipa e, desta madeira, o vinho ficar expos-to ao ar. A partir de 1730463 era corrente a designação de vinho de sol e em 1880Henry Vizeteelly464 descreve a estufa de sol da firma Krohn Brothers no Funchal.

O uso das estufas no envelhecimento do vinho não foi unânime. O GovernadorD. José Manuel da Câmara por editais de 23 de Agosto de 1802 e 6 de Novembrode 1803 proibiu o funcionamento das estufas por serem prejudiciais à boa reputaçãodos vinhos. Mas, em face da reacção da maioria dos comerciantes nacionais eestrangeiros da região465 e do Senado da Câmara466 foi obrigado, em 14 de Fevereirode 1804, a oficiar ao Conde de Anadia, dando conta do sucedido e da pretensão doslocais para que fosse levantada a suspensão de modo a poderem aviar as encomen-das467. Por ordem régia de 7 de Maio, do mesmo ano, foi expedido aviso para ser lev-antada a proibição. Não terminou aqui a questão das estufas não terminou, pois queem todos os debates sobre a qualidade do vinho se alude à influência benéfica ouprejudicial do tratamento com as estufas. O próprio Senado da Câmara, cuja com-posição heterogénea mudava com assiduidade, assumiu posições contraditórias.

Os que comungavam de opinião desfavorável acusam as estufas de estarem naorigem da perda da fama e decadência docomércio do vinho, porque o prejudi-cavam, retirando-lhe as qualidades balsâmicas468, ou alterando o sabor e atribuindoum gosto torrado, queimado muito desagradável469. Disto se fez eco de modo sar-cástico, em 1851 no Correio da Madeira: O vinho estufado, cozido, fervido, frito,assado e agrilhoado é a causa suficiente da decadência do nosso comércio e o aba-timento da nossa agricultura... As estufas são somente próprias para o vinho mão, eo que é essencialmente mau, não há forças humanas que o fação bom.

O vinho bom carece de estufa, logo as estufas só servem para o ordinário: que sedeve ferver para aguardente, e consumir nas tabernas. O cheiro, o sabor do vinhoestufado são péssimos, são repugnantes e asquerosos: o vinho não sabe à uva, parecesumo das aduelas, das vasilhas, que o tiverão em fermentação. Nada mais ingrato,nada mais desgostoso ao paladar. O vinho de estufa ataca o cérebro, afecta o bofe,excita sede insaciável, provoca almorreimas, produz puxos, tenesmos, frenesim,delírios, loucura. E uma calamidade pública esta funesta descoberta; que fazendoexportar o vinho mau, deixa o bom, e óptimo estagnado, arruinado o nosso cré-dito470.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 237

mente aceite, mas que no nosso entender deverá ter sucedido de forma distinta. Omadeirense não ignorava o sistema de tratamento usado pelos antigos. Já os Gregose Romanos tinham conhecimento da acção do calor dos porões dos barcos e delese serviram para trato dos vinhos tal como refere Plínio, entre outros. Na Madeiraa prática parece ser tardia. A primeira informação que dispomos data de 1550455 erefere a despesa de dois vinténs feita pela Misericórdia de Machico para lenha paracozer o vinho. Não sabemos a que se reporta a situação e se refere ao fabrico deaguardente.

A primeira referência às estufas remonta a 1730456. Daí à afirmação do sistema osalto foi rápido: Vião os comerciantes que o calor dos navios e dos climas maisardentes beneficiaram considerável e visivelmente os vinhos em toda a sua quali-dade, tanto de sabor como de cheiro, logo pela razão, a mais bem deduzida, se per-suadirão, e se convencerão de que o vinho Madeira se aperfeiçoava e mesmo serequintava com o calor: ocorreu logo, que sendo possível tratá-lo em terra com umaprecisa quentura para o seu benefício seriam grandes os proveitos que colheria ocomércio, o público, e não menos S. A. Real457. Assim, tivemos o primeiro ensaiode estufa com vinhos novos, enquanto um comerciante aquecia dia e noite umarmazém com vinhos novos outro colocava no armazém canos de ar quente458. Aprimeira estufa levantada nesta ilha se fabricou no ano de 1794 e 1795, e depois delase levantavão sucessivamente muitas outras que todas tem trabalhado até os últimosmeses passados459. Em 1802 segundo John Leacock estufas are now become gene-ral460.

Antes do aparecimento das estufas tivemos o chamado vinho de sol. A referênciamais antiga ao processo surge em 1687. De acordo com H. Sloane461 o vinho bene-ficiava com a exposição ao sol: …tem a propriedade curiosa, muito especial de setornar melhor quanto mais exposto estiver ao sol e ao calor. Assim, em vez de olevarem para uma adega fresca expõem-no ao sol e ao calor. A mesma constatação

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX236

455.Alvaro Manso de Sousa, O Fato do Diabo. Curiosas Notas sobre a Misericórdia de Machico, in Das Artes e da História daMadeira, nº.5069, 5 de Maio de 1949, p.234

456.Ruppert Croft-Cook, ibidem, p. 65.457.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431.458.D. Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 6.459.Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 6.460.Ruppert Croft-Cook, ibidem, p.66. Numa carta de 1800, o mesmo descreve a sua primeira estufa que teve na ilha, dando

conta do movimento das estufas, e da discussäo sobre o vinho estufado: We are erecting an estufa & hope to have it fur-nished in two or three weeks we shall stard in need of two common thermometheos. good but the least expensive, in orderthat we may regulate the heat; we therefore by you will send out a couple very carefully packed we hope this new mode oftreating wine will answer, but the correspondents of those who ship its - they are now common of all the houses use estu-fas - several of them have built them & others put their wine into hired estufas, where they pay 5 m000. p. pipe for 3 monthsstewing. We are not yet perfectly satisfied of all the effects produced by the application of heat to the wine, but think in gen-eral they keep too fierce a degree of heat, nickel keeps the wine constantly boiling, and in rather insipid of weak. We are ofopinion that a moon moderate temperature will succeed better & shall prolong the period to six instead of three months aswe have see. However the great test will be, how it is approved by those who are no good judges, the new wine with threemonths estufa imitates wine of 4 or 5 years old & we don’t think that the deception will be easily discovered- perhaps prej-udice the character of Madeira wine. Wall hot climates its improves much quicker than in gold over: twelve months in theEast or West Indies ha me effect than 3 years here, or four or five years in England - there for the heat must be on benefit& we must make a climate [Idem, ibidem, pp. 67/68; vide também P. P. da Câmara, ibidem, pp. 76/7, onde faz uma descriçäoda estufa; Confronte-se o texto de H. Vizetelly in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1983, pp.375-399.

461.António Aragão, ibidem, p.159

462.António Aragão, ibidem, pp.197-198463.Rupert Croft-Cooke, Madeira, p.66.464.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, p.392465.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431.466.Idem, nº 1433.467.Idem, nº 1428.468.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 202/203vº.469.D. Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 7.470.Nº 116, p. 2; vide resposta no nº 117, pp. 1 e 2, Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,

1993, p.223; Requerimento de 1834 contra as estufas, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,Funchal, 1993, pp. 221-222

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do juiz do povo475. Na realidade, como referem, só houve até 1803 três ameaços eapenas um incêndio na estufa de Phelps Page & Ca. em 29 de Outubro de 1806476.Depois disso só temos referência a três incendios na ultima década da centúria. A20 de Janeiro de 1894 o fogo devorou a estufa da firma de vinhos Araujo &Henriques, seguindo-se a 15 de Dezembro de 1898 um outro na estufa do Condede Canavial na rua 5 de Julho onde estavam mais de cem pipas de diversos propri-etários. O último que temos noticia sucedeu a 11 de Julho de 1900 num prédio daRua do Esmeraldo, propriedade dos herdeiros de Júlio Henriques de Freitas, quetinha no primeiro andar uma estufa com 49 pipas, que felizmente se salvaram477.

Se as estufas não eram consideradas um perigo para a saúde e segurança públi-cas, tornavam-se prejudiciais à pouca salubridade do burgo oitocentista atingindo ocentro do burgo e ruas de maior movimento em redor do porto do Funchal. Era ocaso da área da Sé do Funchal, próxima da Alfândega e do cabrestante, onde entre1809/1834 laboraram as estufas de Gordon Duff, & Ca., respectivamente no Becodo Assucar e Rua do Esmeraldo. Aliás, se tivermos em conta que a freguesia da Sése situa na área central da cidade ficaremos com uma ideia clara da implantação,pois que entre 1839/1840 existiam 15 estufas, a que se seguiam 9 na freguesia de S.Pedro, denotando uma forte concentração na área circunvizinha da Alfândega ePorto do Funchal o que, em parte, se justifica para um fácil transporte do vinho deembarque. De notar entre 1839/1840 a elevada concentração de estufas no Becodos Aranhas (4 e 5) e em S. Paulo (3 e 1), área ribeirinha ao mar pelo lado daPontinha e sobranceira à ribeira de S. João. No termo da cidade as estufas local-izavam-se em Santa Luzia, Caminho da Torrinha, Torreão e, em Santa Maria Maiorna Rua dos Balcões, Rua Bela de Santiago, Rochinha. Fora da área do Funchal,encontramos apenas duas em Santa Cruz em 1840, uma em S. Fernando, deJoaquim Telles de Menezes e outra na Rua Direita de Augusto César de Oliveira.

Entre 1805 e 1816 nota-se uma estabilização no número de estufas. Estamos nummomento de medidas proibitivas e da discussão contrária à implantação e utili-dade478. Passado este período ganham uma certa estabilidade, a que se seguiu,depois de solucionada a crise, um forte impulso entre 1817/1829. A década de trin-ta foi marcada por uma queda, que se acentuou a partir de 1832. O período quedecorre de 1834/1844 foi marcado por uma certa estabilidade no número de estu-fas em laboração, apenas se notando um salto isolado em 1839. Desde 1845 atendência era para subir, atingindo-se em 1851 o número máximo de estufas. A situ-ação vivida a partir de 185 inverteu o processo, que se acentuou a partir de 1860.Procuramos nos elementos recolhidos alinhavar uma explicação para a quebra acen-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 239A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX238

471.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,pp. 52-56

472.ARM, RGCMF, t.17, fols.148vº-152.473.Op. cit., pp.75/76.474.ARM, CMF, Vinho, Manifestos, 1839/1872, 6 volumes, nº1069/1074.

Os que defendem as estufas anotam a qualidade do vinho estufado, destacandoque a medida era útil e barata para o trato e rapidez de escoamento do vinho.Assim, o referem os comerciantes locais em 1804: Granjeou o comerciante o frutopreciso dos seus cuidados, dos seus cálculos, e da sua bem atendida vigilância, poisque com o novo método de melhorar, e adiantar os seus vinhos de 5 a 6 mesesapronta toda a quantidade de vinho, que é preciso para os seus embarques, nãosendo oubrigados a esperar o espaço seguro de 4 a 5 anos471.

Em 1834 a Câmara do Funchal desfez as acusações que apontavam as estufascomo a causa da ruína do comércio local, apresentando o efeito benéfico e incenti-vador para o comércio: Ora devendo-se considerar a invenção das estufas comoadmirável processo por meio do qual se melhora rapidamente a qualidade dos vi-nhos, apressando sua maturação, ao mesmo passo que se evitão grandes embates decapital; e sendo este aliás o único método que nos pode habilitar a competir com osvinhos de outras nações nos quais a cultura dos vinhos é mui pouco dispendiosa...472.Da mesma opinião era P. P. da Câmara: Seria inepto julgar, que foi o processo daestufa que desacreditou este género, e diminuiu o seu consumo... a não ser estaprovidência que tanto veio a baratear a única produção que aviventa a Madeira, oque seria hoje d’ella, se este método não tivesse facilitado a sua exportação, barate-ando o seu custo?... O sistema das estufas veio facilitar a sua extracção, assim comodar-lhe velhice e fortaleza para resistir ao gelo do norte, recebeu nova inculação esangue desta ilha...473.

No Funchal, principal centro vinícola da ilha, procedia-se ao tratamento do vinhopor meio das estufas. O sistema generalizou-se a partir de finais do século XIX. Asestufas distribuíam-se indiscriminadamente por toda a cidade situando-se nos ter-renos anexos às adegas na área circunvizinha do cabrestante. O processo de estu-fagem tinha lugar em edifícios construídos para tal ou em cima dos fornos de cal oude cozer pão. Em 1861 a estufa existente na rua dos Moinhos foi demolida por nãoter conseguido resultado de melhorar o vinho474. Para o período de 1739 a 1872 assi-nala-se o uso de um forno de cal à Rua do Hospital Velho e de 12 fornos de cozerpão, com idênticas funções, nas ruas do Aljube, Ponte Nova, da Sé, Queimadas,Ingleses, Capitão, Bela Vista, Castanheiro, Pintos, Nova de Santa Maria, Esmeraldoe Largo da Sé.

Por editais de 23 de Agosto de 1802 e 6 de Novembro de 1803 proibiu-se a cons-trução de estufas no recinto da cidade, argumentando o juiz do povo os inconve-nientes que advinha para a saúde pública, pelo fumo e constante perigo de incêndiono período de laboração. Os comerciantes da praça do Funchal manifestaram-secontra, alegando os prejuízos e contrariando os argumentos infundados do referi-

475.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1428, 1431.476.ANTT, PJRFF, nº 461, p. 12.477.Vasco F. Campos e Alberto Malho, O Bombeiro Madeirense e a sua História, Funchal, 1963, pp.35, 40-41, 47478.Com base nos dados fornecidos por alguns códices do ANTT, ARM [ARM, CMF, nº 1069/74; ANTT, PJRFF, nº 441.] e ele-

mentos fornecidos por José Silvestre Ribeiro [José Silvestre Ribeiro, “op. cit.”, in Diário da Madeira, nº 113, p. 4.], J. J.Nóbrega [ibidem, fol. 9.] e Gerardo Pery Gerardo Pery, ibidem, p. 319.] Elaborámos o mapa de evolução do número de est-ufas na Cidade do Funchal e termo, atingindo o período de 1805/1872

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tuada de 1834 e a subida em flecha de 1851, mas foi em vão, pois, não encontramosnada que permita dar uma resposta satisfatória479. O primeiro dado surge nummomento em que a discussão das estufas se havia atenuado e a Câmara do Funchalestava de acordo com a utilização. Já em 1851 estamos novamente num período deintensa discussão.

A crise do comércio do vinho ocorrida em finais do século XIX contribuiu parao lento desaparecimento das estufas, tal como vinha sucedendo com as empresas dosector. A tradição de estufar vinho não se perdeu, pois permaneceu passando a fazerparte do processo de vinificação do vinho. Uma característica do processo de vinifi-cação que só acontece com o vinho Madeira.

EESSTTUUFFAASS EEMM FFUUNNCCIIOONNAAMMEENNTTOO11880055--22000022

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 241A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX240

479.A concorrência entre os diversos proprietários levava ao uso de todos os métodos, surgindo publicidade nos jornais: ODefensor, nº. 23, 1839; Correio da Madeira, nº.4, 1849.

LLOOCCAALL EEssttuuffaass Beco dos Aranhas 13Santa Catarina 2R. Castanheiro 5R. Ferreiros 2R. do Carmo 1R. da Laranjeira 1R. Monteiro novo 1R. Bom Jesus 1R. Fanqueiros 2Rua Nova 2Caminho da Torrinha 4R. Moinhos 1R. Anadia 2S. Paulo 4Torreão 1R. Boa viagem 1R. Mercês 1Rua Nova de S. Pedro 2R. Pinheiro 2

LLOOCCAALL EEssttuuffaass Rua Santa Eulália 1Rua Bela Santiago 1Rua da Rosa 2Praça de S. JoãoR. Balcões 1Rochinha 1S. Fernando(Santa Cruz) 1Ponte Nova 3Beco de Santa Emília 3R Fontes 1R. hortas 1R. Esmeraldo 1R. Infância 1Rua Mouraria 1Forca 1Rua Nova de Santa Maria 3Beco Gangorra 2Rua Bela Vista 1Largo Colégio 1

ANO ESTUFASNNaacciioonnaaiiss EEssttrraannggeeiirrooss TToottaall

1805 11 6 171806 9 6 151807 6 6 121808 5 7 121809 6 6 121810 9 6 151811 9 8 171812 11 8 191813 10 5 151814 11 5 161815 12 5 171816 12 5 171817 13 7 201818 17 8 251819 17 8 251820 18 8 261821 20 8 281822 18 8 261823 17 8 251824 17 9 261825 17 9 261826 19 9 281827 21 8 291828 22 8 301829 25 10 351830 23 9 321831 25 10 351832 24 11 351833 23 11 341834 21 8 291835 10 5 151836 10 5 151837 10 5 151838 10 5 151839 20 8 281840 7 5 12

ANO ESTUFASNNaacciioonnaaiiss EEssttrraannggeeiirrooss TToottaall

1841 7 5 121842 7 5 121843 7 5 121844 7 5 121845 22 5 271846 23 13 261848 15 12 271849 30 16 461850 30 16 461851 38 16 561852 22 12 441853 22 12 441854 22 12 441855 22 12 441856 22 12 441857 22 12 441858 22 12 441859 24 14 381860 7 6 131861 7 6 131862 6 6 121863 5 6 111864 4 6 101865 5 6 111866 5 10 151867 5 8 131868 6 8 141869 6 8 141870 5 8 131871 5 8 131872 3 8 111894 2 21898 1 11900 1 12002 7

LLOOCCAALLIIZZAAÇÇÃÃOO DDAASS EESSTTUUFFAASS 11880055--11887722

FONTE: ARM, CMF, Vinho, Manifestos, 1839/72, 6 volumes, nº1069/1074.

D. João da Câmara Leme, especialista em assuntos enológicos teve oportunidadede em França entrar em contacto com os sistemas de aquecimento usados desde oprimeiro quartel do século XIX, nomeadamente os sistemas em vaso fechado deAppert, Ervais, Verguette, Cemotte e Pasteur480. De regresso à Madeira foi con-frontado com o processo de estufagem em uso, notando que o sistema de aqueci-mento lento com comunicação com ar ambiente481 dava ao vinho um sabor torradode queimado muito desagradável482 ao mesmo tempo que lhe retirava as pro-priedades essenciais: Um sistema que priva os vinhos novos das suas melhores quali-dades naturais e lhes introduz efeitos persistentes; que lhes tira o açúcar, alcool,óleos essenciais, e lhes introduz, um sabor desagradável que o carvão vegetal empre-gado lhes não pode nunca tirar de tudo, e que os impede de adquirir a finura tãoassinalada nos antigos vinhos de canteiro. Na destilação do vinho de garapadespreza-se o vinhão e guardam-se líquidos acoólicos, éteres, e sais e guarda-se o vi-nhão483.

Perante a constatação houve que tomar providências, optando-se por um sistemade aquecimento em vaso fechado, de modo especial, o método Pasteur, conhecidopor pasteurização. Feitas as devidas experiências D. João da Câmara Leme conclui

480.Vide M. L. Pasteur, Études sur le Vin, ses Maladies, Causes qui le Provoquant Procédés Nouveaux pour le Conserver etpour le Vieilliès, Paris, 1873, pp. 130/204, dando pp. 205/262 aparelhos de aquecimento.

481.Op. cit., p. 6/12.482.Idem, ibidem, p. 7.483.Idem, ibidem, pp. 10 e 12.

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manece, durante meses, num recinto onde a temperatura é moderada, mas cons-tante e bem regulada.

Cinco fornalhas introduzem ar quente em canos que dão três voltas nas estâncias;e que são guarnecidos de chapas de ferro para facilitarem a transmissão do calor,sempre bem regulado e facilmente observado por termómetros que se podem bemler de fora.

As estâncias, que são sempre cuidadosamente revistadas para serem as pipasoportunamente rebatidas, são a princípio, mantidas na temperatura de 120º F. (50ºC); mas depois de ter o vinho arrefecido suficientemente para se pôr em equilíbriocom o meio ambiente, essa temperatura vai lentamente descendo, e fazendoparadas convenientes, até ao fim do afinamento.

O vinho assim aquecido e afinado conserva todas as qualidades naturais, apre-senta qualidades próprias do vinho de canteiro que tem cinco ou seis anos e umanotável finura muito apreciável; sem apresentar nenhum mau sabor, nem defeitoalgum, sendo convenientemente tratado, pode logo ser lotado com outros vinhosaquecidos e conservados livres de fermentos, e mesmo ser embarcado, sem risco dese alterar, e com grande economia d’alcool486.

O método exposto era considerado o único processo de tratamento por estufaque animava a qualidade do vinho fazendo-o adquirir características e qualidadespróprias, e capaz de rivalizar com os melhores de canteiro. O vinho canavial487 eranormalmente preparado com o boal, apresentado as seguintes propriedades: diges-tivo, anticéptico, medicinal, alimentício.

Muito antes de D. João da Câmara Leme temos notícia de outro invento de estu-fagem. O novo método dava-se nos vinhos comunicando-lhes o calor internamentee de os fazer assim vermelhos em pouco tempo488. Será o mesmo sistema do prati-cado em França, conhecido como pasteurização?489. Tudo indica que assim seja umavez que o autor foi a França várias vezes, donde trouxe alambiques de destilação con-tínua e travou contacto com as inovações da técnica francesa de destilação e aqueci-mento do vinho.

No período de 1806 a 1872 é possível acompanhar o número de pipas de vinhosubmetidas a este sistema de tratamento. A primeira conclusão possível é de que atémeados do século era reduzido o número de pipas de vinho estufado, quando com-parado com os valores da produção e exportação. A estufagem só se generalizou apartir da década de cinquenta no processo de vinificação do vinho Madeira. Operíodo que decorre de 1856 a 1865 pode ser considerado um momento crítico. Acrise do oídio reflecte-se nas produções e exportações, fazendo com que a oferta devinhos estufados seja muito superior à colheita e à procura. Isto deverá ser prova daexistência de elevados stocks de vinho em armazém de colheitas anteriores.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 243

que o gosto de novo desaparecia muito pouco para que o vinho Madeira pudesseser embarcado em pouco tempo como vinho mais velho, e que os seus outros carac-teres não tinham suficientemente melhorado484. Em 1889, ao fim de seis anos deestudo e 10 anos de ensaios e experiências, estabeleceu um sistema de aquecimen-to e afinamento dos vinhos, que tomou o nome de sistema canavial. Adoptava onovo método de aquecimento rápido e arrefecimento lento, demorado ou não, emrecipiente fechado, salientando que este processo de aquecimento e afinamento dosvinhos, ou processo de aquecimento e de arrefecimento demorado, em recipientefechado, é o mais próprio para vinhos superiores ou medianos, é o mais própriopara o vinho Madeira e Para todos os vinhos especiais485. O vinho que vai ser aque-cido entre, depois de medido, num reservatório superiormente disposto, d’ondedesde, pelo seu próprio peso, por um cano de estanho, no qual é elevado, embanho-maria e o abrigo do contacto do ar à temperatura de 158º F. (70º C), conti-nuando depois a descer, sem encontrar nada no caminho que lhe apresse o aper-feiçoamento; e chegando finalmente, depois de ter marcado num termómetro auma temperatura adquirida, ao fundo da mesma pipa d’onde sairá pouco antes, ecuja boca, disposta de modo a impedir perda de vapores, é fechada logo que termi-na a operação (...).

O vinho gasta cerca de 3 minutos no tratamento do seu aquecimento, que parauma pipa de 450 litros, exige hora e meia. O calor, comunicado pelo vinho ao inte-rior da pipa, manifesta-se em breve exteriormente. Os Arcos alargam-se, e precisamde ser rebatidos.

O vinho assim aquecido não é nunca voluntariamente arrefecido: e, quando selhe não demora o arrefecimento, deixa-se que ele se faça naturalmente, mais oumenos, lentamente segundo a diferença entre a temperatura da pipa e a do meioambiente; gastando, geralmente, cerca de três dias.

É o mais curto arrefecimento do vinho rapidamente aquecido pelo sistemacanavial.

Quem observar este vinho pouco depois do aquecimento, ou no fim do arrefe-cimento, tendo-se conservado a pipa sempre bem fechada, nota que ele não fer-menta; que não tem cheiro que indique a presença de enxofre; e que o aroma denovo se tornou mais agradável; nota que o gosto está também sensivelmente muda-do, e que parece de vinho de mais idade; e uma operação destilatória, feita antes edepois do aquecimento, mostra que a percentagem alcoólica é igual. Houve, poisneste aquecimento, um notável melhoramento; e não houve prejuízo (...).

É baseado em tais princípios que este estabelecimento organizou casas, ou estân-cias, próprias para demorar o arrefecimento do vinho. Quando, pois, uma pipa devinho é destinada ao afinamento numa destas estâncias, é para lá transportada, her-meticamente fechada, logo depois de terminado o aquecimento; e assim per-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX242

484.Idem, ibidem, p. 13.485.Idem, ibidem, pp. 19/20.

486.Idem, ibidem, pp. 17/19.487.D. Joäo da Câmara Leme, Sobre o Vinho Canavial, Funchal, 1892.488.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 9480.489.D. João da Câmara Leme, Ibidem, pp.17-19

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IImposição das estufas

Nos inícios do século XIX as estufas haviam proliferado por toda a cidade doFunchal, anichando-se nas imediações das ribeiras e respectivas lojas. A fazendaReal viu aqui mais um meio de receita, estabelecendo a partir de 18 de Julho de1805490 um imposto mensal de 16.000 réis por cada estufa, sem ter em conta otamanho ou número de pipas que aí se cozia. Em Março de 1806491 a Junta davaconta da resolução régia de 12 de Junho, em que o imposto era lançado indiferen-ciadamente por todas as estufas, anotando-se os inconvenientes e propondo-se oimposto de acordo com a capacidade. Mas noutra conta de 23 de Agosto de 1806492

a Junta, em resposta à provisão do Erário Régio de 24 de Julho493, ordena o lança-mento de um imposto de 12.000 réis por pipa em cada mês, tal como havia delibe-rado em reunião de 26 de Março494. No entanto, em 25 de Fevereiro de 1807495 aJunta faz assento de novo decreto de 15 de Dezembro de 1806, comunicado porprovisão do Erário Régio de 16 de Fevereiro de 1807, e alterou o imposto de 16.000réis mensais por cada pipa para 1.920 réis por pipa cozida. Por isso ordenou ao de-putado corregedor da Câmara para vistoriar as estufas e ver a capacidade paradepois ser cobrada a soma respectiva, impondo-se a pena de imposto dobrado paraaqueles que fizessem novas entregas e não as manifestassem. Tudo isto foi regula-mentado publicamente por edital de 28 de Fevereiro de 1807496, em que se tinha emconta, não só a medida de cada estufa, mas igualmente o número de pipas car-regadas por temporada, lançando-se depois mensalmente a respectiva imposição497.

Por decreto de 23 de Julho de 1834498 sucedeu nova alteração passando aimposição a ser cobrada, mensalmente, a partir de então, a taxa de 200 réis por pipade vinho que se cozesse. A medida era considerada lesiva da qualidade do vinhosubmetido às estufas, uma vez que os proprietários procuravam acelerar o processode aquecimento de forma a diminuir o período de maturação. De acordo com odecreto de 1805 que fixava o imposto de modo genérico sobre cada estufa em labo-ração, apenas era necessário o conhecimento das estufas e proprietários, pelo quese mandou proceder a um inventário ou manifesto por editais de 29 de Outubro499

e 26 de Novembro500 de 1806. De acordo com os editais o dono deveria dirigir-se àJunta para registar as estufas pois, caso contrário, seriam encerradas.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 245

RREELLAAÇÇÃÃOO DDOO VVIINNHHOO EESSTTUUFFAADDOO CCOOMM AA PPRROODDUUÇÇÃÃOO EE EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO..11880055--11887722

Data Vinho Estufado Produçâo Exportaçâohl produção % export % em hectolitros em hectolitros

1805 2574 2,14 4,40 120000 584941806 5584 5,07 9,53 110000 585821807 3130 2,31 4,48 135000 698101808 3507 0,26 7,52 135000 466231809 3507 6,05 5,46 57960 642171810 3272 3,81 6,94 85690 471211811 3093 1,90 7,73 162160 400231812 3043 1,95 1553361813 2319 2,33 2,52 99218 919601814 2717 4,64 4,64 58520 585201815-31 97875 12,27 13,99 797673 6996561832-34 13265 13,69 12,84 96879 1033321839-40 21009 29,69 29,53 70755 711421845-47 30218 37,37 34,51 80857 875531849-50 35401 63,17 57,69 56043 613621851-1855 22482 43,77 24,23 51367 927851856 4188 543,90 78,22 770 53541859 1772 280,38 31,92 632 55511860 3902 155,58 92,16 2508 42341861 5670 105,23 53881862 4154 260,28 101,32 1596 41001863 3930 41,09 130,05 1615 30221864 3701 49,35 105,41 7500 35111865 3715 49,53 165,85 7500 2240 1866 2735 24,86 79,51 11000 34401867 3156 88,95 35481868 3585 21,99 98,14 16306 36531869 5478 29,29 132.80 18700 41251870 4982 9,96 107,39 50000 46391871 7628 31,95 120,79 23874 63151872 4394 17,855 63,56 24615 6913Obs. Pipa de 418 litrosFONTE: ARM, CMF, Vinho, Manifestos, 1839/72, 6 volumes, nº1069/1074.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX244

As estufas não morreram apenas foram sendo aperfeiçoadas com o tempo. Osmecanismos a vapor e a moderna tecnologia eléctrica substituíram as fornalhas delenha propiciando uma temperatura constante de 45 a 50 graus centígrados por umperíodo de três meses. No presente o sistema de canteiro convive de modo cordialcom o das estufas. Ambos persistem e são usados pelas empresas de acordo com otipo de vinhos que se pretende fazer. Os chamados vinhos novos de cinco anos sãoquase sempre de estufa, enquanto os demais são de canteiro. Apenas uma empresa,Artur Barros & Sousa Lda., continua fiel à tradição do sistema de canteiro em todosos vinhos que comercializa.

490.Idem, nº 761, pp. 173/174. Foi resolvido por provisão de 8 de Outubro de 1805 [segundo informação dada à margem dodocumento que refere estar lançada no Lº 3 de Ordens Expedidas pelo Erário Régio, fol. 382.] e dado conhecimento públi-co por edital de 19 de Julho [Idem, nº 405, p. 13.].

491.Idem, nº 761, pp. 202/203.492.Idem, nº 761, pp. 227/228.493.Idem, em nota à margem refere que foi registada no Lº 3 de Ordens Expedidas pelo Erário Régio, fol. 428.494.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1695.495.ANTT, PJRFF, nº 459, pp. 35/37.496.Idem, nº 404. p. 119.497.Idem, nº 404, p. 136.498.ARM, RGCMF, T. 17, fols. 103/106vº.499.ANTT, PJRFF, nº 940, pp. 32/33.500.Idem, nº 404, p. 4.

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lesivo para o comércio do vinho, sendo apontado com o principal factor de entor-pecimento das trocas508.

A estrutura administrativa criada para a cobrança do imposto era simples. A par-tir de 1807509 a tarefa de vistoriar as estufas estava a cargo do deputado executor oucorregedor da comarca, cargo que em 1821510 era ocupado por Luís AntónioOliveira, nomeado pela Junta511 e, em 1825512 por João da Cruz Henriques. Oadministrador era coadjuvado por alguns fiscais, de que temos notícia em 1835513 doprovimento de três: José da Silva Lopes, Fortunato Ernesto Soares, Tude FernandoCarmo514. A arrecadação era feita pelo sistema de arrendamento515, que como sepode inferir de vários documentos516 foi muito morosa, tardando os devedores nopagamento. A Junta via-se forçada a notificá-los ou a proceder judicialmente. Emalguns casos confiscaram as estufas e colocava-se em hasta pública de forma reaveros direitos em dívida517, ou então procedia à avaliação dos bens confiscados518.

RREENNDDIIMMEENNTTOO DDAASS EESSTTUUFFAASS ((VVAALLOORR EEMM RRÉÉIISS))

PPRROOPPRRIIEETTÁÁRRIIOO 11880055 11880066 11880077 11880088 11880099 11881100 11881111 11881122 11881133 11881144

Manuel Ferreira da Luz 80.000 111.000Valentim da Cunha 80.000 183.225 25.920 52.920 51.129 67.036 50.844 17.895 8.521Manuel António 80.000 183.225 18.631 18.631 39.084 26.732 64.505 39.780 36.126George Colson Smith 80.000 183.225 28.800 38.200 20.620 44.974 44.659 29.500 26.939João António Gouveia Rego 80.000 183.225 61.440 70.025 103.075 111.768 114.462 109.748 15.307 3.703Domingos da Silva Pimenta 48.000 60.260João Leacock 183.225 224.050 137.245 163.639 78.602 51.112 65.616 29,825 56.800Thomas Gordon 80.000 183.225 149.917 221.089 141.553 206.884 130.191 130.189 138.239 133.187Cristóvão Esmeraldo 80.000 183.225 25.249Thomás Cantuária 80.000 183.225 52.865 128.075 133.143Bartholomeu a. Vidal 15.360 154.480 43.382 41.932 94.644 17.674 13.634Francisco Alexandre 96.000 167.225 120.960 14.644Monteiros & Co. 80.000 183.225 160.765 171.663 160.764 247.958 246.596 234.334 264.770Henrique Correia 80.000 183.225 42.224 107.520 32.697 18.263 98.608 249.321Gordon Duff & Co. 80.000 174.220 72.537 91.153 80.995 103.729 94.544 27.100 87.713 82.588Scott & Co. 80.000 183.225 148.709 195.176 236.183 170.494 173.954 71.247 142.594 194.777Phelps Page & Co. 19.096 87.440 97.440 130.009 98.773 59.797 201.350 59.788 112.656Fernando V. Cantuária 5.917 52.865 128.975 147.147 103774 65.541 48.585 73.138 149.601António Valério 71.225 156.040 139.376 134.831 181.033 132.555 169.012 114.799 118.503António J. R. Garcês 19.944 127.255 20.105 15.686Pedro de Santa Ana 18.152 32.643 32.033 14.644Pedro de Mendonça 15.622 45.162 14.360 12.456Manuel M. Malheiro 27.521Henrique J. de Cotto 5.049Robert Veitch 9.468

TOTAL 1,184.000 2.565.158 1.438.312 1.611.720 1.509.355 1.503.952 1.422.595 1.398.004 1.067.118 1.249.700

RReennddiimmeennttoo ddaass eessttuuffaass ((vvaalloorr eemm rrééiiss))

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 247

A partir de 1806 a imposição passou a ser lançada, mensalmente, sobre a capaci-dade, não se tendo em conta os meses de laboração e quantidade de vinho. Apenasse tornava necessário uma vistoria para dar conta do número de pipas que podiamconter501. Com a nova modalidade, a partir de 1807, tornava-se necessária uma maiorvigilância na laboração, como se recomendava em 1809: É preciso encarregar as fis-calizações deste rendimento a uma pessoa de fé pública e de confidência deste tri-bunal que evide em verificar se se crião estufas além das que se achão estabelecidase vistoriadas, para que nelas se proceda ao arbitramento de sua lotação na forma docostume502. Ao mesmo tempo era preciso que a acção de fiscalização tivesse lugarnos momentos de carga e descarga de forma a estabelecer-se o número de pipas emlaboração503, tal como se refere em 1809: Que os proprietários quando quiserem porem acção hajão de dar parte ao dito encarregado para ir examinar e tomar assento,pôr termo do dia em que principiarão a carregar, praticando o mesmo quando asdescarregarem, em cujo acto deverá fazer em todos os trimestres do ano uma visto-ria pelas estufas que não tiverem dado parte para cozerem, a fim de ver se estão ounão despejadas, registando tudo numa certidão para a Contadoria Geral como suaprática com os demais rendimentos504. Em 1825 acrescentava-se: Nenhum propri-etário de estufa ou pessoa, por qualquer título ou contrato, o presente poderá car-regá-la sem participar ao administrador, João da Cruz Henriques, ou aquele aodiante que pela Junta for nomeado, o dia em que principiar o seu carregamento, eno fim dele lhe dará uma relação do vinho que houver metido nela, representadopelo número de vasilhas classificadas por seu nome ou tamanho, declarando essen-cialmente sua marca e o dia em que principia e lhe acende fogo. Os donos do vinhoque se meter em estufa serão obrigados a manifestá-lo ao mesmo administrador porescrito, até 8 dias depois de o terem mandado para ele, declarando o nome do donoda estufa, a quantidade e qualidade nominal das vasilhas, e marca que tiveremrecebendo o mesmo administrador um bilhete do manifesto para ser ressalvo.Nenhuma estufa poderá ser descarregada sem que o primeiro se participe ao admi-nistrador o dia em que se principia sua descarga para assistir a ela. Todo o vinhoque se achar além do manifestado será perdido e todo o que se tirar em qualquertempo de cozimento sem assistência do mesmo administrador será sua importânciapaga pelo dono da estufa, dando-se metade ao denunciante, se o houver, e a outrametade será aplicada para o mesmo benefício público505.

Em 1831 determinou-se que a imposição deveria ser lançada em todo e qualquerque for o método de sua construção, uma vez que se aproveite o calor do fogo arti-ficial506. Daqui resultou que a cobrança feita em 1839 e 1840 atingia o vinho queamadurecia ao ar livre em cima dos fornos de cozer pão507, no que foi considerado

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX246

501.Idem, nº 404, p. 136.502.Idem, nº 461, pp. 314/315, 284/285.503.Idem, nº 461, pp. 314/315; nº 406, fol. 16; nº 465, pp. 118/119.504.Idem, nº 461, pp. 314/315.505.Idem, nº 406, fols. 143/vº.506.Idem, nº 465, pp. 118/9.507.ARM, CMF, nº 1069, fols. 26vº, 28vº, 29vº, 31, 34vº.

508.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 219-220509.ANTT, PJRFF, Idem, nº 406; nº 459, pp. 35/7, nº 404, p. 136.510.Idem, nº 405, p. 281.511.Idem, nº 406, fols. 143-143vº.512.Idem, nº 406, fol. 145vº.513.Idem, nº 409, fols. 8vº, 40.514.Idem, nº 409, fols. 19-20vº, 70vº-77.515.Idem, nº 406, fols. 18vº, 90.516.Idem, nº 940, p. 32; nº 465, pp. 293/6; nº 466, pp. 130/1, 138/140, 158/166; nº 468, pp. 77, 106, 332/346.517.Idem, nº 404. p. 457.518.Idem, nº 468, pp. 204/207.

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régia em data de 9 de Março de 1803, sendo renovada a proibição por edital domesmo governador e capitão general, em data de 6 de Novembro de 1803519.

Contrariando a lei de 1803 temos uma representação dos comerciantes locais,pedindo a revogação, pois Desta proibição tem resultado um geral desgosto edesânimo no comércio e também um considerável número de particulares propri-etários, porque contemplam com susto no ruinoso efeito de uma providência, queatropela a desbarata os seus melhores interesses, e tanto mais se tem dado ao devi-do socorro, com que ele deve ser protegido e auxiliado (...). Nesta contenda o corpodo comércio sofreu o ataque e afinal recebeu o golpe, porque nunca se lhe permi-tiu a sua legítima defesa. Não o podia assim, nem a boa justiça, nem a boa razão.

São três, os pontos principais, que servem de matéria para se atacar a existência,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 249

A questão das estufas

Em finais do século XVIII generalizou-se o uso das estufas no tratamento dovinho. A conjunutura do mercado consumidor era favorável à aceleração do proces-so de envelhecimento. Acabou-se a guerra e cedo os apreciadores do vinho Madeirase aperceberam que lhes vendiam gato por lebre, começando a negar as encomen-das. Rapidamente se encontrou o culpado: Os vinhos estufados, entrando no con-sumo, causaram tão desagradável impressão nos que estavam habituados ao sabor earoma delicioso dos nossos excelentes vinhos de canteiro, que foi logo declaradaguerra às estufas como prejudiciais à reputação dos vinhos da Madeira, e por isso,como já sabemos foram proibidas na cidade do Funchal, pelo edital do governadore capitão general da província, datado de 23 de Agosto de 1802, com aprovação

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX248

Aspectos da antuga estufada firma Blandy Brothers à

Rua de s. Francisco.Colecção do Autor, 1979.

519.D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas, pp. 24/25.

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calamidade pública esta funesta descoberta, que fazendo exportar o vinho mau,deixa o bom e óptimo estagnado, arruinado o nosso crédito524. Contra esta opiniãomanifestou-se um leitor no número imediato525, anotando que a origem da criseemanava da pauta. Quanto às estufas referia que era uma questão de prática, pois oque estava mal eram os abusos praticados, ou seja o estufar o vinho ruim que deveir para o alambique e só para o alambique, o envasilhar o vinho em pipas não avi-nhadas, o meter vinho em estufa forte de 3 meses, o embarcar o vinho antes de pas-sar o tempo que é mister esta sobre o canteiro, uma vez que a uma estufagem bemfeita deveriam seguir-se dois anos de descanso no canteiro para o vinho adquirir oaroma526. Igual opinião tinha D. João da Câmara Leme, que estabeleceu um novoprocesso de tratamento, conhecido como o método de canavial, considerando ométodo eficaz e capaz de manter as qualidades do vinho.

Eduardo Grande, em 1865, no relatório sobre a situação da ilha no post crise de1852, salienta que a crise não se deveu única e exclusivamente à moléstia da vinha,pois que de há muito que ele se preparava pelo descrédito que os vinhos desta ilhaforam pouco a pouco granjeando no estrangeiro, como o abuso inconsiderado dasestufas (...).

Por esta prática lançou-se imprudentemente nos mercados estrangeiros umagrande porção de vinhos, muitos dos quais mal preparados, e estas circunstânciasprovocaram a procura e acarretaram as desconfianças dos consumidores, diminuiri-am a procura e acarretaram uma baixa sensível no preço do género527.

As estufas nunca perderam o estigma do mal que marcou a sua afirmação noséculo XIX e ainda hoje há quem as aponte a dedo.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 251

continuação e conservação das estufas. Eles abrangem diversos argumentos, queserão todos destruídos. O primeiro é o descrédito dos vinhos resultantes do benefí-cio artificial, que se lhes quer fazer por meio das estufas. O segundo, o perigo imi-nente e continuado dos incêndios, em consequência dos fogos mais violentos e atu-rados, com que se trabalhavam as estufas. O terceiro, o prejuízo grave dos fumos,que originam de arder carvão de pedra, que dizem, atacam, alteram, e incomodama saúde dos povos520.

A opinião da Câmara em 1819521 era diferente. Em representação à Junta deMelhoramento, dava conta da quebra do vinho no mercado exportador, como con-sequência da perda de qualidade resultante do uso generalizado das estufas, quedegradando o vinho das suas virtudes essenciais, só lhe dão o cheiro postiço e umaaparência de bondade momentânea, tudo o que era sumo de parreira sem selecçãoalguma se preparava para o embarque. O que abertos, com a paz, os diques da guer-ra, os mercados se inundaram de vinhos já o nosso deixou de servir a necessidadee parto ordinário, contrariando o seu consumo as mesas de luxo aonde o caprichoe delicadeza faz aparecer algumas boteilhas de vinho Madeira... e o vinho estufado,foi rejeitado pelo mercado e as estufas passaram a ser prejudiciais, estando naorigem da decadência e descrédito. São as estufas, pois sabe-se pela experiência quetiram ao vinho as partes balcânicas, de sorte que em muitas praças já os médicos onão aplicam a certas moléstias em que tinham cura feliz e um desse contedesagradável, causa sede e dores de cabeça, sem beneficiar a digestão, de maneiraque na terra se não faz uso desta bebida.... Daqui resulta a necessidade de interdiçãoou de regulamentação do uso da estufagem no trato do vinho para que os donos fos-sem obrigados a manter o cozimento por 10 meses.

Idêntica petição surge em 1821522, clamando-se contra as perfídias estufas. Oscomerciantes em 1834523 reiteraram as afirmações de 1803 e, mais uma vez, mani-festaram-se contra o decreto que impunha o imposto sobre estufas. Ao mesmotempo desfazia-se o equívoco das estufas serem a causa da decadência do vinho, poisfora da ilha também se estufava o vinho e tal não sucedia: As ilhas dos Açores,Canárias e Cabo da Boa Esperança, tem estufas e estas livres de todo o tributo, orase os vinhos estufados tivessem perdido o crédito decerto ali não haveria. Em todospaíses onde há vinhos está a exportação deles livre e livres de impostos todos aque-les que por meio da sua indústria promovem o consumo deles.

Em meados do século, com o agudizar da crise, reacendeu-se novamente aquestão das estufas na imprensa local. Nas páginas do Correio da Madeira afirma-va-se em 1851: O vinho bom não carece de estufa, logo as estufas só servem para oordinário, que se deve fazer para aguardente e consumir nas tabernas (...). É uma

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX250

520.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431.521.ARM, RGCMF, T. 14, fols. 202/203vº. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,

pp. 86-87522.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 100vº/104.523.Idem, T. 17, fols. 103/106vº. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.115-

117

524.Nº 116, p. 2., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.223525.Nº 117, pp. 1/2.526.Ibidem, nº 117, p. 2.527.Sociedade Agrícola Madeirense-Relatório, p. 71.

Cubas em madeira decetim do Brasil. MadeiraWine Company,Perestrellos Photógraphos.Museu PhotographiaVicentes

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Messers. Cossart, Gordon and Co.

Os seus armazéns compreendem três conjuntos diferentes de prédios, conhecidosrespectivamente como os armazéns do Serrado, da Estufa e os armazéns «Pateo», todossituados a uma distância de cinco minutos uns dos outros.

Os armazéns Estufa da Messrs. Cossart, Gordon and Co. compreendem um bloco deprédios com dois andares, divididos em quatro compartimentos diferentes. No primeirodestes, vinhos comuns são sujeitos a uma temperatura de 140 graus Fahrenheit - deriva-da de serpentinas aquecidas com carvão antracite - durante três meses. No comparti-mento seguinte, vinhos de uma qualidade intermédia são aquecidos até 130 graus por umperíodo de quatro meses e meio; enquanto que o terceiro é deixado de parte para vinhossuperiores, aquecidos de modo variado dos 110 aos 120 graus durante um período deseis meses. O quarto compartimento, conhecido como o Calor, não possui serpentinas,mas deriva o seu aquecimento exclusivamente dos compartimentos adjacentes, variandoentre 90 e 100 graus; e aqui são colocados apenas vinhos de alta qualidade. O objectivodeste aquecimento do vinho destruir quaisquer germes de fermentação que per-maneçam nele, e amadurecê-lo mais rapidamente de modo a que possa ser exportadono seu segundo ou terceiro ano sem outra adição de álcool. O uso destas estufas naMadeira data do início do presente século e a maior parte do vinho passa por este ou porum modo semelhante de tratamento antes de ser exportado. Estas estufas artificialmenteaquecidas são apenas usadas pelas maiores casas de exportação, que, no entanto,aquecem aí vinho para outros exportadores a uma taxa estipulada. Outros conseguem oobjectivo desejado, colocando os seus vinhos numa espécie de estufa, onde per-manecem expostos ao calor total do sol. Durante o dia é assegurada uma temperatura de120 a 130 graus, que, no entanto, se torna consideravelmente mais baixa durante a noite- uma circunstância que é observada por muitos como prejudicial para o desenvolvimen-to do vinho. Nas freguesias do campo, onde não existe qualquer forma de estufas, os pro-prietários de vinho colocam as barricas ao ar livre em posições favoráveis para assegu-rar uma acção completa dos raios de sol. …

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 253

Estufas

Agora falarei deste curioso processo de que se tem dito muito mal e bem, e sobre oqual ainda hoje a opinião publica não está inteiramente pronunciada. A estufa nada maisé de que o método de acelerar o desenvolvimento das partículas que constituem aexcelência do vinho da Madeira, isto é, suprir em 3 mezes o que 7 ou 8 annos havião deexigir; e neste inegável principio, sustentarei, que o sistema de estufar a grande maioria dovinho que a Madeira se exporta, he o que a tem sustentado nestes últimos annos em queeste seu único artigo de comercio tem achado poderosos concorrentes nos mercadosestrangeiros, havendo o seu por capricho da moda, sofrido desuso, assim como um eter-no empate o viria estagnar, a não ser o rápido processo que tanto barateou o valor comque pode ser exportado este género, com bom interesse, sem com tudo ser adulterado oufalsificado.

Consiste o processo de estufar vinho, na seguinte maneira.Qualquer que seja o edifício, (em geral são de abobada) deve ser hermeticamente

rebocado, a estuque, deixando se lhe apenas a porta por onde entra o vasilhame, a qualé também entaipada, depois que a cascadura se acha estivada dentro, e apenas se lhedeixa um postigo por onde um só homem possa caber, para ir diariamente examinar comuma lanterna se há novidade dentro. No edifício deve haver uma fornalha, praticada nointerior, porem de maneira que facilmente seja alimentada de fora com o necessário com-bustível, findo o que é fechada. Em todo o circuito do muro da mesma Estufa ha um canoou tubo de cantaria ou tijolo, que faz circular o intenso calor da fornalha por toda a parte,calor que muitas vezes excede a 160 graus de Farenheit, e então o liquido ferve dentro davasilha, como uma chaleira em cima de brasas, tendo se lhe previamente feito um furo nofundo superior, para não arrebentar. Durante 3 mezes ou 100 dias se acha nesta continuafermentação na qual perde em geral 10 por 100 da sua totalidade; então apaga-se a for-nalha, e dias depois vão as pipas para o canteiro, afim do vinho ser tratado. É notável, queaté durante o maior auge de calor, entrão neste Inferno artificial homens a isso acostuma-dos, e com a ajuda da lanterna correm os sinuosos espaços com que o vasilhame estáestivado, e estancão facilmente algum esvaimento, ruptura ou broca.

PAULO PERESTRELO DA CÅMARA Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX252

Estufa de Cossart Gordon& co. Gravura de A.

Vizetelly, 1880

Serrado da firma CossartGordon & co.

Rótulo da colecção daMadeira Wine Company

Page 130: avieira-vinhavinhomadeira

QA questão das aguardentes

Ao processo de estufagem seguia a fase de envelhecimento do vinho no canteiro.A adição de aguardente fazia-se no decurso do processo de fermentação ou já nafase de amadurecimento. Para isso usaram-se, primeiro as aguardentes de França e,depois as da terra.

A generalização do consumo de aguardente nas tabernas e o uso na fortificaçãodo vinho de exportação criaram as condições para o aparecimento de alambiquesna ilha. De França vieram as aguardentes mas também os primeiros alambiques. Em1821 está documentada a presença de 3 alambiques a que se juntou, desde 1822,uma fábrica de destilação contínua, propriedade de Severiano Alberto de FreitasFerraz.

Os vinhos de baixa qualidade passaram a ser queimados nos alambiques, abrindouma alternativa para o consumo dos do Norte, especialmente de São Vicente e SãoJorge. O Decreto-lei de 11 de Março de 1911 acabou com os alambiques para darlugar ao monopólio do engenho do Hinton e à afirmação da aguardente de cana-de-açúcar. Daqui resultou a perda de qualidade do vinho Madeira, que se manteve até1974, altura em que acabou a proibição. Durante este período a aguardente vínicaera um segredo apenas conhecido dos habituais apreciadores.

Ao ancestral sistema de canteiro veio juntar-se em finais do século XVIII a estu-fagem. Tal como afirmava D. João da Câmara Leme o sistema de canteiro não éprocesso aplicável a um largo e importante consumo com a perspectiva de grandeslucros. Deste modo em finais do século XVIII quando a procura aumentou tornou-se urgente apressar o processo de envelhecimento. Ao tradicional método juntaram-se outros: No tratamento dos vinhos da Madeira teem sido empregados três sys-temas bem distintos: - 1º, Systema sem aquecimento; 2º, Systema com aquecimentolento, ficando o vinho em comunicação com o ar ambiente; 3º, Systema com aque-cimento rápido e arrefecimento lento, demorado ou não, em recipiente fechado.528

Até 1821 a aguardente estrangeira teve livre-trânsito no porto do Funchal, situaçãojustificada pela acção benéfica no trato e falta de aguardente local de qualidade. Apartir de então tudo mudou com a introdução dos alambiques de destilação con-tínua. Daqui resultou nova polémica em torno do trato, defesa da qualidade e con-sumo do vinho. São duas as opiniões em confronto. Os que estavam ligados ao trá-fico do género (nomeadamente os comerciantes ingleses) argumentavam em favorda utilidade da aguardente no trato do vinho, ao contrário do que sucedia com a deprodução local. Os proprietários dos alambiques e lavradores eram contrários àentrada por ser lesiva ao escoamento do produto da região e ter efeitos nocivossobre o vinho. Em 1822 deu-se uma viragem no comércio das aguardentes france-sas. Os proprietários locais, aproveitando o momento de crise que se vivia, solici-

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Nas estufas que estou agora a descrever - que, se cheias, são capazes de aquecer1.600 pipas de vinho de uma vez - as pipas são colocadas de pé, em pilhas de quatro,com pipas mais pequenas por cima, deixando-se uma estreita passagem entre as dife-rentes pilhas para permitir a passagem de um homem para se assegurar de que as pipasnão vertem, pois quando sujeitas a elevada temperatura têm tendência natural para ofazer. Um buraco com cerca de um sexto de polegada de diâmetro foi previamente feitono batoque de cada pipa para permitir que o vapor quente saia, caso contrário a piparebentaria. Na realidade, as pipas, não pouco frequentemente, vertem, como depreen-demos das numerosas manchas escuras em várias partes do chão, tornando necessárioque os diferentes compartimentos da estufa sejam inspeccionados uma vez durante o diae uma vez durante a noite, de modo que qualquer acidente deste tipo seja imediatamenterectificado. Cada compartimento possui alçapões duplos, e depois de serem enchidoscom vinho as portas interiores são revestidas com cal, de modo a fechar qualquer aber-tura que possa haver. Quando é necessário entrar na estufa, apenas as portas exterioressão abertas, e um pequeno alçapão nas portas interiores é empurrado para permitir aentrada do homem encarregado que passa por entre as diferentes pilhas de pipas baten-do levemente numa a seguir à outra, para se assegurar de que não há derrame. Ao sairda estufa, depois de ter ficado uma hora, embrulha-se automaticamente num cobertor,bebe um copo cheio de vinho, e depois fecha-se num pequeno compartimento, no qualnão entra ar frio, preparado para esse fim. A Messrs. Cossart, Gordon and Co. nor-malmente coloca os seus vinhos na estufa durante os meses de Janeiro e Fevereiro, oque permite a remoção para outros armazéns antes de começar a próxima vindima.Durante o tempo em que estão na estufa, diminuem uns 10 a 15 por cento pela evapo-ração das suas partes aquosas.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and theWines of Tenerife, London, 1880.

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528.Conde Canavial, Os três systemas de tratamento dos vinhos da Madeira, Funchal, 1900.

Armazéns de CossartGordon & Co.

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Que igualmente as mesmas forem introduzidas voltam a sair na extracção do vinhoque facilitam e engrossam os direitos da Alfândega por entrada e por saída. Sendode maior atenção a grande qualificadíssima qualidade de ser o género, que semempecer a extracção do nosso concorre a dar-lhe reputação e maior valor em preçoe que depois de pagar direitos a S. M., constitue com decoro do reino as espéciesactivas dos nossos vinhos, visto que os desta ilha na concorrência dos mais daEuropa e ainda dos do nosso reino só tem puridade e preferível estimação na fer-mosa consistência em que por decurso do tempo se vão elevando a tal grandeza egenerosidade, que constituem as delicias dos que a preços altos os compram; purezae tão substanciosa que pelos muitos anos em que os outros a pedem nesses mesmosadquirem e sustentam os desta ilha.

Em consulta de 31 de Maio537, sobre o mesmo assunto, argumenta-se com a con-corrência dos vinhos estrangeiros no mercado internacional e a necessidade do dailha ganhar mercado, não pelo baixo preço, o que era impossível, mas pela quali-dade e propriedade de se melhorar com o tempo. Ora, tendo em conta que aduração e distinta qualidade dos vinhos depende da indispensável lotação deaguardente de França, principalmente naqueles que pela sua riqueza, como pro-duzidos em terras impróprias, lhes faltam os espíritos para se conservarem e que adita lotação vem o fazer decorosa a reputação do reino, e a sua utilidade e a leva-los,ou conservá-los reciprocamente útil, tornava-se útil a introdução limitada, pois quetinham a estimável qualidade de não fazerem as da terra, conhecida a lotação dosvinhos pelo impermutável benefício que lhes fazem.

A Junta autorizou em 1782538 a entrada de 20 vasilhas de aguardente de França,e em 1793539 aceitou um contrato com particular por nove anos a 1200 réis por galão.A propósito comentava-se: Primeiramente tem a experiência demonstrado com amagnificência, que os vinhos desta ilha, único, mas muito considerável ramo dele,sendo concertado com as genuínas aguardentes de França conservam por meiodeste benefício a sua primitiva e generosa qualidade e senão arriscam a decair dela,como tem acontecido, introduzindo-se em seu lugar aguardentes adulteradas,... quenão só adulteram os vinhos, mas os fazem perder a superior qualidade que dáorigem à sua extraordinária exportação.

A questão foi de novo ateada nos anos vinte do século XIX. As aguardentesimportadas perdem importância. A 23 de Agosto de 1821540 a Câmara do Funchalem petição às Cortes clamava pela interdição de entrada, como forma de acudir àcrise, e para que os vinhos de sua produção fossem adubados só com as aguardentesfabricadas nesta província, que não só podem abastar, mas que são de qualidade equilates superiores a todas as aguardentes conhecidas, não podendo, de modoalgum, ser igualadas em bondade por outra alguma conhecida, uma vez que operam

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taram a proibição o que veio acontecer por lei de 31 de Julho de 1822.A Madeira desde o século XVI que exportava aguardente para o Brasil e Angola,

mas o uso na fortificação dos vinhos parece ser mais tardio. As referências são maisfrequentes a partir de meados do século XVIII. Em 1704 W. Bolton refere que sefazia a adição de aguardente de França aos vinhos de exportação, tendo recebidodesde Londres 10 pipas529. No Porto a prática generalizou-se a partir de 1730530. Omercador Francis Newton refere em cartas de 1752 e 1753 que o uso de adicionaraguardente aos vinhos era corrente531. Acontece, ainda, que os mercadores da NovaInglaterra e Virgínia eram favoráveis à adição de aguardente. Na correspondênciacomercial dos mercadores ingleses é insistente a referência ao efeito benéfico da for-tificação dos vinhos com aguardente532.

A História do alambique remonta ao tempo dos Romanos, mas foram os árabesque aperfeiçoaram o mecanismo e o divulgaram na bacia mediterrânica533. EmPortugal está documentado desde o século XVI. Na Madeira não sabemos quandosurgiu o primeiro mas, de certeza que no século XVI deveriam existir uma vez queestá documentada a exportação de aguardente para Angola e o Brasil. A referênciamais antiga a um alambique é de 1667, altura um que o convento de Santa Claravendeu uma caldeira de cobre de fazer aguardente a Manuel da Fonseca, mercador,por 31$200 réis534. Depois disso só em 1745 surge nova informação sobre um outroalambique que funcionava no Seixal, no Norte da Madeira535.

Desde 1777536 temos indicação sobre o trato do vinho da Madeira com aguar-dente importada de França. Num requerimento dos negociantes solicitando a entra-da de aguardente, a Junta, tendo em conta o momento de crise e o facto dos poucosvinhos ainda exportados serem loteados com a aguardente, por razão da sua gene-rosa qualidade e por outra esquisita, de se não perceber a lotação dela com os vi-nhos, se fazia decente a sua entrada, mas de modo controlado, pois que não impedea extracção do pouco que nesta ilha se fabrica... nem também obsta o consumo inte-rior, tanto pelo alto preço com que entra a de França sem se poder por isso reex-portar, a menos aplicar-se a outro uso que não seja aquela mesma utilíssima lotação.

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529.The Bolton Letters. The Letters of an English merchant in Madeira, Funchal, 1960, p.34; Rupert Croft-Cooke, Madeira, p.39530.Alarte, Vicencio [A Agricultura das Vinhas e tudo o que Pertence a ellas até o Perfeito Recolhimento do Vinho e Relação

das suas Virtudes e da Cepa, Vides, Folhas e Borras, Lisboa, na Officina Rela Reseandesina, 1712] recomendava o usode três galões de aguardente por pipa de vinho.

531.Rupert Croft-Cooke, Madeira, London, 1961, p.50532.Em carta de John Leacock para o seu irmão refere-se o seguinte: …as brandy is such na essential help to the wines, we

shall make it a constant rule to give all our wines that go round a sufficient portion. We find that all those houses who aremost noted for putting an extra quantity of it in their wines meet with more success in pleasing their correspondentsthanwhose who ships much better wines, that do not adopt method of makingthem up.. Indeed in the course of eight or ninemonths continual agitation on board a vessel, the extra fire and spirit of the brandy must be much exhausted & softened,and the wine receive the strength which is quite different when the wines remain quiet and undisturbed in our stores, thenthe additional dose of brandy as you know from experience takes away the flavour & pleasantness of the wine and is veryapt to give it a disagreeabke hars twang. [Rupert Croft-Cooke, Madeira, London, 1961, pp.57-58]

533.João Inácio Ferreira Lapa, Artes Chimicas, Agrícolas e Florestaes ou Technologia Rural, vol. I, Lisboa, 1865; AvelarMachado, Subsídio para a História da Destilação, Informação Vinícola, nº.10, 1950, pp.1-2: idem, O Alambique através dosTempos, in Informação Vinícola, nº.13, 1950, p.4; Margarida Ribeiro, Alguns Aparelhos de Destilação em Portugal, inBoletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, Lisboa, 1989, nº91, t.I, pp.125-147

534.ANTT, Convento de Santa Clara, maço 2, 10 de Maio de 1667.535.João Adriano Ribeiro, Porto Moniz. Subsídios para a História do Concelho, Porto Moniz, 1996, p.93.536.ANTT, PJRFF, nº 942, pp. 19/20.

537.Idem, nº 411, pp. 32/33.538.Idem, nº 942, fol. 96.539.Idem, nº 761, pp. 196/197.540.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 100vº/104, 263/264., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,

Funchal, 1993, p.95

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31 de Julho de 1822 proibiu a entrada das aguardentes estrangeiras e sobrecarregouas nacionais com 60.000 réis de direitos por pipa543. F. Manuel Alves544 refere a neces-sidade de importação de 2000 pipas de aguardente de França, uma vez que estaaguardente é de qualidade tão superior, que parece um pouco difícil suprir a suafalta e isto principalmente pelas seguintes razões: a diminuta porção, que aqui se fazde aguardente da terra, por falta das caldeiras de moderna invenção, tem muitofleuma e um gosto agenebrado que por isso comunica um sabor desagradável dosvinhos. Para Diogo Dias de Ornelas545 a exposição era um elogio camuflado aocomércio da aguardente francesa, pois que o importante era contrariar a impor-tação, apoiado nas seguintes razões: 1- porque ela aumenta e torna mais difícil aexportação dos nossos vinhos, em razão de importação de 3 para 4 mil pipas. 2-porque nos faz dependentes dos estrangeiros, por falta de indústria nacional, o queé um grande mal. 3- porque favorece o monopólio de 11 ou 12 negociantes (quasitodos estrangeiros) com notável detrimento público. 4- porque em consequênciadessa importação se fazem muitos contrabandos, e se cometem (segundo dizem)gravíssimas peculatas. 5- porque de envolta com essa aguardente entram outrasbebidas espirituosas, que nos vem arruinar nos bens, e na saúde, fazendo grandeestrago na população com as epidemias que elas originam neste clima, como aexperiência o tem mostrado. 6- porque ele não é tão superior como V. M. diz, poisque sendo deitada em vinho fraco, tanto degenera, que por fim à força deaguardente que é preciso deitar-lhe, transforma-se o vinho nela. O que não sucedeao vinho bom e generoso, porque este conserva-se ate com água, sendo em poucaquantidade. 7- porque nos tira, todos os anos dois milhões de cruzados, pouco mais,ou menos. 8- porque não dá lugar a que se fervam os nossos vinhos de ínfima quali-dade e por conseguinte concorre para que estes com facilidade e falsificados seembarquem, com empate dos vinhos bons e nosso descrédito. 9- finalmente,porque proibindo-se essa importação, sacudiremos parte do jugo em que jazemosmanietados e em vez de darmos o nosso dinheiro em troco de aguardente francesa,talvez que em breve nós recebamos grande cópia de numerário pela nossa. A istocontrapõe Francisco Manuel Alves546 os inúmeros prejuízos provocados pelaproibição: 1- privar o erário do rendimento, de 50 contos de reis anualmente, 2-perder o benefício de exportação dos vinhos, que se embarcam em troco, para paga-mento da aguardente de França, 3- o risco que há de que os vinhos do norte destailha rebaixa muito de preço, com grande perda dos lavradores e dos senhorios dasterras, ou que a aguardente da terra seja muito cara, com prejuízo dos habitantes....

Para o cidadão que assina hum português547 a aguardente que entrava na ilha nãoera boa, o que se demonstrava pela quantidade que se gastava para fortificar o

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tanto no concerto e trato dos nossos vinhos, em uma medida dada, quando produzo dobro de aguardente de França, além do benefício, que resulta da sua naturezahomogénea. Elas só tem um fumo, a que chamam fleuma, causado pelas máquinasimperfeitas, que ora se fabricam. É por certo, que ainda lançado nos vinhos comeste sabor, passados quatro, ou seis meses este desaparece e se não conhece demaneira alguma e nunca se percebe sendo laudas no mosto, antes pelo contráriolhes dá uma qualidade realçada. As medidas assentavam na máxima de ser um errocapital na economia política receber de fora as produções e manufacturas de que opaís não carece, antes abunda.

Eram os ingleses que traziam grandes somas de aguardente de França, Itália eEspanha e as adulteravam na viagem, pelo que se interditou a entrada em 1760.Apenas se permitiu o tráfico e começou a haver a arbitrária permissão de entradade pequeno número de pipas de aguardente de França, para adubar alguns vinhosde embarque; liberdade, que foi crescendo de dia para dia ate o enorme abuso quechegou esta importação, que por ser uma infracção às leis deve ser sistematicamenteabolida. A proibição das aguardentes francesas justificava-se em razão do impasseque se vivia: Muitos especuladores estão à espera de que se firme a proibição dasaguardentes estranhas na ilha para fazerem apontar imediatamente nas máquinasaperfeiçoadas para entrar na sua laboração, não se animando a isso pelo perigo deperderem o seu cabedal e a sua esperança. Isto é um incentivo poderoso para quese decida a sua positiva proibição quando antes, muito principalmente havendo nailha, actualmente, aguardente bastante e sobeja para os vinhos que produzir a co-lheita próxima. Não será porém fora de prudência para evitar qualquer paralisaçãoque a demorada chegada das novas caldeiras pode ocasionar, ou as cautelas doscomerciantes possam opor em ódio desta inovação salutífera, dar-se algum tempopara que as aguardentes, que não tiveram tempo de ser contra mandadas, sejãoadmitidas a despacho da Alfândega. Todas as manifestações contrárias vinham desectores próximos dos ingleses: A proibição de todas e quaisquer aguardentes, é umpoderoso meio de salvar a ilha da inevitável desgraça, que ameaça; toda esta provín-cia instantaneamente o pede, e esteja V. M. persuadido, que só estas pessoas aditasaos ingleses e por eles subornadas, ou miseráveis publicanos, que preferem o seuparticular interesse ao bem da pátria e a felicidade comum, ou na Alfândega fazemcriminosas especulações em o próprio e parte da nação podem duvidar desta ver-dade e afectar (sic) ser de opinião contrária.

A 9 de Outubro541 foi permitida a entrada das aguardentes sobrecarregadas comgravosos direitos. Daí ter-se enviado nova representação às cortes em 19 de Abril de1822542 contra a medida surgida de surpresa., A resolução de Outubro deu azo aacesa polémica, nas colunas do Patriota Funchalense, perdurando até que a lei de

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541.Idem, T. 15, fols. 24/26.542.Vide O Patriota Funchalense, nº 9, pp. 1/3, nº 25, p. 4, nº 30, p. 2, nº 31, p. 4., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.

Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 99

543.Patriota Funchalense, nº 123, pp. 3/4.544.Idem, nº 9, p. 3.545.Idem, nº 11, pp. 3/4.546.Idem, nº 11, p. 4.547.Idem, nº 12, pp. 3/4.

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pudesse funcionar como medida impeditiva.A discussão permite tirar várias ilações sobre a índole sócio-económica do movi-

mento a favor e contra a importação de aguardente estrangeira. A maior parte dosproprietários rurais do Norte e Sul eram favoráveis à interdição das bebidas, porqueconsideravam a medida vantajosa para as vendas, aliviando as próximas colheitas ouo vinho armazenado que não tivesse saída. Os comerciantes que se dedicavam aocomércio das aguardentes estrangeiras eram de opinião contrária. Para os ingleses eacólitos, a entrada das aguardentes era um meio de fácil saque. Já os pequenos pro-prietários do Norte exerceram uma forte pressão, uma vez que o destino das co-lheitas dependia da solução encarada.

A instabilidade política no continente provocou alguma desconfiança das institu-ições locais perante a iminência de novas medidas que pudessem surgir de Lisboa.Assim, em 8 de Agosto de 1823556, após a Vila-francada (em Maio), a Câmara re-presentava para que com a mudança das causas se não faça alguma alteração naque-las providentes leis, visto haver ainda, quem tendo só em consideração os seuspróprios interesses e em nenhuma conta a prosperidade pública desta provínciadeclama e representa contra a disposição destas leis”. Mas o Conde de Subserra poraviso de 12 de Março de 1824557 sossegou-os confirmando-as.

As constantes alterações e a extrema fragilidade do sistema político, na primeirametade do século XIX, contribuíram para o arrastar da crise porque as medidas tar-davam em chegar e as soluções provisórias eram ineficazes e pelo imperfeito rota-tivismo de domínio dos diversos interesses conduzia a uma variedade opção em facedos acontecimentos, que se materializava muitas vezes em soluções ou medidasdiferentes, de acordo com os interesses em jogo. Assim, enquanto em 1794558 seproibiu a entrada de certa porção de aguardente de Valença, em 1810559 tivemosmedidas de excepção com a permissão de entrada de 3.600 galões de aguardente,livre de impostos para a tropa ocupante da ilha. Em 1821 deu-se entrada a 6 pipasde aguardente de Londres para José Rebello560 e de 180 pipas de Bordéus para T.H. Edwards & Ca.561. Mas já em 1822 o juiz da Alfândega apreendeu uma pipa deaguardente a Philip N. Searle, dizendo ser estrangeira562, mas por sentença do Feitorda fazenda de Lisboa em 1825563, confirmou-se ser fabricada na ilha do Faial emalambique, dando-se a devida autorização de entrada. O caso demonstra a dispari-dade de opções entre Lisboa e a ilha. Pelo menos assim o devia entender o comer-ciante que em face da apreensão fez apelo aos tribunais do reino e não aos da ilha.

Em 1823 gerou-se acesa polémica acerca de um requerimento de Murdoch Wille& Ca., casa da companhia nova, em que solicitava a admissão de 400 pipas de

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vinho. A boa aguardente de França, que se importava directamente, era muitoreduzida, a outra exportada de Londres para aqui, sabido é que lá foi enfraquecidacom água para a pôr no quilate lã permitido a essa aguardente, ademais vem deEspanha e Itália muitas vezes adulterada. Além disso a introdução estava na origemda estagnação dos vinhos e da desgraça dos madeirenses. Desta forma era útil ainterdição de entrada e a concessão de empréstimos pelo erário público para com-pra de alambiques para destilar o vinho baixo da ilha. A medida proibitiva mereceua gratidão dos proprietários, uma vez que contribuía para o escoamento dos stocksde vinho. Foi assim que se manifestaram os proprietários António de França Neto548

e Diogo de Ornelas549, para quem a lógica do Sr. F. Manuel provoca náuseas, esclare-cendo-se acerca da pessoa em causa: Deve saber-se que o Sr. Francisco ManuelAlves não é proprietário, nem negociante de vinhos e que por dever de amizade einteresse é mui afeiçoado a alguns senhores negociantes ingleses. Declaro isto, nãopara ofender, mas para o critério avaliar-nos”550. O articulista Hum Português551

acrescentava a discussão o seguinte: A aguardente que eles nos trazem será porven-tura um efeito da sua filantropia? Não será antes para nos por na sua dependência,para terem mais um artigo de contrabando e de monopólio e com fim parareduzirem o preço do nosso vinho B mais Ínfima expressão.

O polémico Estrela do Norte552 atacou, não só a opinião do Sr. Alves, como odecreto aprovado em Cortes, que permitia a entrada das aguardentes nacionais, poisas pipas de aguardente, que entram em nosso porto são mais temíveis, que oscorsários insurgentes553, que podem olhá-las como outros tantos inimigos, que lhesvem roubar o sangue e dar morte violenta aos seus interesses.

O redactor de O Patriota Funchalense, N. C. Pitta554 considerava a lei de 9 deOutubro, como prejudicial, porque no comércio com o reino não havia contra-partida: Numa tal colisão, antes continuasse a importação de aguardente estrangeira,pois como esta era importada pelos ingleses e estas são quasi os únicos consumi-dores e exportadores do nosso vinho, era-nos mais vantajoso receber deles aaguardente, dando-lhes em troca vinho, que recebê-la de Portugal, que nos arruína,levando o nosso numerário e impedir do que fervamos os nossos vinhos, na certezade não acharmos compradores, por terem igual género de Lisboa muito mais bara-to555. Mais uma vez os privilégios exclusivos eram anti-constitucionais, ficando-sepelo meio-termo, pedindo-se apenas um aumento dos direitos de importação daaguardente nacional de 7.600 réis para 40.000 réis, esperando que esta medida

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548.Idem, nº 13, pp. 3/4. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 195-197549.Idem, nº 13, p. 4; nº 14, p. 4.550.Idem, nº 14, p. 4.551.Idem, nº 14, p. 3.552.Idem, nº 26, pp. 3/4553.Os corsários insurgentes surgiram entre 1818/9, actuando de modo especial no mar circunvizinho dos Açores e Madeira.

Estes corsários eram de proveniência argentina e actuavam aqui contra os portugueses e espanhóis em represália daacção da invasão portuguesa em face da guerra da Argentina. Até ao momento era desconhecida a sua acção nesta área,só uma investigação por nós feita e m vias de publicação deu-nos a possibilidade dessa descoberta.

554.Patriota Funchalense, nº 40, pp. 1/2.555.Idem, p. 1.

556.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 99vº/100, vide representação de 3 de Janeiro de 1823; idem, T. 15, fols. 119vº/121.557.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 133/134vº.558.ANTT, AF, nº 238, fols. 2vº.559.Idem, nº 238, fols. 137vº, 141.560.Idem, nº 240, fols. 20/21vº.561.Idem, nº 240, fols. 33vº, 49/49vº, 54vº/55vº, idem, PJRFF, nº 405, pp. 335, 378, nº 406, fol. 20, nº 450, pp. 7/8.562.ANTT, AF, nº 240, fols. 68vº, 89vº, nº 406, fol. 53vº.

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aguardente praticado pelos navios franceses Le Renard e L’Americaine, sob a com-placência de quatro guardas de número da Alfândega: não pode a Junta deixar deestranhar que haja pessoas tão pouco zelosas do seu crédito e de sua mesma pátriaque por tão ridículo interesse sacrifiquem o maior bem dela com desprezo da maissábia e providente lei constituindo-se os autores de semelhante falta pouco dignosda estimação pública e de qualquer carácter de representação que os distinga, ouclasse de comércio a que pertençam572.

Para o ano de 1827573 ficou reservado o maior escândalo de contrabando atéentão praticado no Funchal. A apreensão de certa quantidade de aguardente aFrancis Gordos foi o mote. A Câmara e a opinião pública em geral574, manifestaram-se contra o sucedido apontado a necessidade de medidas severas, como o derra-mamento no calhau. No entanto, inadvertidamente, a Junta em 7 de Outubro aadmitiu a aguardente e solicitou à Câmara a permissão para o livre consumo. Em1839575 foi encontrada a boiar no mar uma pipa de aguardente, perdida do contra-bando, arrematada em hasta pública. Ainda, segundo Ruppert-Coock576, um navioalemão teria desembarcado na baía de Câmara de Lobos 300 caixas de gin queescondeu na furna dos lobos, sendo depois encontradas, por um par de namorados.

Perante a inépcia da vigilância da costa e a continuidade da acção fraudulenta nabaía do Funchal, através da manifesta corrupção de grande número de guardas daAlfândega, perguntava-se o articulista do Funchalense Liberal: De que serve entãodizer - fica proibida a importação das aguardentes estrangeiras na ilha da Madeira -se se desprezam os meios de tornar efectiva essa proibição?.O Correio da Madeira,em 1851, lamentava a triste sorte da ilha com o aparecimento tardio dos alambiques:Se nas grandes e felizes épocas desta ilha houvesse alambiques, não teriam exporta-do para os mercados estrangeiros vinho de má qualidade que muito desacreditou onosso comércio, e este erro manifesto nos teria reduzido há extrema indigência, nãovir a providente, a mil vezes bem calculada e restauradora medida consignada nacarta de lei de 2 de Agosto de 1822577. Mais afirmava que a defesa do vinho, em faceda concorrência do Porto e Xerez, deveria ser afrontada com medidas de defesa dareputação e qualidade. Minorando os gravames do nosso vinho, facilitando-lhes epromovendo-lhe o consumo e guerreando o contrabando da aguardente - que é umatraiçoada investida, um hostil assalto ao nosso produto já tão sobrecarregado e víti-ma do flagelo da pauta - que embaraça a nossa agricultura, dificulta o nosso comér-cio, rouba-nos o pão de nossas famílias, o interesse de nosso trabalho e ate cedo nosesbulhará de nosso tecto protector578.

A importação das aguardentes é apontada como uma das origens da crise. Até1821 argumentava-se a favor da de França, como meio único e necessário para o

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aguardente de França. A Junta em face do pedido solicitou o parecer das câmarasde Machico, Calheta, Ponta do Sol, S. Vicente564 e do Funchal565. Os comerciantes eproprietários do Funchal em representação conjunta manifestaram-se contra orequerimento, apontando: Já ninguém duvida que os novos alambiques destilamcom nossos vinhos aguardente de superior qualidade, tanto para consumo de vinhosnovos, como de velhos, enquanto guardado de um para outro ano, capaz de rivalizarcom a melhor, que aqui nos tem vindo de França, desta verdade estão todos con-vencidos, ate às casas de comércio estrangeiras da maior inteligência, dignidade erespeito. Pressente-se a força do novo comerciante enriquecido com os lucros dasnovas fábricas de destilação contínua e que começaram a dominar e fazer valer osseus interesses. Entrávamos na época dos alambiques e dos proprietários de fábricasde destilação há pouco enriquecidos. A opinião terá acento na Câmara do Funchal,por intermédio, certamente de Severiano de Freitas Ferraz, daí a negativa ao reque-rimento citado antes se manifestando pela aplicação imediata da lei de 2 de Janeirode 1824566.

Idêntica força se fez sentir na decisão da Junta em 17 de Março de 1824567, aoindeferir a mesma pretensão assim justificada: Apesar que as Juntas passadas te-nham muitas vezes representado a necessidade absoluta de entrada de semelhantegénero ate persuadidas que das aguardentes de França dependia a estima e particu-lar conceito que os vinhos da Madeira tinham no mercado estrangeiro, tem-se real-mente conhecido que esta opinião provinha da falta que então havia da indústriaalambiques próprios para fazer sem os defeitos com que então se destilava, porémagora que a falta de comércio, minorando a exportação dos vinhos promoveu estaindústria mandando muitos vir de França os melhores alambiques nos quais se faza maior perfeita destilação, seria para os empreendedores a admissão pedida, ummal gravíssimo e para sua indústria e ate talvez tornar na aguardente desta ilha umramo de exportação preferível às de outro país, atendendo à melhoria dos vinhosque é extraída.

Os comerciantes que teimavam no negócio rendoso das aguardentes restava ape-nas o afrontamento às medidas interditivas com o recurso ao contrabando. A costaentre Machico e a Calheta oferecia enseadas desprotegidas e não vigiadas pelasforças militares, o que facilitava o contrabando568. A primeira referência surge em1823, com a apreensão pelo juiz da Ribeira Brava569, no lugar de Baixo do termo daVila da Ponta do Sol, e do juiz da Alfândega na baía do Funchal de 7 pipas, da chalu-pa inglesa George the Fourth570. Em 1825571 a Junta denunciou o contrabando de

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563.Idem, nº 240, fol. 175vº.564.ANTT, PJRFF, nº 774, p. 126.565.Idem, nº 406, fol. 84.566.Idem, nº 406, fol. 91vº; ARM, RGCMF, T. 15, fols. 129vº/130.567.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 117vº/119.568.ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 169/169vº.569.Vide o Defensor da Liberdade, nº 25, p. 2; nº 28, p. 1; nº 36, p. 1; O Funchalense Liberal, nº 1, pp. 2/3; nº 6, pp. 1/3; Correio

da Madeira, nº 113, pp. 1/2, nº 115, pp. 5/6, nº 119, p. 3, nº 120, p. 3; Ruppert Crooft Coock, ibidem, pp. 87/88.570.ANTT, AF, nº 240, fols. 73vº, 89vº.571.Idem, nº 240, fol. 72vº.

572.ANTT, PJRFF, nº 406, fol. 173.573.Idem; veja-se O Funchalense Liberal, nº 6, pp. 2/3, nº 7, pp. 2/3.574.ARM, RGCMF, T. 16, fols 67vº/69vº.575.O Defensor da Liberdade, nº 28, p. 1, nº 35, p. 1.576.ANTT, PJRFF, nº 467, fol. 75vº.577.Idem, nº 407, fol. 189vº.578.Idem, ibidem, pp. 88/89.

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reis). Em Abril584 recomendava-se o envio via Londres, que talvez seja menos dis-pendioso, mais seguro. No mesmo ano Severiano de Freitas Ferraz construiu umalambique de destilação contínua baseado no modelo francês, contribuindo paraisso as viagens que havia feito a França para se instruir na química de destilação devinhos. O Patriota Funchalense não deixou passar a oportunidade, fazendo o elogiodas potencialidades da região e dos sábios que abarcava: não é a primeira vez quetemos visto engenhosas produções de mecânicas de um hábil e patrício, Severianode Freitas Ferraz, e por isso faltaríamos aos deveres de patriota, se deixássemos deanunciar aos nossos concidadãos um novo alambique de vapor, que aquele cidadãoacaba de construir. A simplicidade do seu mecanismo o faz um tanto maisrecomendável e a perfeição do espírito que destila, parece-nos superior ao quetemos visto. Seria para desejar que vista a determinação do soberano congresso emmandar vir alambiques de França para se venderem ou arrendarem por conta daFazenda Nacional nesta província, se fizesse aqui a despesa com a mão-de-obra,concedendo-se a quem teve tanto trabalho o empréstimo de 500.000 réis para o fa-brico daquele alambique em ponto grande, pois só deste modo se anima a indústria

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trato dos vinhos. Mas a partir de então tivemos medidas proibitivas, justificadas pelaprodução e boa qualidade da aguardente da terra e dos novos alambiques de desti-lação contínua em funcionamento. O ano de 1821 marca a viragem do domínio dogrande comércio das aguardentes de França, sob a alçada dos ingleses, para o dosproprietários de fábricas de destilação contínua, interessadas no comércio dos vi-nhos do Norte por meio da destilação, no que certamente se nota um predomíniodos proprietários do Norte em relação aos do Sul. A partir daqui processou-se umamomentânea alteração das rotas da aguardente, via Gibraltar ou Inglaterra, lesandode modo directo os ingleses, a parte mais interessada no negócio. Sucederam-sereclamações, mas iam longe os tempos áureos de 1640 e 1810. A única possibilidadede furar o embargo estava no contrabando. Foi necessário reconverter os velhos cir-cuitos do negócio. Mas enquanto isto sucedia a crise dos anos 50 e 70 fê-los arru-mar as malas e partir.

Em 1821 temos referência de três alambiques de destilação contínua, em notíciasque colhemos no Patriota Funchalense579. O de Frederico Castro Novo funcionavaaos Moinhos, destilando vinhos de toda a ilha580. Em 1822581 junta-se a fábrica de des-tilação de Severiano Alberto de Freitas Ferraz com dois custosos e aperfeiçoadosdestinatários, aonde se tem fabricado a mais perfeita aguardente.

A Junta tomou a iniciativa de solicitar a João Francisco de Oliveira, encarregadode negócios em França, um alambique de destilação contínua582. Em Fevereiro de1823523 o Tesoureiro geral solicitou dois alambiques no valor de 5000 francos (80 mil

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579.TERTULIANO TORÍBIO DE FREITAS VERGOLINO: Anuncia aos respeitáveis patrícios seus Tertuliano Toríbio de FreitasVergolino, que faz aguardente de vinho e de borra, toda capaz para concerto de vinho; de borra para ser boa J preparadae restilhada e sendo de vinho extraída do quilate que seu dono quiser, pela primeira destilação feita de vinho por 2.600 reiscada pipa de 23 almudes, entregando a produção com quilate subido e as aguardentes fracas correspondentes, pipa debarra com 23 almudes primeira destilação por 2.600 reis e pelo preparativo e destilar 100 reis por cada galão que estufar,tudo feito sem impostura [Patriota Funchalense, nº 36, p. 4.].PEDRO PETRELI SANTA CRUZ: Pedro Petreli Santa Cruz, estabelecido com uma fábrica de destilar aguardente, no sítiodos Moinhos, notícia ao público, que ele faz aguardente de diversas qualidades, fazendo uma de que já se pode fazer usopara os vinhos novos e outra que passados alguns meses serve para se deitar em vinhos, sem que se possa conhecer sefoi feita na terra ou em França [Idem, nº 36, p. 4.]. Pedro Petreli Santa Cruz, tendo observado que com alguma inconsider-ação se escreveu contra as aguardentes fabricadas nesta província supondo-se-lhes imperfeições, que na verdade nãoexistem, faz saber ao respeitável público desta mesma província, que na sua fábrica, nos Moinhos, ele tem dado provas nocurto espaço de três meses de que na sua fábrica faz aguardentes de melhor qualidade de que muita de que se importaneste país, tendo oferecido mostras delas sem imperfeições, que conservadas alguns meses aparecem como as de mel-hor lote que vem de França, o que tendo feito patente ao soberano congresso, por tais tem sido acreditadas, mostrandoassim a este público que a chegada do alambique, que mandou vir de França pelo seu colega Frederico Castro Novo, pro-porcionará a este país de fazer aguardente superior à estrangeira. Anunciando o exposto, ele assegura aos habitantesdesta província que em breve lhe demonstrará sua asserção de um modo que se convençam os que falavam teoricamentee que não duvida auxiliar as observações dos que duvidam de uma verdade hoje conhecida de mor parte dos inteligentesdesta cidade [Idem, nº 57, p. 4.].FREDERICO CASTRO NOVO: Faz-se saber aos proprietários e negociantes, que achando-se estabelecidos os alambiquesda última invenção, que trouxe de França Frederico Castro Novo e tendo-se já fervido neles vinhos, ainda os da mais baixaqualidade, se verifica conseguir-se a mais perfeita aguardente, que rivaliza bom a melhor de França, o que promete a estaprovíncia as maiores vantagens, portanto os que quiseram ferver vinhos, se dirigirão aos seus directores, que pelo resul-tado se lisonjeiam convencê-los do que tão francamente lhes anunciam [Idem, nº 81, p. 4.]. Frederico Castro Novo, dese-jando manifestar ao respeitável público o vivo interesse que torna sem ser-lhe útil, fazer prosperar o estabelecimento quevem de procurar a esta província com os novos destinatários d’aguardente faz saber que o preço dos cozimentos ficamreduzidos a 100 reis por almude de vinho, assegurando que as grandes despesas, que deve fazer, são o forte motivo denão poder prestar-se mais comodamente, como sinceramente desejava [ Idem, nº 85, p. 4.].

581.Cf. Pregador Imparcial da Verdade, no.44, 47, 49 [1827]582.RGCMF, T. 15, fols. 24/26.583.ANTT, PJRFF, nº 759, pp. 442/443. 584.Idem, nº 759, p. 445.

Garrafas de vinho velho.Pereira de Oliveira, Ldª

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lação de fábricas de destilação contínua.A partir de finais do século XIX

mudou o panorama económico da ilhacom a valorização da cana-de-açúcar naagricultura, donde se passou a fabricarálcool e aguardente que passaram a teruso local e na exportação. A disponibili-dade da aguardente de cana levou à uti-lização no tratamento do vinho até1967594. A situação da indústria levou ogoverno a estabelecer regras no sentidode disciplinar e frenar o consumo exces-sivo de aguardente. Em 1911 concedeu-seo monopólio do fabrico de açúcar à casaHinton595.

O consumo excessivo da aguardentelevou o governo a conceder a distribuiçãoem regime de monopólio, por 25 anos, àCompanhia da Aguardente da Madeira eem 1939 fecharam-se 39 das 48 fábricasem funcionamento. Isto teve reflexos naprodução vitivinícola, uma vez que con-duziu à proibição de funcionamento dosalambiques para queimar as borras ouvinhos maus, passando-se a usar aaguardente de cana no tratamento dovinho. Com a criação da Junta Nacionaldo Vinho toda a actividade de controlodo álcool para a beneficiação do vinhopassou a depender da delegação regional,passando em 1979 para o Instituto doVinho da Madeira até 1992, altura emque foi liberalizada a venda porimposição da CEE.

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e remunera os trabalhos de quem deseja ser útil à Pátria585.Perante a situação a Junta a 2 de Setembro586 anulou o pedido de um alambique,

justificando a atitude pelo facto de Severiano de Freitas Ferraz ter inventado ummaquinismo de alambique de destilação contínua, no qual afiançava melhores resul-tados do que o dos últimos inventos de França existentes neste país. A posição esta-va baseada no parecer dos químicos e engenheiros da Sociedade Funchalense dosAmigos das Artes e das Ciências que mostraram os mais lisonjeiros resultados domesmo invento. A Junta logo emprestou 600.000 reis para a construção do novoalambique, animando ao mesmo tempo a continuação de novos inventos. Em1826587 o mesmo inventor possuía a melhor fábrica de destilação da ilha que, segun-do informação de 1827588, se compunha de cinco perfeitos aparelhos de destilaçãocontínua habilmente dirigidos, e com toda a vigilância e exactidão.

As leis proibitivas, a partir de 1822, foram um incentivo à proliferação das fábri-cas de destilação589. Os alambiques expandiram-se rapidamente no perímetro dacidade e meio rural onde o vinho assumia importância. É o caso da vertente Norte,onde se produziam os vinhos apropriados para a destilação. Em 1827, Frederico deCastro Novo tinha montada uma oficina para construção de alambiques novos ouconcerto de velhos590. Já em 1851 J. J. Nóbrega591 refere para o Funchal seiscaldeireiros, latoeiros e funileiros. Segundo J. Silvestre Ribeiro existiam na ilha, emmeados do século XIX, treze alambiques, sendo três no Funchal, um em SantaCruz, um em Ponta do Sol, um em Porto Moniz, um em Ponta Delgada, três em S.Vicente, dois em S. Jorge e um no Faial, que ferviam em média por ano 7 a 8000pipas592. Em 1785, segundo G. Pery593 o número elevava-se a 15. Dos três existentesem 1821 se evoluiu de modo rápido, em cerca de 30 anos para 13, cujo número esta-cionou, apenas subindo em 1875 mais três.

A distribuição geográfica dos alambiques pelas áreas produtoras de vinho é elu-cidativa. Na vertente Sul, onde se produziam os melhores vinhos e em maioresquantidades, temos apenas cinco, sendo três no Funchal e os outros dois, distribuí-dos em áreas onde se colhiam os mais fracos do Sul - Santa Cruz e Ponta do Sol .A vertente Norte, origem da maioria dos vinhos baixos, apresentava oito alam-biques, com três em S. Vicente e dois em S. Jorge. Ambas as freguesias eram con-sideradas as de maior produção no Norte. A luta em prol da qualidade e boa rep-utação do vinho passava pela destilação dos vinhos baixos do Norte e daí a insta-

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585.Idem, nº 759, pp. 442/443.586.Nº.125, p.2587.ANTT, PJRFF, nº 763, pp.146vº-147.588.AHU, Madeira e Porto Santo, nº.9480589.Defensor da Liberdade, nº.26, p.4590.Veja-se as declarações da câmara nas representações de 1821 e 1822 e teremos uma antevisão deste movimento, ARM,

RGCMF, T. 15, fols. 100vº/104, 24/26. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,pp. 99-101

591.ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 146vº/147.592.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 9480.593.“Apontamentos Estatísticos sobre a Cultura da Vinha na Ilha da Madeira, in Correio da Madeira, nº 114, p. 1, confirmado

por J. J. Nóbrega em 1851.

594.Geografia Estatística Geral de Portugal e Colónias, Lisboa,1875, pp. 3/9.

595.A questãso motivou aceso debate na imprensa e em fol-hetos avulso. Cf. Benedita Câmnara, ob. Cit., pp.168-169

Aspecto de canteironos armazéns daempresa Barbeitos.

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Q

o dedo acusador à generalização da mistura dos vinhos do Norte com o do Sul edepois a baldeação com os dos Açores e Canárias. Esta nova ordem de cousas sepode atribuir a três causas principais que foram: primeira o suo de adubar os vinhoscom aguardentes e de os estufar: segunda o tornarem-se os britânicos proprietários,e assim terem e comprarem vinhos em mosto; terceira, a guerra e a separação daAmérica inglesa.

Alguns especuladores por estes anos começaram a lançar nos vinhos aguardentesvelhas, feitas das fezes e dos vinhos sãos da terra, chamados - de cabeça - e fazer fer-mentar os mesmos em pequenas estufas domésticas e ocultas, dando-lhes assimrealce de velhice. Porém estes artefactos não eram fraudulentos, porque, sendo osvinhos e a aguardente de boa qualidade, se melhoravam sem perigo para o futuro.

Tendo-se, porém divulgado estas manipulações, todos se quiseram aproveitar detais interesses, e como esta boa aguardente da ilha não era bastante, se obteve doministério licença par entrar aqui uma limitada soma de pipas de boa aguardentevinda de França; o que sendo depois ampliado, veio por fim a ser a sua admissãoindefinida.

Estas aguardentes imensas, não já só vindas de França, mas da Espanha e Itália,por abuso, logo passaram a ser adulteradas na sua pureza, origem e fabrico e porisso mesmo precisavam de maior quantidade e com tal natureza se ião mascarar nasperfídias estufas, já tornadas gerais e de locação, onde recebiam uma aparência tem-porária e insidiosa.

Com este transtorno os vinhos baixos da ilha, muito principalmente os da costado norte e os do Porto Santo, onde se principiava por então o seu cultivo, sendobaratos, tiveram preferência aos vinhos generosos da parte sul, no que os propri-etários e cultivadores foram tanto mais prejudicados, quanto a plantação, cultura ecolheita destes é dobradas vezes mais difícil e dispendiosa, e a sua produção maisprecária. Assim se paralisou a venda dos bons vinhos da Madeira; fomos ensinar aosAçores e às Canárias a limitar-nos na fraude, ficamos sem crédito nos mercados dasnações consumidoras deste nosso bom género, e ainda que por algum tempo osdanos dos vinhos baixos tiveram relevantes interesses, contudo já também sentem omal comum, pelo abandono total do nosso comércio.

Tendo os ingleses a liberdade de possuir largas fazendas, ora como proprietários,ora como rendeiros, e de comprarem, além disso, muitos vinhos em mosto, não sedesarranjaram o comércio e lucro dos mercadores portugueses interpostos, que com-pravam esses vinhos das primeiras mãos para depois os venderem aos negociantes degrosso trato, mas lhes ficou fácil a adquirirem vinhos baixos, concertados imediata-mente com o novo método e de má fé, embarca-los com tanto dolo, como certoganho, porque nada lhes importa o descrédito do país, com tanto que momentanea-mente façam uma rápida fortuna, que transpõem consigo596. Em 1873 A. Rodriguesde Azevedo referia-se ao mesmo: O principal inimigo dos vinhos da Madeira foi a

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 269

A defesa da qualidade

Ao longo dos tempos a política de defesa da qualidade do vinho da Madeiraenquadra-se num plano mais vasto de salvaguarda da reputação do produto e domercado. As questões envolventes ganham actualidade em momentos de dificul-dade, como é o caso da viragem do século XVIII para o XIX, e articulam-se deacordo a conjuntura se apresenta ou não favorável. Deste modo os anos de1818/1820, 1852 e 1872/1873 são um marco importante neste debate.

O facto mais saliente da discussão é que nunca se conseguiu estabelecer um con-senso sobre a situação e as soluções encontradas para debelar a crise. Para uns foi ouso imoderado das aguardentes estrangeiras, nomeadamente de França, que danoua boa reputação dos vinhos. Por isso viam na baldeação de aguardente o actonecessário e fortificador do vinho. Para outros a causa estava baldeação de vinhosdos Açores ou Canárias, ou dos vinhos fracos do Norte com os do Sul. Outros,ainda, apontavam a origem do mal no trato que se fazia com as estufas, ou a má co-lheita das uvas com uma vindima apressada e sem a correcta escolha. Foi em tornodisto que se ateou a discussão sobre a defesa da qualidade do vinho, expressa empetições, cartas, representações, medidas proibitivas dos Governadores, Senado,Junta e em artigos de jornais a partir de 1821.

Em 1822 João Pedro de Freitas Drumond de Menezes na Memória sobreAlgumas Matérias Estatísticas da Província da Madeira dava conta da origem do malque conduziu à crise vinícola na viragem do século XVIII para o XIX, apontando

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX268

Garrafeirada MadeiraWine Company.

Colecção do autor. 1979

596.Benedita Câmara, A Madeira e o Proteccionismo Sacarino (1895-1918), in Análise Social, vol. XXXIIII (145), 1978, pp.117-143.

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BProibição da baldeação interna

No momento que antecedeu o fim das guerras que marcaram a viragem do sécu-lo XVIII, a procura incessante do vinho da Madeira conduziu à acelaração doprocesso de envelhecimento dos vinhos e o recurso a meios capazes de dar respostaà cada vez maior procura nos mercados internacionais. Das práticas correntes, já empleno século XVIII, quando o vinho da ilha não satisfazia a procura, avançou-se paraa defraudação da qualidade. O vinho mau do Norte, por ser mais barato e disponí-vel em maior quantidade, substituía os bons e mais caros das castas seleccionadas doSul. A prática era lucrativa para os proprietários nortenhos, mas em momentos desuperprodução ou sub-consumo tornava-se lesiva para a economia insulana, atingin-do os proprietários do Sul. O problema foi enfrentado com medidas punitivas seve-ras. Primeiro procurou-se impedir a prática da baldeação dos do Norte com os doSul, passando-se, depois, pela proibição das cerejeiras pretas, cujo suco se usava nacoloração do vinho falsificado, e à proibição da mistura com os do Faial e Canárias.

Na primeira metade do século XVIII era comum a baldeação e trato do vinho doNorte com o suco de cereja de modo a adquirir a coloração característica dos do Sul.Os homens de negócio, vendo-se lesados, clamaram em 1724599 ao Senado daCâmara. No entanto, só a 9 de Janeiro de 1737600, por postura da Câmara se atendeu

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adulteração ou falsificação deles, feita não só no estrangeiro, mas ate na ilha: aquitemperando-os com aguardentes baixas e lotando-os com os da costa do norte, oucom os das ilhas dos Açores, e fora, contrafazendo-os de outros diversos vinhos597.

A da defesa da qualidade e reputação do vinho é apresentada em três níveis.Primeiro, a regulamentação da cultura e apanha da uva, evitando os inconvenientese maus hábitos da vindima. Já quanto ao trato deveria actuar-se com o recurso àsaguardentes e ao envelhecimento nas estufas. E, finalmente, as práticas fraudulentasde baldeação interna, do vinho do Norte com o do Sul, e externa com vinhos dosAçores e Canárias. A tudo isto as autoridades atacaram com soluções, comparti-lhando a opinião corrente da crise do comércio do vinho e, desconhecendo que oproblema se situava na contracção do mercado consumidor do vinho que ocorreuentre em finais do século XVIII e princípios do século XIX.

Na década de sessenta do século XIX a falta de vinho de uvas era compensadacom o recurso ao chamado vinho de peros. As vinhas estavam ao abandono emuitos dos 185 lagares existentes usavam-se para o seu fabrico. Uma pipa de falsoMadeira, com 420 litros, feita com vinho de peros, era resultado da mistura de 2decalitros de vinho genuíno598. O vinho tanto se consumia na ilha, como era expor-tado para Lisboa e estrangeiro. Em 1863 a produção de vinho de peros foi de 476pipas, sendo superior à do genuíno.

No século XX continuou a cruzada em favor da qualidade do vinho Madeira. Em1910 reclamava-se sobre o uso da calda de açúcar no tratamento do vinho, que sehavia tornado pratica corrente. No sentido de salvaguardar a qualidade do vinhocriou-se em 1911 um laboratório para análises ao mesmo tempo que em 1924 seregulamentou a forma de uso do álcool.

Nos anos trinta sector continuava em crise e o governo do Estado Novo interveiode forma clara no sentido de encontrar uma saída. O próprio Salazar, em carta ao Dr.João Abel de Freitas, de 23 de Maio de 1935, tinha ideias claras sobre a situação e daforma de actuar no sentido da defesa da qualidade da cultura e reabilitação das expor-tações: Nós não podemos, a mexer no assunto, continuar permitindo que a expor-tação seja aviltada em qualidade com os produtores directos, com o fabrico artificial,e com os vinhos por envelhecer. A solução razoável está em permitir apenas o pro-dutor directo em certas zonas onde outra vide se não dá, mas só para consumo inter-no, e ir obrigando à enxertia os demais, por dois meios: 1º pagando por melhor preçoo vinho de castas nacionais; 2º fixando a percentagem decrescente num período talvezde 5 anos em que o vinho exportado podia conter vinho do produtor directo.

[…] Deviam convencer-se aí de uma coisa Madeira bom, não há em parte ne-nhuma do mundo; mas Madeira ordinário encontra-se por toda a parte, sem sernecessário ir daí. Estou convencido de que a reforma acabará por impor-se, tam ló-gica é, mas não sei se se aguardará a oportunidade de haver mais convencidos dasua benemerência.

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597.Citado por D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., pp. 26/27.598.A. R. Azevedo, Anotações às Saudades da Terra, p. 718.

Corsa de transportede vinho.Postal antigo.

599.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito deLeiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.90

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(as fraudes) as que sem dúvida tem concorrido em grande parte para se haverdiminuído aquele artigo e bem merecida reputação do vinho da Madeira, em cujogénero consiste todo o comércio e conservação desta ilha.... Por isso, determinou-se que o vinho das freguesias do Norte ficasse encascado até Janeiro. Caso oslavradores quisessem transporta-lo à cidade deveriam fazê-lo debaixo de uma guiapassada pelo Juiz do lugar, ou Comandante do distrito. Ao mesmo tempo ordena-va-se aos oficiais da guerra e da justiça uma maior vigilância, impedindo o transportedurante a noite. A medida era lesiva dos interesses dos proprietários locais, colonos,uma vez que nas freguesias não havia adegas ou as que haviam eram poucas, vendo-se obrigados a vender o vinho em mosto ou a conduzi-lo às lojas no Funchal.

No ano imediato por Bando Geral de 16 de Agosto606, dá-se conta da prática defraudes, falsificações e a premência das medidas enunciadas: Porquanto me constaque os vinhos em quintais desta cidade, vilas e lugares se costumam clandestina-mente introduzir nos campos circunvizinhos, ou para os misturarem com os vinhosdeles, ou para os compradores se persuadam que são ali produzidos e por tais ospaguem; que semelhantemente e para o mesmo doloso fim se introduzem vinhosda costa do norte em algumas freguesias da do sul, e que com o mesmo intentomuitas pessoas compram vinhos em mosto nos altos das freguesias da costa do norteem algumas freguesias da do sul, e com o mesmo intuito muitas pessoas compramvinhos em mosto nos altos das freguesias de toda a costa sul e os trazem e vem fazercozer para as freguesias mais perto do mar a fim de os lotarem com vinhos de me-lhores portos, onde os inculcarem por vinhos produzidos nelas...

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à situação interditando a entrada dos do Norte nas partes do Sul. Como Norte da ilhaentendia-se toda a área compreendida entre o Porto da Cruz e a Ponta do Pargo.

Em 1768 o Governador e Capitão General, Sá Pereira procurava corresponderao pedido de Martinho de Mello e Castro para o envio de 4 pipas de vinho puropara Londres, temendo de o não encontrar pelas baldeações que se faziam. Todaviaestava dispoto a acabar com a situação por meio de medidas que havia posto emprática601. A postura de 1737 estava já no esquecimento. Aliás, em papel de FranciscoTeodoro, homem de negócios, refere-se que a dita postura há muito tempo se nãoobservava. Mais dizia que no Porto da Cruz, Porto Moniz, Seixal, S. Jorge, Faial exis-tiam melhores vinhos que em algumas zonas do Sul, que seriam tão úteis para oembarque ao Brasil, gastos dos marinheiros e navios estrangeiros. Daqui resultava anecessidade de reformular a postura, apontando, por exemplo, na proibição atéAbril, por ser de esse tempo a maior extractos vinhos de embarque602.

Das medidas referidas por Sá Pereira no ofício de Fevereiro temos um edital emque se proibia a exportação ate Maio dos vinhos do Porto da Cruz, Faial, Arco deS. Jorge, Seixal, Porto Moniz, S. Vicente, Ponta Delgada, Santana, S. Jorge, Ma-chico, Ponta do Pargo, Serra de Água, sendo vendidos nas tabernas locais. Quantoaos vinhos das melhores áreas, como Câmara de Lobos, Canhas, Calheta, Arco daCalheta, Prazeres, Fajã da Ovelha, proibiu-se a baldeação com os inferiores603.

Em 1785/1786 o Governador e Capitão General, Diogo Pereira Forjaz Coutinho,o folgazão e amante da pompa e festas, ditou novas ordens com a regulamentaçãodas vindimas (16 de Agosto de 1785604), a interdição da baldeação dos vinhos doNorte como os do Sul (13 de Setembro de 1785) e, por fim, bando geral de 16 deAgosto de 1786 estabelecendo medidas quanto à má cultura, vindima, falsificação eadulteração do vinho. De acordo com a ordem de 13 de Setembro de 1785605 a máreputação e e perda de qualidade do vinho não se deveu à prática corrente da cul-tura e vindima, mas sim às fraudes que costumam usar algumas pessoas que poruma particular, ainda que aparente utilidade, sacrificam o público interesse do seupróprio país, introduzindo nas freguesias aonde os vinhos delas são bem reputados,outros de diferentes freguesias e de inferior qualidade para assim fazerem mais avul-tada a sua partida e a venderem todo como vinho superior e daquela freguesia, ondedissimulada e clandestinamente o tem introduzido, fazendo-lhe algum concerto emistura, com que à primeira vista se equivoca com o bom vinho daquela freguesiaque tem melhor reputação, seguindo-se deste engano que o negociante que o com-pra para o embarcar, não lhe faz o benefício e concerto que lhe faria se soubesse decuja ele era, por cuja razão o dito vinho, ou se lhe arruína no armazém, ou se acasose conserva bom ate o tempo de embarque abate a tal sorte na viagem, que quandochega ao porto do seu destino, já se manifesta ser de inferior qualidade... Sendo elas

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601.Idem, nº 291.602.Idem, nº 289.603.Idem, nº 293.604.Idem, nº 290, vide os docs. nº 346, 310/311.605.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 34-35

Preparação de embarque.Empresa de vinhosBarbeitos.

606.ARM, GC, nº 70, fols. 33vº/35vº, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.36-38

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O processo

de vinificação hoje

Na segunda metade do século XX deu-se um saltoqualitativo no processo de vinificação que permitiuapurar a qualidade do vinho Madeira e apresentar aoconsumidor uma gama muito variada. O vinhoMadeira continua a ser o único a integrar no proces-so da vinificação a beneficiação pelo calor através deestufas. Estas evoluíram nos últimos anos para umasofisticação que permite um maior controlo do aque-cimento, evitando o contacto directo com o calor.Daqui resulta um processo de vinificação típico eúnico.

O processo de laboração do mosto abandonou oprimitivo lagar e passou a fazer-se em modernamaquinaria, que separa o engaço e a grainha da polpae casca da uva. Ganhou-se em condições e meios doprocesso, como na vindima e recolha da uva junto dosagricultores. Hoje todas as empresas recebem as uvasde forma a melhor controlarem o processo de vinifi-cação e evitar os vinhos com elevado nível de acidezvolátil. Para isso montaram uma rede de agentes emtoda a ilha, que intervêm junto dos agricultores. Alémdisso eles têm a função de acompanhar o ciclo vege-tativo e de controlar a maturação da uva a partir domês de Junho. Nalgumas casas, o controlo do graupotencial, é feito de forma rigorosa através dorefratómetro, durante a fase de maturaçã, dele depen-dendo a aceitação ou não das uvas. A medida padrãoda graduação alcoólica para aceitação das uvas é de8,5º. O incentivo à perfeita maturação é dado atravésdo pagamento do quilograma de acordo com a gradu-ação alcoólica.

A ordem para a apanha da uva é dada pela empre-

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(...) Proíbo a todas as pessoas de qualquer qualidade e condição que sejam quenão embarcarem para fora da ilha os próprios vinhos, que os possam lotar, ou mis-turar de sorte alguma, ou sejão em mosto, ou depois de cozidos; nem do norte nemdo sul, nem os de umas com os de outras freguesias, nem ainda os dos bons, comos de inferiores postos da mesma. Antes contrariamente ordeno aos mesmosencubadores do vinho que cozam e beneficiem os de diferentes qualidades em cas-cos separados e quando os venderem não ocultem os compradores os verdadeirossítios, onde eles foram produzidos, pois esta sorte é que se mantêm e nutre a boa-fé que deve haver nos contratos, se tranquilizem as consciências e se pode restauraro arruinado crédito do comércio desta ilha. Mais se interditava a entrada dos vinhosdo Norte no Sul, antes do mês de Maio. Todos os infractores eram punidos com apena de apreensão do vinho em causa, sendo uma terça parte do produto ou da con-denação pecuniária para o denunciante.

O edital de 27 de Fevereiro de 1788607 proibiu a plantação de cerejeiras pretas eordenou o arranque ou enxertia das existentes, de modo a evitar o abuso na colo-ração aos vinhos defraudados com o suco da cereja. Os infractores seriam punidoscom multa de 6000 reis. Assim, atendeu-se a uma representação dos comerciantesde vinho que se havia manifestado contra tal prática608. A 6 de Março609, um restritogrupo de proprietários, entre os quais Manuel Acciauoli e o Cónego Pedro NicolauAcciauolli, solicitaram a suspensão do edital, aduzindo os inconvenientes da apli-cação. O Governador, por despacho de 13 de Março610, indeferiu a pretensão, maso Cónego lesado teimou em transgredir a lei não permitindo o arranque ou enxer-tia das cerejeiras. Além disso penalizava os colonos que o fizessem. O Governadorripostou com medidas severas, ordenando a prisão. O caso arrastou-se por algumtempo até que a morte do réu o encerrou611. No entanto em 1819612 o uso da cerejapreta ainda se mantinha e a Câmara afirma que era uma das causas descrédito dosvinhos. A resposta do Governador, D. Diogo Forjaz Coutinho, foi imediata. Maisuma vez era necessário estabelecer a demarcação das áreas vitícolas, segundo omodelo pombalino. Sobre tão sólida base, achando-se aliás a Junta autorizada parapromover o bem da agricultura em que tem o primeiro lugar importante e preciosoartigo do vinho deve fazer-se uma demarcação das freguesias e sítios que dão vinhode embarque, destinados para o consumo da terra o que é inferior, porquanto o quefaz sustentar em tão pequeno ponto 100.000 vassalos é o crédito, intenção do valore inimitável generosidade do vinho Madeira, que a igualar-se pelas misturas com omais vinho da Europa, em preço e qualidade seria preciso para não morrer de fome,que S. M. mandasse despejar 2/3 desta povoação para os sertões do Brazil.

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607.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 825.608.Idem, nº 824.609.Idem, nº 826.610.Idem, nº 826.611.ARM, RGCMF, T. 14, fols. 202/203vº.612.ANTT, PJRFF, nº 942, p. 120.

Máquina de rotular. Colecção da empresa Henriques &Henriques. 2002

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TOs diversos tipos de vinho madeira

O vinho Madeira apresenta diversas tipologias, de acordo com as castas, o graude doçura ou a forma de tratamento. No passado a única distinção existente eraentre o vinho das diversas castas, Acontece que nos últimos anos a Vinificaçãosofreu diversos ajustamentos de acordo com as exigências do mercado. Surgiu, porexemplo, o vinho Madeira elaborado à base de Tinta negra-mole, para os jovens ede preço mais acessível. Além disso generalizou-se a prática de loteamento e a imple-mentação de práticas comuns noutras regiões, como é o caso do Solera do Jerez.

No sentido de corresponder às exigências de um publico consumidor muito vari-ado ampliou-se a gama de vinhos de venda ao público. Actualmente estão con-sagradas para o Vinho da Madeira diversas menções tradicionais. O Madeira quesurge à venda distingue-se por diversas características. Quanto às castas temos: Sercial(ou Cerceal), Boal (ou Boal), Verdelho, Malvasia, Terrantez. Já de acordo com a qual-idade podem ser definidos como: Garrafeira (ou Frasqueira) Superior, Reserva,Velho (Old, Vieux), Reserva Velha, Muito Velho (Old Reserve, Very Old), ReserveEspecial (Special Reserve), Seleccionado (Selected, Choice, Finest), Solera, Canteiro(Vinho canteiro ou Vinho de Canteiro), Colheita (datada). A indicação da idade estáestabelecida para 3 anos, 5 anos, 10 anos, 15 anos, 20 anos. Ainda poderá diferen-ciar-se de acordo com o grau de doçura [Seco (Dry), Meio-Seco (Medium-Dry),Meio-Doce (Medium Sweet), Doce (Sweet) ], quanto à cor [Muito Pálido (Extra Pâle,e Light Pâle), Pálido (Pâle), Dourado (Golden), Meio escuro (Medium Dark), Escuro(Dark)], ou quanto ao corpo e sabor [Leve (Light Bodied), Encorpado (Full ou FullBodied), Fino (Fine), Macio (Soft), Aveludado (Luscioun), Amadurecido (Mellow)].

De acordo com a legislação em vigor existem vários tipos de vinho Madeira com

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sa, após a abertura oficial da vindima. As uvas são recolhidas pelos agentes nasfreguesias rurais, sendo transportadas no mesmo dia ou na madrugada do dia ime-diato para a empresa. As caixas são pesadas e depois despejadas em tegões paraserem sujeitas ao processo de desengace total ou parcial. A utilidade do engaço tema ver com os níveis de taninos que se pretende atribuir ao vinho. Acontece que ofacto da maioria dos engaços se apresentarem verdes conduz a elevados níveis dehexagonol, razão pela qual a preferência vai quase sempre para o desengace total.

Retirado o engaço procede-se ao esmagamento. A maioria das empresas devinho Madeira fez nos últimos anos um notável esforço de aperfeiçoamento tec-nológico do sistema de recepção das uvas, apostando na mecanização do processode pesagem, desengace, esmagamento, prensagem e fermentação. A maquinaria devinificação está presente e todos os recipientes são de aço inoxidável.

A partir daqui inicia-se o processo de vinificação que pode ser feito de bica aber-ta, de bica aberta com maceração e curtimenta. Vejamos de forma sucinta com seprocessam as três técnicas aduzidas. Na vinificação de bica aberta a massa vínica,depois da adição de SO2, o primeiro prensado é encubado, enquanto que noprocesso com maceração a massa vínica vai a encubar por um curto período, proce-dendo-se depois à separação do mosto. O último processo diferencia-se pelo factode só se proceder à separação do mosto após a fermentação em autovinificador oucuba de remontagem.

A fermentação é feita com o controlo de temperatura para poder preservar-se osaromas da casta. A fermentação a frio evita que o vinho perda álcool, aromas floraise estrato seco. O processo é travado com a adição de álcool vínico com 96º, depen-dendo as quantidades do tipo de vinho que se pretende fazer e da casta em causa.Terminada a fermentação o vinho das uvas de castas nobres é desencubado e passapara o armazém, sendo depositado em lotes de vindima nas pipas onde vai enve-lhecer sobre o olhar atento dos enólogos ou técnicos de vinificação. Os vinhos dascastas autorizadas, como a Tinta negra mole, ficam a aguardar pela estufagem porum período de três meses, passando depois para o canteiro, onde estagiam umdeterminado de tempo até terem autorização de embarque.

O processo é controlado pelo Instituto do Vinho da Madeira, que procede àselagem das estufas e ao fim de três meses vistoria a abertura. A partir da estufagemo vinho está pronto a estagiar nos cascos de carvalho. Para isso procede-se ao esta-belecimento dos lotes pretendidos que são encaminhados para os cascos nosarmazéns.

A qualquer momento, de acordo com a procura do mercado, a casa procede aoengarrafamento do vinho. O acto é precedido de diversas operações e da autoriza-ção expressa do IVM que controla a qualidade dos lotes. Concedida a autorizaçãoprocede-se à preparação do engarrafamento através da estabilização e filtragem dasimpurezas. No fim do processo de engarrafamento são tiradas duas garrafas defoprma aleatória para posterior análise no IVM.

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Garrafas com vinho velho.Pereira d’Oliveiras, Ldª

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Dos Vinhos

Na Madeira e Porto Santo produzem-se muitas qualidades de vinho, algumas dasquais tem grande importância no comércio, e outras só são próprias para o consumointerno das ilhas, ou para serem destilados nas fábricas de aguardente. Os vinhos maisconhecidos pelas suas qualidades são:

O Boal - vinho branco delicado e maduro, de alto preço; podendo ser consumido querquando novo, quer quando velho. Este vinho é extraído das uvas do mesmo nome.

O Sercial - vinho seco, de cor alambreada, “aromático e de fino perfume”.E este vinhosó adquire todas as boas qualidades no fim de anos. É produzido pela variedadede vinha “sercial”, que descrevemos.

O Malvasia - vinho de cor alambreada, muito apreciado pelo seu “perfume” e com-parável ao Tokai; mas que a ilha da Madeira produz só em pequena quantidade, eem lugares muito pouco elevados.

A Tinta - vinho tinto bastante agradável, e que se assemelha no sabor e qualidade aoPorto. A fermentação fazendo-se em contacto com o engaço, dá a este vinho osabor adstringente.

O Madeira - vinho, de todos o mais conhecido nos mercados da Europa e da América,branco alambreadoa; quando amadurecido pelo tempo, de um delicado perfume.Este vinho é o resultado da mistura de uvas das variedades Verdelho, Tinta,Tarrantés, Bastardo e Boal.

O Vinho pálido - vinho de pouco valor feito de “verdelho”, e clarificado.Para a fabricação dos vinhos mais preciosos da Madeira faz-se escolha dos cachos

de uvas melhores, logo depois da vindima. As uvas levadas ao lagar, são espremidas,primeiro por homens que as pisam, depois pela pressão da vara, e o líquido assim tiradodelas é levado em odres para os cascos onde fermenta por quatro, ou cinco semanaspouco mais ou menos. Quando terminada esta fermentação faz-se o trasfego do vinho

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características e idades diferentes: 1. Vintage. É um vinho feito de uma casta nobre numa colheita especial que deve

permanecer o mínimo de 20 anos encascado e 2 anos engarrafado.Particulares e empresas dispõe de colecções variadas deste tipo de vinho,sendo a mais famosa de 1815, engarrafado em 1840 por John Blandy. É dovinho que Napoleão Bonaparte nunca bebeu no exílio em Santa Helena,sendo conhecido como Waterloo Madeira.

2. Reserve. Vinho feito com castas nobres ou autorizadas, cujo conteúdo deveráequivaler a 85% da casta referida no rótulo. Só pode ser vendido com cincoanos de envelhecimento. Apenas com o sercial o período de amadurecimen-to é alargado para sete anos.

3. Special reserve. O que o diferencia do anterior é o facto de ter dez anos.4. Extra reserve. Embora não seja considerada oficialmente, a designação é

atribuída ao vinho com o mínimo de 15 anos. 5. Finest/Selected/Choice. Usa apenas nome de Madeira associado à situação e

às indicações de Dry, Medium, Sweet. É um vinho com três anos, feito combase na tinta negra mole.

6. Rainwater. O Verdelho com apenas três anos. Diz-se que o uso do nomederivou da dificuldade dos ingleses em pronunciarem a palavra Verdelho. Énormalmente um vinho de cor dourada com muito boa qualidade.

7. Soleras. É um vinho datado que ao longo dos anos recebe a adição de outros,sendo apenas 10% ao ano. O solera é um sistema de vinificação e não um tipode vinho, sendo o nome originário do Sherry. Dos soleras mais famosospodemos referir: Blandy 1792, Malmsey solera 1808 de Cossart Gordon’s.

Nos últimos anos do século XX apostou-se na preparação e engarrafamento devinho de mesa, no sentido de atender a uma franja de mercado propiciada pelo tur-ismo e de atenuar as importações de vinho de mesa, uma vez que a região consomemais de cinco milhões de litros. Para isso utilizam-se as castas tradicionais, como aTinta Negra-mole e Verdelho, ou então socorre-se de outras castas europeias, maisapropriadas e usuais no fabrico de vinho de mesa, como é o caso da CabernetSauvignon, Merlot, Arnsburguer, Chardonnay. A entrada em funcionamento daAdega de S. Vicente deu um incentivo à produção de vinho de mesa, pois colocouà disposição dos viticultores os meios técnicos técnicos para tal. Actualmente existemcinco rótulos de vinho de mesa VQPRD (Vinho de Qualidade Produzida emRegião Demarcada, regulamentado por portaria 86/99M), com uma produção nãosuperior a 100.000 litros, quando o consumo local de vinhos de mesa é de quatromilhões de litros. Duas empresas, tradicionalmente ligadas ao vinho Madeira,Madeira Wine Company Lda., e Justino & Henriques, têm apostado no fabrico devinho de mesa. A Madeira Wine lançou em 1991 o vinho Atlantis rose.

A partir de 1999 com a abertura ao público da Adega Cooperativa de S. Vicente,os viticultores podem engarrafar a produção para vinho de mesa, estão neste caso,João Mendes, Ricardo França, Luís Gomes Araújo e Crispim Morgado.

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Garrafas de vinho paraexportação. Museu dePhotographia Vicentes.

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Há alguns anos, os vinhos da Madeira caíram em descrédito e circunstâncias espe-ciais foram motivo suficiente para esta mudança de opinião e gosto entre aqueles que emtempos muito tinham defendido a produção na ilha. Isto porque durante o longo períododa guerra que terminou em 1814, a procura do vinho por navios que por cá passavam eraenorme, de modo que todas as qualidades superiores foram rapidamente vendidas.Assim, as quantidades que restavam nas adegas eram apenas de vinhos inferiores donorte que têm a reputação ou má fama de serem excessivamente ácidos e, para alémdisso, se revelarem muito mais pobres - de facto, de um modo geral, de uma qualidadebastante inferior. No entanto, os proprietários não conseguiam resistir à tentação de seaproveitar da oportunidade que lhes foi dada de fornecer de imediato aqueles queencomendavam vinho a 70 L. ou 80 L. por pipa, não obstante ser vinho de 20 L. por pipatodo o que lhes restava. Tal era, na realidade, o seu valor real. Eles recorreram então ameios artificiais para ultrapassar tanto quanto possível a aspereza de sabor e a já men-cionada acidez destes vinhos. Para este fim, foram introduzidos os fornos (estufas), demodo que, mantendo o vinho num lugar fechado e restrito - talvez a uma temperatura decem graus - ele poderia adquirir uma maturação prematura e falsa e adquirir umaenganadora aparência de idade. Geralmente pensa-se que este processo forçado temcomo efeito deteriorar o verdadeiro sabor natural de todos os vinhos. E é mais do que sus-peito que, desde a altura em que foi experimentado pela primeira vez, tem sido aplicadoalternadamente a vinhos de todas as classes. Nenhum cuidado ou conduta posterior resti-tui ao vinho o sabor genuíno quando ele foi assim prejudicado e afectado. Pessoas quepercebem do assunto consideram a temperatura do forno ou “estufa” se mais gradual-mente aplicada, se continuasse por mais tempo e com uma moderação mais sensata,podia resultar de modo benéfico e produzir resultados como os que uma viagem às índiasOrientais e Ocidentais se julga geralmente produzir, o que é normalmente consideradoum método excelente de melhorar o vinho, conduzindo-o a um estado de alta perfeição.Alguns escritores afirmam que, em consequência do modo pelo qual vinhos inferiores sãoalterados em estufas, estes adquirem um sabor seco a fumo o que nunca consegue ser

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para outras vasilhas; sendo esta operação acompanhada de uma clarificação, e do adi-cionamento de uma quantidade considerável de aguardente. Depois desta operação quecomeça para os vinhos essa lenta transformação, que os enriquece e torna preciosospelas suas qualidades. Para fazer adquirir rapidamente ao vinho propriedades que só otempo lhe pode dar convenientemente, introduziu-se na Madeira, na época da guerra queagitou a Europa nos primeiros anos deste século, e em que os vinhos daquela ilha forammuito procurados, o uso de sujeitar vinhos novos durante meses a uma alta temperatura(60º ou mais) dentro de estufas que para isso se construíram. O número das estufas foi,desde essa época, progressivamente crescendo, e em 1850 havia quarenta e duas estu-fas em actividade. Os vinhos porém, assim trabalhados, não chegam segundo a opiniãodos homens entendidos na matéria, a adquirir as boas qualidades do vinho velho daMadeira, antes adquirem às vezes um sabor pouco agradável, e o seu aparecimento nosmercados estrangeiros tem contribuído para o descrédito dos vinhos da ilha.

CORVO, João Andrade, Memórias sobre as Ilhas da Madeira e Porto Santo: Memória I - Memória sobre aMangra ou Doença das Vinhas nas Ilhas, apresentada à Academia de Ciências na sessão de 3 de Fevereiro

Os melhores vinhos da Madeira são produzidos nas freguesias de Câmara de Lobos,São Martinho e São Pedro, nas partes mais baixas de Santo António, no Estreito deCâmara de Lobos, Campanário, são Roque e são Gonçalo. As partes mais altas das últi-mas cinco freguesias produzem apenas vinhos de segunda e terceira qualidade. Os me-lhores Malvasia e Sercial são da Fajã dos Padres no sopé do Cabo Girão e do Paul eJardim do Mar.

As parras de Malvasia são as melhores para suportar um enxerto. A melhor vinha paraplantar no sul é a Verdelho, obtida tanto do norte como do Curral das Freiras.

HARCOURT, Edward Vernon, A Sketch of Madeira…., London, 1851

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Garrafas de Vinho Madeirapintadas à mão.

Artur Barrros & Sousa, Ldª

Armazém de VinhosBarbeito, Ldª2003

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Malvasia - Um vinho levemente colorido, feito da “Malvasia Cândida”, uma grande uvaoval, de uma rica cor dourada quando madura que cresce em compridos cachos bas-tante finos, os quais permanecem nas parreiras um mês depois da outras uvas teremsido colhidas, de modo que as suas uvas contêm uma quantidade extraordinária deaçúcar. Os melhores vinhos deste tipo são produzidos na Fazenda dos Padres queantigamente pertencia aos Jesuítas e no Paul do Mar, ambos a oeste do Funchal. Asafra é, no entanto, incerta pois a flor seca facilmente e a produção frequentementereduzida ou mesmo nula. Por este motivo, bem como por causa das suas característi-cas muito ricas, o malvasia considerado o mais valioso dos vinhos da Madeira.

Boal - Um vinho suave e delicado, feito de uma linda uva redonda amarela-clara, comcerca do mesmo tamanho que um pequeno berlinde. Tem que ser colhida assim queamadurece, caso contrário murcha e produz pouco sumo. O vinho possui uma quali-dade peculiarmente delicada e rica, apresenta um aroma muito forte e é um vinhoesplêndido tanto novo como velho.

JONHSON, J., Madeira its Climate and Scenery, London, 1885.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 283

posteriormente erradicado. Destas qualidades de vinhos exportam-se anualmentegrandes quantidades para Hamburgo onde, depois de submetidas a um processo que asfaz parecer muito a “Hock”, são vendidas como tal. É presume-se que uma parte consi-derável desta imitação de “Hock” é enviada para o mercado Britânico. Quanto aos vinhosproduzidos ao longo da costa sul da Madeira, considera-se que são raramente e se pos-sível equiparados em delicadeza e sabor, aroma e pureza e suavidade a qualquer outrovinho. Quanto às uvas e vinhos principais da ilha, as uvas nunca são exportadas e umagrande parte dos vinhos é, na realidade, muito pouco conhecida fora do país.

WORTLEY, E. S., A Visit to Portugal and Madeira, London, 1854

Verdelho - É um bom vinho branco, abundantemente produzido da uva amarela esverdea-da com esse nome. A uva Moscatel produz um vinho doce de sabor forte do qual ape-nas uma pequena quantidade é feita por se julgar que é inferior ao Moscatel dePortugal. Da uva Bastardo, preta e redonda, faz-se um vinho com o mesmo nome.

Madeira - o vinho principal da ilha, resulta de uma variedade de uvas escuras ou leve-mente coloridas, misturadas no lagar, embora a maior parte do fruto consista na escu-ra uva Tinta e na pálida uva Verdelho. Quando novo, possui geralmente uma suave corvermelha clara mas esta tonalidade desaparece gradualmente quando o vinho setorna maduro, adquirindo uma brilhante cor amarela âmbar. Supõe-se que este vinhomelhora com uma viagem às índias Orientais ou Ocidentais e é consequentementeclassificado no mercado de Londres como “Madeira das índias Orientais ouOcidentais”; aquele que não é enviado numa viagem é chamado “London Particular”.

JONHSON, J., Madeira its Climate and Scenery, London, 1885.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX282

Tinta Negra MoleVerdelhoUvas da Casta Malvasia. Colecção do autor. 2002

Page 145: avieira-vinhavinhomadeira

VA defesa institucional do Vinho Madeira

Hoje a defesa institucional do vinho Madeira está salvaguardada. A existência deum sector de Vinhos na Associação Comercial do Funchal, do Instituto do Vinhoda Madeira, o organismo oficial que o tutela, e, por fim, da Confraria do Vinho daMadeira são os garantes e meios adequados de defesa e promoção do vinho.

Instituto do Vinho da Madeira

A necessidade de defesa da qualidade do vinho levou à implementação de estru-turas institucionais adequadas. A primeira surgiu em 1774, mas não se concretizou.Entretanto em 1900 foi criada a Real Associação Vinícola da Madeira, que duroupouco tempo. O decreto nº.23910 de 20 de Maio de 1934, que regulamentava ovinho Madeira, fala da criação do Instituto do Vinho da Madeira, um organismocoordenador das actividades em presença, orientador de toda a economia dos vi-nhos da Madeira, defensor da marca e da sua expansão em todos os mercados exter-nos. A partir de 1937, com a criação da Junta Nacional do Vinho, tivemos uma dele-gação e só em 1979, com a regionalização do sector, foi criado o Instituto do Vinhoda Madeira.

Com a conquista da Autonomia Política em 1976 a Madeira passou a Região

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 285

Sercial - Um vinho seco ligeiramente colorido, com forte aroma e sabor, produzido davinha “Riessling” trazida da região do Reno. As redondas uvas brancas que são cultiva-das principalmente no Paul do Mar, crescem em densos cachos, este vinho não podeser usado antes de ter oito anos. É então considerado pelos conhecedores como omelhor e mais saudável de todos os vinhos da Madeira. O vinho novo é extremamentedesagradável ao gosto; e a própria uva é incomestível, tanto que até as lagartixas nãolhe tocam.

Tinta ou Borgonha da Madeira - Um vinho escuro de sabor delicado, feito da pequena epreta uva de Borgonha. Deve a sua cor vermelha às cascas que permanecem no vinhodurante o processo da fermentação, o que lhe dá a propriedade adstringente do Porto.O Tinta é geralmente utilizado durante o primeiro ou segundo ano. Depois desse perío-do, perde gradualmente algum do seu refinado aroma e sabor delicado. Mas, mesmoquando envelhecido na garrafa e então com uma cor vermelha fulva, é um vinho exce-lente. O Tinta não deve ser confundido com o Tinto, sendo este último o nome dado aqualquer vinho vermelho de qualidade vulgar.

JONHSON, J., Madeira its Climate and Scenery, London, 1885

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX284

Uvas das castas Sercial etinta negra mole. Colecção

do autor. 2002

A. Izidro Gonçalves.Colecção Vicentes. Museude Photographia Vicentes.

Page 146: avieira-vinhavinhomadeira

4252/88 do Conselho de 21 de Junho, em que ficaram salvaguardadas as especifici-dades para o vinho da Madeira, em especial o teor alcoólico mínimo natural demostos, a utilização do mosto concentrado de uva rectificado e a consagração daoperação de estufagem como método enológico tradicional para o envelhecimentodo Vinho da Madeira. O processo havia sido consagrado no decreto-lei nº.23910 de20 de Maio de 1934, onde se determinava que o período de estufagem deveria serno mínimo de três meses a uma temperatura média não superior aos 50º.

A denominação de origem Madeira, ou Vinho da Madeira encontra-se con-sagrada em inúmeros diplomas, com vista a salvaguardar no plano internacional deuma das mais antigas denominações de origem do país. Assim o uso da denomi-nação de origem Madeira não pode ser admitido para outros países pela UniãoEuropeia dado que já no Regulamento 649/86 da Comissão se especificava estar adenominação Madeira, Madera... reservada a vinhos licorosos de Portugal.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 287

Autónoma, dispondo de órgãos próprios, de poder. De acorco com o decreto-lei Nº318-D/76, de 30 de Abril, que aprovou o Estatuto Provisório abriu-se a porta à adap-tação das estruturas dos diversos organismos que então actuavam na região à novarealidade política administrativa. A Assembleia Regional da Madeira e o GovernoRegional reconheceram a necessidade de criação de um organismo regional para ovinho. A medida era justificada pela importância histórica do produto na agriculturae economia e por se reconhecer que o sector vitivinícola atravessava uma crise queera preciso acudir e dar o tratamento adequado.

Em 1979 foi decidido criar um organismo regional para o vinho que disporia deum departamento para os assuntos do açúcar e do álcool. No mesmo Diário daRepública de 6 de Abril de 1979, em que é publicado o decreto-lei nº 75/79, daPresidência do Conselho de Ministros e do Ministério do Comércio e Turismo(com tutela sobre a JNV e a AGA), pelo qual se transferiram para o organismo acriar na Região Autónoma da Madeira, as atribuições e competências que vinhamsendo exercidas pela Junta Nacional do Vinho (JNV) e Administração-Geral doAçúcar e do Álcool (AGA), foi também publicado o Decreto Regional nº 7/79/M,que criava o Instituto do Vinho da Madeira e aprovava os estatutos.

No Estatuto (art. 11) ficou expresso que o Instituto do Vinho da Madeira era umInstituto público dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa efinanceira e património próprio e que junto dele funcionaria um serviço para osassuntos ligados ao açúcar e ao álcool.

A organização dos serviços do IVM veio a ser estabelecida pela Portaria nº 4/79,de 13 de Dezembro, da Presidência do Governo Regional. A primeira Direcção doInstituto do Vinho da Madeira tomou posse no dia 27 de Julho de 1979, sendo con-stituída pelo Dr. Constantino Lopes Palma no lugar de Presidente e Dr. Paulo JorgeFigueiroa França Gomes como Vice-Presidente. O primeiro Conselho Directivo foiconstituído pelos membros da Direcção e os Senhores Jorge da Veiga França, re-presentante da Mesa do Sector de Vinhos da ACIF e João Figueira César e GilbertoFernandes Rebolo representantes da Associação de Agricultores da Madeira.

A criação do Instituto do Vinho da Madeira foi um princípio dea regulamentaçãode tradições e práticas que careciam de enquadramento legal. Nos últimos anos,através de disposições internas e decretos produziram-se normativas no sentido degarantir a genuinidade e especificidade do Vinho da Madeira e a harmonização deacordo com a evolução tecnológica. Ao mesmo tempo redobraram as exigênciasquanto ao controlo dos stocks e às existências de vinhos no comércio. Daqui resul-tou também uma aposta na formação técnico-científica laboratorial e na Câmara deprovas de acordo com o quadro da legislação vitivinícola comunitária.

A primeira iniciativa do Instituto foi adequar a viticultura, vinificação e comércioaos padrões estabelecidos pela CEE. No primeiro caso salienta-se a política dereconversão da vinha com o arranque dos bacelos americanos e a substituição pelascastas tradicionais. O I.V.M teve participação activa na elaboração de vários diplo-mas nacionais e comunitários, dos quais se ressalva o Regulamento (CEE) n.º

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX286

Tonéis no IVM.Colecção do autor. 2002

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Bragança.O hábito da Confraria é constituído por

uma longa capa de veludo em tom cor devinho a fazer lembrar a cor rubi do Malvasia.O chapéu em veludo preto, com plumas deavestruz de várias cores, associa os confradesaos gentis-homens e abastados mercadoresdo início do povoamento da Madeira. Forameles que plantaram as primeiras vinhas e pro-moveram o progresso económico da ilha.

A admissão de novos confrades é propos-ta pelos padrinhos em segredo e previa-mente apresentada à Chancelaria e só é tor-nada pública na reunião do Capítulo. A ceri-mónia de entronização de novos confradesfaz-se em reunião do capítulo, sob apresidência do Cancelário-Mor. Aí oConfrade Padrinho apresenta o candidato aoChanceler, valorizando os aspectos que ofazem merecedor de tal honra, nomeada-mente quanto à divulgação e defesa do nomedo vinho da Madeira

É hábito os confrades reunirem-se todosos anos pelo São Martinho para degustar ovinho novo, honrar e defender o prestígio dovelho. O momento é quase sempreaproveitado para a entronização de novosmembros.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 289

Confraria do Vinho da Madeira

As confrarias do vinho surgiram com o intuito de irmanar todos os entusiastas eagentes do sector no sentido da defesa e exaltação do vinho. A mais antiga agremi-ação surgiu no século XII em Bordéus, tendo repercussão na Alemanha no séculoXVIII. A partir dos anos cinquenta do século XX generalizou-se a criação das con-frarias nas regiões vitícolas francesas, espanholas, e italianas. Em Portugal o apare-cimento é mais recente e tarda do último quartel da centúria.

A Madeira, a exemplo das demais regiões vitivinícolas, passou a dispor de umaconfraria para defesa e promoção do vinho Madeira. A confraria, criada a 22 deAbril de 1988, sob os auspícios do Instituto do Vinho da Madeira, tem comoCancelário-mor o Dr. Alberto João Jardim, Presidente do Governo Regional daMadeira. No presente conta com 116 confrades oriundos das mais diversas áreas davida política e económica da região, do país e estrangeiro, de que se destacam: SuaAlteza Real o Arquiduque Carlos de Habsburgo e D. Duarte Nuno, Duque de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX288

Confraria do Vinho. Aspectos de entronização de membros.Colecção do IVV.

Page 148: avieira-vinhavinhomadeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 291

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttoo

NNaacciioonnaall %% %%

1829 31.3171830 21.2501831 21.3811832 27.6671833 33.5531834 35.6591835 20.8681836 30.5761837 31.3881838 37.976 378.0001839 39.945 364.9001840 30.810 444.2001841 27.656 487.2001842 24.228 446.4001843 28.542 458.6001844 27.2561845 27.7401846 31.6451847 21.4721848 4.218.300 22.523 0,531849 2.787.800 28.512 1,021850 2.908.700 27.531 0,951851 3.439.000 38.543 1,121852 8.8831853 3.1671854 6201855 1511856 3641857 4231858 7701859 6321860 2.50818611862 1.5961863 1.6151864 7.5001865 7.5001866 11.00018671868 16.3061869 18.7001870 50.0001871 23.8741872 24.6151873 12.7101874 40.0001875 40.0001876 20.7021877 20.0001878 35.0001879 35.0001880 35.0001881 2.243.7001882 2.812.200 22.500 0,801883 2.527.100 9.617 0,381884 3.256.800 6.781 0,211885 4.626.000 15.097 0,331886 25.0001887 5.256.000 22.023 0,421888 25.000

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttoo

NNaacciioonnaall %% %%

1889 20.0001890 21.8971891 16.2871892 3.523.200 40.000 1,1418931894 39.4201895 40.00018961897 25.0001898 45.0001899 45.0001900 5.760.000 46.000 0,801901 5.705.000 36.776 0,641902 4.603.000 37.174 0,811903 3.523.000 38.265 1,091904 6.200.000 60.000 0,971905 4.100.000 40.000 0,981906 1.517.400 50.000 3,301907 47.5001908 6.869.400 41.800 0,611909 6.035.000 48.750 0,811910 4.335.000 50.000 1,151911 3.911.700 62.700 1,601912 4.444.000 66.880 1,501913 3.923.000 67.879 1,731914 4.770.000 60.883 1,281915 4.910.600 65.7951916 4.582.800 54.925 1,201917 4.405.900 23.601 0,541918 4.270.1001919 5.133.300 40.000 0,781920 3.383.6001921 4.607.0001922 5.793.9001923 6.161.2001924 5.246.3001925 5.672.3001926 3.666.3001927 9.267.0001928 45216001929 6.599.8001930 5.784.7001931 7.380.400 127.629 1,731932 6.149.8001933 9.200.3001934 10.804.7001935 5.924.3001936 3.708.9001937 8.048.9001938 10.955.0001939 7.720.1001940 5.186.6001941 7.373.5001942 8.258.6001943 14.006.300 78.995 0,561944 14.506.8001945 10.167.2001946 6.688.8001947 10.110.8001948 8.176.300 31.955 0,39

ANEXOMovimento de produção de vinho (em hectolitros)

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX290

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttoo

NNaacciioonnaall %% %%

1488 2.1951492 1.8501495 1.0651497 2.3751590 1.0001596 2.9751597 2.8301614 3.4301616 2.8851618 2.6901621 2.8301622 3.1801623 3.1801624 2.7851625 2.8651626 3.1751627 2.8501628 2.8501630 3.4401631 3.3301632 3.3651633 3.5551634 3.5401635 3.7301636 4.1651637 3.6401638 2.8301640 2.8501645 3.0001646 3.0001651 3.4001655 2.7651659 5.0001660 5.0001661 2.5001882 5.0001663 5.0001664 5.0001665 5.0001666 5.0001667 5.0001675 2.5001676 131.2501689 100.0001694 108.9801696 12.5001697 10.0001698 100.0001699 7.5001700 100.0001703 107.3201721 1250001730 70.7151738 85.000

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttoo

NNaacciioonnaall %% %%

1756 175.0001776 47.1801777 44.9551778 23.6701779 15.3551780 4.2801781 46.3601782 96.3551783 40.7751784 51.8651785 56.5201786 54.4101787 787331788 38.9901789 66.0001790 89.4801791 68.7351792 70.3851793 65.4551794 92.4701795 86.3401796 56.7501797 100.0001798 140.0001799 150.0001800 154.4501801 175.0001802 135.0001803 125.0001804 115.0001805 120.0001806 110.0001807 135.0001808 135.0001809 57.9601810 85.6901811 162.1601812 155.3351813 99.2181814 58.5201815 20.9001816 50.1601817 58.5201818 75.2401819 76.8351820 71.0601821 62.7001822 43.8901823 37.6201824 41.8001825 53.7651826 48.0701827 45.9801828 37.185

Page 149: avieira-vinhavinhomadeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX292

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttoo

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1949 7.926.6001950 8.725.2001951 9.489.500 71.633 0,751852 5.802.200 80.532 1,391853 11.736.100 119.215 1,021954 12.184.700 123.330 1,011855 11.336.100 117.581 1,041956 10.964.500 92.355 0,841957 9.576.300 93.988 0,981958 8.585.000 99.192 1,161959 8.924.200 102.391 1,151960 11.457.800 117.919 1,031961 7.419.600 126.943 1,711962 15.268.000 106.400 0,701963 12.979.300 101.916 0,791964 13.594.500 207.468 1,531965 14.749.200 157.642 1,071966 8.927.800 99.316 1,111967 9.739.700 67.5961968 11.690.400 182.144 1,561969 8.081.200 1042341970 11.327.600 143.198 1,261971 8.834.900 86.838 0,981972 8.196.000 1133981973 11.086.000 1016291974 13.872.500 17.341 0,131975 8.773.300 75.726 0,831976 9.252.800 77.460 0,841977 6.586.800 27.451 0,421978 6.361.900 96.725 1,521979 14.078.200 116.755 0,83

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttoo

NNaacciioonnaall %% %%

1980 10.035.400 37.702 0,381981 8.211.500 86.111 1,051982 10.030.900 73.097 0,731983 8.249.100 66.892 0,811984 8.392.900 57.071 0,681985 9.567.200 57.821 0,601986 7.615.300 137.818 1,811987 1179661988 1032951989 105.7931990 77.1241991 100.0681992 92.3431993 59.10519941995 60.4941996 60.1201997 58.6501998 44.9101999 66.020200020012002

FONTE: Para o Vinho do continente os dados foram recolhidos no livro de Conceição Andrade Martins, Memória doVinho do Porto, Lisboa, 1990. Para a Madeira a origem dos números é de diversa origem.

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MCircuitos e mercados

O comércio depende da intervenção de múltiplos factores, propiciadores ou não,do sistema de trocas. Os produtos embora sejam justificativo e factor de vitalização dastrocas comerciais, não são por si só suficientes para dar continuidade ao processo. Sãonecessárias condições que as favoreçam, como é o caso dos meios e vias de comuni-cação, agentes habilitados para os diversos serviços e instrumentos de pagamento ajus-tados ao volume e duração de trocas. O desenvolvimento das relações comerciais éresultado de todos os condicionalismos. As operações comerciais são, ao mesmotempo, consequência e causa do desenvolvimento da sociedade e economia insulares.O surto do comércio açucareiro condicionou a afirmação do porto e a valorização pa-trimonial da cidade nos séculos XV e XVI.

O comércio foi desde muito cedo uma actividade que escapou ao controlo do ilhéu.O europeu estabeleceu e dominou os circuitos de troca, colocando a ilha numa posiçãoperiférica e atuando como mercado de reserva para as necessidades mercantis. A coroa,empenhada que estava no comércio monopolista, intervinha assiduamente regulamen-tando de forma exaustiva as actividades económicas e definindo o campo de manobra

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 293

Rótulo antigo. Colecçãoda Madeira WineCompany.

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para as hesitações e retracção perante as mudanças das rotas, provocadas pela conjun-tura europeia e colonial. A guerra da independência dos Estados Unidos da Américae o consequente movimento autonomista e independentista que lhe seguiu em toda aAmérica colonial teve efeito perverso no mercado do vinho. A viragem do séculoXVIII para o XIX e a primeira metade da centúria oitocentista foram os momentosimportantes na afirmação do vinho Madeira no mercado internacional.

O estudo dos circuitos e mercados só se torna possível se tivermos em conta o movi-mento interno em que se articula o transporte do vinho dos lagares ao canteiro e daí àstabernas, onde era vendido a retalho e, depois, o externo. O mercado das colóniassurge numa posição destacada pelo que somos levados a afirmar que estamos peranteum vinho para o colonialista do Além-Mar.

O vinho da Madeira, que era um produto subsidiário da rota da prata americana,do açúcar e ouro brasileiro, dos produtos orientais, da farinha e milho americanos,tornou-se num produto de saque fácil e de escoamento imediato nos mercados coloni-ais. Era a contrapartida lucrativa para as naus, que evitavam o lastro carregando à pas-sagem pela ilha vinho. Acresce, ainda, o facto da ilha ser um ponto de passagem obri-gatório das embarcações inglesas que carregavam o vinho e faziam aguada. Foi a partirdo mercado colonial que o vinho da Madeira adquiriu fama mundial e conquistou omercado londrino.

A evolução do mercado madeirense do vinho adequa-se à conjuntura político-económica europeia e colonial. Para além da necessidade de assinalar os afrontamen-tos europeus ou americanos torna-se imprescindível entender qual a posição assumidapela Madeira no mundo colonial britânico. A Inglaterra com os diversos tratados, a par-tir do século XVII, conduziu a Madeira para a sua esfera fazendo-a assumir umaposição chave. O facto da ilha se situar no meio do Atlântico acarretou inúmeras van-tagens. Por um lado transformou-se em porto de escala do tráfico oceânico. Por outroficou à margem dos conflitos que assolaram a Europa, como a guerra de sucessão daÁustria (1740-1748), a guerra dos sete anos, a Revolução Francesa (1789) e o conse-quente bloqueio continental (1806). Apenas a guerra de independência dos EUA(1776-1790) teve reflexos inevitáveis na Madeira.

A economia da ilha havia-se orientado para a monocultura com interesse mercantildesde finais do século XV, o que conduziu a economia para uma dependência extremado mercado externo. Com a afirmação do vinho abriu-se o caminho para o domíniodos ingleses, que cedo passaram a controlar a circulação mercantil, tomando conta doscircuitos abastecedores de trigo e milho americano e as manufacturas europeias a trocodo vinho. O total controlo da esfera mercantil fazia com que o lucro fosse elevado.

A fragilidade da economia madeirense é uma evidência histórica e surge como resul-tado da insistente aposta num produto de exportação. O vinho passou a assumir umaposição cimeira nas exportações desde a década de setenta do século XVI. No decur-so do século XVII a ilha teve de partilhar a posição com a casquinha3, mas o século

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dos agentes intervenientes. A constante poresença do poder régio, as intempéries, astempestades marítimas, a peste, a pirataria e o corso foram insistentemente apontadoscomo responsáveis pelo bloqueio dos circuitos comerciais.

O comércio, bem como as demais actividades económicas, estiveram sujeitos aocontrolo e regulamentação da Coroa. A isto acresce a pretensão em preservar omonopólio real do comércio de determinados produtos de certos mercados, a neces-sidade de assegurar abastecimento local e a imposição de um conjunto de culturas quetinham troca assegurada no mercado. A economia estruturou-se em consonância comos vectores da política expansionista europeia e as diferenças ou assimetrias resultantesda estrutura do solo, clima e posicionamento geográfico.

Foi necessário definir e regulamentar as actividades económicas. As administrações,central e insular, exerceram um estrito controlo das actividades económicas. As autori-dades municipais e régias intervieram na produção, processo transformador dasmatérias-primas, distribuição e comércio dos produtos locais e estrangeiros. A culturada vinha e o fabrico e comércio do vinho não estivam isentos de qualquer tipo destecontrolo.

O vinho após o tratamento e o repouso no canteiro está pronto a exportar aos mer-cados consumidores da Europa, ou do mundo colonial britânico e português. Umaparte significativa seguia rumo aos destinos, por via directa ou indirecta, enquanto arestante ficava para consumo local, ou fabrico de aguardente. Segundo o testemunhode alguns estrangeiros o vinho exportado representava apenas 40% do volume total daprodução.

O açúcar madeirense definiu nos séculos XV e XVI uma rota que ligava a ilha aosprincipais mercados consumidores do Mediterrâneo e Norte da Europa. Já para ovinho não nos parece correcto falar de uma rota definida pela procura do produto. Ailha nos séculos XVIII/XIX enquadrava-se numa área atlântica de passagem, situada naconfluência das várias rotas atlânticas das Índias Ocidentais e Orientais, da América,Brasil e Africa. E foi no seguimento desta posição que o vinho definiu o mercado.

A Madeira, ocupando uma posição central no mundo insular atlântico, surgia em18081 como o lugar ideal para a criação de um distrito jurídico, englobando os Açorese Cabo Verde, o que demonstra a posição privilegiada. Não foi só isso que condicio-nou o protagonismo madeirense. A confluência dos ventos alísios do NE obrigava osmarinheiros que sulcavam o Atlântico a procurarem, na ida, a Madeira ou as Canáriase no regresso os Açores. A Madeira encontra-se de facto com bastante rigor na entra-da da zona dos alísios do NE. (...) É que a direcção dos alisados sente-se melhor pertoda Madeira, é um tronco comum que favorece pouco mais ou menos as rotas quelevam da Europa à América, à África ou à Ásia. (...) A Madeira, bem situada, no âmbitoda circulação intercontinental, fica numa direcção única2. É de acordo com estesparâmetros que se enquadram os circuitos de escoamento do vinho e a expansão domercado consumidor. A inter-conexão dos circuitos comerciais do vinho alerta-nos

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1. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1938.2. A. Silbert, Uma Encruzilhada do Atlântico Madeira (1640-1820), Funchal, 1997, pp.79-80.

3. Cabral do Nascimento, Documentos para a História das Capitanias da Madeira, Funchal, 1930, 13, 22; ANTT, PJRFF,nº.396, fl. 56vº, documento de 3 de Novembro de 1673 refere que o vinho e a casca são os géneros que a terra tem.

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Em 1782 os comerciantes queixavam-se do desaparecimento da casquinha e dosbarcos que a procuravam, sendo substituída pelo cultivo das vinhas em que oslavradores sentião mais lucro12. Perante isto a Madeira não tinha com que acenar aosnavios senão o copo de vinho. Tudo o que se necessitava era trazido pelos naviosestrangeiros, que juntavam o comércio de importação de manufacturas ecomestíveis com a exportação de vinho. Em 1786 a produção cerealífera local cifra-va-se em 5.093 moios, que apenas davam para sustento da população durante 4meses, o que obrigava a importação entre 1783 e 1786 de 9.386 moios de cereais euma média anual de 13.870 barris de farinha13. Daqui resulta a situação deficitáriado comércio da ilha em razão da diferença entre as entradas e as saídas e do vinhoser a única moeda de troca, segundo se dizia em 179914. A situação foi, ainda, agrava-da pela existência de uma troca desigual, como é referido em 1811: O vinho é deci-sivamente a principal produção da ilha de Madeira e o único ramo do seu comér-cio que está por assim dizer restringido a certo número de casas inglesas, que trazen-do calculado o gasto anual do sustento diário d’aquela povoação conservam sempreem altos preços os alimentos de primeira necessidade, ficando-lhes continuamentedevedores o proprietário e o colono. Tudo isto porque a Madeira não tinha comque acenar aos navios que por aí passavam ou demandavam, senão um copo devinho, o resto que necessitava para o seu viver quotidiano e era trazido pelos naviosestrangeiros, que juntavam o útil ao agradável ao juntarem um comércio de impor-tação de manufacturas e comestíveis, como de exportação de vinho.

Perante tais condições a balança de pagamentos com a Inglaterra foi sempredeficitária, resultando um saldo a favor dos ingleses de 140,867 libras:

CCOOMMÉÉRRCCIIOO DDAA MMAADDEEIIRRAA CCOOMM AA IINNGGLLAATTEERRRRAA..11669999--11778833

AAnnooss IImmppoorrttaaççõõeess EExxppoorrttaaççõõeess BBaallaannççoo aa ffaavvoorr ddooss iinngglleesseess

11669999--11771111 2,608.8.7 14,464.5.8 11,855.17.111771122--11773300 4,055.13.4 58,195.12.3 54,140.1.111773311--11775511 4,191.13.9 19,093.19.7 14,002.2.1011776666--11777799 4,354.2.4 23,312.14.8 18,958.11.1011778800 2,612.5.4 51,907.15.5 49,295.10.111778811 2,433.8.2 24,000.9.10 21,567.7.811778822 33,867.7.6 50,256.13.2 46,389.5.81783 3,303.18.10 26,919.8.9 23,615.9.11

FONTE: BNL, Secção de Reservados, nº. 219, 29.

Aos estrangeiros, nomeadamente aos ingleses e americanos estava reservado ocomércio de importação e distribuição por grosso de víveres. Antes da inde-pendência da América a Madeira recebia da Inglaterra manufacturas, artigos de luxoe farinhas, e do outro lado do Atlântico as farinhas e madeira para pipas. O inglêsJ. Banger tinha em finais do século XVIII o privilégio do negócio das farinhas ame-ricanas, mas em 1795 com a crise de fome o Erário Régio procurou contrariar a situ-

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XVIII anunciou-se como a época de afirmação do vinho. A Câmara, em representação18334, dá conta que o vinho havia sido nos séculos XVII e XVIII a única fonte de recei-ta, dependendo dele o progresso da economia e a felicidade do povo. Vários teste-munhos confirmam a situação. Em 1669 o cônsul francês dizia que o negócio princi-pal desta ilha consiste em vinhos 5. A posição é reforçada em 17226, afirmando-se queo negócio não consistia mais que em vinhos e aguardentes. Em 17777 o vinho era a prin-cipal e total riqueza da ilha, produzindo-se entre 109 e 112 mil pipas anualmente, mastal ainda não faz equilíbrio vantajoso à terra, por depender esta da introdução de tudoquanto necessitava para a sua subsistência indispensável e por isso excede a exportação.Em 1768 James Cook8 não hesita em afirmar que o único artigo de comércio que aMadeira produz é o vinho. Em 1777 o vinho continua a ser a grande riqueza da ilha,mas mesmo assim as 112 mil pipas não faziam o equilíbrio vantajoso à terra, por depen-der esta da introdução de tudo quanto necessita para a sua subsistência indispensável epor isso excede a exportação 9.

Entre 1779/1821 os documentos consultados destacam o predomínio da culturada vinha e a exclusividade do comércio do vinho nas trocas comerciais, actuandocomo única moeda. O panorama monetário da ilha era muito deficitário, socorren-do-se das patacas espanholas10. Em 1779 discorria-se, a propósito: Esta ilha que secompreende em 18 léguas de extensão, tem por habitantes mil almas sem excepçãode sexo ou idade, que habitam nas rampas dos montes e se alimentam pela maiorparte de inhames, batatas, ou semilhas e alguns legumes; o género principal do seucomércio é o vinho, que faz todo o seu tráfico, depois que o aumento excessivo doseu valor em um tempo de prosperidade lhe fez totalmente abandonar a manufac-tura do açúcar, que servia infinitivamente a nutrir o ramo da casca, hoje quasi extin-to... Semeiam alguns dos grãos de primeira necessidade, como trigo, milho, cevada,centeio, etc., porém, em tal quantidade, que não chega para a sustentação da ilha amais de três ou quatro meses e morrerão de fome sem os socorros de fora11.

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4. ARM, RGCMF, t.17, fols. 60vº-62.5. A. Silbert, ibidem, p. 936. Idem, t. 8, fol. 14.7. ANTT, PJRFF, nº 411, pp. 32/3.8. “Relação da Viagem feita à Volta do Mundo…”, Heraldo da Madeira, nº.463, de 9 de Março de 1906.9. Ibidem.10. A. Silbert, ibidem, pp.86-87; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 251, 1119, 1087.11. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 518. Temos ainda outras informações semelhantes doutros documentos. Em 1811 O vinho

é decisivamente a principal produção da ilha da Madeira e o único ramo do seu comércio, que está por assi dizer restringi-do a certo número de casas, que trazendo calculado o gasto anual do sustento diário d’aquela povoação conservam sem-pre em altos preços os alimentos de primeira necessidade, ficando-lhes continuadamente devedores o proprietário e ocolono [Idem, nº 3007.]. em 1819 A agricultura consiste em vinhos, mas a ilha que só tem este género de exportação, aque seus habitantes se entregam todos pela certeza do lucro, abandonam o essencial, importam todos os outros géneros.Embora a ilha se fortifique e se defenda de qualquer ataque, à viva força, porque não pode resistir a um bloqueio, vistoque de tudo carece[ Idem, nº 4625.]. O vinho é o único género abundante que produz esta ilha e faz toda a sua riquezaé a moeda que mais gira como equivalente do mais que importa para sustento de seus habitantes alimentados unicamentedo seu produto sem recurso de nenhuma outra produção que possa contrapesar os males da introdução de outras bebidascapazes de adulterar os vinhos bons de embarque ou paralisar a venda dos baixos nas tabernas que desta forma não ven-didas, se exportam com descrédito dos legais de embarque [ ANTT, PJRFF, nº 963, fol. 85vº-86.]. E em 1821 A Madeiraé uma província de precária subsistência e não produz grão que chegue para consumo de dois meses e os outros vege-tais fructosos apenas farão subsistência para mais de um mês, de maneira, que o sustento de 8 para 9 meses lhe é impor-tado. Ela não tem fabrica, nem produção alguma outra filha da natureza, ou de arte que socorra a esta e as outras pre-cisões, além, dos seus vinhos generosos [ ARM, RGCMF, t. 15, fols. 100vº-104.].

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Vias de contacto

A configuração geográfica da ilha não facilitava a circulação interior e, tão pouco,entre as áreas costeiras a partir do mar. Segundo Orlando Ribeiro19 o relevo foi umforte entrave às comunicações internas. Os obstáculos naturais foram uma das prin-cipais causas de entorpecimento da agricultura e da cultura do vinho em regiões deacesso difícil. A forma de aproveitamento do solo foi irregular, acontecendo no sen-tido do litoral para o interior e do Sul para o Norte.

O mar que rodeia a ilha por todos os lados foi a via de contacto mais utilizada evantajosa nos últimos quinhentos anos20. Apenas na segunda metade do século XX,com o incremento da viação motorizada e o delineamento de um plano de estradas,estamos perante o domínio total das vias terrestres sobre as marítimas. O processoautonómico acelerou a afirmação da rede viárias, esbatendo as distâncias e aproxi-mando o mundo rural do Funchal.

O sistema de transportes marítimos da ilha é apresentado por A. Loureiro21 noestudo que fez sobre os portos e ancoradouros da ilha. Em todo o perímetro da ilhada Madeira, em reentrâncias, abrem-se numerosos portos, ou simples desembar-cadouros, que, não se dedicando ao comércio exterior da ilha tem contudo grandeimportância para a vida e comodidades dos povos, não só nas relações com a capi-tal do distrito e seu comércio, mas também nas recíprocas relações entre si, porque,com a acidentarão e as irregularidades orográficas que apresenta a ilha, as suascomunicações terrestres são difíceis e demoradas e o problema da sua viaçãoordinária não é fácil de resolver e está ainda para demora22. Aqui destacam-se os por-tos e desembarcadouros de Machico, Santa Cruz, Porto Novo, Caniço, Câmara deLobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Porto Moniz, Calheta, Paul do Mar, Seixal, S.Vicente, Ponta Delgada, S. Jorge, Faial e Porto da Cruz23. Em finais do século XIXocorreu uma profunda transformação na navegação de cabotagem. Em simultâneocom a implantação da máquina a vapor tivemos o aparecimento dos serviços de cab-otagem da Casa Blandy Bros & Cº. e Empreza Funchalense de Cabotagem. Em1893 o serviço de cabotagem com o Norte era assegurado pela Empreza Insulana,que assegurava três ligações semanais a Ponta Delgada.

As vias de acesso aos portos costeiros ou de comunicação interna nas freguesiaseram muito complicadas e difíceis, fazendo depender a circulação das mercadoriasda capacidade de carga do homem e dos animais. O Governador e Capitão GeneralJosé António Sá Pereira empenhou-se na construção de pontes e estradas. Nãohavia além disso naquela ilha caminhos alguns por onde sem um evidente perigo de

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ação15. Em 1822, a casa de J. H. March, cônsul americano, era acusada por CasadoGiraldes de ser detentora do monopólio das farinhas16. A questão deu azo a acesapolémica nas colunas de o Patriota Funchalense17. J. J. Sousa, reportando-se aoprimeiro caso, refere: O caso deste mercador é apenas sintomático do que vimosafirmando sobre as condições da produção local neste período. A incapacidade demanter o abastecimento interno levava a Madeira a procurá-lo nos mercados quepodiam compensatoriamente consumir a sua produção vinícola, ou então de modomenos durável em regiões nacionais, sobretudo, nas épocas de urgência, muito fre-quentes. Então os Açores e a metrópole ou Cabo Verde passam, particularmente oprimeiro e o último, a um plano expressivo. Mas igualmente certos territóriosestrangeiros, marginais ao grande quadro em que se processam as relações comer-ciais da Madeira, vão então ganhar uma funcionalidade nele, como a Berbéria e asilhas Canárias.

Todo este sistema de relações é dominado, mesmo regionalmente, por umainfluente burguesia estrangeira, inglesa sobretudo, que se apoia em condições muitovantajosas (controle dos mercados, capitais e transportes).

Centro destas condições, o circuito comercial em que entrava a ilha tornava-seimportante e denso quando se tratava das relações com o estrangeiro, nem sempreautónomas, antes pelo contrário, das próprias necessidades do trânsito atlânticodesses navios que encontravam no Funchal um bom porto de escala. Em condiçõesmais precárias mantêm-se as relações com as áreas nacionais, nelas participando alti-vamente mercadores e armadores locais, que, jogando com um certo espírito xenó-fobo constituem uma ligeira concorrência à estrangeira. Tornar-se-á particularmenteactiva depois da revolução americana, mas nunca conseguirá destronar os elemen-tos ingleses18.

Movimento interno

Por movimento interno do vinho entende-se o transporte do mosto do lagar àsadegas dos proprietários e comerciantes, bem como a condução das adegas às estu-fas, às fábricas de destilação e, finalmente, às tabernas para venda a retalho. Parapodermos entender a forma como isto aconteceu devemos ter em conta as possi-bilidades de comunicação entre os diversos distritos vitícolas e o centro de escoa-mento interno e externo. A situação das vias de comunicação terrestres ou maríti-mas é importante na avaliação de todo o processo.

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12 . ARM, Governo Civil, 597, fls.2vº-3, 18 de Maio de 1782.13. J.J. de Sousa, ibidem, p. 164.14. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1102.15. Idem, ibidem, fols. 167/172.16. Patriota Funchalense, nº 41, p. 4.17. Ibidem, nº 45, p. 1, nº 47; pp. 1/3; nº 50, p. 1.18. João José de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal..., pp.118-119

19. A Ilha da Madeira até Meados do Século XX. Estudo Geográfico, Lisboa, 1985, pp. 17-26.20. Cf. Artur Teodoro de Matos, Transportes e Comunicações em Portugal, Açores e Madeira (1750-1850), Ponta Delgada,

1980; Álvaro Vieira Simões, Transportes na Madeira, Funchal, 1983; João Adriano Ribeiro. Ilha da Madeira. RoteiroHistórico-marítimo, Funchal, sd.

21. A. Loureiro, Os Portos de Portugal e Ilhas Adjacentes, Lisboa, 1910, pp. 110/157.22. Idem, ibidem, pp. 112/3.23. Idem, ibidem, pp. 122/150; E. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. II, pp. 804/20.

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go, porque todos estão desamparados e sem parapeito assim da parte do mar, comodos despenhadeiros e enormes cavidades, que as montanhas formam e abrem entresi. Além disto faltam pontes em algumas destas ribeiras e por isso no Inverno hámuitas vezes embaraçada a comunicação dos povos entre si e com a capital, são apli-cados fora de tempos os remédios espirituais, falta-se ao sacrifício da missa, seguem-se outros males, que nascem de não haver comunicação. A estrada chamada centralque começa no alto da serra, cujo projecto foi bem concebido e que pode vir a serútil, não é por agora, pelo mau estado de todos os outros caminhos, que vem ter aela, pela falta de pontes, e porque não se escolheu, a meu ver o melhor método naabertura o seguimento deste caminho. Todos os terrenos, que estão ao largo dacosta, desde o sudoeste pelo norte, até essueste da ilha e em uma légua de compri-do do mar para a serra, são terrenos abençoados capazes de toda a cultura e de ou-tras de que as nossas terras de Portugal não são susceptíveis. Há delas, como as deS. Vicente e Ponta Delgada, em que é grande a fertilidade e seus habitantes de nadacarecem, mas por falta de pontes e caminhos não fornecem a capital, fabricamsomente para seu consumo e deixam inculto grande parte dos terrenos, que culti-vados faria rica e independente esta fertilíssima colonia26.

O problema não foi resolvido e a situação da rede viária perdurou, pelo que em182427 o Governador D. Manuel de Portugal e Castro testemunhava, de novo, o esta-do miserável da viação madeirense, notando que sem estradas que comuniquem efacilitem as conduções não pode haver comércio. A solução dependia do lança-mento duma imposição em dinheiro e mão-de-obra para a construção de estradas.

A reparação e construção das pontes e estradas estavam a cargo dosGovernadores e Capitães Generais que as entregavam aos militares. Posteriormenteo encargo passou para a alçada dos Inspectores de Agricultura e Estradas. No sécu-lo XIX os militares e civis construíam e reparavam as estradas, por meio de umaprestação anual de cinco dias de serviço, que deu lugar, mais tarde, ao imposto deroda de caminho. A tributação já existia em 1800, altura em que foi taxado a 1.000reis, sendo depois regulamentada em 1804. Embora extinta em 1824 retornou comJosé Silvestre Ribeiro28. Foi ele que iniciou o verdadeiro plano da rede viária da ilha,que só atingiu a plenitude no século XXI. O século XX foi o momento da apostana rede viária. A presença em 1904 do primeiro automóvel no Funchal foi o prenún-cio da mudança. D. João da Câmara Leme apresentou um plano revolucionáriopara os transportes na ilha baseado na ideia dos cabos aéreos de transporte29 quenunca mereceu a atenção dos políticos.

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vida de podesse passar de uma para outras freguesias e ainda sair da cidade mais demeia légua para o que concorria a quasi inacessível fragosidade de montes e valesem que consiste a sua superfície. Não haviam as pontes necessárias para a passagemalém das muitas ribeiras caudalosas, que principalmente no Inverno fazem horror,por entre os referidos montes. Finalmente era quasi impossível a comunicação dacapital com as vilas e lugares de toda a ilha que não fosse unicamente pelo mar, queno Inverno é bravíssimo. Mas o zelo, o desvelo, o cuidado do dito governador empersuadir aos povos esta grande importância e procurar todos os meios, cálculos earbítrios para tão útil e necessário objecto, fez que sem violência, antes com satis-fação se comunicassem as freguesias do norte com as do sul, onde está a capital dailha e umas com outras vilas e freguesias por estradas, e montes que fez construirquanto era possível24.

Em 181325 o Governador Luís Beltrão de Gouveia, em ofício ao Conde dasGalveias, referia que falta de estradas contribuiu para o entorpecimento da políticade relançamento da agricultura e desenvolvimento da ilha: ... Toda a cultura destailha é, mais ou menos activa na razão da facilidade, ou dificuldade dos caminhos,não uso do termo estradas, porque não existem; tanto que os terrenos ficam na dis-tância de meia légua das povoações maiores, ou de maior distância desta cidade, oscaminhos, ou são difíceis, ou mais longos, pelos rodeios ou a cabos, assim sucede àcultura;... Impossibilita-se pela dificuldade dos caminhos e dos transportes, havendoapenas, estreitas e perigosas veredas que os habitantes atraveçam conduzindo àscostas pequenos pesos, pela impossibilidade de os levarem maiores e assim mesmocom o risco de vida, como muitas vezes acontece, morrendo precipitados (...). Portudo isto tornava-se premente o relançamento da rede viária, a reparação das pontese estradas molestadas pelo único meio de transporte usado, a carroça, através deuma taxa sobre os carreiros. (...) Aqui não há carros, há um equivalente, vem a serum madeiro, que é conduzido de rastos, preso ao jugo dos bois, a que dão o nomede corça. E este veículo conduzem pipas de vinho, pedras, paus de todo o taman-ho, pesos extraordinários, destruindo por este meio bárbaro as poucas calçadas epontes que existem.

Em 1819 a situação da rede viária da ilha era desastrosa. O Governador e CapitãoGeneral Sebastião Xavier Botelho, na visita que fez para verificar o estado das forti-ficações, estradas e pontes, é peremptório no retrato da situação: Enquanto àsestradas só se podem chamar assim aquelas, que saem da cidade até a distância deuma légua, quando muito, o mais são estreitos carris e caminhos ladeando rochas,ou abertos a prumo nas montanhas, de cujo cimo descem com enorme declive paraas ribeiras, e sobem destas com a mesma direcção até o cume de outra montanha,o que acontece progressivamente desde que se sai, até que se entra na cidade, segun-do a configuração da ilha. Estes caminhos além de estreitíssimos, são do maior peri-

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24. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4846, vide ainda ARM, RGCMF, t. 12, fols. 59-70.25. Idem, nº 3281.

26. Idem, nº 4697.27. Idem, nº 7685.28. Uma Época Administrativa (...), vol. II, pp. 367/418.29. Uma Crise Agrícola, pp. 143/5.

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go. No Funchal se recebem todos os géneros consumidos na ilha vindos doestrangeiro e da mesma cidade se exportam todos os ricos produtos da ilha, que seespalham por todo o mundo, e alguns dos quais são de fama universal, como o seuprecioso vinho31.

As autoridades estabeleceram desde 1785 normas sobre o movimento interno devinhos para impedir a baldeação dos vinhos baixos com os superiores e pôr cobroà defraudação. Até Maio impedia-se a entrada dos vinhos baixos do Norte até Maio,para travar o uso nas trocas com o exterior, ficando para destilação ou consumo nastabernas da ilha. Note-se que o período de exportação do vinho tinha uma maiorincidência nos meses de Dezembro a Abril, altura de passagem das naus.

A condução dos vinhos aos armazéns apresentava ainda outro tipo de problemas.Aos entraves naturais juntavam-se os inconvenientes do roubo, baldeação e adulte-ração dos vinhos do norte da ilha. Os barqueiros de Machico e Santa Cruz tinhampor hábito furtar algum do vinho que transportavam, preenchendo o espaço vaziocom água. A solução não estava nas medidas proibitivas ou na aplicação do códigocomercial, mas antes, segundo o articulista de o Correio da Madeira em 1849, naconjugação de esforços de proprietários e comerciantes para que através de umaassociação se construísse um barco de lote de 50 a 60 pipas com coberta e escotilhafechada e comandada por um mestre e não por um barqueiro (vilão) que sob aresponsabilidade dos capitães dos navios e pago mensalmente, possa bem dirigireste comércio de transporte (...). Por esta forma nem o vinho será roubado, nemadulterado, como o não é nos navios do alto mar e a navegação correrá menos riscosde alojamento32.

Outro problema, não menos importante, ligado à circulação interna das pipas devinho resultava do modo como era feita a tiragem das pipas no calhau do porto doFunchal. Os proprietários e comerciantes em requerimento ao Senado da Câmarade 181833, reclamavam que a descarga do vinho no porto desta cidade vindo de todaa costa desta ilha e Porto Santo é feita com tanta desordem que tem chegado aoponto de se juntarem pipas de vinho, trocarem-se umas por outras, demorasinsofríveis, furtos pelos boeiros, tudo nascido da errata prática actual de que cadaboeiro largar (como) lhe parece o vinho em tantos sítios quantos sãos os boeiros queo tiram e o que mais é fica às ordens do boeiro tirador pela convenção que entre sitem feito de não pegar um nas pipas que outro tirou e nesta certeza largam o serviçodo calhau e vão fazer outro pela cidade e às vezes depois de noite chegam com aspipas às lojas de seus donos. Perante a situação apontavam um conjunto de medi-das capazes de minorar os efeitos daí decorrentes.

O arrais recebe o vinho em terra, deve também entregá-lo em terra a seu dono,livro da enchente do mar, acima do camalhão, todo junto em ruma (sic) ou a montee até em um golpe de vista entregá-lo a seu dono. Pela tiragem de cada pipa deve

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 303

Movimento do vinho no mercado madeirense

O mosto era transportado do lagar às adegas em barris de dois almudes, ou odressobre os ombros dos homens, porque a escabrosidade dos caminhos faz imprati-cáveis outras conduções30 e, uma vez que faltavam no campo as adegas e vasilhame,era conduzido à cidade, onde fermentava, sendo depois submetido ao trato nas ade-gas dos senhorios ou comerciantes. Alguns proprietários dispunham de adegaslocais. Nas áreas junto à costa, servidas de pequenos portos ou ancoradouros, exis-tiam armazéns de recolha do mosto. É o caso do Porto da Cruz e da Ponta Delgada,onde ainda estão de pé.

As lojas de vinho dos grandes proprietários ou senhorios, de comerciantes, paraonde era canalizada a totalidade (ou quase) do vinho produzido estavam situadas noFunchal. Como dizia em 1910 Adolfo Loureiro, o Funchal era porto de um movi-mento marítimo considerável, toda a vida comercial e industrial da ilha se concen-trou na sua capital, sendo a cidade... o centro do comércio da ilha e do arquipéla-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX302

Embarque de vinho noPorto Santo. Foto JoséPereira da costa. Anossessenta do século XX

30. ANTT, PJRFF, nº 994, pp. 9/11.

31. Op. cit., pp. 453/3.32. Nº 3, p. 3.33. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 177vº-187.

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Imposição do vinho

O lançamento da imposição do vinho foi determinado em 148436 por D. Manuel,a exemplo do que se fazia com o real do vinho e da água no reino, ficando a recei-ta para nobrecimento e cousas do conçelho37. A imposição enquadra-se no conjun-to de impostos camarários indirectos, uma vez que só a partir do século XVII pas-sou para o controlo do Erário Régio e a receita a ser repartida38.

O imposto incidia sobre o vinho vendido nas tavernas. Aqui onerava-se astransacções locais entre o comerciante ou produtor e o taberneiro. Todos os quevendessem vinhos deveriam comunicar ao vereador que o dito carrego tiverem perase lhe ser esprito o preço a que o puser e lhe ser lançada a vara pera se saber quan-tos almudes tem (…). Do mesmo modo o mercador fará saber aos oficiais que o car-rego teverem, todos os vinhos que trouxer e dos que vender atavernados será obri-gado a fazer a saber ante do abrir pera lhe ser esprito o preço e lhe ser lançada avara (...). Os infractores aplicava-se a pena de 1.000 reais e mais lhe será logo leva-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 305

pagar a cada boeiro 50 réis, que há-de carregar em cima do frete para receber de seudono e pagar ao boeiro, que também interessa em receber seu salário de uma sómão esta taxa é conforme ao estilo geral, que se pratica onde há serviços invariáveis,como é nas alfândegas, guindastes, e cabrestantes entregue daquele modo. O donodo vinho das suas pipas pode mandá-lo recolher para onde quiser e por quem quis-er, sempre à vontade das partes, visto não poder haver taxa certa. Deste modo odono do vinho o vigia melhor, estando todo junto e com mais brevidade o vê naslojas, porque já o boeiro pelo facto da tiragem não tem às suas ordens e sabendoque seu dono o dá ao primeiro que chegar, todos acodem, como correm logo semmeterem em meio outro serviço, como costumavam fazer em prejuízo daqueleprimeiro trabalho, pelo que acrescendo a pena de cadeia contra os que invertem aboa ordem, sendo executor o alcaide do mar, a custo do delinquente. Em Maio de182334, com representação da Câmara de 20 de Março, facilitou-se a entrada de vin-hos nos diversos cais da ilha e permitiu-se a inspecção no calhau, evitando a despe-sa do carreto de passagem pela casa da alfândega.

As medidas de 1785/1786 e a regulamentação do Subsídio Literário de 1772estipulavam o uso de guias de embarque, de forma a ter-se a certificar-se aproveniência do vinho e saber-se se havia pago ou não os direitos. As guias deembarque acompanhavam as pipas de vinho que circulavam nos portos costeiros dailha, como testemunha documento de 181835.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX304

Borracheiros.Aguarelas do século XIX.Colecção da Casa Museu

Frederico de Freitas.

34. ANTT, AF, nº 240, fol. 83vº.35. Idem, nº 239, fols. 115-115Vº.

Borracheiros. século XIX.Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas.

36. ARM, RGCMF, t. 1, fols. 2247-254, publ.in AHM, vol.XV, p.150; Idem, t. 1, fols. 22-22vº, publ.in AHM, vol.XV, p.150-16137. Idem, t. 1, fols. 30-30vº, publ.in AHM, vol.XV, pp.227-228; Idem, t. 1, fols. 91vº-92º, publ.in AHM, vol.XV, p.235: Idem, t. 1,

fols. 49-53vº, publ.in AHM, vol.XV, pp.282;38. Tenha-se em conta que esta designação é específica da Madeira, pois no continente chamava-se real da água e depois

real do vinho. Parece existir uma grande confusão sobre este imposto. Assim a ideia da imposição como imposto localsurge em Paulo Jorge da Silva Fernandes, Elites e Finanças municipais em Montemor-o-Novo do antigo regime à rege-neração (1816-1851), Montemor-o-Novo, 1999, p.140; o mesmo sucede na obra dirigida por César de Oliveira, História dosMunicípios e do poder local (dos finais da Idade Média à União Europeia), Lisboa, 1995, pp. 220-221. Fátima FreitasGomes [Machico a Vila e o Termo. Formas do Exercício do Poder Municipal (Fins do Século XVII a 1750), Funchal, 2002,p.149] considera como um imposto régio. Na verdade, ele começou por ser um imposto municipal que passou para a alça-da do Erário Régio a partir de 6 de Março de 1635.

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demniza-lo pelos danos causados. Ao mesmo tempo retirou a licença de ofício, aojuiz, e proibiu-o de exercer todo e qualquer cargo público. Não estamos perante umepisódio único, uma vez que foram constantes as provisões e cartas a recomendar ocuidado a ter na arrecadação para a evitar-se ocultações e desvios.

Em 171545 foi proibida a venda a retalho pelos mercadores nos armazéns contraa forma do regimento, porque sem ramo nem licença o vendiam como lhes pare-cia, punindo-se os infractores com penas pesadas: Hei por bem que nenhum mer-cador de vinhos, lavrador ou outra qualquer pessoa natural, estrangeira, de qualquerqualidade ou condição que seja possa vender vinhos nesta cidade em sua casa ouem armazém a almudes, potes, canadas, copos ou por outra qualquer medida senãoatavernado publicamente, com ramo à porta..., senão intende as casas do porto,porque as exceptuo para poderem vender como sempre se praticou. E somente sejalícito as sobreditas pessoas venderem uma ou mais pipas de vinho em que comaquela obrigação usada e o vendedor fazer presente na mesa, a venda, e também ocomprador para com legalidade se prover como se estila. E achando-se semelhantevenda pelo miúdo de qualquer qualidade que seja, o vendedor incorra na pena deperdimento do vinho que lhe for achado na casa, armazéns e com dois meses deprisão irremicivelmente e não poderá usar mais em tempo algum de meter nemvender vinho nesta cidade. E que seja lícito a qualquer pessoa poder denunciar destedelito. E ainda em segredo, e haverá a terça parte o denunciante (...).

A rainha em carta de 1782 às Câmaras da cidade do Funchal46 e da vila daCalheta47, ordenou a aplicação do regimento que regulamentavam a arrecadação daimposição, proibindo a venda de vinhos a retalho fora das tabernas com ramo àporta, dando recomendações sobre a forma de evitar o dolo. Na que dirigiu aoFunchal refere que os desvios, e ocultações acometidos na arrecadação daimposição do vinho, sem que tenham sido bastantes os regimentos, posturas ealvarás, que tem coibido se não venda vinho por quaisquer medidas legais ou arbi-trárias, sem se pagar a imposição, procedendo manifestos aos rendeiros ou admi-nistradores, cometendo os vendedores o dolo conhecido...Daí a necessidade deserem aplicadas as leis reais que proíbem semelhantes descaminhos, não con-sentindo que pessoa de qualquer qualidade venda vinho, sem o manifesto e o paga-mento da imposição. Na segunda carta alude-se ao pouco cuidado, com que nacâmara deixa inprevenidas estas distracções em ofensa não só das posturas dela e dacâmara desta cidade, nos alvarás (...). Ao mesmo tempo ordenava-se que o vereadormais velho deveria proceder a devassa contra os infractores, o que na realidadesucedeu, como dá conta o Administrador da imposição do vinho da Calheta emcarta de 12 de Abril de 1783. A medida foi suspensa a 7 de Maio48.

Perante tantas recomendações e ordens repressivas seria de esperar o cumpri-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 307

do em cheo todo ho que a dita pipa ou toda ou quanto avia de render a dita renda(...). O taverneiro que baixasse o preço do vinho deveria participar ao escrivão evarejador para a imposição da quantia ser arrecadada pelo novo preço, ou seja umacanada de vinho por almude de 13 canadas por canto a recebe em dinheiro do povoque asy do dito vinho bebe, enquanto que do vinho vendido no torno deveria serretirada uma canada ou um almude de 13 canadas.

A eficácia na arrecadação do novo direito só foi possível de conseguir com orecurso a um quadro administrativo. O condutor de vinhos para as tabernas tinha oencargo de fazer chegar o vinho às tabernas, mediante manifestos. O cargo foi cria-do para tornar o controlo da circulação dos vinhos mais eficaz39. O varejador per-corria as tabernas ou casas onde se vendesse vinho e lançava a vara em todas as vasi-lhas com vinho, dando conta ao escrivão da quantidade disponível, o preço de vendae o dia em que procedeu ao varejamento40. O recebedor tinha a obrigação de pro-ceder ao recebimento e arrecadação do dinheiro, dispondo de um livro onde assen-tava a conta para dela ser deduzida a soma a pagar e dar notícia aos oficiais dacâmara. O recebedor e o escrivão da câmara percorriam a cidade três vezes porsemana tomando nota das ementas das pipas abertas para venda nas tabernas

A imposição do vinho de 1568 foi lançada em 2 canadas por almude de 14canadas ou a 7ª parte, o que corresponde a 14,3%, enquanto no continente o vinhopagava 7 reais do real de água41. Com o novo regimento de 162842 a imposição foiaumentada para 2 canadas e a pena aos infractores passou para 2.000 reais. Overeador mais velho da câmara era o juiz da imposição, com alçada sobre o feitor eescrivão da câmara. Os vereadores tinham ainda o encargo de fazer o assento dospreços, do dinheiro que recebiam, a relação das pipas vazias e os almudes restantesnas já abertas que se encerravam. A partir daqui estabeleciam-se os direitos pagosaos quartéis: Estes vinhateiros vem pagar cada três meses o seu quarter e cada pipaque tem vinte e seis almudes se lhe dá de quebra dois almudes, e dos vinte e quatroalmudes se lhes faz conta a duas canadas que pagão de cada almude à razão dopreço como se vende, e assim pagam as outras pessoas que tem uma pipa, e duassão obrigadas em acabando de vender seus vinhos de vir logo pagar asimposições...43.

A aplicação das penas aos infractores foi alvo de atropelos, acontecendo muitasvezes que o juiz julgava indevidamente os taberneiros. Um foi incriminado em178044 porque na sua taverna estava medindo e vendendo vinhos sem insígnia dejuiz. A câmara discordou da pena e multa, ilibando o réu e obrigando o juiz a in-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX306

39 . Alberto Vieira, História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.21, provimento de condutor de vin-hos de 1 de Outubro de 1774.

40 . José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, Funchal, 1995, pp.98-99. Cf. AlbertoVieira, História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.16-18, regimento da imposição do vinhode 26 de Março de 1545.

41. Considerações Apresentadas à Comissão Encarregada do Estudo Económico da Madeira, Funchal, 1888, p. 9.42. ARM, RGCMF, t. 5, fols. 111vº-114.43. Idem, t. 5, fol. 172vº.44. Idem, t. 12, fols. 173vº-174.

45. Idem, t. 13, fols. 164vº-165.46. Idem, t. 13, fol. 165-166; ANTT, PJRFF, nº 760, pp. 73.47. ARM, RGCMF, t. 13, fol. 166; ANTT, PJRFF, nº 760, pp. 73/4. Aqui se referem as ordens de 30 de Novembro de 1640,

23 de Dezembro de 1715 e de 11 de Abril de 1776, em que tal arrecadação era regulamentada.48. ANTT, PJRFF, nº 758, p. 206.

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século XVII com a presença de um representante do Governador. O Rendeiro ou Arrematador detinha o contrato, de acordo com o estabelecido

em praça, e obrigava-se a fazer a recolher a renda por meio de agentes. RoqueRodrigues era em 179262 o arrematador. Nas freguesias havia igualmente o arremata-dor que procedia à arrecadação, como sucedeu em 1819 em S. Jorge63. Caso nãoexistisse as funções eram da competência da Câmara. A arrematação de 179264 foifeita por uma sociedade composta por Francisco Martins de Gouveia, JoséGonçalves Brazão e António Cipriano. O processo não foi fácil para a empresapelos desentendimentos havidos, como se pode deduzir de alguns documentos65.

O rendeiro tinha alçada sobre o arrieiro-mor ou condutor dos vinhos vendidosnas tavernas, da livre escolha como as mais pessoas aí ocupadas. Disso nos dá contao Governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho em 1784: De todo tempo teve orendeiro da imposição do vinho o privilégio de eleger e nomear os seus cobradorese vigiar, entre os quais há um capataz a que chamão condutor...66. Segundo oGovernador Florêncio Correia de Melo em 1818 a Câmara interveio na nomeação:Houve um tempo em que a câmara nomeava sujeito para aquele lugar, mas como anomeação nem sempre era de vontade dos rendeiros, deixou-se a estes a liberdadede escolher para condutor dos vinhos algum homem de confiança...67. A Junta nãopodia nem devia interferir na nomeação como refere a Câmara em 178468, não se

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 309

mento do que estava estabelecido. A realidade era outra, pois em 27 de Fevereirode 180649 a Câmara do Funchal ordenava à da Calheta a obediência às ordens régias,que mais uma vez remetia para que se desfizessem algumas dúvidas surgidas. Amesma ordem foi dada em 181850 ao juiz ordinário da Câmara da Ponta do Sol emresposta a pedido de esclarecimento, aludindo-se que todo o vinho que se vendeatavernado paga imposição e que todo aquele que entra para a venda e paga aindaque seja dado, trocado ou bebido pelo taverneiro. As determinações por parte doreino, da Junta ou Câmara continuaram em cartas, provisões e alvarás o que com-prova que eram insuficientes para evitar o dolo, infracção, desvios e suborno. AJunta, em portaria de 183451 dava conta da introdução de vinhos nas tabernas forada alçada do arrieiro-mor e da venda a retalho nos armazéns. Perante os factos con-sumados restava-lhe fazer apelo por edital52 ao juiz do povo53, juízes ordinários daCalheta54 e de Santa Cruz55, administrador da renda56 e público para que fosse postaem prática a lei de 23 de Dezembro de 1715.

A acção da justiça perante os infractores não condizia com o carácter repressivodas ordens e admoestações das autoridades municipais. A maioria dos casos eramabsolvidos, como sucedeu em 178057, 178358 e 183859. O procurador da Câmara doFunchal mandou cassar a licença de venda ou taverna a António Faria Camacho, nosítio do Valverde, porque por várias vezes havia defraudado o rendimento daimposição introduzido clandestinamente vinho na venda. A câmara em 183960 diziater intimidado o réu, aludindo as queixas que havia recebido e dando parecer des-favorável ao parecer do magistrado, pois existiam outras medidas para coibir asinfracções de que se queixa este magistrado sem se recorrer a fechar a taberna, oque no meu entender é uma medida, além de pouco justa perfeitamente ineficaz,podendo o acusado obter licença em nome d’outra qualquer pessoa (…). Mas tudoficou sem efeito.

Para que a imposição fosse arrecadada na melhor forma, evitando as infracçõesou dolo, foi necessário criar uma estrutura administrativa em que os agentes, encar-regados da arrecadação do imposto, manifestasse interesse e empenho. A soluçãoencontrada foi a arrematação em lanços bienais a particulares. O administrador darenda procedia à arrematação dos contratos e recebia os quartéis na altura determi-nada61. A arrematação do imposto nos diversos municípios passou a contar desde o

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX308

Transporte devinho.William Combe.1821

49. ARM, RGCMF, t. 14, fol. 166vº.50. ANTT, PJRFF, nº 405, p. 154.51. Idem, nº 408, fol. 122vº.52. Idem, fols. 124-124vº.53. Idem, nº 408, fol. 123.54. Idem, nº 408, fols. 124vº-125.55. Idem, nº 408, fol. 125.56. Idem, fol. 123vº.57. ARM, RGCMF, t. 12, fols. 173vº-174.58. ANTT, PJRFF, nº 758, p. 206.59. ARM, RGCMF, t. 19, fols. 36-37.60. Idem, t. 19, fols. 38-38vº.61. ANTT, PJRFF, nº 760, p. 101; nº 406, fols. 101vº-102; nº 113vº-114; nº 458, pp. 47/8. Em 1824 temos referência à

nomeação de três oficiais para este cargo: Leandro José de Almeida [Idem, nº 406, fols. 101vº-102.], José MartinsJúnior [Idem, nº 406, fol. 113vº.] e Roberto F. Jardim [Idem, fols. 113vº-114.].

62. Idem, nº 760, p. 101.63. Idem, nº 405, p. 222.64. Idem, nº 760, p. 101.65. Idem, nº 679/688, 722.66. Idem, nº 731.67. Idem, nº 4034, certamente se referia ao ano de 1774 e 1779 em que os ditos cargos eram providos pela câmara, vide

ARM, RGCMF, t. 12, fols.17, 95vº-96, 122-122vº.68. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 732.

Transporte de vinho. Gravura de A. Vizetelly. 1880

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O rendeiro, no acto da arrematação, combinava o modo de entrega da receita daJunta, por norma em quartéis distribuídos pelo período do contrato87. O dinheiroda arrematação tinha como base o preço corrente, estipulado a partir da produçãodo ano antecedente. Os preços eram estabelecidos de acordo com a qualidade dacolheita ou o tipo de casta, assim, em 1828 para a freguesia de S. Jorge temos 600barris pagos a 1350 réis ao barril, 600 a 1300 réis, 915 a 1200 réis88. Deduzido o di-nheiro procedia-se ao pagamento aos quartéis. O rendeiro, retiradas as despesas dearrecadação, entregava metade à câmara da zona do arrendamento e a outra aoAdministrador local da renda. Já em 1792, em aviso do Juiz da Câmara da Ponta doSol89, e em 179890 e 183591, por aviso ao rendeiro da imposição do vinho de S.Vicente, João António de Gouveia, vimos que metade da renda era entregue àCâmara e a outra à Junta92. Em 179493 da parte da Junta deduzia-se no Funchal umterço para o Senado da Câmara. No Porto Santo à falta de rendeiro a soma eraarrecadada por inteiro pela câmara, que dela se servia para custear as despesas nor-mais94.

Os quartéis da renda eram pagos de forma irregular, justificando-se pelascondições adversas da produção. O arrematador, para evitar perdas com o contra-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 311

justificando os requerimentos de António Pinho69 e António João da Silva7071, poispor alvará de 14 de Abril de 1796 estava impedida de o fazer72. O provimento deTomé da Silva e de Silvestre Jesus Seabra73 para o cargo de Condutor dos vinhos em178474 deu lugar a acesa polémica. O facto repetiu-se em 179775 e 181676, respectiva-mente com António Silva e João Gonçalves.

Na maioria dos municípios rurais a situação não se justificava, mas nas vilas maisimportantes, como Santa Cruz e Machico, poderiam ser necessários, sendo provi-dos pela respectiva Câmara, como sucedeu em 1819 em Santa Cruz com o soldo 35réis por barril pagos pelo taberneiro77. José de Freitas e José da Costa Mateus eramos arrieiros que em 183478 tinham o encargo de conduzir os vinhos das freguesias donorte para as tabernas. A situação justifica-se pela necessidade de evitar a baldeaçãocom os do Sul, uma vez que se alude à medida proibitiva do Governador JoséAntónio Sá Pereira79.

A abertura do preço do vinho por 3 homens probos debaixo juramento80 ante-cedia o acto de arrematação da renda. De acordo com o preço corrente do barrilde vinho estabelecia-se a quantia do imposto, procedendo-se à arrematação emlanços81. O conhecimento público era feito por meio de edital82. O Arrieiro-mor83 eo Varejador, sob as ordens do rendeiro, percorriam as tabernas da cidade dandoconta do vinho que depois registavam em livro próprio. Feita a inspecção procedia-se ao lançamento da imposição, avançando-se com a arrecadação em género ou di-nheiro. A colecta era feita em género84, como se pode deduzir dos avisos da Juntapara Paulo Vicente de Ornelas, Administrador da renda de S. Jorge, para entregarvários lotes de vinho de 200 pipas da renda arrematada a quem a havia adquiridopor arrematação85. A Junta em 1834 ordenou ao Administrador da renda deMachico que o pagamento aos carreteiros do vinho deveria ser feito pelo preço doano anterior. Os carreteiros tinham o encargo de transportar o vinho das rendas dolagar aos armazéns da Junta ou do Administrador86.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX310

69. Idem, nº 1479/81.70. Idem, nº 4035, vide resposta da câmara ao mesmo, ARM, RGCMF, t. 12, fols. 170vº-171.71. Idem, nº 4034/48.72. Idem, nº 481.73. ARM, RGCMF, t. 12, fols. 186vº, 227vº-228.74. ANTT, PJRFF, nº 412, p. 113.75. Idem, nº 403, pp. 233/4.76. Idem, nº 405, p. 108; nº 407, fols. 117vº, 122vº.77. Idem, nº 407, fols. 117vº, 122vº.78. ARM, CMF, nº 1396, fol. 1vº.79. Idem, nº 1396, fols. 7-12.80. ANTT, PJRFF, nº 408, fols. 180vº, 262vº.81. Idem, nº 408, fols. 183vº-184, vide livros de arrematações das rendas: ARM, CMF, nº 11/8, 466/9.82. Vide editais, ANTT, PJRFF, nº 403/8.83. Em documentos de 1784 e 1818 definem-se as funções do arrieiro-mor: ... há um capataz que chamão condutor, cuja obri-

gação é de examinar continuadamente por todas as tabernas da cidade o vinho que para elas vai a vender, e no fim decada dia dar conta ao rendeiro, para este arrecadar o devido imposto [ AHU, Madeira e Porto Santo, nº 731.]. ... o referi-do ofício, chamado aqui arrieiro-mor, consiste fazer diariamente em livro[ARM, CMF, nº 60 e 1396.] competente os assen-tos das entradas dos vinhos, que ele faz entrar nas tabernas e d’eles dar conta aos rendeiros da imposição para que con-forme as suas relações e assentos, possão haver o produto d’aquela renda[ AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4034.].

84. ANTT, PJRFF, nº 405, fols. 222-225.85. Idem, nº 408, fol. 176.86. Idem, nº 750.

Transporte de vinho.Aguarela do séculoXIX. Colecção daCasa MuseuFrederico de Freitas.

87. Idem, nº 436, fols. 1-13.88. Idem, nº 750.89. Idem, nº 760, p. 100.90. Idem, nº 403, p. 285.91. Idem, nº 409, fol. 100vº.92. ARM, RGCMF, t. 18, fols. 172vº-173, 382vº-383.93. ANTT, PJRFF, nº 759, p. 75.94. Idem, nº 400, fols. 80vº-82.

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RREECCEEIITTAA DDAA RREENNDDAA DDAA IIMMPPOOSSIIÇÇÃÃOO DDOO VVIINNHHOO.. 11777755--11883344

DDaattaa MMaacchhiiccoo CCaallhheettaa PPoonnttaa ddee SSooll FFuunncchhaall SSaannttaa CCrruuzz SS.. VViicceennttee

11777755--11777766 800.200 622.110 106.000 5.400.000 215.10011777799--11778811 610.438 435.160 82.478 5.080.24011778822--11778855 607.200 793.924 657.800 5.677.320 224.36011778866--11778877 202.400 657.800 5.677.32011778888--11779900 910.800 202.400 72.140 5.940.440 172.14011779911--11779933 658.202 364.320 82.984 5.940.434 223.65211779944--11779966 404.850 50.600 5.940.440 364.32011779977--11779999 1.012.00 477.158 106.260 5.940.440 223.652 212.52011880000--11880022 1.720.400 477.158 198.352 8.703.200 374.440 404.80011880033 2.029.060 477.158 244.094 8.733.560 739.772 658.81211880044--11880055 2.029.060 810.612 244.094 8.733.560 739.772 658.8121188006611880088 2.029.060 1.032.341 539.288 10.676.600 1.012.000 678.04011880099--11881111 3.100.780 1.032.341 303.600 16.192.000 1.013.012 679.05311881122--11881144 4.049.012 1.012.000 274.474 16.499.600 1.013.012 862.22411881155--11881177 4.049.012 1.012.00 160.901 16.596.800 1.032.240 1.388.20011881188 2.034.653 863.222 160.901 10.990.635 392.585 1.295.30011881199--11882200 3.299.000 863.222 160.901 12.144.000 1.028.744 308.66011882211--11882233 2.024.000 667.492 172.242 1.026.128 312.65011882244 2.024.000 592.249 172.242 11.181.299 950.000 1.458.55211882255--11882266 2.028.400 542.040 253.000 11.181.299 960.000 252.00011882277 1.353.733 520.000 12.260.240 966.000 234.78411882288 1.353.733 422.445 282.035 8.221.431 617.799 234.78411882299 1.353.733 225.667 10.632.819 742.440 234.78411883300--11883322 928.654 109.634 225.667 8.821.782 733.240 253.00011883344 415.919 481.876 289.720 3.911.671 470.689 258.060

Fonte: ANTT, PJRFF, nº. 751-754

A renda começou por ser administrada pelo município, mas com o domínio fili-pino passou a contar com a intervenção da coroa através do Erário Régio, sendo areceita dividida entre o município e o Erário Régio97. Não obstante ter sido umarenda criada para para suprir as despesas dos municípios98, a forma de aplicação foidistinta ao longo dos tempos. A primeira aplicação da renda no Funchal foi na cons-trução da praça que deveria servir o edifício da alfândega e a igreja99. Em 1488100

imposto só poderia ser aplicado na aposentadoria dos tabeliães, mas em 1489101 e1490102 insiste-se no uso para enobrecimento da vila, que em 1493103 significava arealização de obras para as casas do concelho e da cerca e muros.

D. Manuel tinha perfeita consciência do objectivo da imposição e queria seguir àrisca a finalidade, reprovando a atitude da câmara quando pretendia desvia-lo paraoutros fins: Em outro apontamento que pedis por merçee que vos leyxe gastar a

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 313

to, reclamava das dificuldades, esperando poder contar com os bons ofícios dasautoridades. Acontece que a disputa entre diversos grupos de arrematadores faziaelevar a renda a valores incomportáveis. A solução estava no recurso a diversos sub-terfúgios para evitar a entrega do imposto. Foi o que sucedeu com contrato de1776/1778 em que a renda foi arrematada em 601.000 réis. Em 1785 ainda estavampor arrecadar 2.881.000 réis, pelo que a Junta deu parecer favorável à proposta apre-sentada por António Cipriano da Conceição, arrematador de 1783/1784, para sernovo rendeiro dos anos de 1785/1787 por 5.610.000 réis ao ano, com a cláusula denão ser posta em praça. A Junta estava consciente da situação insistindo nos incon-venientes do acto de arrematação95. O valor elevado das dívidas em 179096 obrigouà decisão drástica de proibir os devedores de proceder a novas arrematações.

A informação sobre as rendas da imposição é muito limitada e só dispomos dedados em série para o período que decorre a partir de 1775. No quadro geral do valordas rendas arrecadadas podemos assinalar entre 1781/1799 a tendência de aumentoaté se atingir em 1797/1798 quase o dobro de 1780/1781. Nos anos de 1803/1805temos de novo valores baixos, inferiores aos de 1780/1781, mas a receita voltou asubir. Entre 1818/1834 faltam-nos dados totais, mas dispomos de alguns parcelaresque elucidam, ainda que de modo precário, sobre a imposição em momentos críti-cos da primeira metade do século XIX. O quadro que se apresenta resulta da formade arrecadação do imposto, feita sob a forma de arrendamento trienal.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX312

Transporte de vinho.W. Combe. 1821.

Colecção da Casa MuseuFrederico de Freitas.

95. Idem, nº 411, pp. 251/3.96. Idem, nº 458, pp. 47/8.

97. A Real Fazenda tinha direito em 1817 a metade do valor arrecadado: ARM. RGCMF, t.14, fls.199vº-200, representação de20 de Junho; ARM. RGCMF, t.15, fls. 121-122vº, conta de 17 de Janeiro de 1824; ARM. RGCMF, t.18, fl.172vº-173,382vº-383, ofícios de 24 de Julho de 1837 e 13 de Agosto de 1838; ARM. RGCMF, t.19, fls. 432vº-433, ofício de 6 de Agosto de1840.

98 . ARM. RGCMF, t. 1, fl.249, apontamentos de D. Manuel de 22 de Março de 148599. ARM. RGCMF, t. 1, fl.25v-26, carta do duque de 20 de Novembro de 1486.100. ARM. RGCMF, t. 1, fl.27-28, carta do duque de 24 de Novembro.101. ARM. RGCMF, t. 1, fl.30-30vº, carta do duque de 5 de Outubro de 1489102. ARM. RGCMF, t. 1, fl.56vº-57, carta do duque de 20 de Fevereiro de 1490.103. ARM. RGCMF, t. 1, fl.48vº-52vº, 175-176vº, cartas do duque de 13 de Janeiro e 21 de Junho

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O quotidiano e o vinho

Nos séculos XVIII e XIX os forasteiros, de passagem pelo Funchal ou quedemandavam a ilha em busca da cura para a tísica pulmonar, foram os principaisdivulgadores da mesa madeirense. Habituados que estavam às laudas mesasreprovam a frugalidade do mundo rural madeirense. Todos insistem em referir ocontraste entre a mesa das famílias distintas e a da maioria da população. Por normaa alimentação madeirense era muito frugal, pois segundo John Ovington em 1689,os pobres no tempo da vindima comiam apenas de uvas e pão. Diz-nos GeorgeForster que os camponeses são excepcionalmente sóbrios e frugais; a alimentaçãoconsiste em pão, cebolas, vários tubérculos e pouca carne. Na verdade a alimentaçãoconsistia em vegetais algum pão, inhame e castanha e os frutos da época112.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 315

ymposisam no que vos bem pareceer este requyrimento fora razoado se me vyrasgastar della em alguma cousa que nam pertencera ao bem dessa terra mas vos sabeesque eu vos tenho dado segurança que nem meos soçesores nom gastem nem metammãao nessa renda se nam em cousas de nobreçimento e acreçentamento e honrradessa villa como atee quj he feyto…104

Nos primeiros anos do século XVI a renda do Funchal, Ponta de Sol e Calhetafoi usada no financiamento das obras da Sé do Funchal105. Concluída a obra desvi-ou-se o dinheiro para a aposentadoria, a correcção das ribeiras e obras do hospi-tal106. A partir de 1568 a grande preocupação da cidade estava nas despesas militares,em que se incluíam a fortificação da cidade e as despesas do presídio107. Ao longodos tempos foi evidente o choque de interesses entre o município e as autoridadesrégias sobre a forma de utilização da receita do imposto. Assim, quando em 1611 seestabeleceu que dois terços ficariam consignados à fortificação, a Câmara conside-rava que seriam melhor aproveitados na canalização das ribeiras, sendo contrariadapela intervenção decisiva do Governador que insistiu na construção da Fortaleza doPico108.

No decurso do século XVIII parece que a receita passou a ser distribuída em trêspartes para diversas finalidades. Assim, para além da parte usada no apoio social doslázaros109, temos dois terços dedicados à fortificação110. Os princípios que regeram olançamento da imposição do vinho perduraram até ao século XIX. Assim em 1839111

na prestação de contas ao Administrador Geral justifica-se a despesa de 4.612$275reis da imposição do vinho que foi gasta em obras municipais, sustento dos expos-tos, sustento dos lázaros, pagamentos dos empregados, pagamento às câmarasmunicipaes desta ilha da quarta parte do imposto dos cereaes, que lhes pertence, eem diversas despezas miúdas,…

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX314

Taberna madeirense.Gravura de P. Springett.1843

104. ARM. RGCMF, t. 1, fl. 48vº-52vº, carta do duque de 13 de Janeiro105. ARM. RGCMF, t. 1, fl.87-87vº, 196, 286vº-287vº, carta régias de 18 de Julho de 1500, 18 de Abril de 1508, 16 de Agosto

de 1502, 106. ARM. RGCMF, t. 1, fl.309-309vº, 311-311vº, 323vº-324vº, 125vº-127, cartas régias de 13 de Maio, 11 de Agosto de 1511,

25 de Julho de 1512, 2 de Maio de 1516.107. ARM. RGCMF, t. Velho, fl.125-125vo, 147-147vo, t.3, fl.18-19, t.6, fl.132vº-133, provisões de 9 de Março de 1568, 26 de

Junho de 1584, 26 de Dezembro de 1602, 26 de Novembro de 1658108. ARM, CMF, lº.1318, fls.38-39, de 9 de Julho de 1612; ARM, CMF, lº.1319, fls.13 13 de Fevereiro de 1613; ARM. RGCMF,

t.3, fl.89vº, 27 de Janeiro de 1612; AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 4798-4799, 4800-4801.109. ARM, CMF, lº.1323, f.8, 6 de Fevereiro de 1620; ARM. RGCMF, t. 9, fls.205vº, 208-209, provisões de 4 de Novembro de

1751 e 23 de Fevereiro de 1752.110. ARM. RGCMF, t. 9, fls.205vº, 208-209, provisão de 23 de Fevereiro de 1752111. ARM. RGCMF, t.19, fl.60vº-61vº

112. Testemunhos de estrangeiros sobre a alimentação: PENFOLD, Jane Wallas. Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, London,1845. John Ovington, Antologia- A Ilha da Madeira, Atlântico, nº1, 1985, 70-79. George Forster, ANTOLOGIA- Uma Visãoda Madeira, Atlântico, 5, 1986, 69-78. Isabella de França, Jornal de Uma Visita à Madeira e a Portugal (1853-54), Funchal,1969. Missa Katherine Parry, Diário de uma Visita à Madeira, Atlântico, III, 1987. Eberhard Axel Wilhelm, A Vida no Funchalpor 1860. Uma Descrição pelo Médico Alemão Rodolfo Schultze, Xarabanda Revista, 11, 1997, 20-27. IDEM, OsMadeirenses na Visão de Alguns Germânicos. O Seu Aspecto e Carácter e a Sua Maneira de Viver, Ibidem, 7, 1995, 2-13.IDEM, O Concelho de Câmara de Lobos entre 1850 2 1910 Visto por Alguns Germânicos, Girão 5, 1990, 185-195. IDEM,A Madeira entre 1850 e 1900. Uma Estância de Tísicos Germânicos, Islenha, 13, 1993, 116-121. IDEM, Seis Meses e Meiona Madeira (1854-1855). Os Diários da Governanta Alemã Augusta Werlich, Islenha, 16, 1995, 60-71, IDEM, Ibidem, 17,1995, 75-83. IDEM, Na Madeira Há 125 Anos. Observações dum Médico de Tuberculosos Alemão, Atlântico, 12, 1987,274-285. Maria dos Remédios Castelo Branco, As Impressões de Jean Mocquet sobre o Funchal em 1601, Atlântico, 11,1987, 222-226. IDEM, Testemunhos de Viajantes Ingleses sobre a Madeira, I Colóquio Internacional de História daMadeira, Funchal, 1989. IDEM; Perspectivas Americanas na Madeira, II Colóquio Internacional de História da Madeira,Funchal, 1989. António Marques da Silva, Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (1750-1900), Lisboa, 1994.

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metros da canalização pública a obrigação revestia-se na presença de um reser-vatório de barro com capacidade para 50 litros. Por outro lado os géneros alimentí-cios deveriam ser guardados em prateleiras envidraçadas ou caixas fechadas. Depois,foi a proibição de vender no mesmo compartimento os géneros alimentícios, tintas,óleos, guanos, sulfato de cobre e substâncias tóxicas ou nocivas à saúde.

Robert White113 e muitos outros autores que publicaram textos de apoio aos vis-itantes estrangeiros testemunham a importância da taberna como local de convívioe de apoio aos transeuntes. Nas tabernas a publicidade fazia-se através de siglas,referindo a propósito, PVB [Pão Vinho Bom] e PVAB [Pão Vinho AguardenteBom]

À vereação estava atribuída a missão de estabelecer os preços de venda ao públi-co dos géneros de produção local. Todos os anos entre Outubro e Janeiro eramtabelados os preços dos produtos colhidos no concelho: vinho, cereais, cebolas, fei-jão, favas, batata, carne, laranjas, limões, inhame, vimes, cana doce. As actas davereação e as posturas municipais revelam muitos dos problemas resultantes doabastecimento de bens alimentares e artefactos no mercado madeirense.

Em todos os tempos existiram espaços abertos ou fechados de venda pública dosprodutos. O correr dos anos apenas fez mudar os locais ou a designação, e aper-feiçoou os hábitos de consumo. Na cidade e localidades circunvizinhas tivemosoutro tipo de venda ambulante que contemplava, não só o leite, como também, oazeite, petróleo, hortaliças, aves, cebolas, mel, sorvetes e outros gelados, carvão veg-etal. A década de sessenta do século XX foi o momento de evolução das estruturasde apoio à venda dos produtos alimentares. As vendas perderam actualidade dandolugar supermercados, o princípio da transição para as actuais grandes superfícies ini-ciada em 1963 com o supermercado BACH.

Da copa à taberna

Os líquidos corriam em abundância nas mesas fartas. O vinho está presente naração diária dos conventos e Colégio dos Jesuítas, servindo-se da produção própria,e foi durante muito tempo o único líquido, para além da água, servido à mesa. Nacasa das famílias pobres bebia-se apenas a água-pé nos dias que precediam à vindi-ma até ao Natal.

A maioria dos estrangeiros insiste na sobriedade dos madeirenses no consumode bebidas alcoólicas. Acontece que, no princípio do século XX, a generalização dofabrico de aguardente e a abundância, conduziram ao consumo exagerado, receben-do a Madeira o epíteto de ilha da aguardente. A situação trouxe inegáveis prejuízos

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 317

Mercados e vendas

A venda de produtos necessários à subsistência das populações fazia-se em mer-cados e feiras, onde se podia encontrar fruta, peixe e outros mais produtos, reali-zavam-se diariamente ou uma vez por semana em espaços determinados. Na cidade,o mercado foi desde o século XV um espaço de permanente intervenção do municí-pio no sentido de facilitar a livre concorrência, salvaguardar a qualidade dos produ-tos à venda e o justo valor.

No século dezanove testemunham-se três mercados na cidade. O primeiro de D.Pedro, também conhecido como da feira velha, situava-se entre o Largo dosLavradores e o Largo do Poço, mais propriamente nas traseiras da actual alfândega.Era o mercado de venda de legumes, hortaliças, frutos e outros géneros alimentícios.Foi o principal mercado da cidade até que em 1 de Dezembro de 1940 abriu aopúblico o actual mercado dos lavradores. Juntou-se depois os da União, no actualLargo da Feira, e de São João, no sítio onde hoje está implantado o TeatroMunicipal. A venda dos produtos acontecia em barracas arrematadas à câmarapelos chamados barraqueiros.

O mercado apresentava os produtos da terra, enquanto a venda dava preferênciaaos de fora. A oferta dos produtos completava-se com os vendedores ambulantes aodomicílio, que ofereciam líquidos, como azeite, vinagre e leite, hortaliças, aves,lenha e carvão. A figura do leiteiro, que ainda hoje sobrevive, define uma forma devenda de leite fresco ao domicílio. Ademais os interessados podiam ainda encontrarna cidade vacarias onde se servia o leite fresco, ordenhado no momento. Era assimna vacaria Burnay no Largo da Sé e a Sousa na Rua de João Tavira. A ilha apresen-tava em 1928 cento e setenta mil vacas de ordenha que produziam vinte milhões delitros. O Funchal consumia anualmente um milhão e quinhentos mil litros de leite,o que equivale a cerca de quatro mil litros diários. O restante leite era usado no fa-brico de manteiga e queijo. Na mesma data a produção de manteiga orçava as miltoneladas, sendo exportada mais de três quartos, revelando um extraordinário incre-mento, uma vez que em 1880 a exportação foi de apenas cento e vinte e nove quilo-gramas.

O abastecimento local fazia-se a partir das mercearias e tabernas, onde se vendiaem simultâneo bebidas, nomeadamente o vinho da terra, géneros alimentícios eartefactos locais ou de importação. A abertura de um estabelecimento obrigava aorequerimento da licença que só poderia ocorrer da necessária autorização camaráriadepois do pagamento de uma taxa. Ao infractor era atribuída uma pesada multa.Acrescem outros requisitos regulamentados ao longo do tempo. A partir de 1931 alocalização deveria estar a mais de 500 metros de distância das escolas. Antes havia-se estabelecido padrões de higiene e sanidade no funcionamento. De acordo comregulamento de 1946 todos os estabelecimentos comerciais foram obrigados, numprazo de noventa dias, a ter água canalizada e pia, caso se situassem a mais de 100

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX316

113. Madeira, its Climate and Scenery, London, 1857. A taberna causa-lhe uma certa estupefacção: If we pause to look intoone of these small dark wine shops we shall see a decante ror two liquor, with some glasses ready for use, and a few loavesof bread. What contrast between such a place and its London equivalent, a gin shop.

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termo.A venda do vinho nas tabernas estava sujeita a uma regulamentação rigorosa.

Quanto ao vasilhame recomendava-se que deveriam dispor de dois pipas, uma parabranco e outra para tinto119. A fim de evitar o engano estava ainda condicionado otipo de recipiente usado. Em 1522 só se poderia vender vinho pela medida dealmude estando proibido em jarras e botijas120. Já em 1547 a vereação condescendena venda em botijas, estabelecendo a medida de 7 canadas e meia e 3 canadas e trêsquartilhos para as botijas de arroba e de meia arroba121. A venda do vinho novo esta-va condicionada ao esgotamento dos stocks do vinho velho122 e à conclusão doprocesso de fermentação. A data limite, ontem como hoje, estava na festa do S.Martinho123.

O consumo de vinho deveria algo natural num espaço como a Madeira onde acultura assumiu importância desde os primórdios da ocupação. A partir dos dadosreferentes à imposição, isto é, o direito por venda nas tabernas, podemos acompa-nhar a evolução do consumo no Funchal. Em 1488 a vila consumiu 439 pipas, masnos anos cinquenta e sessenta do século XVII o consumo rondava as 6.000 pipasanuais124. Gaspar Frutuoso125 refere o facto de em Câmara de Lobos terem disponí-vel, na Levada dos Socorridos, construída por Luís de Noronha para mover oengenho, entre 10 a 12 pipas de vinho para dar os levadeiros e demais homens queaí trabalhavam. O mesmo refere, por diversas vezes, a frequência com que o vinhoestava presente na mesa dos madeirenses. Em 1532, na busca feita para encontrar oauto-denominado profeta do Porto Santo, Manuel de Crasto, distribuiu-se um sacode pão e um barril de vinho por todos aqueles que ajudaram à captura do foragi-do126. Em 1566 a Gaspar Borges, homem engenhoso e artífice que desencravou aartilharia da fortaleza, recebeu de alguns madeirenses, como prova de apreço, umlombo de porco e entrecosto, e dois barris de bom vinho127.

Os visitantes estrangeiros testemunham também o consumo de vinho. De acor-do com John Ovington128 em 1689, o gasto cifrava-se entre 8 e 9 mil pipas, para umapopulação aproximada de oitenta mil habitantes, avisando que os homens rara-mente abusam das bebidas alcoólicas e habituam-se à moderação.129 Só em 1787130

no Funchal consumiram-se 1.019 pipas, sendo a exportação de 10.831 pipas. No

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para a saúde pública, obrigando as autoridades a estabelecerem medidas limitativasda venda e consumo. Segundo Rodolfo Schultze, em 1864, os madeirenses tinhampreferência pelo consumo de vinho misturado com água ou cerveja. A última surgiuna ilha por influência inglesa.

A venda de vinho ao público passou a estar controlada desde 1484 com o estabe-lecimento da imposição do vinho. O imposto, que onerava a venda ao público,implicou um sistema de controlo na circulação e evolução dos stocks nas lojas etabernas114. O funcionamento das tabernas estava regulado por posturas. Assim, aslojas que vendessem vinho deveriam ostentar um ramo verde. O horário de fun-cionamento, no século XIX, poderia ir até às 22 horas115. De acordo com as posturasmunicipais, só poderiam vender vinho nas tabernas os residentes casados. A vendaacontecia depois do produto ser selado pelo rendeiro da imposição. Isto era umaforma de impedir a fuga ao imposto como de evitar que lhe adicionassem água116.Ainda, em cada taberna deveria existir duas pipas, uma para branco e outra paratinto117. Sabemos que em 1851118 havia 208 tabernas de porta aberta na cidade e

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX318

Garrafas para embarque.Colecção Perestrellos. Museu

de Photographia Vicentes.

114. Posturas da Câmara Municipal do Funchal, Funchal, 1849, pp.61-64.115. Ibidem, pp.34-35.116. ARM, CMF, nº.1309, fl.17, vereação de 2 de Fevereiro de 1550; J. P. Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal.

Primeira Metade do Século XVI, Funchal, 1993, p.434117. Cf. Alberto Vieira, As Posturas Municipais da Madeira e Açores dos Séculos XV e XVII, in BIHIT, vol. XLIX, 1991, pp.30-

31.118. J. J. Nóbrega, Breve Memória..., BNL, SR, Cod. 8023, fol. 9.

119. Álvaro Manso de Sousa, Curiosidades Históricas da Ilha, in DAHM, nº 5001, 13 de Março de 1949, p.141-142.120. J. P. Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Primeira Metade do Século XVI, Funchal, 1993,p.286.121. Idem, ibidem, p.393.122. ARM, CMF, nº.1328, fl.24vº, vereação de 23 de Outubro de 1637.123. ARM, CMF, nº.1315, fl.62, vereação de 11 de Outubro de 1603; ARM, CMF, nº.1327, fl.37vº, vereação de 8 de Novembro

de 1634; ARM, CMF, nº.1331, fl.25, vereação de 6 de Novembro de 1649.124. J. M. Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico, Funchal, 1995, vol. I, p.270125. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.121126. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.77127. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.383128. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.198.129. Referindo ainda: Quando bebem em companhia não impõem aos outros o vinho que devem beber. O criado empunha a

garrafa e entregando ao convidado o seu copo, lentamente verte a quantidade que aquele deseja. Deste modo cada umtoma a quantidade que lhe apetece, não sendo, por isso, os mais sóbrios forçados a beber de mais contra a sua vontade.[António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.200]

130. AHU, Madeira e Porto Santo, nº.972.

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DDeessiiggnnaaççããoo PPrreeççoo eemm rrééiiss

VViinnhhoo ddee 1100 aannooss 9$350BBooaall vveellhhoo $350SSeerrcciiaall vveellhhoo $350MMaallvvaassiiaa $350vviinnhhoo vveellhhoo $120 a $300CCeerrvveejjaa pprreettaa $300

Consumia-se ainda cerveja, ginger-beer (limonada de gengibre) e água mineral.No século XIX os ingleses provocaram uma mudança radical nos hábitos de con-sumo de bebidas com a introdução da cerveja. A primeira fábrica na ilha era de JoãoPark e foi implantada em 1840. Na década de cinquenta tivemos outras, como foi ocaso da de Victorino José Figueira (1856) e José de Freitas (1859). Dispomos aindade dados sobre a produção de cerveja. O primeiro produzia 326 hectolitros decerveja branca e preta e 58 de ginger beer, já o segundo apresentava 340 de cervejabranca e preta e 60 de ginger beer. Muitos estrangeiros preferiam a cerveja impor-tada, tal como nos refere Rudolfo Schultze em 1864, mas a concorrência da cervejainglesa e alemã não afectava a madeirense, muito apreciada pelos locais por ser con-siderada de superior qualidade. Em 1863134 está documentada a existência de trêsfábricas de cerveja e ginger-beer.

Em 1872 H. P. Miles fundou a Atlantic Brewery e em 1890 Manuel Alves de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 321

século XIX a situação era distinta, pois havia-se generalizado o consumo do chama-do vinho de pasto. Em 1849 a ilha consumiu 7.479 pipas, sendo 3.600 no Funchal.Já em 1868, período de crise de produção, bebeu-se cerca de três quartos da pro-dução, avaliados em 4.000 pipas.

A falta de mercado para os vinhos e o aumento excessivo das áreas de cultivolevou à disponibilização de um excedente de inferior qualidade que se vendia apreços baixos, como testemunha Edward V. Harcourt em 1851:_ Isto faz com quea grande quantidade de 9.149 pipas seja anualmente consumida na ilha ou utilizadapara o fabrico de aguardente. As maiores quantidades são bebidas por pescadorese “burroqueros”, os quais gastam cerca de um terço das suas posses numa bebidaalcoólica que é usada com a denominação de “vinho baixo”131.

A partir dos direitos lançados sobre a venda nas tabernas, a imposição do vinho,podemos acompanhar a evolução do consumo anual de vinho.

RREENNDDIIMMEENNTTOOSS RREEAAIISS EEMM PPIIPPAASS..11778800--11779999

LLooccaall 11778800--8811 11778822--8844 11778855--8877 11778888--9900 11779911--9933 11779944--9966 11779977--9999

CCiiddaaddee 2339 59 73 95 104 114 119PPoonnttaa ddee SSooll 31 67 80 98 107 113 122CCaallhheettaa 499 71 74 102 108 116 145SSaannttaa CCrruuzz 359 56 71 97 106 114 121MMaacchhiiccoo 329 52 78 96 105 112 123SS.. VViicceennttee 120TOTAL 3557 305 376 488 530 569 750

O consumo de água-pé, o vinho dos colonos e pobres, está documentada desdeo século XVII e foi muito importante para o mundo rural até meados do século XX.Em 1654 refere-se o hábito dos moradores desta ilha custumarem a fazer agoa péque bebem dous ou três mezes…132

O vinho Madeira não se destinava apenas à exportação, pois uma parte signi-ficativa tinha venda local às famílias mais abastadas e estrangeiros. A partir de umanúncio publicado em 1852133 podemos saber o preço de venda ao público:

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX320

Sala de Provas da MadeiraWine Company ColecçãoPerestrellos. Museu dePhotographia Vicentes.

131. A Sketch of Madeira…, London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,1993, pp. 389]

132. ANTT, PJRFF, nº.396, fls. 18vº-19. O seu fabrico é descrito em texto de autor anónimo [A Guide to Madeira Containing aShort Account of Funchal, Londres, 1801, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,1993, p. 337]]: Este processo é mesmo repetido uma terceira vez, com o objectivo de obter da uva uma maior quantidadede vinho; e, por fim, uma quarta vez, com a finalidade de obter a Agua-Pé. No entanto, nesta quarta ou última vez, quan-do a massa é partida, está tão seca como um bocado de madeira e, por isso, antes de a pisar, é necessário juntar-lhe umaquantidade de água na proporção de dois barris para cada pipa de sumo que tenha sido obtida. Assim, se doze barris devinho ou sumo foram obtidos, são adicionados dois de água. A massa utilizada para obter a “Agua-Pé” é normalmentecolocada sobre pressão à noite, ficando nesta posição até à manhã seguinte, quando a “Agua-Pé” é retirada e colocadaem cascos para uso imediato.

133. A Ordem, nº. 17, p.4.134. Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas - Distrito

de Leiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.11

Page 165: avieira-vinhavinhomadeira

A pele de cabra usava-se no tempo ao vinho para o transporte a algumas milhas dedistância, quando a estas não era fácil traze-las ao local da _vindima. A pele é voltada doavesso, cortam-lhe a cabeça e os pés, e as aberturas assim formadas ligam-nas comcordel, Ao distender-se, dá a impressão de estranho animal acéfalo. E que espectáculosingular o de uma fila de homens a descer pelos montes com essas peles cheias aosombros.

Isabella de França, Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal 1855-1854, Funchal, 1970., p.112-113.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 323

Araújo surge com a fábrica Leão. A primeira, que produzia água de soda, limonadagasosa e cerveja, apresentava o equipamento adequado ao engarrafamento avança-do em relação às demais. Em 1908 em duas unidades do Funchal fabricava-se 666hectolitros de cerveja branca e preta e 118 de ginger beer. Uma cerveja custava 30réis enquanto um ginger beer ficava pelos 20 réis. A crise da década de trinta obrigouà fusão de todas as pequenas industrias numa só unidade industrial, dando lugar àEmpresa de Cervejas da Madeira que hoje domina o mercado local. Mesmo assimnão conseguia satisfazer as necessidades dos apreciadores de cerveja, uma vez quenos inícios da década de cinquenta a ilha importava 29.520 litros de cerveja. Forado Funchal temos notícia de uma fábrica de refrigerantes na Ribeira Brava, que fun-cionava em 1955 e de um outra em 1909 no Porto Santo, propriedade de JoãoAugusto de Pina para engarrafamento da água da Fontinha.

O restrito grupo de bebidas alarga-se à cidra, ou vinho de peros, muito aprecia-da na ilha em princípios do século XX. A fazer fé nos dezoito lagares em funciona-mento em 1908, o vinho em questão deveria ser muito apreciado. Hoje a tradiçãoda bebida persiste no Santo da Serra. A bebida mais apreciada era a aguardente,cujo consumo começou a divulgar-se em princípios do século XIX por influênciasdas tropas inglesas que por duas vezes ocuparam a ilha.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX322

Borracheiro.Foto de José Pereira da Costa.Anos sessenta do século XX

Borracheiros. E.C. LobosPerestrellos Photographos

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Condução

dos vinhos em 1777

(...) não se praticam as co-lheitas como no reino, que vãopassando dos lagares a encubarnas adegas, mas como as terrasestão aqui divididas em porçõesmódicas de colonos, estes pisan-do suas módicas porções, quelogo imediatamente conduzem ameia parte respectiva ao senho-rio para a cidade, nem dão lugar

A tirar guias, o que é impra-ticável por ser a condução embarris de dois almudes, ou odressobre ombros de homens,porque a escabrosidade doscaminhos faz impraticáveis ou-tras condições.

ANTT,___ JRFF, nº.994, pp.8-11

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 325

O borracho

A pele (de cabra) emprega-se no fabrico de borrachos (odres) para transportar vinhodos lagares para os armazéns,...O borracho é feito de preferência da pele do macho,voltada de dentro para fora, depois de sangrado junto dum ouvido e de esfolado pelasorelhas. Pelas aberturas do pescoço e dos ombros, cortados nas articulações inferiores,aparta-se a pele da carne deixando parte do tecido da barriga para fortalecer aquelanessa região. “Fechado o borracho pelos membros e extremidades deste e lavado inte-riormente com água e cinza, a fim de se poder arrancar mais facilmente parte do pelo. Édeitado em seguida a curtir num banho de casca de vinhático que lhe dá uma cor aver-melhada. Passadas estas operações, procede-se à insuflação do ar pela abertura dopescoço, apertando o borracho pela parte média para que forme cintura e se torne maiscómodo para o transporte (horizontalmente) sobre os ombros. A suspensão faz-se ligan-do a pele dos membros próximos, anteriores e posteriores, em forma de ansas, às quaisse prende a testeira-arriscol-formada de duas cordas paralelas (de lã, linho ou estopaentrançada) que vem apoiar-se sobre o frontal do condutor”

A. Sarmento, Zoologia Local, publ. Diário de Notícias (Madeira), de 23 deAgosto de 1936, p.2

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX324

Borracheiros.Gravura W. Combe. 1821. Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas

Borrachos. Aguarela doséculo XIX. Colecção daCasa Museu Fredericode Freitas.

Borracheiro. Aguarela do século XIX. Colecção daCasa Museu Frederico de Freitas.

Borracheiros. Gravura deA. Vizetelly. 1880

Page 167: avieira-vinhavinhomadeira

No entanto, todo o vinho pro-duzido no lado norte chega pelomar, não na forma de mosto, masna forma seguinte, como «vinho emlimpo», ou vinho fermentado, e, pornão haver no Funchal molhe oucais, é desembarcado de um modomuito primitivo. Os barcos ficamancorados a alguma distância dacosta, as pipas são atiradas parafora do barco e homem atrás dehomem da tripulação, depois de sedespir e de se benzer religiosa-mente, salta para o mar e colocan-do as suas mãos sobre uma pipa,nada atrás dela até chegar àsvagas que rebentam na praia, ondeas pipas são colocadas em corças epuxadas para cima, pela praia incli-nada.

H. Vizetelly, Facts about Port andMadeira, London, 1880, in Alberto Vieira,

História do Vinho da Madeira, Funchal,1983, p.393

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 327

A corça

(...) aqui não há barros, há um equivalente, vem a ser um madeiro, que é conduzidode rastos, preso ao jugo dos bois, a que dão o nome de corça. E neste veículo conduzempipas de vinho, pedras, paus de todo o tamanho, pesos extraordinários (...)

AHU, Madeira e Porto Santo, N.º 3281

O barco

Enchem-se as pipas que os camiões hão-de levar para a cidade. Vieram eles emcorças que arrastavam juntas de bois, seguiam para o calhau. Eram amarradas emgrossas cordas e, uma atrás da outra, empurradas pelos barqueiros na maré-cheia, geral-mente, quando a ondulação permitia. O bolinete de bordo enrolando a corda presa àprimeira pipa ia puxando a bicha enorme de pipas.

Horácio B. de Gouveia, Canhenhos da ilha, pp. 58/59

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX326

Transporte vinho em corsa.Gravura século XIX.

Colecção da Casa MuseuFrederico de Freitas.

Embarque de pipas.Gravura de A.Vizetelley. 1880

Porto do Funchal. Gravura do século XIX. Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas.

Page 168: avieira-vinhavinhomadeira

cados pelas guerras na Europa e colónias, a acção dos piratas argelinos, insurgentese, finalmente, as condições climáticas, os ventos e correntes marítimas136. A ilha daMadeira, situada a meio caminho entre a Europa e os mercados coloniais, viu-seempurrada para os conflitos europeus, no continente ou fora dele, como sucedeucom as guerras entre a França e Inglaterra, da Independência da América e daArgentina. Os conflitos influenciaram de forma distinta o comércio internacional. Ailha porque estava fora dos limites dos acontecimentos, usufruiu de uma posiçãovantajosa no comércio do vinho, uma vez que fechados os circuitos e mercadosexportadores europeus do vinho, o madeirense apresentava-se capaz de os substi-tuir. Foi o momento de apogeu da produção e comercialização, que se prolongoude finais do século XVIII a princípios do XIX. A rotura repercutiu-se de formanegativa, provocando a queda em flecha do comércio a partir da segunda metade doséculo XIX. As mesmas condições poderiam conduzir ao fecho das rotas de expor-tação, com o bloqueio das rotas comerciais com origem na Europa ou colónias oua influência negativa da pirataria e corso.

A segunda metade do século XIX terá sido fatal para a Madeira, uma vez que seconjugaram a crise de produção com as alterações das rotas oceânicas, resultantesda abertura do canal do Suez e os progressos da navegação a vapor137, como oentende A. Silbert: E, todavia, o declínio da ilha, por relativo que seja, vai começar.Hesitante a princípio, paralelo à evolução da conjuntura na primeira metade doséculo, afasta-se para se tornar mais nítido depois de 1850. (…) a Madeira não é maiscomo noutro tempo uma encruzilhada vital (…). […] Madeira, esta encruzilhada, étambém um espelho. Um espelho onde se reflecte uma multidão de paisagensgeográficas: tropicais, mediterrânicas e algumas vezes oceânicas. Um espelho tam-bém onde ressuscitam, como num globo mágico, os progressos e a morte de todoum aspecto essencial do nosso velho mundo ocidental, o dos navios mercantes nave-gando ao sabor dos ventos por um oceano nutriente.138

O Funchal não apresentava grandes condições de apoio à navegação. A cidadeestava situada numa enseada pouco abrigada dos ventos que sopravam do quadranteSul, ficando os navios ancorados na baía sujeitos a constantes naufrágios139. Apenasem 1876 foram registados 10 naufrágios. A necessidade de construção de um portode abrigo, no sentido de melhorar o serviço, era fundamental para o incremento danavegação, nomeadamente no último quartel do século XIX com a concorrênciados portos das ilhas Canárias.

Em 1766 ficou concluído o primeiro cais na Pontinha. Em 1881 o GovernadorCivil insistia na necessidade de construir um cais e porto de abrigo, a exemplo doque sucedia nos Açores, em Ponta Delgada e Horta. A necessidade da construçãomais se fez sentir dois anos após com os planos de melhoramento do porto de Las

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 329

Movimento externo

O movimento de comércio do vinho da Madeira ao longo dos séculos XVIII eXIX imbrica-se de modo directo com as rotas marítimas coloniais que tinham pas-sagem pela Madeira, estabelecendo um circuito de triangulação135. As rotas comorigem nos portos ingleses tocavam a Madeira para refresco e carga de vinho dirigin-do-se aos mercados das Índias Ocidentais e Orientais ou América, donde regres-savam via Açores com o recheio colonial. Juntam-se, ainda, os navios portuguesesda rota das Índias, ou do Brasil, que faziam escala no Funchal para receber o vinhoque conduziam às praças de destino e regressavam com o saque pelos Açores. Porfim podíamos contar com os navios ingleses que se dirigiam à Madeira com manu-facturas e no retorno tocavam Gibraltar ou Lisboa (e Porto). A tudo isto juntavam-se os navios ingleses e, depois, norte-americanos, que traziam da América as fari-nhas e retornavam com vinho.

O movimento das rotas comerciais teve que enfrentar diversos obstáculos provo-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX328

Embarque de pipas.Colecção Perestrellos.

Museu dePhotographia Vicentes.

135. Sobre o comércio de triangulação veja-se J. A. Lesourd, Histoire Economique XIXe et XXe Siècles, Paris, 1973, pp.242/243.

136. Vide A. Silbert, ibidem, pp. 79-80137. J. A. Lesourd, ibidem, pp. 265/7, 355/369; A. Silbert, ibidem, pp. 120-121138. Op. cit., pp. 120-121.139. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Sua Descrição da Ilha da Madeira de 1817-1818, Funchal, 1987, pp.58-59;

Fernando Augusto da Silva, Elucidário Madeirense, vol. II, pp.407-408.

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aquelas coisas que fabricam panos da ilha e dela transportam aquelas de que a ilhaprodutora, tais como açúcar e vinho, por lá haver em grande abundância. O mesmoautor refere que a Madeira se abastece de cereais nas ilhas vizinhas e que o vinho‚vendido a mercadores que o levam à Península Ibérica e para outros países seten-trionais. Já em 1567 Pompeo Arditi144 observava que o comércio baseado no açúcar,conservas e vinhos era abundante, e que a ilha tinha de assegurar a subsistência comos cereais oriundos das Canárias e Açores.

As descrições, distanciadas no tempo em trinta e sete anos, atestam que a criseaçucareira da primeira metade do século não provocou o colapso da economiamadeirense, porque o açúcar local, não obstante a quebra sofrida, continuou a termaior valorização e procura no mercado europeu e o vinho preencheu paulatina-mente a lacuna resultante da quebra açucareira. O momento de esplendor de finaisdo século, conforme descrições de Frutuoso e Torriani, deverá resultar certamentedo comércio do vinho que, desde a década de setenta, vinha conquistando a Europae a América. O primeiro exalta a opulência madeirense: A ilha da Madeira /.../ tãoafamada e guerreira com seus ilustres e cavaleiros capitães, e tão magnânimos, ecom generosos e grandiosos moradores; rica com seus frutos; celebrada com seucomércio que Deus põe no mar oceano ocidental por escala, refúgio, colheita eremédio dos navegantes que de Portugal e de outro reynos vão, e de outros portose navegações vêm para diversas partes, além dos que de força ela somente navegam,levando-lhe mercadorias estrangeiras e muito dinheiro para se aproveitar do retornoque dela lutam para suas terras, /.../ com seu licor e doçura, como um néctar eambrosio provê as Índias ambas, a Oriental aromática e a Ocidental dourada,chegando e adoçando seus frutos de extremo a extremo quase o mundo todo145. Osegundo incidiu a observação na intensa actividade comercial do porto funchalensecom a África e a Europa: El comercio es muy importante, y se hace navios quevienen a esta ciudad de Funchal de todas las partes del África Cristiana, de Itália,Espana, França, Alemana y Escocia, de modo que se ha apodado de ‘pequeñaLisboa’ 146. Esta piccola lixbona inseria-se na economia europeia atlântica, partici-pando do trato com o Velho e Novo Mundo, e servindo de entreposto de comérciopara as riquezas e áreas vizinhas.

As isenções fiscais (1443-1444) no comércio com o reino, para além de teremsido aliciante à fixação de colonos, contribuíram para o reforço das ligações com ocontinente e afirmação da burguesia metropolitana. Aliás, nas cortes de Coimbra(1472) e Évora (1481-1482) estava bem expressa a aspiração.

No século dezassete ocorreram mutações na política comercial, afirmando-se,cada vez mais, a tendência para o proteccionismo económico com o aparecimentodas companhias comerciais e o estabelecimento de legislação restritiva. Os holan-deses criaram em 1629 a companhia das Índias Ocidentais. Os portugueses

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 331

Palmas. Apenas em 1885 se avançou com o molhe entre a Pontinha e o Ilhéu, ter-minado passados dez anos. A obra decorreu em duas fases: entre 1934-1939 abriu-se um túnel no Ilhéu e entre 1957-1962 concluiu-se o molhe.

Comércio na madeira

O Atlântico foi a partir do século XV o principal espaço de circulação dosveleiros, definindo um intrincado traçado de rotas de navegação e comércio entre ovelho continente, o litoral africano, americano e as ilhas. A multiplicidade de rotasresultou da complementaridade económica das áreas insulares e continentais esurge como consequência das formas de aproveitamento económico adoptadas.Tudo isto deverá ser conjugado com as condições geofísicas do oceano, resultantesdas correntes e ventos que delinearam o traçado das rotas e os rumos da viagem. Noséculo XV a afirmação da Madeira derivou do facto de ser escala para as primeirasnavegações portuguesas no Atlântico, posição que veio a perder em favor dasCanárias e Cabo Verde140.

A Madeira manteve desde meados do século XV um comércio assíduo com oreino, activado pela oferta de madeiras, urzela, trigo e, depois, de açúcar e vinho. Omovimento alargou-se às cidades nórdicas e mediterrânicas, com o aparecimento deestrangeiros interessados no comércio do açúcar. A evolução das trocas foi rápida elucrativa pelo que em 1493141 a Fazenda Real lançou uma imposição sobre o movi-mento do porto da cidade para a despesa de construção da cerca e muros. Dadedução de um vintém sobre a tonelagem tirou-se o rendimento de cem mil reais equanto ao 1% sobre as mercadorias arrecadou-se duzentos e cinquenta reais. O açú-car deveria ser o principal responsável por tão elevada quantia, contribuindo para oarranque decisivo da economia madeirense e a consequente inserção da Madeira nomercado europeu. O acelerado ritmo de crescimento económico condicionou aatracção de diversas correntes migratórias. Foi com base nisto que em 1508142 D.Manuel justificou a elevação do Funchal à categoria de cidade: teem creçido em muigramde povoraçam e como nella vivem muytos fidalgos cavaleyros e pessoaes homr-radas e de gramdes fazendas pollas quaaes e pello grande trauto da dyta ylha....

A tendência para a monocultura condicionou a economia madeirense, marcan-do a dependência do mercado externo, uma vez que a ilha necessitava dele para acolocação do açúcar e abastecer-se de produtos alimentares (carne, pescado,legumes, cereais, azeite, sal) e artefactos (ferro, telha, barro, panos, linho, etc.).Giulio Landi143, cerca de 1530, retrata com grande acuidade a ambiência do burgofunchalense: Aqui chegam frequentemente mercadores de países muito distantes:de Itália, França, Flandres, Inglaterra e da Península Ibérica, que para lá levam

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX330

140. Alberto Vieira, A Madeira na Rota dos Descobrimentos e Expansão Atlântica, Lisboa, 1988, Separata nº 217.141. ARM, CMF, registo geral, t. I, fl. 172-179, in AHM, vol. XVI, p.287.142. Ibidem, t.I, fls. 278-vº-279, in AHM, vol. XVIII, pp.512-513143. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.83

144. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.130145. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, pp.99-100146. Descripcion e Historia del Reino de las islas Canárias, Santa Cruz de Tenerife, 1978, p.266

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Na Madeira foi proibida em 1776 a entrada do vinho, aguardente e vinagre dasregiões do sul o que veio reforçar a tradicional relação com os portos do Nordestebrasileiro. Outras medidas anteriores insistiam na proibição de reexportação de pro-dutos estrangeiros. Em 1748 o número de embarcações ocupadas no comércio como Brasil passou para quatro, dando maiores garantias à rota151.

Múltiplas e variadas razões fizeram com que o Funchal se afirmasse no séculoXVIII como centro das transformações sócio-políticas operadas de ambos os ladosdo oceano. As ilhas foram protagonistas concorrendo para isso vários factores.Primeiro temos a presença da comunidade inglesa num importante eixo da afir-mação colonial e marítima152. Depois a vinculação ao império britânico é evidenteno quotidiano e devir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX153. No fogocruzado que se ateou entre o Velho e Novo Mundo e as ilhas porque protagonistasactivas no relacionamento e presença da comunidade inglesa, não podiam alhear-sedas mudanças políticas geradas pela difusão de novas ideias, na segunda metade doséculo XVIII154.

No decurso do século XVIII as ilhas firmaram a vocação atlântica contribuindopara isso o facto dos ingleses não dispensarem os portos e os vinhos insulares naestratégia colonial. As Actas de Navegação (1660,1665), corroboradas pelos tratadosde amizade como é o caso do de Methuen (1703)155, abriram caminho para que asilhas entrassem na órbita da influência inglesa156. Aos poucos a comunidade ganhouuma posição, por vezes incomodativa, na sociedade madeirense157. A feitoria inglesaé uma realidade insofismável no século XVIII 158.

A partir da década de 70 do século dezoito e até aos princípios do século seguinteos conflitos que tiveram como palco os continentes europeu e americano alargaram-se ao Atlântico. Aliás, o oceano foi um activo protagonista das disputas entre os trêsprincipais beligerantes: Espanha, França e Inglaterra. Mario Hernandez Sánchez-Barba159 define o século XVIII por três realidades: guerra, diplomacia e comércio.Era permanente a preocupação com a organização militar e a defesa da costa,porque o perigo espreitava no mar a qualquer momento. A conjuntura de afronta-mento levou à presença dos corsários, com forte incidência em dois momentos: operíodo que decorre entre 1744 a 1736, marcado pelo afrontamento de Inglaterracom a França e Espanha; a época das grandes transformações do século, com aproclamação da independência das colónias inglesas da América do Norte (e a con-sequente guerra de independência até 1783), a Revolução Francesa (1779) e as con-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 333

avançaram em 1649 com a Companhia Geral do Comércio para o Brasil. E, final-mente os ingleses em 1660 com a Royal Adventuress in to Africa e, em 1672 com aRoyal Campany of England. A política monopolista e proteccionista dos ingleses ini-ciada em 1651 com o Acto de Navegação, manteve-se nos actos posteriores de 1661a 1696. Em França a política do cardeal Richelieu (1624-1642) havia dado o motepara a nova situação.

O mar, que séculos atrás foi apenas um privilégio dos peninsulares, surge agoracomo património dos diversos empórios marítimos europeus. A anterior divisãopolítica deixou de ser uma realidade e deu lugar a imperativos económicos. Asmudanças operadas, no domínio político e económico, ao longo dos séculos dezoitoe dezanove não retiraram às ilhas a função primordial de escala e espaço de disputado mar oceano. A frequência de embarcações manteve-se, não se deixando intimidarpela escalada do corso entre finais da primeira centúria e princípios da seguinte. Aoscorsários de França, Inglaterra, Holanda juntaram-se os americanos do Norte e Sul.

As mudanças ocorridas no mercado colonial a partir de meados do século XVII,foram significativas e tiveram reflexos nos Açores. As colónias americanas147, por umlado, e o Brasil, do outro, configuraram uma nova orientação para o relacionamen-to do mercado colonial com as ilhas. O mercado colonial passou a comandar oprocesso, deixando de depender da Europa. O vinho foi fundamental na definiçãoe consolidação das rotas. Como corolário disto tivemos a designação de ilhas dovinho, que surge na documentação oficial norte-americana a definir os arquipélagosatlânticos provedores de vinho, isto é, Açores, Madeira e Canárias148.

O Brasil foi a partir do século XVII uma das rotas privilegiadas, mantendo-sefechado aos estrangeiros até 1765, altura em que acabou o sistema exclusivo das fro-tas criado em 1649. A constituição da companhia de comércio do Brasil retirou àsilhas possibilidades de comércio. Os insulares reclamaram, recebendo como con-trapartida em 1652 o envio de três embarcações dos Açores e duas da Madeira149.

A Madeira manifestou grande empenho no comércio com o Brasil, no decursodo século XVI, pela necessidade que tinha de açúcar para manter activo, emmomentos de dificuldade da produção da ilha, o fabrico de conservas e casquinha.No decurso dos séculos XVI e XVII manteve-se o afrontamento entre os produtoreslocais e os mercadores do açúcar brasileiro. A partir de meados do século XVII, oaçúcar madeirense foi, paulatinamente definhado, rendendo-se a indústria do docecom o açúcar do Brasil. Aqui releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco queestabeleceu uma rede de negócios, a partir do Funchal, tendo Lisboa, Angola eBrasil como vértice do triângulo150.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX332

147. Tenha-se em conta a presença de um cônsul americano na Horta, nomeadamente John B. Dabney. Confronte-se JoãoAfonso, Açores em Novos Papeis Velhos, Angra do Heroísmo, 1980, pp. 235-249. Aí refere-se a importância dos Anaisda Família Dabney no Faial (1806-1871), para a História dos Açores. Mary Theresa Silva Vermette, Early America’sRelationship with the Azores. A Consular View, BIHIT, vol. XLV, t. II, 1988, pp. 1301-1314.

148. E não Cabo Verde como refere erradamente Kenneth Morgan, Bristol & the Atlantic Trade in the Eighteenth Century, N.Y, 1993, p. XIX.

149. Alberto Vieira, O Açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII, in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira,Funchal, 1993, pp325-344

150. Cf. Alberto Vieira, “O Açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII” in Actas do III C.I.H.M., Funchal, 1993, 325-344.

151. Confronte-se João José de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal..., pp. 161-172.152. Em 14 de Julho de 1722 ( Public Record Office, Foreign office, nº. 63/7) determinava-se que as embarcações inglesas

permanecessem alguns dias no Funchal.153. Confronte-se Desmond GREGORY, The Beneficent Usurpers. A History of the British in Madeira, London, 1988.154. António LOJA, A Luta do Poder Contra a Maçonaria, Lisboa, 1985, p.247.155. Veja-se Public Record Office, FO, 811/1, cartas dos privilégios da nação britânica com Portugal desde 1401 a 1805.156. Confronte-se J. H. FISHER, The Methuen a Pombal. O Comércio Anglo-português de 1700 a 1770, Lisboa, 1984, p. 29.157. Em 1754 o Governador Manuel Saldanha Albuquerque lamenta o exclusivo do comércio inglês na ilha (AHU, Madeira e

Porto Santo, n1.48-49).158. De acordo com Albert Silbert (Un Carrefour de l’Atlantique. Madère. 1640-1820, in Economia e Finanças, XXII, Lisboa,

1954, p.432) Atlantique que étant devenu plus que jamais anglais, Madère avait failli le devenir aussi.159. El Mar en la Historia de América, Madrid, 1992, p. 239.

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sistência das populações foi uma constante da História, que perdurou até a actuali-dade. Desde finais do século XV que a aposta num produto de exportação, associ-ada ao elevado crescimento demográfico, conduziram a ilha para a crónicadependência externa, como descreve de forma exemplar Giulio Landi em 1530: ailha produziria em maior quantidade se semeasse. Mas a ambição das riquezas fazcom que os habitantes descuidando-se de semear trigo, se dediquem apenas ao fa-brico de açúcar, pois deste tiram maiores proveitos, o que explica não se colher nailha trigo para mais de seis meses. Por isso há uma carestia de trigo, pois em grandeabundância é importado das ilhas vizinhas164.

Na Madeira a situação foi de total dependência das searas dos outros. Em 1625a produção local dava apenas para 4 meses, aumentando em 1662 e 1696 para osseis meses. No decurso do século dezoito a porção reduziu drasticamente sendo em1777 de apenas 3 meses, o que veio a agravar a dependência externa de cereal. ONorte da Europa e a América do Norte foram os principais mercados, sendo o sis-tema de trocas activado pelo vinho. Para o período de 1784 a 1786165 é possível esta-belecer uma relação entre os valores da importação de bens alimentares e saída devinhos. A situação era favorável à Madeira, mas eram os ingleses que arrecadavamlucros mercê da política de adiantamentos de manufacturas e mantimentos.

Os Açores em aliança com as Canárias tiveram no decurso do século XVI a mis-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 335

vulsões que se seguiram até 1815. A dimensão assumida pela guerra de represália está bem patente nas presas. No

período de 1793 a 1798 os franceses apresaram alguns milhares de embarcaçõesinglesas e aliadas. Em 1795 apenas o porto de Brest tinha 700 presas inglesas e em1798 contavam-se 3199 navios comerciais apresados160. Perante o perigo da investidafrancesa os ingleses ocuparam a Madeira por duas vezes, sendo a atitude entendidacomo uma forma de preservar os interesses dos súbditos de Sua Majestade e de esta-belecer uma barreira ao avanço francês além oceano161. O corso, que incidia prefe-rencialmente sobre as embarcações espanholas e francesas, motivou uma respostaviolenta das partes molestadas, como sucedeu com a investida francesa contra os in-gleses em 1793, 1797, 1814.

Ao nível interno temos de reconhecer que a questão do trigo foi uma dominanteda História da metrópole e ilhas, incendinado o debate político no século XIX162. Aluta pelo pão foi uma constante da História insular e de modo particular daMadeira, provocada pela desarticulação entre o movimento demográfico e a econo-mia de subsistência. A aposta preferencial estava nos produtos de exportação, comgrande solicitação no mercado. A incessante luta pelo pão, que ateou em todo oprocesso histórico o relacionamento entre as ilhas. O tráfico inter-insular assentoufundamentalmente na redistribuição dos meios de subsistência. Daqui resultou acomplementaridade, que se tornou evidente nos primórdios da criação dassociedades insulares que nos momentos posteriores. Na lógica de complementari-dade definiram-se os circuitos inter-insulares e ganhou forma a escala das ilhas numcircuito que enlaçava o chamado Mediterrâneo Atlântico.

A necessidade de abastecimento de cereais foi um dos principais incentivos àmanutenção das relações inter-insulares, que são uma constante no período emcausa. Em qualquer dos momentos o Mediterrâneo Atlântico não foi auto-suficientecarecendo da importação do mercado europeu ou americano. O último tornou-seuma realidade no decurso dos séculos XVIII e XIX, funcionando para a Madeiracomo contrapartida ao vinho. Para o período que decorre de 1727 a 1810 entraramno porto do Funchal 4297 embarcações com cereal ou farinha, sendo 2053 (48%)da América do Norte, 799 (19%) de Inglaterra e 687 dos Açores (16%)163. A Madeirafazia depender a subsistência do vinho.

A dependência madeirense em relação ao mercado externo no assegurar da sub-

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Porto do Funchal.Gravura do séculoXIX Colecção daCasa MuseuFrederico de Freitas.

160. Confronte-se A. C. BAPTISTA, O Ressurgimento da Marinha Portuguesa no Último Quartel do Século XVIII, Lisboa,1957 (tese de licenciatura na Faculdade de Letras).

161. Cf. Alberto Vieira, Funchal no Contexto das Mudanças Político-ideológicas do Século XVII. O Corso e a Guerra deRepresália como Arma, in As sociedades Insulares no Contexto das Interinfluências Culturais do século XVIII, Funchal,1994, pp.93-113; Paulo Miguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das GuerrasNapoleónicas, Funchal, 1999.

162. João Rocha Ribeiro, Collecção de Avisos Regios, officios e mais Papeis Relativos a Exportação do Grão das Ilhas dosAçores... (Lisboa, 1821), in Archivo dos Açores, V, pp.281-358. A. H. de Oliveira Marques, Introdução à História daAgricultura em Portugal( Questão Cerealífera durante a Idade Média), 20 ed., Lisboa, 1968.

163. João José Abreu de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727 a 1810. AlgunsAspectos, Funchal, 1989, pp.105-160. É fundamental o estudo dos livros de registo de entrada de navios com trigo,milho e outros grãos (A.R.M., C.M.F., nºs 1284-1295, anos de 1754 a 1847), para fazer-se uma ideia dos principais mer-cados fornecedores de grão à Madeira, no decurso dos séculos XVIII e XIX.

164. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, 84.165. BNL, Reservados, ms. 219, nº 29.

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em correlação viva com o aumento das trocas e do trânsito. A orgânica administra-tiva, a par duma discriminação legislativa mais rígida, vai também sofrer alterações,tendo como base a instituição alfandegária e seus minuciosos serviços (...). A vidados madeirenses palpita efectivamente na actividade do porto como este traduz umanecessidade essencial da sua estrutura económica170.

Da análise do tráfego marítimo constata-se que uma grande percentagem eraeuropeu ligado às possessões ultramarinas, com 4/5 do movimento total, fazendocom que a Madeira fosse um porto transitório do tráfego atlântico171. Os inglesesdominavam com 3/5, perdendo importância a favor dos americanos na segundametade do século XVIII. As ligações com os países do Norte da Europa foramconstantes mercê da assiduidade de navios da Dinamarca, Suécia, Flandres,Holanda. As guerras dos Sete Anos, de independência da América e da Revoluçãoconduziram à valorização dos barcos hamburgueses, imperiais, prussianos, regu-sianos, napolitanos, genoveses, venezianos, papemburgueses, dinamarqueses. Comos navios portugueses o movimento foi ascendente entre 1738/1749 atingindo-se omáximo em 1808 com 220 unidades. Dum modo geral vemos que o movimentodo porto tende a tornar-se ascendente. De modo específico, desde fins do séculoXVIII, princípios do seguinte. Apresenta-se com relativa constância ao longo doséculo XVIII (mantendo-se entre 200 e 400 unidades), é durante as guerras dosSete Anos e Independência da América que os seus valores atingem a escala maisbaixa172.

A conjuntura atlântica173 do século XVIII, pautada pela guerra, dá conta dascausas que conduziram à retracção do movimento. A guerra de Sucessão de Áustria[1740/48] fez desaparecer os navios espanhóis e franceses, afugentados pelo corsoinglês com base na Madeira, e aumentar a presença dos navios nacionais. O fim daguerra fez com que o movimento regressasse à normalidade a partir de 1750. A guer-ra dos Sete Anos não trouxe qualquer alteração ao movimento do porto madeirense,mas entre 1770/90 a guerra da Independência dos Estados Unidos da Américaprovocou a paralisia quase completa do porto com o bloqueio dos portos ameri-canos. Isto gerou na ilha uma das mais graves crises de fome, provocada pela faltadas farinhas americanas e precária saída do vinho. A fome e o pânico provocaram asubida em flecha do preço dos bens comestíveis174. A paz de 1783 deu ao porto aantiga vitalidade. Com a Revolução Francesa (1789) e o Bloqueio Continental (1806)que se seguiu175 surgiram de novo dificuldades de abastecimento. Entre 1785/1802 aquebra das relações comerciais com a América do Norte foi acentuada, reflectindo-se nas crises de fome de 1795/1796, 1799.

O bloqueio continental provocou efeitos de maior monta. A partir de 1807 tive-

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são de suprimento das necessidades frumentárias da ilha, perdendo em favor donovo mercado conquistado com o comércio do vinho. No período de 1510 a 1640as ilhas acudiram com 69% do cereal consumido no Funchal, assumindo um Açoresum posição dominante com 55% ficando a Europa numa posição inferior com28%166. A situação mudou no decurso do século XIX com a revolução dos hábitosalimentares nas ilhas. O milho assumiu grande protagonismo associando-se depoisà batata167. A crise de fome de 1847 foi provocada pela falta do tubérculo, atacadopela doença168.

O estudo de J. J. Abreu de Sousa169 permite conhecer o movimento do porto doFunchal, entre 1727/1810, e saber do comércio que se fazia com as diversas áreas.As relações de tráfego com as diversas áreas geográficas definem-se quantitativa-mente em função dos interesses complementares ou essencialmente exclusivos auma das partes. Assim o tráfego britânico e nórdico utilizam a ilha como escala,dando ao mesmo tempo vazão à sua produção e abastecendo-se de víveres oumatérias-primas. Todo este movimento que se localizava particularmente na baía doFunchal veio estimular o desenvolvimento das condições técnicas do porto favore-cendo as condições da natureza, assim o seu apetrechamento vai-se aperfeiçoando

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX336

Porto do Funchal.Gravura do século XIX.

Colecção da CasaMuseu Frederico de

Freitas.

166. CF. Alberto Vieira, artigos citados na bibliografia.167. Margarida Vaz do Rego Machado, O milho nos Finais de Setecentos na Ilha de S. Miguel, in Arquipélago-História, vol. II,

nº.2, 1995, pp.175-188.168. Cf. Jorge de Freitas Branco, Camponeses da Madeira, Lisboa, 1987, pp. 189 e segs.169. O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727-1810, Lisboa, 1965 (tese de licenciatura em

História)edição em livro no ano de 1989.

170. Idem, ibidem, pp.9-10171. Idem, ibidem, p.28.172. Idem, ibidem, p. 30.173. Idem, ibidem, pp.67-96.174. Idem, ibidem, p.78175. Idem, ibidem, pp.80-96.

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João José de Sousa179 em face dos dados disponíveis conclui: No conjunto dasimportações vindas das zonas portuguesas domina a metrópole, como nas áreasestrangeiras domina a Inglaterra e colónias. Também num e noutro caso, consoanteas “praças”, dominam os mercadores consignatários respectivamente madeirenses eingleses180.

No último quartel do século XIX, a concorrência dos portos insulares comoescalas de apoio à navegação atlântica, levou à criação de incentivos, como a cons-trução de portos com condições para apoiar o tráfico e a definição da política deportos francos. A competência acentou-se pelo que as respostas e incentivos deve-riam ser imediatos181. A mudança das áreas de influência das potências europeias foievidente. A América cedeu lugar à Africa e Ásia182 mas a Madeira continuou a man-ter o vínculo com a rota dos vapores do Cabo.

Movimento de exportação de vinho

Os mercados do vinho diversificaram-se ao longo dos tempos. E, entre todos,apenas o britânico manteve fidelidade ao vinho. Os ingleses foram os primeiros aaprecia-lo, estando documentadas exportações desde o século XV. O vinhoMadeira ganhou fama em toda a Europa Ocidental. Em meados do século XV ogenovês Cadamosto referia que os vinhos da ilha são em tanta quantidade, quechegam para os da ilha e se exportam muitos deles. Em pleno século XVI GiulioLandi (1530)183 diz-nos que os madeirenses não costumavam beber vinho, vendem-no a mercadores, que o levam para a Península Ibérica e para outros países seten-trionais. Em finais da centúria Gaspar Frutuoso184 dava conta que o vinho malvasiaé o melhor que se acha no Universo e leva-se para a Índia e para muitas partes domundo (...). O malvasia madeirense ganhou fama conquistando apreciadores naEuropa e espaços revelados a partir do século XV.

Segundo Cadamosto a exportação de vinho fazia-se já em medos do século XV.A ideia é corroborada em 1461185 quando os madeirenses reivindicaram junto doInfante D. Fernando a isenção da dízima alfandegária das exportações, em que seincluía o vinho. A perda da maior parte dos registos de saída da alfândega impossi-

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mos uma quebra acentuada dos contactos com a América, Espanha, Africa em favordo aumento das ligações com os Açores, que se tornaram mais uma vez no celeiromadeirense. Os franceses nunca conseguiram impor o bloqueio à ilha. Em suma,durante os anos iniciais do bloqueio (1806/9) os índices numéricos do movimentoportuário são pouco alterados, certos anos ganham porém especial evidência dassuas consequências - como 1808 ano da ocupação de Junot, do conflito dos paísessaxónicos. Mais notáveis são as mudanças nas relações com certas áreas na suaimportância: - vimos o desaparecimento do tráfego (uma das mais importantes mani-festações da eficiência parcial do bloqueio, sem alterar os interesses da ilha), adiminuição do tráfego com a metrópole, sofrendo a acção directa dos franceses, asdificuldades de abastecimento e comunicações com a América são compensadaspelo aumento do intercâmbio inter-ilhas portuguesas atlânticas. As relações com asáreas do Norte de África e Mediterrâneo sofrem, o desabitual incremento, sobretu-do depois da revolta espanhola. Entretanto os navios em demanda do Brasil inter-nacionalizam-se por motivo da gradual abertura dos seus portos, criando ascondições para o fim das relações próprias dos armadores madeirenses com essacolónia. Em relação ao tráfego indiano os navios nacionais quase desaparecemmercê de algumas dificuldades causadas pelo bloqueio de Lisboa176. As áreas deproveniência e destino dão-nos a entender a existência de um circuito comercial tri-angular, definido pela Europa, América Central e do Norte.

No grupo dos consignatários a concorrência acontecia entre a burguesiaconsignatária local e os estrangeiros, identificados quase sempre com os ingleses.Aqui merece atenção o proteccionismo concedido a algumas firmas locais como foio caso de Jorge Monteiro e D. Guiomar177.

O sistema de trocas madeirenses pode ser definido por cinco grandes áreas:

• IInnggllaatteerrrraa ee IIrrllaannddaa - fazendas de lá, ferragens, trigo, farinhas, manteiga, carnede vaca e porco, velas de sebo, sendo muitos em trânsito para a Américaespanhola;

• EEuurrooppaa ddoo NNoorrttee (Noruega, Dinamarca, Suécia e portos franceses do Norte)- farinha, manteiga, peixe de salmoura, material de construção naval,aguardente francesa:

• PPoorrttuuggaall CCoonnttiinneennttaall - sal, sabão, tabaco, géneros comestíveis como gorduras(azeite, óleo), frutas algarvias, cereais (milho), produtos manufacturados diver-sos ligados à construção (tijolo, telhas), vestuário;

• BBrraassiill - açúcar, farinha de pau, sola, madeiras, escravos:• AAççoorreess ee CCaabboo VVeerrddee ee MMeeddiitteerrrrâânneeoo (Sul de Espanha, portos barbarescos,

Canárias) - os cereais em momento de faltas crónicas178.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX338

176. Idem, ibidem, p.96177. Idem, ibidem, pp.41-47178. Idem, ibidem, pp.119-161

179. Idem, ibidem, vide quadros nº.39/66.180. Idem, ibidem, p.120181. Vide para os Açores: Isabel João, Os Açores no Século XIX, pp. 134 e segs; para a Madeira: João Sauvayre da Câmara e

Vascocnelos, Representação da Câmara Municipal da Cidade do Funchal ao Governo de S. M. sobre Diversas MedidasTendentes a Conservar e Arruinar a Navegação de Passagem neste Porto, dos Paquetes Transatlânticos, Funchal, 1884;Visconde Valle Paraizo, Propostas Apresentadas pela Commissão Nomeada em Assembleia da Associação Commercialdo Funchal 1 14 de Novembro de 1894 para Estudar as Causas do Desvio da Navegação do Nosso Porto e doAfastamento de Forasteiros, Funchal, 1895; João Augusto d’Ornellas, A Madeira e as Canárias, Funchal, 1884.

182. Cf. J. R. Mcneill, The World of the Gold Atlantic World: Americas, Africa, Europe 1770-1888, in Alan K. Karras e J. R. Mcneill,Atlantic American Societies, London/N. York, 1992, p.265.

183. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.83184. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, 99185. AHM, vol. XV, p.14.

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 341

bilita uma análise mais alargada. No século XVI, a primeira referência à saída devinho surge em 1505, com 13 pipas despachadas para Lisboa, da fazenda de JoãoManuel, que havia passado para a coroa186. Em 1508187 Diogo de Azambuja condu-ziu 21 pipas de vinho para a praça de Safim e em 1523188 Lopo Martins despachou20 pipas de vinho novo.

A Europa era o principal mercado do vinho. Os britânicos foram os mais desta-cados apreciadores. Shakespeare insiste na presença do Madeira nas tabernas e àmesa da aristocracia. A referência mais antiga à exportação europeia é para Rouen eOrleans em 1532189. Mas, segundo P. P. Câmara190 já em 1478 o vinho da Madeira eraconhecido em Inglaterra e terá sido a corte de Francisco I, rei de França (1495/1547)a receber os primeiros vinhos. Rebelo da Silva191 diz que o vinho da Madeira, a par-tir da segunda metade do século XVI, era apreciado no mercado europeu. Lopes,nas memórias de viagens (1588), publicadas no Purchas Pilgrinages, refere que ovinho assumia em finais do século XVI um peso significativo nas exportações.

Os Açores foram no século XVI um importante mercado consumidor do vinhoda Madeira. Os açorianos manifestaram especial predilecção pelo vinhomadeirense, usado na celebração eucarística, encargos testamentários e cobiçadopor todas as mesas. Era um vinho para os mais ricos da terra mas também recla-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX340

Porto do Funchal.Gravura do século XIX.

Colecção da Casa MuseuFrederico de Freitas.

186. ANTT, Núcleo antigo, nº.901, fls. 1, 5vº, veja-se Fernando Jasmins Pereira, Livro de Contas…, vol. I, pp.67, 70, 75 e 81.187. ANTT, CC, II, M.15, d.44, de 25 de Agosto.188. Ibidem, pp. 90.189. Michel Mollat, Le Commerce Maritime Normand à la Fin do Moyen Age, Paris, 1952, p.121.190. Breve Notícia..., pp. 82/3.191. Memória sobre a Agricultura, p. 162.

192 . Linschoot, História da Navegação do holandês, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, nº.1, 1943, p.151; GasparFrutuoso, Livro Quarto da Saudades da Terra, vol. II, p.47 e 198; Alberto Vieira, O Comércio Inter-Insular nos Séculos XVe XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987, pp.143-144.

193. ARM, Misericórdia do Funchal, nº.684, fl. 286, testamento de 1 de Agosto de 1544.194. Idem, ibidem, fol.303.195. Esta ideia é insistentemente referida. Assim, em 1663 Edward Barlow refere que Madeira was the best wine for keeping

and carrying to a hot climate[A. d. Francis, The Winer Trade, Edimburgh, 1973, p.64]. Já em 1792 o vinho Madeira era denovo o preferido em Manila e Bengala, uma vez que o demais se estropeava [F. Morales Padron, El Comercio Canário-Americano, Sevilla, 1955, p.234.]

196. ARM, JRC, fl. 381vº-385vº, testamento de 3 de Abril de 1589.197. Monumenta Missionária Africana, Lisboa, 1960, nº.74, pp.306-308. Aí refere-se o seguinte: os vinhos que VM mandou com

o cabo Thomé Matozo se mudarão em chegando a esta costa, de maneira que nem os negros os gastarão senão a meyotostão…. Pelo que VM deve mandar que não venhão vinhos para esta praça, salvo da ilha da Madeira, porque doutra partefazem o mesmo que fizerão estes.

198. Arquivos de Angola, vol. XVII, pp.62-65.199. ANTT, PJRFF, nº. 396, fl.23. 5 de Novembro.200. ANNT, PJRFF, nº.396, fls. 26, 42vº.201. ANTT, PJRFF, nº.965ª, fl. 427vº-428, 19 de Fevereiro.202. E. C. Lopes. A Escravatura, Lisboa, 1944, p.74; J. G. Salvador, Cristãos-novos e o Comércio no Atlântico Meridional,

Lisboa, 1978, pp.263-266.203. ARM, RGCMF, t.III, fls. 263-263vº, 11 de Abril.

mado pelos homens de soldada na jorna192. A referência mais antiga à exportaçãopara os Açores surge em 1544193 com o envio pelo mercador Afonso Alvarez decinco pipas para o Faial. O vinho estava também presente no comércio com asCanárias, sendo a troca para o cereal. A primeira saída que temos notícia surge em1521194 quando Juan Pomar enviou para Gran Canaria algumas pipas.

O vinho Madeira ganhou fama pela capacidade de adaptação ao calor tórridodos trópicos e as colónias europeias foram o novo e prometedor mercado195, mas foinas colónias portuguesas em África ou no Brasil, que se verificou a primeira cons-tatação. Em 1589196 Simão Pires levou para Cabo Verde 12 pipas de vinho de seupai avaliadas em 140.000 reais. Para as ilhas seguiram mais 50 pipas por ordem deVicente Gomes. Em 1634 o capitão-mor da Mina reclamava apenas o envio de vi-nhos da Madeira porque os demais se degradavam. A constatação resultou do factodos recebidos por Tomé Matoso se terem degradado197. O vinho madeirense eramuito apreciado em Angola198. A partir de 1659199 procedeu-se ao envio de vinhoscomo esmola para os padres capuchos do convento de Santo António em CaboVerde. No ano imediato seguiram outras duas pipas com o mesmo destino e oitopara os padres que assistiam em Angola200. Em 1665201 sabe-se que o vinho tinhacomo destino os Carmelitas Descalços que o usavam como vinho de missa.

O vinho madeirense adquiriu um estatuto especial na dispensa do Novo Mundo,como vinho de mesa e de missa. Foi servido à mesa das autoridades e grandes lati-fundiários. Nos séculos XV e XVI era exportado em reduzidas quantidades, para osdiversos cantos do mundo. Com o dealbar do século XVII consolidou definitiva-mente o mercado.

O Brasil foi, a partir de finais do século XVI, o principal mercado para o vinhoMadeira, onde era trocado por açúcar202. A coroa proibiu em 1598 os mercadores eembarcações do Brasil de fazerem escala na ilha como forma de defesa do açúcarlocal. A medida foi considerada lesiva para o comércio do vinho e favorável ao deLa Palma. Os madeirenses reclamaram em 1621203, obtendo autorização para com-

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bordo, nomeadamente o escorbuto210, pelo que a presença se tornou obrigatória nasembarcações que sulcavam o Atlântico. Na Madeira muitas embarcações proviam-se de vinho, água e alimentos frescos para o consumo211. As portuguesas tinhamgarantido o abastecimento pelo Provedor da Fazenda. Em 1548 cada tripulante danau S. Martinho tinha direito a uma ração diária de duas arrobas de biscoito, doisalmudes e meio de vinho, duas pescadas e meia e uma arroba de carne212. Em 1533Richard Eraen em viagem para a Guiné tomou algumas pipas de vinho para as tri-pulações.

Os corsários, que infestaram os mares da Madeira no decurso do século XVI,não prescindiam da dose diária de vinho. Em 1566 a armada de Bertrand deMontluc, que se dirigia para a Mina, diz que a escala funchalense tinha apenas comointenção o abastecimento de vinho e carne, sendo o assalto foi provocado peloslocais213. Já em 1587 um outro corsário ameaçava as costas da ilha, pedindo apenasao capitão Tristão Vaz da Veiga vinte pipas de vinho e água. Alheio às objecções dosnaturais entrou no porto onde cortou as amarras a um navio carregado de vinho214.

O provimento das naus portuguesas entre 1641/1643 estava regulamentado efazia-se por intermédio do Provedor da Fazenda no Funchal. O vinho Madeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 343

erciar o vinho no mercado brasileiro. A partir daqui os contactos com o Brasiltornaram-se assíduos, afirmando-se pela posição dominante no consumo do vinhoMadeira. Só em 1663 Eduard Barlow conduziu 500 pipas ao Rio de Janeiro, justifi-cando-se a escolha pelo facto de ser o único vinho que se adaptava aos locaisquentes.

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO PPAARRAA AASS CCOOLLÓÓNNIIAASS..11557722--11669955220044

BBaaiiaa RRiioo ddee PPeerrnnaamm-- PPoorrttoo BBrraassiill AAnnggoollaa CCaabboo TTOOTTAALLJJaanneeiirroo bbuuccoo SSeegguurroo VVeerrddee

11557722 32 3211662233 4 411662266 2 211663388 800 80011664455 1766 106 2568 444011664466 2477 247711664488 100 10011665544 243 180 42311665555 336 33611665588 100 176 27611667711 200 20011668877 505 200 310 280 25 132011668888 1435 597 515 438 190 317511669900 1010 480 250 450 219011669911 200 250 425 87511669922 982 120 400 112 161411669933 900 390 400 169011669944 82 370 212 66411669955 197 1997

A partir de meados do século XVII temos informações que permitem saber aimportância assumida pelo vinho no volume global das exportações da ilha. Em1646 A. R. Azevedo205, baseado no alvará de 27 de Julho que estabelece o donativono valor de 10.000 cruzados, dá conta da exportação de 2.000 pipas, enquanto M.L. Ferraz206 apresenta 10 ou 12.000 pipas. Parece-nos, no entanto que o primeironúmero é o mais razoável e de acordo com os fornecidos posteriormente por F.Mauro207, com 2.619 pipas exportadas em 1650, e Jefferson que para 1676 dá contada saída de 2.500 pipas208. Neste momento destacou-se João Saldanha deAlbuquerque, Capitão General da ilha, com exportações significativas para Angolae Brasil209.

O vinho foi considerado um importante meio na profilaxia das doenças de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX342

Porto do Funchal.Gravura do séculoXIX. Colecção daCasa MuseuFrederico deFreitas.

204. ANTT, PJRFF, nº.373, fianças para o Brasil (1687-1695); AHU, Madeira e Porto Santo, cx. 1, documentos avulsos.205. Anotações..., p. 709.206. A Madeira no Século XV sob a Acção do Infante D. Henrique e D. Fernando, fol. 35.207. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe Siècle, Paris, 1960.208. Elucidário Madeirense, vol. II, p. 28.209. Alberto Vieira. O Público e o Privado na História da Madeira, Funchal, 1998.

210. Cf. Rodrigues Cavalheiro, Subsídios para a História do Vinho a Bordo, in Informação Vinícola, nº.1, 1944, pp.1-2; Idem,Ainda o Vinho das Naus das Índias, in ibidem, nº. 24, 1944, p.1; António de Almeida, O Vinho na Medicina, in Ibidem,nº.18 e 26, 1949.

211. O Defensor, nº.111.212. Alberto Vieira, O Comércio Inter-insular nos Séculos XV e XVI, Funchal, 1987, p.23213. Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.364.214. Ibidem, pp.201-202

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segundo o mesmo, o incremento do comércio do vinho liga-se de modo directocom o estabelecimento dos ingleses na ilha, apresentando as datas de 1640 e 1660como os marcos da plena afirmação220. Em 1680, das 20 casas estrangeiras existentesna ilha 10 eram inglesas, a que se juntavam 6 ou 8 de nacionais de compravam osvinhos já prontos e os exportavam221.

Não existem dados sobre as exportações de vinho Madeira no século XVII. Tãopouco os dados oficiais dos registos de saída da alfândega devem ser fiáveis222. T.Duncan223 propõe uma estimativa dos valores das exportações para o período de1600 a 1699 apresentando como média anual os seguintes valores:

AANNOO PPIIPPAASS11660000--1199 2.000 11662200--3399 2.50011664400--5599 3.50011666600--7799 5.0001680-99 6.500

Os dados disponíveis evidenciam a tendência de crescimento na segunda metadeda centúria, situação que se torna clara nas décadas de oitenta e noventa224. Aconteceque os últimos anos foram de dificuldade para as embarcações inglesa, fruto da guer-ra com França. As colónias inglesas da América haviam assumido uma posiçãodominante nas exportações, de acordo com as medidas favoráveis estabelecidas no

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 345

adquiriu fama junto das tripulações, sendo obrigatório no abastecimento das embar-cações. As armadas que partiam de Lisboa eram abastecidas com o vinho enviadodo Funchal por ordem da Junta. As armadas da Índia foram assíduos consumidores.O Provedor da Fazenda no Funchal, Francisco de Andrade, providenciou em 1651o envio de 400 pipas de vinho a Lisboa para as armadas da Índia. Em 1635 seguiramoutras 3.000 pipas com igual objectivo, juntando-se 400 pipas no ano imediato215. Aovinho, que seguia para Lisboa, junta-se outro de embarque directo no Funchal pelosnavios ou armadas. Em 1664216 uma armada francesa com destino às Antilhas foiprovida de 40 pipas. O vinho era conhecido como de beberagem e, por isso, segun-do a tradição, estava isento de direitos. Vários comboios que se dirigiam às Antilhas,ao longo do século XVIII, passavam pela Madeira onde tomaram grandes quanti-dades de vinho, destacando-se o de Dezembro de 1744 com 33 navios e o de 1788com 70 navios que carregou 2.000 pipas de vinho217, a que se juntou outro emOutubro de 1799 com 60 navios que carregou 3.041 pipas218. Os registos de saída daalfândega no século XIX assinalam a saída de vinho para gasto de embarcaçõesestrangeiras:

EEMMBBAARRQQUUEE DDEE VVIINNHHOO PPAARRAA GGAASSTTOOSS..11884433..11888888

AANNOO PPIIPPAASS

11884433 43 11884477 8011884488 611884499 9211885500 10111888822 88,311888833 211888844 41,911888855 36,511888866 77,511888877 46,911888888 22,9

Fonte: João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas…, pp.32-40

Para A. R. Azevedo o surgimento dos estabelecimentos consulares da Bélgica[1608], França [1626], Inglaterra [1658], Holanda [1667], Espanha [1668] mostranão só com que nações comerciava ela os seus vinhos, mas também indica agradação do desenvolvimento deste comércio: Flandres, França, Inglaterra,Holanda, Espanha. Só mais tarde os vinhos da Madeira foram directamente levadosà Alemanha. Rússia, e por último aos Estados Unidos da América - as relações co-merciais desta ilha com a metrópole eram talvez as menos importantes219. Ainda,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX344

215. ANTT, PJRFF, nº.396, fls. 12vº. 12vº-13, 15216. ANTT, PJRFF, nº.396, fls. 35vº.217. Idem, p. 109218. D. João da Câmara Leme, ibidem, p. 9.219. Op. cit., p. 710.

Calhau no Funchal.Postal antigo

220. Idem, ibidem, p. 709.221. P. P. Câmara, ibidem, p. 85.222. T. B. Duncan, Atlantic Islands, pp.44-48; Alain Huetz de Lamps, Le Vin de Madere, pp.30-36223. T. B. Duncan, Atlantic Islands, p.48224. Estes dados não são concordantes com o testemunho de alguns estrangeiros. Assim, em 1687 Christopher Jefferson

refere a exportação de 25.000 pipas, dado que deve ser exagerado e deverá ser confusão com a produção, enquantoque em 1689 John Ovington refere apenas a exportação de entre 8 e 9 mil pipas. Cf. em anexo quadro nº.1.

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presença do vinho Madeira no Brasil datam da segunda metade do século XVI. Em1572 rumaram para aí 36 pipas de vinho branco, a que se juntaram em 1587 outras 98para o Espírito Santo e Rio de Janeiro a troco de açúcar. Abriu-se a rota do vinhoMadeira que continuou na centúria seguinte pelas facilidades concedidas aos navios dafrota do Brasil e a possibilidade da ilha intervir com o envio directo de duas embar-cações. O vinho tinha lugar na mesa do senhor de engenho como sucedia em 1626 node Sergipe do Conde que recebeu duas pipas. Para o período de 1638 a 1655 o Brasil,através da Baía, Pernambuco e Rio de Janeiro, recebeu 6.602 pipas de vinho deMadeira. Para a segunda metade do século temos dados seguros sobre a exportação.

DDeessttiinnoo 11662233--5500 11665511--6655 11668877--11669955

Angola - 313 1.762ÁÁffrriiccaa Mina - 100 -

Cabo Verde - 6 327

IIllhhaass Açores - - 53

Baía 2.579 100 5.529Pernambuco - 180 2.475

BBrraassiill Porto Seguro - 236 -Rio Janeiro 1.820 - 5.029

Para o ano de 1699 podemos fazer uma ideia da exportação diferenciando-se ovinho comum da Malvasia. No primeiro caso dominavam as colónias inglesas,enquanto no segundo a preferência continuava a ser para o mercado londrino com58 pipas e apenas uma quartola para Lisboa e um quarto para baixo.

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO NNOO PPOORRTTOO DDOO FFUUNNCCHHAALL..11669999

DDeessttiinnoo PPiippaass QQuuaarrttoollaass QQuuaarrttooss

PPaarraa BBaaiixxoo 2836 133 10BBaarrbbaaddaass 451 27JJaammaaiiccaa 384 12 1MMaarrttiinniiccaa 2851/2 13AAnnttiigguuaa 2701/2 10 1BBoossttoonn 99 12NN.. YYoorrkk 54NNoovvaa IInnggllaatteerrrraa 181/2 1VViirrggíínniiaa 35 1CCaannáárriiaass 27SS.. MMiigguueell 18 1 1LLiissbbooaa 9 1FFrraannççaa 8 7HHoollaannddaa 34 2LLoonnddrreess 111DDuunnqquueerrqquuee 3OOuuttrrooss 344 10 2

TTOOTTAALL 49841/2 233 59

FFoonnttee:: Maria Olímpia da Rocha Gil, Madeira e Canárias no Movimento Portuário de Ponta Delgada. Problemas de Importação eExportação nos Finais do Século XVII, in Actas do Colóquio Internacional de História da Madeira. 1986, vol. II, Funchal, 1890, p.897.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 347

Staple Act de 1663, fruto do casamento da infanta D. Catarina com Carlos II deInglaterra. As Índias Ocidentais foram um destino privilegiado, sendo Barbados oprincipal entreposto de distribuição para as demais ilhas, como se faz eco em diver-sos testemunhos: …e o resto exportado principalmente para as Índias Ocidentais,especialmente Barbados, onde tem mais aceitação que outros vinhos europeus.225

Os números disponíveis, embora avulsos, demonstram que o vinho no decorrerdos anos foi aumentando de importância na balança comercial da ilha, pelo que ocônsul francês em 1669 afirmava ser o vinho o único meio de comércio da ilha226.Na década de sessenta surgiram dificuldades para o porto do Funchal. A falta deembarcações impediu o embarque, impedindo as relações com o reino e a disponi-bilidade de letras227. O comércio baseava-se, segundo o cônsul francês, no vinho228.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX346

EXPORTAÇÃO DE PIPAS DE VINHO MADEIRA229

O continente americano e Índico foram as novas apostas do vinho do séculoXVII. Alguns viajantes ingleses dão conta da situação a partir do último quartel doséculo. Hans Sloane230 (1687) evidencia a conquista de novos mercados, fruto dedesusadas propriedades: É exportado em grandes quantidades para as plantaçõesdas Índias Ocidentais e, ultimamente, para o Ocidente, pois não há nenhuma espé-cie de vinho que se mantenha tão bem em climas quentes. A ideia é corroboradapor John Ovington231 [1689] que dá conta da exportação de 8 mil pipas principal-mente para as Índias Ocidentais, especialmente Barbados, onde tem mais aceitaçãoque os vinhos europeus.

Foi nas colónias inglesas da América que se encontrou na segunda metade do sécu-lo XVII, um dos melhores mercados para o vinho Madeira. O Brasil foi o principaldestino nacional do vinho. O município do Funchal insistiu em 1621 junto da coroa nosentido de o reservar para o vinho nacional. A acção da companhia Geral do Comérciodo Brasil na Madeira assentava no negócio dos vinhos. As mais antigas referências à

225. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, p.198.226. A. Silbert, ibidem, p. 93227. ANTT, PJRFF, nº. fls.153v-154, 44v-45, 46, 56vº,228. Albert Silbert, Uma Encruzilhada do Atlântico. Madeira (1640-1820), Funchal, 1997, pp.113-114229. Segundo informação de José Manuel Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico (Séculos XV-XVII),

vol. I, Funchal, 1995, p.269.230. “Uma Viagem nas Ilhas da Madeira…”, in António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.159.231. “Uma Viagem a Suratt no ano de 1689”, in António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.198

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partir de Londres. A ordenança de 1663 estabelecia uma excepção às ilhas daMadeira e Açores que ficaram com o exclusivo do fornecimento de vinho, por viadirecta. William Bolton234 foi um dos mais destacados mercadores ingleses ausufruir da conjuntura favorável. As colónias inglesas das Antilhas e América doNorte foram o objectivo e o vinho o principal negócio.

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO..11669966--11771144

ÁÁRREEAA DDEESSTTIINNOO 11669966--11770000 11770011--11771144

AANNTTIILLHHAASS Antigua - 780Curaçau 550 520Barbados 2.260 5.055Jamaica 0 8.033Martinica - 170Montserrat - 320Nevis 225 160St. Thomas - 60St. Christophus - 150

AMÉRICA Bóston 180 190Do Carolina - 100NORTE N. York 620 600

N. Inglaterra 300 300Virgínia - 100Rhode Island 40 -

BRASIL 2.200 4.450ÍNDIA - 120 330BATAVIA - 60EUROPA Inglaterra 2.261 -

Irlanda 100 -ÁFRICA Guiné 10 -

Duarte Sodré Pereira235, um fidalgo comprometido com o comércio atlântico, dá-nos conta da situação do mercado em princípios do século XVIII. De acordo como copiador de cartas esteve envolvido no comércio com Inglaterra, Lisboa, EstadosUnidos da América, América Central (Barbados, Jamaica e Curaçau) e Brasil.

O vinho da Madeira tinha no mercado colonial britânico um destino privilegia-do. Os navios do tráfico negreiro com origem em Bristol abasteciam-se de vinho naMadeira236. A América do Norte foi desde a década de quarenta do século XVII umdos principais destinos: New England (1641), New Haven (1642), Boston (1645),Nova York (1687)237. No século XVIII consolidou-se o mercado americano e os

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 349

No período de 1649 a 1652 evidenciaram-se dois mercadores: Diogo FernandesBranco e William Bolton (1696-1714). Diogo Fernandes Branco foi um dos elos docircuito. Sabemos disso através de algumas cartas comerciais, que escreveu aos par-ceiros entre 1649 e 1652232. A actividade comercial incidia, preferencialmente, naexportação de vinho para Angola, onde trocava por escravos que, depois, vendia noBrasil a troco de açúcar. O circuito de triangulação fechava-se com a chegada à ilhadas naus com caixas de açúcar. São múltiplas as operações comerciais registadas nadocumentação epistolar, que revelam ter-se especializado em duas actividades para-lelas: o comércio de vinho para Angola e Brasil, e do açúcar e derivados para ado-cicar os manjares dos repastos da mesa europeia. Do vinho sabemos ter embarcado3.339 pipas, sendo 41% destinadas a Angola:

DDEESSTTIINNOO PPIIPPAASSAAnnggoollaa 1368BBaarrbbaaddooss 21BBrraassiill 133CC.. VVeerrddee 25LLiissbbooaa 108LLoonnddrreess 232OOuuttrrooss 1452TOTAL 3339

Para a década de setenta temos a informação compilada a partir das cartas co-merciais de João de Saldanha Albuquerque233, onde o vinho exportado tem comodestino principal o Brasil:

DDeessttiinnoo PPiippaass qquuaarrttoollaassBBaaííaa 90 PPeerrnnaammbbuuccoo 1675 CCaabboo VVeerrddee 4 4

A presença de William Bolton na Madeira enquadra-se na nova conjuntura co-mercial favorável à fixação inglesa. Os tratados de amizade celebrados entre Portugale a Inglaterra propiciaram a presença, que se tornou necessária para o provimentodo mercado colonial e foi facilitada pelos actos de navegação de Cromwell. A políti-ca mercantilista inglesa estabeleceu que todo o movimento para os portos das coló-nias deveria ser feito por barcos com pavilhão inglês, sendo a partida e regresso a

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX348

232. As 194 cartas que encontrámos nos arquivos do Convento de Santa Clara preservaram-se por iniciativa da madre DoroteiaMatilde dos Santos, sobrinha e afilhada do mesmo, que em 1732 era administradora da capela da Encarnação, que omesmo criara. A partir delas é possível reconstruir parte da rede de negócios em que se integrava este destacado mer-cador madeirense. Da sua quinta de Santa Luzia ele administrava os bens fundiários da família da Ribeira Brava, man-tinha o seu expediente epistolar em dia e satisfazia os pedidos dos seus parceiros de negócio. Além disso era um obser-vador atento das oscilações do mercado e dos produtos em troca, sempre pronto a aconselhar os parceiros da melhoroportunidade para satisfazer os seus pedidos. Mesmo assim estava sujeito a uma vida atribulada e de preocupações: asdificuldades em satisfazer os pedidos de bom vinho, os habituais problemas financeiros, a notícia de um naufrágio ou atardança dos navios com o açúcar para o fabrico de casca e conservas e o cereal para saciar os famintos. Veja-se AlbertoVieira, O Público e O Privado na História da Madeira, vol. I, Funchal, 1996.

233. Alberto Vieira, O Público e Privado na História da Madeira, vol. II, Funchal, 1998.

234. A correspondência comercial, para o período de 1696 a 1714, que permite reconstituir esta viragem, bem como a articu-lação do movimento do porto do Funchal. As Cartas estão publicadas: SIMON, A. L., The Bolton Letters. The Letters of anEnglish Merchant in Madeira, vol. I [1695-1700], Londres, 1965; Idem, The Bolton Letters. The Letters of an EnglishMerchant in Madeira, vol. II(1701-1714), Funchal, 1960, ed. Policopiada de Graham Blandy. ARAGÃO, António, A MadeiraVista por Estrangeiros. 1455-1700, Funchal, 1981. [publica entre as pp.227-393. As cartas de W. Bolton de 1695-1700].

235. Maria Júlia de Oliveira e Silva, Fidalgos-Mercadores no século XVIII. Duarte Sodré Pereira, Lisboa, 1992.236. G. D. Ramsay, English Overseas Trade During Two Centuries of Emergence, London, 1957, p.156.237. Bernard Bailyn, The New England Merchants in the Seventeenth Century, Mass., 1955, pp.78,83, 85;

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gareiros, de noite e de dia; e obtemresultado animador. É o primeiropasso para o novo tratamento.

Pouco depois, outro negociantedo Funchal dispõe também vinhosnovos em armazém onde o calorlhes é communicado por canos de arquente, e a que chama Estufa.Observa-se que o vinho perde assimo gosto de novo, e pode ser embar-cado em menos tempo sem se alte-rar.

Julga-se, com grande enthusias-mo, resolvido o problema; e outrosnegociantes apressam-se em cons-truir estufas.241

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 351

demais mercados do mundo colonial inglês. No século XVIII a ascensão continuouaté atingir o domínio completo em finais do século XVIII e princípios do seguinte.

O vinho e as castas que o originavam foram motivo de grande admiração. A mal-vasia foi levada em 1736 pelo Dr. William Houston para Charleston, enquanto em1773 Joseph Aleston fez aí chegar novas castas com igual sucesso238. A segundametade do século foi o momento de afirmação do vinho madeirense, sendo evi-dente o empenho dos mercadores norte-americanos no proveitoso comércio detroca por peixe, cereais e aduelas para pipas239.

Quando se determinou celebrar o acto de independência dos Estados Unidos daAmérica com o Madeira pretendeu-se afirmar a importância que assumiu nasociedade. Aliás o vinho Madeira está ligado ao movimento de pró-independência.A defesa da livre trânsito de mercadorias, contra o pagamento dos direitos de entra-da teve o primeiro incidente em 1768 com 100 pipas de vinho trazidas da Madeirapara Boston por John Hancock240.

A situação do mercado no século XVIII foi marcada por um franco progresso naprocura do vinho, nomeadamente no último quartel, sofrendo um ligeiro recuoentre 1776 e 1782 com a instabilidade gerada no mercado Atlântico e norte-ameri-cano com a guerra de independência dos Estados Unidos. O volume total dasexportações de vinho não espelha a realidade, uma vez que de imediato se encon-trou mercados substitutivos.

Os dados sobre a exportação do vinho Madeira disponíveis, ainda que por vezesavulsos, evidenciam a tendência para a subida a partir de 1640, situação que só seráinvertida, passado mais de um século, a partir de 1814. O período de 1794 a 1801,excluído o ano de 1798, pautou-se por uma alta das exportações de vinho, o quedemonstra que a conjuntura de finais do século XVIII e princípios do seguinte foifavorável ao comércio do vinho Madeira. Estamos em fins do século XVIII. Aexportação dos vinhos da Madeira tem augmentado muito, principalmente para aInglaterra, porque, em razão da guerra, lhe estão fechados os portos da Europa. Asreservas de vinhos em boas condições de embarque estão esgotadas. O systema docanteiro não é processo applicavel a um largo e impaciente consumo com a pres-pectiva de grandes lucros.

É facto reconhecido que o vinho da Madeira que vae em viagem ás regiões tro-picaes volta consideravelmente melhor.

Um negociante do Funchal, chamado Pantaleão Fernandes, tendo também jáobservado que o vinho melhorava muito sendo conservado em logares quentes,principalmente sendo posto ao sol, aquece um armazém de vinhos novos com fo-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX350

238. Thomas Pinney, A History of Win in America from the Beginnings to Prohibition, Los Angeles, 1989, pp.43, 57-59239. Cynthia A. Kierner, Traders and Gentlefolk. The Livingston of New York, Ithaca, 1992, p.72; Robert A. East, Business

Enterprise in the American Revolutionary Era, London, 1938, p.244; Bernard Bailyn, The New England Merchants in theSeventeenth Century, Mass., 1955, pp.78; Jorge Martins Ribeiro, Alguns Aspectos do Comércio da Madeira com aAmérica do Norte na Segunda Metade do Século XVIII, in III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal,1993, pp. 389-402.

240. John W. Tyler, Smugglers & Patriots. Boston Merchants and the Advent of the American Revolution, Boston, 1986, p.115;Hiller B. Zobel, The Boston Massacre, N. York, 1978, p.73.

A ilha da Madeira é conhecida pelosAmericanos principal mente devido aosseus vinhos; e em anos anteriores,pelas quantidades de cereais que eramimportados dos Estados Unidos para ailha. Nos últimos anos, o número deembarcações aqui chegadas, vindasdos Estados Unidos, diminuiu, emboraainda seja matéria de algum interessepara o nosso comércio.

Fitch W. Taylor, The Flag Ship: Or a VoyageAround the World, N.Y., 1840, p.106

Pilar de BangerPostal Antigo

241. Os Três Systemas de Tratamento dos Vinhos daMadeira. Pelo Conde Canavial, Funchal, 1900.

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Os Presidentes dos Estados Unidos e o Vinho Madeira

O vinho da Madeira foi a partir de meados do século XVI o predilecto dosnorte-americanos, pela facilidade na aquisição e pela constatação de ser dospoucos que se adaptava bem ao calor elevado242. O facto de muitos os presi-dentes norte-americanos terem sido grandes apreciadores, deverá ter favorecidoa importância social do vinho Madeira na sociedade norte-americana243. Já osGovernadores da colónia foram apreciadores. Hon Robert Monckton, Governadorde Nova York, em 1763 comprou três pipas para uso nas recepções244. Na mesmalinha seguiu o presidente Ronald Reagan que em 1982 brindou o 71º aniversáriocom um cálice de vinho Madeira.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 353

… a outras pessoas, normalmente não habituadas aos meandros do negócio, umpreço superior é sempre pedido. Ao vinho velho é feito um acréscimo de cinco xelins oumais por pipa, por cada ano que é conservado, o que equivale à quantidade perdida sederramado, à evaporação e aos juros do capital que permanece não empregue. O preçomédio de qualquer qualidade de vinho pouco mais ou menos catorze libras, o que reduzo valor total de exportações muito abaixo de duzentos mil libras, parte do qual serve parapagar produtos manufacturados da Grã-Bretanha, farinha e peixe salgado da América emilho das ilhas Ocidentais que pertencem, do mesmo modo que a Madeira, à Coroa dePortugal.

Não é raro os comerciantes da Madeira comprarem mercadorias inglesas, com umataxa de vinte e cinco por cento de lucro sobre o preço original, indicado na factura dosprodutos. Na realidade, a factura é, algumas vezes, alterada na passagem entre aInglaterra e a Madeira e preços superiores são acrescentados como se tivessem sidopagos, na origem, por cada artigo. Esta prática ilegal é tão divulgada que é dado o nomede “facturas de água salgada” a esses preços alterados. No entanto, os consumidores sãoos únicos prejudicados, uma vez que o comerciante madeirense faz geralmente o mesmoaumento proporcional, para além do que paga, às mercadorias que tem para vender.

George-Thomas Staunton, An Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to theEmperor of China (...), Londres, vol. I, 1797, pp.69-71

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX352

Porto do Funchal. Gravura doséculo XIX

Assinatura da Declaraçãode independência dosEstados Unidos (1776).Pintura de J. Trumbull.

242. A. D. Francis, The Wine Trade, Edinburgh, 1973, p.64.243. T. Bentley Duncan, Atlantic Islands. Madeira, the Azores and the Cape Verdes in Seventeenth-century Commerce and

Navigation, Chicago, 1972, pp.250-252.244. Noel Cossart, Madeira. The Island Vineyard, London, 1984, p.59

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JOHN ADAMS [1735-1826] desde1761 afirmava publicamente a predi-lecção que tinha pelo vinho Madeira.Em 1774 não hesita em afirmar que: Idrank madeira at a great rate and foundno incovenience in it249. Em 1784 asse-gurava ao embaixador português que oMadeira era o vinho mais apreciadopelos americanos, pelo facto de tantopoder ser bebido no Verão e Inverno250.

THOMAS JEFFERSON [1743-1826], considerado um grande enólo-go, encontra-se entre os apreciadoresdo vinho Madeira. Em 1786 em Parisnão prescindia do vinho, tendo solicita-do o envio de uma pipa desde osEstados Unidos, uma vez que I wouldprefer that which is of the nut quality,and of the very best251. Em 1997 umadas garrafas de vinho Madeira de 1800foi leiloada em Londres.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 355

GEORGE WASHINGTON [1789-1797] foi um grande apreciador debebidas alcoólicas, não prescindindodo bom vinho Madeira à mesa, solici-tando com frequência o envio daMadeira245. A referência mais antiga aoenvio de uma pipa de vinho é de1759246. No período que decorre até1783 recebeu 15 pipas de vinho velhoda Madeira, cujo custo oscilou entre as26 e 31 libras esterlinas247.

BENJAMIN FRANKLIM [1706-1790] impelido pela fama do vinho nãoprescindiu, na viagem à Europa em1763, de uma breve estância naMadeira, onde apreciou as belezas ede novo degustou o vinho248.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX354

245. Mount Vernon An Illustrated Handbook, 1974, 85-86, 88; The Writings of George Washington from the OriginalManuscript Sources, 1745-1799. John C. Fitzpatrick, Editor.

246. Washington, Writings, Washington, 1931, p.321.247. Letters to Washington and Accompanying Papers. Published by the Society of the Colonial Dames of America. Edited by

Stanislaus Murray Hamilton248. Ronald W. Clark, A Biography. Benjamin Franklin, N. York, 1983, pp.168 e 175; Esmond Wright(ed.), Benjamin Franklin.

His Life as he Wrote it, Cambridge, 1990, pp.162-163.

249. Diary and Autobiography of John Adams, 4 vols, Mass. 1961, 1962: vol. I., pp.213, 274, 352-354, vol.II. pp.134, 136, Vol.II, p.306, vol.IV., p.102; Legal Papers of John Adams, Mass., 1965, pp.174, 194.

250. Adams, Works, VIII, Boston, 1853, p.127.251. T. Jefferson, Papers, Princeton, 1954, p.274.

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sivamente ácidos e, para além disso, se revelarem mais pobres e de qualidade infe-rior. No entanto, os proprietários não conseguiram resistir à tentação de seaproveitar da oportunidade que lhes foi dada atender aqueles que encomendavamvinho a 70 l. ou 80 l. por pipa, não obstante ser vinho de 20 l. por pipa todo o quelhes restava. Tal era, na realidade, o valor real. Eles recorreram a meios artificiaispara ultrapassar a aspereza de sabor e a acidez destes vinhos. Para este fim, foramintroduzidos os fornos (estufas) de modo que, mantendo o vinho num lugar fecha-do e restrito - talvez a uma temperatura de cem graus - ele poderia adquirir umamaturação prematura e falsa e adquirir uma enganadora aparência de idade.Geralmente pensa-se que este processo forçado tem como efeito deteriorar o ver-dadeiro sabor natural de todos os vinhos. E é mais do que suspeito que, desde aaltura em que foi experimentado pela primeira vez, tem sido aplicado alternada-mente a vinhos de todas as classes. Nenhum cuidado ou conduta posterior restituiao vinho o sabor genuíno quando ele foi assim prejudicado e afectado. Pessoas quepercebem do assunto consideram a temperatura do forno ou “estufa” se mais gradu-almente aplicada, se continuasse por mais tempo e com uma moderação mais sen-sata, podia resultar de modo benéfico e produzir resultados como os que umaviagem às Índias Orientais e Ocidentais se julga geralmente produzir, o que é nor-malmente considerado um método excelente de melhorar o vinho, conduzindo-o aum estado de alta perfeição. Alguns escritores afirmam que, em consequência domodo pelo qual vinhos inferiores são alterados em estufas, estes adquirem um saborseco a fumo o que nunca consegue ser posteriormente erradicado. Destas quali-dades de vinhos exportam-se anualmente grandes quantidades para Hamburgoonde, depois de submetidas a um processo que as faz parecer muito a “Hock”, sãovendidas como tal. É presume-se que uma parte considerável desta imitação de“Hock” é enviada para o mercado Britânico. Quanto aos vinhos produzidos aolongo da costa sul da Madeira, considera-se que são raramente e se possívelequiparados em delicadeza e sabor, aroma e pureza e suavidade a qualquer outrovinho. Quanto às uvas e vinhos principais da ilha, as uvas nunca são exportadas euma grande parte dos vinhos é, na realidade, muito pouco conhecida fora do país.253

Em 1814, tendo em conta o ano próspero de 1813, as autoridades e homens denegócio reclamavam por medidas proibitivas da entrada de aguardente comosolução para salvar a saída de vinho que sofreu uma quebra acentuada em relação a1813254. Idêntica preocupação ocorreu em 1815255. Além disso a aluvião e a má co-lheita do ano corrente (entre 4 a 5.000 pipas) repercutiram-se nas saídas de 1816. Asdificuldades dos anos de 1819 a 1823 resultaram dos problemas de escoamento daprodução desde 1818, permanecendo em armazém mais de 20.000 pipas devinho256. O comércio decaiu mais de vinte mil pipas de vinho se acham em suas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 357

A mudança ocorreu a partir de finais do século XVIII e inícios do seguinte comose pode constatar nos dados estatísticos recolhidos em documentos e estudos.252

Uma rápida visão do gráfico evidencia que o período de apogeu se estendeu entre1794 e 1818. O declínio, que começou a notar-se em 1814, só se tornou claro em1830. Desde 1640 a tendência era de subida vertiginosa pelo que já em 1700 onúmero de pipas exportadas se elevava a 10.000, ou seja cinco vezes mais do queem 1646. Entre 1730 e 1734 notou-se uma quebra a que se seguiu uma subida comoelucidam os dados de 1777 e 1778, mantendo-se a tendência ascendente até iníciosdo século XIX, cortada apenas por momentos de baixa bastante acentuada comosucedeu em 1785, 1792 e 1811. O período de 1794 a 1801, excluído o ano de 1798,pautou-se por uma alta das exportações do vinho. A evolução estabilizou, eviden-ciando que a conjuntura de finais do século, com as guerras europeias, foi favorávelao comércio do vinho Madeira. O período de 1802 a 1818 foi marcado pela con-tracção do volume de exportações motivado pelas mudanças ocorridas no conti-nente europeu, tornando-se mais evidente nos anos de 1804, 1808, 1811 e 1816.

O quadro das exportações revela que o mercado do vinho da Madeira não eraconstante, sendo pautado por oscilações resultantes das condições dos mercadosconsumidores e dos europeus, concorrentes com a Madeira. Apenas o período de1794/1802 foi pautado por alguma estabilidade. As alterações do mercado colonial,a partir da independência dos Estados Unidos da América do Norte, reflectiram-seno mercado do vinho. Raras vezes as dificuldades tinham origem na produção, situ-ação que só se torna evidente na segunda metade do século XIX.

As guerras europeias conduziram ao encerramento das rotas que ligavam omundo colonial aos mercados europeus. As ilhas ficaram de fora e aproveitaram aoportunidade para a venda dos vinhos. Na Madeira esgotaram-se os stocks de vinhode exportação, socorrendo-se dos vinhos de inferior qualidade do norte, quase sem-pre consumidos localmente ou queimados para aguardente. Para corresponder a tãodesusada procura apostou-se na expansão da viticultura e descuidou-se o tratamen-to e envelhecimento dos vinhos. As estufas resultam da conjuntura e firmaram-secomo solução para corresponder à incessante procura. Procedeu-se à aceleração deenvelhecimento do vinho com o recurso ao calor artificial de forma a não impa-cientar os exportadores e bebedores.

Há alguns anos, os vinhos da Madeira caíram em descrédito e circunstânciasespeciais foram motivo suficiente para a mudança de opinião e gosto entre aquelesque em tempos tinham defendido a produção na ilha. Isto porque durante o longoperíodo da guerra que terminou em 1814, a procura do vinho por navios que porcá passavam era enorme. Assim, as quantidades que restavam nas adegas eram ape-nas de vinhos inferiores do Norte que têm a reputação ou má fama de serem exces-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX356

252. Nomeadamente em AHU, Madeira e Porto Santo, nº 293, 11275, 972, 1432; ANTT, AF, nº 80/4; BNL-SR-MS 219, nº 29.D. João da Câmara Leme, Apontamentos para o Estudo da Crise Agrícola, Os Vinhos da Madeira e o seu Descréditopelas Estugas...; A.R. de Azevedo, ibidem, p. 718; Elucidário Madeirense, vol. II, pp. 148/54; F.T. Valdez, Africa Ocidental,Lisboa, 1864; Correio da Madeira, nº 116, p. 1; Diário de Notícias, nº 6, pp. 1-2; Alain Huetz de Lemps, Le Vin deMadere, Grenoble, 1989; Benedita Câmara, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002.

253. E.S.Wortley, A Visit to Portugal and Madeira, Londres, 1854, pp.308-317.254. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 78/82, 87/89.255. Idem, t. 14, fols. 126/134.256. Idem, t. 14, fols. 224-225vº.

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A crise, pela qual acaba de passar este Districto, não foi exclusivamente devida àmoléstia que tão violentamente attacou os seus vinhedos.

De há muito que ella se preparava, pelo descredito que os vinhos desta ilhaforam pouco a pouco grangeando no estrangeiro, com o abuso inconsiderado dasestufas.

Com o fim de communicar, artificialmente, aos vinhos qualidades que só otempo lhes pôde dar, introduzio-se na ilha, no principio deste século, o processo desujeitar os vinhos de producção recente a altas temperaturas (60º ao mais) porespaço de alguns mezes, em casas ou estufas preparadas para esse fim.

Por esta practica lançou-se imprudentemente nos mercados estrangeiros umagrande porção de vinhos, muitos dos quaes mal preparados, e estas duas circuns-tancias provocaram as desconfianças dos consumidores, diminuíram a procura eaccarretaram uma baixa sensível no preço deste género.

Como os vinhos fossem a fonte exclusiva de receita para este Districto faltaramquasi repentinamente os meios de dar à cultura da videira a assiduidade e perfeiçãode amanhos que ella requeria, e a producção baixou numa progressão assustadora.262

O retrato da crise foi traçado em 1873 por Álvaro Rodrigues de Azevedo: e entãoo predomínio dos negociantes ingleses de mais a mais fortalecido pela invasão e ocu-pação desta ilha por tropas britânicas se enraizou, forte e decisivamente na Madeira.- Os extraordinários preços a que os vinhos desta ilha foram subindo desde o fimdo século passado e o que sustentaram no primeiro quartel do presente, não dei-xavam sentir essa fuga; davam para tudo; a Madeira nadava em oiro; mas, logo queos vinhos decaíram, os proprietários territoriais habituados a largas despesas, que osmeios de que dispunham já não comportavam, recorreram ao expediente das ante-cipações, havendo desses negociantes à contas das futuras colheitas, quanto pre-cisavam géneros alimentícios, fato, calçado, mobílias, dinheiro, tudo; e aquelespoucos que não estavam nestas circunstâncias e os colonos agricultores vendiam aosmesmos negociantes seus vinhos, a prestações mensais, de sorte que uns e outrosporque uns e outros, porque essas casas comerciais britânicas os quasi ricos com-pradores dos vinhos, e árbitros supremos do preço deles, todos lhes ficaram na maiscompleta sujeição; o vinho reduzido ao ínfimo valor; os proprietários e agricultoresafrontados de penúria; e o negociante inglês auferindo no estrangeiro todos oslucros, ainda vantajosos do negócio de vinhos da Madeira. A deplorável tirania destehumilhante monopólio se eximiam somente duas ou três casas portuguesas que deprópria conta exportavam os vinhos de suas terras e outros comprados, tendo estascasas, por vezes, patriótica e generosamente mantido os preços, para que nãodescessem ao ínfimo, o que o mercador britânico pretendia impor. Assim mesmo aMadeira chegou a miseranda decadência; o vinho único produto a que se dedicava,era ao mesmo tempo o recurso e a sua desgraça, o seu tesouro e a sua pobreza.

As transformações ocorridas no decurso da segunda metade do século XIX alte-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 359

mãos, dos proprietários e negociantes...257. Mais uma vez reclamou-se a proibição deentrada das aguardentes.

Segundo A. Silbert258 o período de declínio do “ciclo do vinho” começou em1821 embora os primeiros sintomas já se fizessem sentir entre 1814 e 1817. A relaçãoentre a produção, consumo interno e exportação é-nos referida em 1821259: AMadeira já em anos de extraordinária colheita produziu mais de 40.000 pipas devinho e também 20.000 em outros anos, e por isso pode a sua produção médiareputar-se de 30.000 pipas, das gerais se embarcavam 12 a 18 mil pipas e o resto seconsumia nas tabernas e uso dos seus habitantes.

A presença e dominância inglesa no comércio da ilha ficaram reforçadas nos iní-cios do século XIX com a ocupação da ilha e os tratados que entretanto foram esta-belecidos. Assim de acordo com o tratado de 1810 os ingleses ficaram autorizadosa adquirirem o vinho em mosto, o que até então estava vedado, favorecendo a suaposição. Os comerciantes Britânicos controlam, para seu interesse, os cultivadoresde vinha, fornecendo-lhes de antemão tudo o que eles necessitam, nos intervalos davindima e nas estações mais baixas. Os seus negócios com os habitantes portugue-ses do Funchal também devem ser intensos; exceptuando este facto, parecem nãoexistir muitas relações sociais entre eles.260

A conjuntura favoreceu a expansão da cultura, mas quando os mercadoseuropeus voltaram à normalidade a Madeira entrou em colapso. O período de 1819a 1823 foi crítico para a economia da ilha. Os anos de 1824 e 1825 evidenciam umapassageira melhoria do volume das exportações, uma vez que 1826 se iniciou aqueda que se acentuou em 1830 e 1831, recuperando-se entre 1832 e 1846. Asoscilações são fruto das mudanças ocorridas no mercado consumidor com a substi-tuição do mercado colonial pelo do Norte da Europa.

A partir de 1847 tivemos nova quebra que se acentuou em 1852 com a criseprovocada pelo oídio. Os reflexos mais evidentes da crise só se fizeram sentir empleno nos anos sucedâneos de 1853 a 1865, atingindo-se no último o valor maisbaixo das exportações com 536 pipas. A tendência de descida manteve-se. A criseprovocada pela filoxera desde 1872 não se reflectiu de forma tão clara no comérciode vinho, uma vez que a tendência ascendente apenas se ressentiu entre 1878 e1883. A situação deve ser fruto da disponibilidade de vinhos em armazém261. Adenúncia disto encontra-se numa representação às cartas de 1823. O comérciodecaiu, mais de vinte mil pipas de vinho se acham em suas mãos, dos proprietáriose negociantes…. Enquanto tardavam as soluções os campos permaneceram aban-donados devido à emigração dos agricultores. A cultura da vinha entrou em francodeclínio, acelerado com as pragas do oídio em 1852 e da filoxera em 1872.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX358

257. Idem, t. 15, fols. 263/4; Arquivo da Assembleia da República, Cortes, maço 92, nº 32.258. Op. cit.259. ARM, RGCMF, t. 15, fols. 100vº-104.260. George-Thomas Staunton, An Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to the Emperor of China

(...), Londres, vol.I, 1797, pp.69-71.261. O vinho em depósito nos anos de 1852 e 1853 era, respectivamente, 5628 pipas e 3284 [Semanário Oficial, nº.8]

262.. Relatório Sociedade Agrícola do Funchal. Por Eduardo Grande, Agrónomo addido ao Governo Civil do Distrito doFunchal, Funchal, 1865

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alguns teve a arte de complicar o problema que naquelas condições nem chegava aser problema. Agora é preciso intervir e fixar o critério das quantidades a exportarpor cada exportador. Para a falta de juízo e de seriedade é que é muito difícil oGoverno arranjar remédio.

A Segunda Guerra Mundial (1939-45) marcou novo momento de dificuldadespara as exportações, por falta de navios no porto do Funchal264. O Governador Civil,José Nosolini, em carta de 27 de Novembro ao Ministro do Interior, considerava acrise do vinho como algo intransponível: Mas cana de assucar, vinhos, bordados,serão por muito tempo intransponíveis montanhas de dificuldade para a acção go-vernativa. A recuperação foi lenta, uma vez que só na década de sessenta se atingiuos valores de 1939. A tendência ascendente manteve-se até ao final dos anos seten-ta, altura em que entrou de novo em queda. A situação da última década do séculofoi de crescimento, continuando na nova centúria. Tal como afirmava AntoninoPestana265 os vinhos de grande qualidade como os da Madeira tinham sempre lugarà mesa dos tradicionais apreciadores: Finda a guerra, esvaziados todos os stocks, osvinhos licorosos da Madeira, recomendados sempre pela sua inexcedida qualidade,têm a sua hora no comércio do mundo.

O processo autonómico a partir de 1976 contribui para uma mudança radical nopanorama sócio-económico madeirense em que o vinho e a banana concorrem naprodução e exportações. A perda da posição favorável da banana no mercado conti-nental levou à desvalorização em favor do vinho, que assumiu uma posição domi-nante nas exportações, tornando-se num dos principais factores de animação daeconomia da Madeira. A perda de antigos mercados foi compensada com o ressurg-imento de novos ou a afirmação de outros como foi o caso do Japão. A proibiçãodo vinho a granel a partir de 2000 condicionou a evolução dos mercados de desti-no desta forma de exportação, não se reflectiu de forma significativa nas expor-tações.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 361

raram o panorama do vinho Madeira. A cultura perdeu importância no mundorural em favor da cana sacarina. Apenas a permanente demanda do vinho nos mer-cados europeus obrigou o madeirense a retornar à cultura da vinha. A Inglaterra eAlemanha disputavam a posição cimeira nas exportações. As guerras mundiaisalteraram a situação e criaram sérias dificuldades, provocadas pela paragem da nave-gação oceânica e perda do mercado alemão, um dos mais importantes desde finaisdo século XIX263.

Durante a Primeira Grande Guerra os efeitos da guerra submarina fizeram-sesentir nas exportações de vinho para os anos de 1917 e 1918. Em 1919, consumadasas pazes, o vinho retomou o ritmo de exportações em crescimento exponencial até1939. Na década de trinta o vinho foi uma das culturas mais afectadas pela crise. Em1935 Salazar, em carta ao Dr. João Abel de Freitas, de 23 de Maio e 1935, eviden-cia um correcto conhecimento da situação e ideias claras sobre a forma de reabili-tar o comércio do vinho: Para já tem pelo menos que regularizar-se a exportaçãoque tem sido uma vergonha. Conseguimos a muito custo reservar para a Madeirano acordo com a França um contingente muito superior à sua exportação e essefacto permitia o negócio normal em óptimas condições. Pois a falta de seriedade de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX360

Alfândega do Funchal. 19820.Colecção Perestrellos. Museu

de Photographia Vicentes.

263. Os dados mais importantes sobre o vinho no século XX podem ser encontrados em: José Tavares, Subsídios para oEstudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, Funchal, 1953, pp.33-36; PESTANA, Eduardo Antonino, Ilha daMadeira. II. Estudos Madeirenses, Funchal, 1970, As riquezas dos vinhos licorosos da Madeira, pp.233-236; RamonRodrigues, Questões Económicas, vol. II, Funchal, 1955, pp.87-89, 118-121; Benedita Câmara, A Economia da Madeira(1850-1914), Funchal, 2002.

264. Eco do Funchal, nº.7, 13 de Abril de 1941; Diário de Noticias, 21 de Julho de 1940, 28 de Fevereiro de 1943265. PESTANA, Eduardo Antonino, Ilha da Madeira. II. Estudos Madeirenses, Funchal, 1970: As riquezas dos vinhos

licorosos da Madeira, p.235.

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AAs instituições fiscais

O senhorio, entre 1433 e 1497, e a coroa empenharam-se no estabelecimento daestrutura fiscal. O primeiro interveio por meio do almoxarife, que tinha por missãofazia cumprir o estatuído no foral henriquino e regimentos senhoriais. O capitão foium dos usufrutuários, recebendo a décima parte das rendas senhoriais. Com ogoverno do infante D. Fernando a estrutura fiscal mostrou-se inadequada ao pro-gresso atingido pela economia e sociedade madeirenses, tornando-se necessáriocriar uma nova capaz de superintender a Fazenda Real na ilha. Foi assim que surgiua Contadoria. Em 1477 o surto das trocas com o exterior, motivado pelo progressoda cultura açucareira, conduziu a novo reajustamento com o aparecimento das alfân-degas, uma para cada capitania, ampliada em 1483, com dois postos alfandegáriosna costa além de Câmara de Lobos.

A coroa lançou a partir de 1499 um adequado sistema fiscal assente em duasinstituições: os almoxarifados da alfândega e dos quartos. A primeira intervinha nomovimento de entradas e saídas e na cobrança dos respectivos direitos, enquanto asegunda estava vocacionada para a arrecadação dos direitos que oneravam a colhei-ta de açúcar. Finalmente em 1508 deu-se nova reforma do sistema fiscal na Madeiracom o estabelecimento da Provedoria da Fazenda. Foi também com D. Manuel quese construiu a chamada Alfândega Nova do Funchal que substituiu a velha que fun-cionava em condições precárias no Largo do Pelourinho. A Alfândega manteve-seaí até 1961, passando no ano imediato a funcionar em novas instalações.

De entre os direitos arrecadados temos o dízimo sobre os rendimentos fixos ouqualquer valia, sendo na época de senhorio de usufruto do donatário e da Ordemde Cristo. À fiscalidade senhorial sobrepõe-se outra assente nas principais pro-duções com valor comercial. Dos cereais retirava-se o dízimo das colheitas, enquan-to que no vinho se pagava uma determinada quantidade do que fosse posto à vendanas tabernas, conhecido como a imposição do vinho (1485), cujo valor ia na totali-dade para as obras de enobrecimento da vila do Funchal.

A Alfândega do Funchal, dependência da Junta da Fazenda da ilha até 1834, con-trolava o movimento do porto do Funchal e a arrecadação dos direitos de entrada esaída. O Juiz mais velho controlava toda a acção e superintendia a Mesa Grande daAlfândega, onde se concediam as fianças para o embarque de entrada ou saída dasmercadorias266. Os guardas do número da alfândega267 zelavam pela regularidade doserviço, impedindo os roubos, contrabando268 e actos fraudulentos269. O feitor da

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 363A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX362

Alfandega do Funchal. 2002.Edifício inaugurado em 17 de Julho de 1962.

Colecção do autor

266. ANTT, PJRFF, nº 100/114.267. Idem, nº 12/17 (distribuição dos guardas de número).268. Idem, nº 237, fols. 201-202vº.269. Idem, nº 237, fols. 187-191vº (1782.Out.5 - regimento dos guardas de número).

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PPRREEÇÇOO EE DDIIRREEIITTOOSS DDAA PPIIPPAA DDEE EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO..11665500..11669999

TTiippoo vviinnhhoo 11665500 11668822 11668877 11669999PPrreeççoo DDiirreeiittooss PPrreeççoo DDiirreeiittooss PPrreeççoo DDiirreeiittooss PPrreeççoo DDiirreeiittooss

Superior 6.000 $666Inferior 8.000 $888

Todos tipos 12.000 1.333 8.000 888 18.000 2.000Malvasia 9.000 1$000 14.000 1.444 10.000 1.111 24.000 2.666Aguardente 20.000 2$220 34.000 2.666 20.000 2.222 40.000 4.444Vinagre 3.600 $400 6.000 666 4.000 444 6.000 666

Fonte: T. B. Duncan, Atlantic Islands, Chicago, 1972, p.44

No último quartel do século XVII voltámos a ter informação sobre o valor pago nasexportações do vinho. Na década de setenta a tendência era para a subida, contrariadaem 1779 por dificuldade de escoamento do vinho. A situação manteve-se na décadaseguinte, motivada pela grande demanda e consolidação do mercado norte-americano.

DDIIRREEIITTOOSS DDEE SSAAÍÍDDAA NNAA AALLFFÂÂNNDDEEGGAA DDOO FFUUNNCCHHAALL..11777755--11882200

AAnnooss VViinnhhoo SSeeccoo MMaallvvaassiiaa AAgguuaarrddeennttee VViinnaaggrree

11777755--11777766 4000 8000 4400 120011777777 4400 8800 5000 120011777788 4000 8000 4400 120011777799 3800 7600 5000 120011778800--11778833 4000 8000 5000 120011778844 4800 11200 5000 120011778855 5600 11200 5000 120011778866--11778877 5600 11200 5830 140011778888 11200 5430 120011778899 4800 11200 5430 120011779900--11779911 4400 9600 5820 140011779922 5800 11600 7000 160011779933 6000 11700 7000 160011779944 6000 1200011779955 550011779966 5800 11600 7000 160011779977 6000 11200 7000 200011779988--11880000 6000 12000 7000 200011880011--11880022 6500 13200 7000 200011880033 5000 13200 7000 200011880088 5000 1100011880099 6000 12000 6000 200011881100 7000 14000 6000 200011881111 7000 14000 6000 200011881133 7600 15200 6000 200011881166 7600 15200 6000 2000

11882200 7500 15000 6000 2000

A Junta procedia todos os anos entre Novembro/Janeiro à dedução dos preçoscorrentes da pipa de vinho281 estipulando o valor dos direitos de saída, depois deve-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 365

descarga assinalava a entrada270 das mercadorias apondo em cada a respectivamarca271, o selador o selo272 e o fiel dos armazéns manifestava a carga em armazém,das bebidas alcoólicas, por exemplo273. O feitor do embarque ordenava a saída dasmercadorias após a escrituração e lançamento do respectivo direito274. Todas asactividades275 e a arrecadação dos direitos de entrada e de saída estavam regulamen-tadas por regimentos, alvarás e as pautas gerais da Alfândega276.

No século XIX a cobrança dos direitos de exportação estava regulamentada porduas pautas: a geral e a inglesa. A última, feita de acordo com os tratados de comér-cio com a Inglaterra (1810), determinava privilégios especiais aos ingleses. Em 1837a nova pauta mereceu a contestação dos madeirenses, por permitir a entrada livrede vinhos e aguardentes do continente. A pertinácia dos madeirenses levou a umanova em 1841, que não alterava a legislação especial para a Madeira quanto ao vinhoe aguardentes. Seguiram-se outras pautas em 1856, 1860, 1885 e 1887277, que mere-ceram igual contestação.

Direitos de saida e entrada

A primeira referência sobre o lançamento dos direitos no vinho por saída data de1567, altura em que foi lançado um direito de 1% sobre o vinho que se carregassepara fora, ou, como se referia, certa cousa por almude no que se vender278. Em1647279 o direito passou para 400 réis a pipa e em 1669280 adicionou-se mais umcruzado, como tributo para as despesas da guerra. Depois só em 1777 voltamos ater referência ao imposto, quando em Janeiro se fez o tabelamento dos direitos parao ano corrente. A partir de então são assíduas as informações sobre o modo comose deduziam os direitos.

A partir do século XVII os direitos cobrados à saída da alfândega deixaram de serfixos, passando a ser determinados de acordo com a qualidade, distinguindo-se os vi-nhos para abastecimento das tripulações, de menor qualidade, o vinho seco, aMalvasia, aguardente e o vinagre. Os direitos eram estabelecidos de acordo com ovalor da pipa de exportação. Para a segunda metade do século XVII dispomos dealguns dados.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX364

270. Idem, nº 39/72.271. Idem, nº 117/145.272. Idem, nº 85/90.273. Idem, nº 80/84, 274. Idem, nº 245/255.275. Idem, nº 240, fols. 129vº-130.276. Destas últimas temos conhecimento das de 1782 [Idem, nº 242B.], de 12 de Outubro de 1831 [Vide Correio da Madeira,

nº 115, pp. 1/5.], de 1836 [ANTT, AF, nº 242B], de 10 de Janeiro de 1837 [Vide Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1.], de 11 deMarço de 1840 [Idem.], de 23 de Maio de 1843 [Correio da Madeira, nº 115, p. 1/5.], de 5 de Agosto de 1850. [Idem, nº103/7, 109/110] e a carta de lei de 12 de Dezembro de 1844 e 20 de Abril de 1845 [Vide Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1;J. Silvestre Ribeiro, Apontamentos sobre a cultura do vinho na Madeira, in Correio da Madeira, nº 113, pp. 2/4.].

277. Cf. o debate havido na Associação Comercial em Rui Carita, Associação Comercial e Industrial do Funchal, pp.48-57.278. ARM, RGCMF, t. velho, fols. 123-123vº.279. Idem, t. 6, fols. 80vº-81.280. Idem, t. 4, fols. 44-45.

Beberagem

281. ANTT, PJRFF, nº 237, fol. 41vº.

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os nomes de cada navio, de seu capitão, seu destino, e o número de pipas que leva.Em 1824291 algo corria mal na escrituração pois perante uma demanda entre o Juizda Alfândega e o Comandante da galera inglesa Larkins, acerca da existência abordo de mais de 5 pipas de vinho baldeados da galera Isabel Sompson, se desco-briu uma fraude na escrituração do vinho embarcado. O Juiz clamou por uma refor-mulação dos métodos de escrituração dos livros de registo de exportação de modoa evitar danos à Fazenda Real.

Os estrangeiros e, de modo especial, os ingleses serviam-se de vários subterfúgiospara se subtraírem ao pagamento dos direitos. A um deles se refere em 1779292 numinforme sobre os direitos do vinho, onde se dizia que o vinho era comprado sempreço, solicitando ao Juiz da Alfândega a autorização ou franquia para a saída, ou,então, abriam a exportação sobre a fiança de 4.000 réis por pipa, valor que ficavadepois da avaliação. A intenção era não tanto somente para fraudar a Real Fazenda,mas para com o baixo preço o fazerem toda a venda dos portugueses, quando naverdade nenhum dano têm os ingleses porque como os vinhos dão de comissão, eos carregão pelo duplicado preço, porque os comprão posto a bordo, nem lhes éirregular para os assentos que pateticamente querem introduzir, nem para prejuízo,pois só os pobres e ignorantes comitentes o tem, e estes da ilha o grande lucro.

O suborno poderia ocorrer, como sucedeu ao ex-provedor, então Juiz daAlfândega: Estes estrangeiros estão muito mal acostumados do tempo da provedo-ria, cujo provedor, agora juiz da alfândega sendo ainda seu conservador lhes faziatudo quanto querião... chamava-os à Mesa para eles mesmos dizerem os preços dosvinhos que havião de despachar, quando e só deverião ser chamados as pessoas jus-tas e desconhecidas.

Perante as desordens que se repetiam de ano para ano, só uma solução seria pos-sível com o estabelecimento do preço de custo invariável, como da pauta, ou seja afixação de um direito de saída293. A medida de preço fixo havia sido solicitado emOutubro de 1799 pelos comerciantes numa representação em que reclamavam novaregulamentação segundo o processo de 1776 em que o preço foi fixado em 4.200réis294. A Junta decidiu taxar os direitos por um período de quatro anos com a finali-dade de ao fim do período apresentar conta da necessidade de os aumentar oudiminuir. Os direitos ficaram assim distribuídos:

4.000 réis para o vinho de embarque, 8.000 réis para a Malvasia, 5.000 réis para a aguardente 1.200 réis para o vinagre295.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 367

riam ser remetidos ao Erário Régio para aprovação. No aviso referia-se, nomeada-mente, os preços correntes da pipa de vinho282, o aumento ou diminuição da co-lheita283 e o estado do comércio do produto284. A aprovação do Erário Régio tarda-va, obrigando a Junta a aplicar a nova tabela dos direitos com carácter provisório,enquanto não houver resolução em contrário, dizia-se. Em 15 de Setembro de1798285 a nova tabela de direitos, foi enviada para aprovação e só a 2 de Junho de1799 mereceu o acordo do Erário. O pedido de 24 de Outubro de 1801286 teve a 30de Dezembro a requerida aprovação. Se a Junta tardasse em enviar o mapa e fizesseassento do novo direito estipulado sem dar conta ao Erário era repreendida, talcomo sucedeu em 1792287.

Na Alfândega do Funchal estava montado um complicado sistema administrati-vo para arrecadação dos direitos. A Junta erxercia vigilância e controlo directo doslivros de escrituração adoptados288, através da solicitação permanente dos mapas desaída do vinho289. Em ordem ao administrador da Alfândega de 1790290 referia-se queno fim de cada mês uma exacta do vinho que tiver embarcado no mês, declarando

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX366

Sala do Despacho da antigaalfândega do Funchal.

Foto Duarte Gomes

282. ANTT, PJRFF, nº 942, p. 139, p. 139, 171, 228.283. Idem, nº 942, p. 143; nº 411, pp. 238/9, 215.284. Idem, nº 411, pp. 256/7.285. Idem, nº 942, p. 191.286. Idem, nº 942, p. 212.287. Idem, nº 761, p. 171.288. ANTT, AF, nº , fol. 29-60.289. ANTT, PJRFF, nº 406, fols. 31vº-32; idem, AF, nº 241, fols. 166, 217-218; nº 238, fol. 35vº.290. Idem, nº 403, p. 65.

291. ANTT, AF, nº 240, fols. 129vº-130.292. ANTT, PJRFF, nº 411, pp. 120/3.293. Idem, nº 414, pp. 130/133.294. Idem, nº 941, fol. 10.295. Idem, nº 770, pp. 79/80.

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pois sendo este mais, lucra sem o que baixa a indústria e cultura do paíz. Perante acrise estabeleceu-se em 1825 uma redução nos direitos para metade305.

Em 1832 o escrivão da Fazenda, J. Eustáquio de Sousa, face à proibição da entra-da da aguardente, decidiu onerar os vinhos com os direitos pagos pela aguardenteentrada, beneficiando o sogro que era cobrador da dízima, e negando-se a cumprira lei de 28 de Novembro de 1821306. Contra isso manifestou-se O Sentinela do Eráriono Patriota Funchalense307, tendo recebido o apoio do redactor do jornal, N. C.Pitta308, em comentário: Quando todas as nações isentão de direitos os géneros, quesão o objecto do seu comércio e cuja exportação é necessária para promover ariqueza dos povos, nesta nossa província vemos que dependendo o giro mercantilnão só a sua prosperidade, mas sua subsistência, de que se exportem nossos vinhos,único objecto de nosso comércio, a ambição, ou pouca inteligência do governo, nãotem cessado de dificultar indirectamente aquela exportação, exigindo direitos exor-bitantes, que parecem destinados a definhá-la, e que na verdade a tem nestes últi-mos anos entorpecido309.

Em reunião dos comerciantes foi decidido manter os direitos sendo o excedenteusado na obra de construção do molhe do porto do Funchal. Tal procedimentomereceu o desacordo de Hum Observador Imparcial que considerava de pouca util-idade para o comércio a construção do molhe, sendo mais útil a diminuição dosdireitos310. Para O Mercator o projecto de molhe era uma gaiola para apanhar mel-ros, pois a ilha necessitava mais de protecção do comércio, através da diminuiçãodos direitos e os encargos na Alfândega311. Para Hum Vilão do Campo o projecto domolhe era útil mas podia ser feito sem a oneração dos vinhos312. Finalmente HumCidadão não via qualquer utilidade na diminuição dos direitos do vinho, pela sim-ples razão de que daí não vinha benefício algum com a baixa de 8.700 réis para5.000313.

De acordo com a Pauta Geral de 1837 o direito de exportação passou para 4.800réis, juntando-se, por lei de 25 de Abril de 1845, mais 7% e, por lei de 12 deDezembro de 1844, os 5% adicionais e 3% para a caixa dos emolumentos, per-fazendo um total de 5.536 réis314 no vinho exportado para os portos estrangeiros,enquanto que para o continente e colónias ficava por apenas 2.076 réis. Uma repre-sentação dos deputados da Madeira sobre a extinção dos direitos do vinho apre-sentada em Cortes em 1867 levou à aprovação de uma medida favorável, votada emsessão das Cortes315.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 369

Por alvará de 31 de Maio de 1800 foi criado um novo imposto que, por decretode 6 de Setembro de 1800, teve aplicação na Madeira. Os madeirenses, habituadosao antigo sistema, protestaram junto da Junta em 14 de Outubro de 1801. A Juntaem conta de 20 de Novembro alude ao protesto anuindo com as pretensões porquepara além das muitas e pesadas penções que sofre o comércio é excessivo o preçodos vinhos, o que é muito bastante para retardar as suas operações e redefinir (sic)(reflectir?) no rendimento n’alfândega que depende de uma pronta e excessivaexportação296.

Por provisão de 4 de Maio de 1802297 mandou-se aplicar o valor dos direitos dovinho em outros géneros manufacturados estrangeiros, diminuindo em uns e acres-centando em outros298. A Junta, em conta de 22 de Junho299, refere a provisão com-prometendo-se a averiguar os géneros onde deveria incidir o aumento300. A Junta,antes de conhecida a provisão, enviara outra aludindo que a diminuição muito facili-ta o comércio e anima em consequência a agricultura do paíz 301.

De acordo com representação da Junta de 1815302 os direitos de exportaçãoaumentaram desde 9 de Outubro de 1803 em 1.200 réis por pipa sendo a somausada na construção das muralhas das ribeiras. Aqui refere-se o modo como se regu-lavam os direitos: Além d’aqueles impostos estabelecidos pelas sabias leis de 27 deJunho de 1808, 3 de Junho de 1809, foi maior aumento dos direitos por saída, resul-tado acontecido de régia provisão de 28 de Setembro de 1808, que tornando arbi-trário os preços de 50 rs por cada pipa de vinho seco, 100 rs por cada dita de mal-vasia, 600 rs por cada dita de aguardente da terra e de 2.000 rs por pipa de vinagre,antes fixo por decreto de 11 de Agosto de 1802, até a quantidade 3.700 rs sobrecada uma de vinagre, que se tem cobrado na Alfândega, cuja diferença por si só émuito maior que o produto calculado dos dois impostos consultados.

Em 1817 os comerciantes estavam em desacordo com a provisão de 28 deSetembro de 1808303 pretendendo um direito fixo de 5.000 réis por pipa, de acordocom o estipulado em 11 de Agosto de 1802. A Junta deu em 20 de Junho304 contado requerimento dos comerciantes em ofício ao Governador, informando, que noprosseguimento das medidas de diminuição dos direitos do vinho, havia sido com-pensada a redução com o aumento em 10% da importação de fazendas de luxo. Amedida guiou-se por certos princípios: O país que consome o género, é quem pagaos direitos, que se lhe carregão, mas sendo certo que quanto menos for o custo, maisserá o consumo, é política de acção que exporta, anima com baixa direitos a saída,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX368

296. Ibidem, nº 762, pp. 10/11.297. Idem, nº 762, pp. 36/7, em nota à margem refere tal provisão registada no Lº 3 de Ordens do Erário Régio, fol. 131.298. Idem, nº 762, pp. 36/7.299. Idem, nº 762, pp. 36/7.300. Ibidem, nº 762, pp. 36/7, em nota à margem refere que foi decidido por provisão de 13 de Setembro de 1802 que acom-

panha o decreto de 11 de Agosto que fixa os direitos - Lº 3 das Ordens Expedidas pelo Erário Régio, fol. 131.301. Ibidem, nº 762, p. 52, refere provisão de 13 de Setembro de 1802.302. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3714.303. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 65-65vº, refere à margem que está no livro 3 de ordens expedidas pelo Erário Régio, fols.

175/6.304. Ibidem, nº 763, fols. 65/65vº.

305. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.99306. Patriota Funchalense, nº 163, pp. 1/3.307. Ibidem, nº 158, pp. 1/3.308. Idem, nº 161, pp. 1/2.309. Idem, nº 161, p. 1.310. Idem, nº 163, pp. 1/3.311. Idem, nº 165, pp. 3/4.312. Idem, nº 165, p. 2.313. Idem, nº 167, pp. 2/3.314. Vide Gazeta da Madeira, nº 68, p. 1; Correio da Madeira, nº 113, pp. 2/4.315. Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1.

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cometida na mudança do destino era punida com multa de 60 dias de cadeia e50.000 réis para a fortificação322. Em 1821 os direitos de exportação eram de 2.400réis por pipa, quando embarcados para portos nacionais, mediante a apresentaçãode uma certidão e guia da respectiva Alfândega onde desembarcassem323.

Em 1822324 o negociante Pedro Santana havia afiançado na Alfândega a descargado vinho para o Rio de Janeiro e Lisboa. Terminado o prazo de entrega da provafoi obrigado a pagar a outra metade dos direitos. O mesmo reclamou da decisão decobrança, solicitando em requerimento a prorrogação do prazo para mais 8 meses.Em 1825325 os direitos cifravam-se em metade, abrangendo o Brasil, reino e ilhas,mas limitando-se apenas às embarcações nacionais ou brasileiras326.

O vinho que ia de roda a envelhecer à passagem na região tropical, no porão dasembarcações e voltavam para ser reexportado estava igualmente isento de direitos.O consignatário apenas solicitava à Mesa Grande da Alfândega crédito ou fiançapara embarque. A situação colocou entraves à arrecadação dos direitos reais, poiscomo refere a Junta em portaria ao Juiz da Alfândega, os vinhos de roda são umailusão manifesta e prejudicial aos reais interesses na cobrança dos direitos em Mesae mesmo dos créditos, ou fiança, legalmente concedidos327. Mais salientava que a

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 371

A pauta regulamentadora de 1850316 movimentou os interesses dos madeirenses.Os deputados em representação às Cortes pediram a redução dos direitos317, sendosecundados pela imprensa. Para Um Vinhateiro Madeirense a causa da desgraça dailha estava na pauta e por este modo as nossas finanças piorão progressivamente elevar-se-á ao cabo a nossa desgraça neste vale de lágrimas318. Outra voz expressava-sedo seguinte modo: A pauta dificulta a venda e troca dos nossos vinhos; a pauta nãodeixa procurar novos mercados; a pauta é um obstáculo ao comércio; a pautafavorece o contrabando; a pauta nada aproveita à indústria; a pauta é incompatívelcom o estado da Madeira porque é contrária e danosa à agricultura que é o primeirodos interesses materiais, logo é urgente a redução da pauta e direitos moderados “advalorem”, a exemplo de Espanha, que tem nestes últimos tempos dados grandespassos em Economia Política319. Para N. C. Pitta, em The Ocean Fower (1845), afelicidade e prosperidade da Madeira dependia da redução da pauta: Quando tiverlugar a inevitável redução da pauta, a Madeira será uma pequena Inglaterra320.

Os vinhos embarcados na ilha com destino aos portos do reino e colónias nãopagavam direitos321 e quando sucedia era apenas de metade. Os comandantes dosnavios para usufruírem da regalia deviam declarar o destino, apresentando depois acertidão do desembarque num prazo de seis meses. Toda e qualquer infracção

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX370

Portão dos Varadouros poronde entravam as mercadorias

para a alfândega.Foi demolido em 1911.

Museu de PhotographiaVicentes

316. Correio da Madeira, nº 103/107, 109/110.317. Idem, nº 97, pp. 2/3.318. Idem, nº 107, pp. 3/4.319. Correio da Madeira, nº 116, p. 1.320. Idem, nº 97, p. 3.321. Prática que vinha de 1679, vide ANTT, PJRFF, nº 396, fols. 70vº/71.

Porto do Funchal.Postal antigo

322. ANTT, AF, nº 237, fols. 178vº/9.323. Idem, nº 241, fols. 24-24vº, 42vº.324. Idem, nº 240, fol. 46.325. Idem, nº 241, fols. 24-24vº, 42vº.326. Em 1832 António Faustino da Costa que tinha uma remessa de vinho para enviar a Macau no bergantim Delfim, viu-se obri-

gado a conduzir apenas parte da quantia referida, ficando por embarcar 70 pipas, a que pediu o reembolso da soma gastanos seus direitos, por não estar autorizado a transportar em navios estrangeiros; vide ANTT, AF, nº 241, fols. 204/204vº.

327. ANTT, PJRFF, nº 406, fol. 98.

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temos uma ordem de 1819335 da Junta à Alfândega autorizando os comerciantes aembarcarem vinho em diferentes vasilhas com tanto que declarem a totalidade dosalmudes. Os guardas da casa do embarque deveriam seguir as recomendações pois,caso contrário, seriam punidos com a suspensão do ofício. A medida foi um incen-tivo ao dolo da classe mercantil, que procurava todos os meios para escapar aosdireitos. Assim, o entendeu em 1824336 o Juiz da Alfândega ao notar uma diferençade 2 almudes de vinho em 18 vasilhas de embarque. Mas, a Junta viu nisso um aba-timento ocasional provocado pela viagem para o embarque, ordenando o despachoimediato.

Os vinhos e mais bebidas alcoólicas, quando permitida a entrada, madeiras paraa tanoaria pagavam direitos. Para o lançamento dos direitos procedia-se à avaliaçãodos produtos de acordo com o estipulado em pauta. A primeira referência surge em1803, ordenando-se a cobrança de 10% em madeira, pacas, pregos de ferrar pipa,quarto e quartola337. A medida foi confirmada em 1826338 com o cumprimento doparágrafo quinto do alvará de 4 de Junho de 1825. Os artigos ingleses, mercê dasmedidas de privilégio emanadas nos tratados, tinham avaliação separada, sendo em1811339 de apenas 15%. Numa certidão de 1814340 temos referência aos direitosdeduzidos às mercadorias molháveis entradas na Alfândega no ano anterior:

aguardente de cana 4019.945 réisgenebre 60.000 réisvinhos estrangeiros 182.472cerveja 910.000 réislicores a 24% 4.320whisky 242.550 réis aguardente a 24%, 27.896.160 réis

O vinho era ainda onerado com diversos emolumentos. Desde 1816341 temos oencargo de 200 réis por cada casco de vinho para o feitor das provas do vinho expor-tado e importado. Segundo informação de 1817 estamos perante um donativo vol-untário, visto terem-se prestado a isso os negociantes sem que fique este emolu-mento com a natureza daqueles estabelecidos pelo foral, mas sim como voluntárioenquanto os mesmos negociantes o quiserem prestar342. Podemos ainda adicionar osemolumentos do patrão-mor da ribeira [1784/1798]343 e outros mais como nos elu-cidam os livros da alfândega [1806/1818]344.

O peso das imposições que oneravam as exportações de vinho foi, por diversas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 373

saída de vinho de roda que espaçadamente se exporta para consumo externo.Perante isto a Junta ordenou a proibição do despacho de qualquer vinho nestascondições. No entanto em 1832328 tal medida proibitiva havia já sido levantada, poisLeal Araújo e outros comerciantes solicitaram à Mesa Grande crédito para 200pipas de vinho embarcadas para a Rússia e 100 para os Estados Unidos da Américado Norte por roda da Índia.

Outro subterfúgio usado pelos comerciantes, para se furtarem aos direitos, era abaldeação à vela junto ao porto, ou mesmo dos barcos ancorados. Baldeavam-se vi-nhos das Canárias, dos Açores e mais fazendas. Em 1775329 gerou-se um conflitoentre os guardas da Alfândega e o comandante da fragata dinamarquesa, quando nafiscalização a bordo se encontraram algumas mercadorias (vinho, latas de chá, bar-ricas de aguardente) baldeadas da fragata de guerra Coventry sem que se tivessepago qualquer direito. Em 1777330 estipulou-se que o direito de baldeação das mer-cadorias proibidas na ilha era de 111/9 %. Em 1819331 o acto estava, de novo, isentode direitos. Sucedeu que o capitão Roberto Bullon, da escuna inglesa Funny, emviagem de Gibraltar para a Terra Nova, trazia a bordo doze quartolas de vinho deEspanha, que por não poder vender na ilha o fez ao capitão do bergantim inglêsExmanth, Edward B. Oldaham, que seguia para a Jamaica. A Junta, em resposta aorequerimento do visado, declara que o acto foi uma baldeação e por isso estava isen-to de direitos.

A não uniformização do vasilhame de embarque do vinho causava graves incon-venientes na Alfândega aquando da estimação do vinho para serem lançados os di-reitos. Daqui resultou a necessidade de estabelecer medidas no sentido de por cobroaos inconvenientes. A Junta por edital de 1687332 ordenou que todos os barris ecaixões que fossem para bordo dos navios deveriam ser marcados e assinalados. Em1762333 o holandês Miguel Noulan carregou 10 pipas de vinho de 30 almudes, sendoconsiderado pela Junta com a medida corrente de 23 almudes. O cônsul inglês ehomens de negócios apresentaram um protesto, notando o engano que experimen-tavão nos vinhos que compravão por pipa pela incerteza da medida delas.

Por provisão régia ordenou-se ao Juiz da Alfândega que levantasse o embargo emantivesse a medida de 23 almudes de modo a não afugentar os comerciantes,embaraçar a saída dos vinhos de que resultaria grave prejuízo à Fazenda Real. Em1818334 retomou-se a ordem de 1687 ordenando-se que todas as pipas que se embar-cassem desde 1 de Janeiro de 1819 levarão a marca dos galões inteiros, ficando osmesmos despachantes sujeitos a todas as penas de extravio dos reais direitos, alémde se lançarem os créditos àqueles que o tiverem, no caso que por algum modo severifique algum dolo ou malícia. Em abono da medida e da questão surgida em 1761

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX372

328. ANTT, AF, nº 241, fol. 225vº.329. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 447/8.330. ANTT, AF, nº 237, fol. 168.331. Iem, nº 239, fol. 137vº.332. ANTT, PJRFF, nº 970, fols. 22vº-23.333. Idem, nº 970, fols. 18-18vº.334. ANTT, AF, nº 239, fol. 114.

335. Idem, nº 239, fol. 133vº.336. Idem, nº 240, fol. 111vº.337. Idem, nº 238, fols. 52vº-53.338. Idem, nº 241, fols. 60vº, 74; vide ANTT, PJRFF, nº 764, fols. 123-124.339. Idem, nº 239, fols. 36/46, nº 242.340. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3376.341. Idem, nº 239, fol. 58vº.342. Idem, nº 239, fol. 69vº.343. Idem, nº 237, fols. 228-229vº; nº 238, fols. 18-19vº.344. Idem, nº 238, fols. 91vº-92; nº 239, fols. 98vº-99.

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Áreas e circuitos

O mercado do vinho da Madeira estava nas colónias inglesas da América e Índia.A Madeira situava-se no traçado da rota dos grandes comboios da Índia e Antilhas.Em 1788 um comboio de 70 navios carregou 2.000 pipas, e outro, que saiu em 1799de Portsmouth com destino às Índias Ocidentais, comandado por Roger Curtis,com 96 navios carregou 3.0411/2 pipas. Nas duas últimas décadas do século XVIIIdispomos de informação elucidativa sobre os principais mercados do vinhoMadeira. O mercado colonial no Atlântico e Índico domina.

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO.. 11778800--11779999DDeessttiinnoo VVIINNHHOO

PPiippaass %%AAmméérriiccaa ddoo NNoorrttee 44484 18AAmméérriiccaa ddoo SSuull 45924 18ÍÍnnddiiaass oocciiddeennttaaiiss 103703 41ÁÁssiiaa 48673 19ÁÁffrriiccaa 1757 1EEuurrooppaa 8127 3TOTAL 252668FONTE: FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas, O Vinho da Madeira no Século XVII. Produção e Mercados

Internacionais, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, 1986, Funchal, 1989, vol. II, pp.935-965

A primeira metade do século XIX foi marcada por mudanças no mercado con-sumidor. Foi o período de ruptura do Velho com o Novo Mundo. O mercado colo-nial cede lugar ao europeu. As colónias, agora em processo rápido de quebra dosvínculos europeus, afastavam-se dos circuitos de distribuição do vinho Madeira. Ailha acompanhou o processo indo ao encontro dos apreciadores de regresso aovelho continente.

Os portos da Índia, Antilhas e EUA deram lugar aos europeus: Londres,Hamburgo, S. Petersburgo, Amsterdão, como testemunha Álvaro Rodrigues deAzevedo em 1873 ao afirmar que estes vinhos, entre 1830 e 1840, foram ganhandoimportância nos mercados das cidades hanseáticas, Rússia, Holanda e outros portosda Europa, nos Estados Unidos da América. Os dados de exportação confirmam aviragem do mercado a partir de 1831.

O mercador tinha uma função importante na economia vitivinícola, dele depen-dia a definição dos circuitos comerciais do vinho e a preparação do vinho a serexportado. A intervenção do inglês a partir do século XVII provocou alterações,mercê da actuação no processo de vinificação. Deste modo adquiria o vinho emmosto para depois proceder aos tratamentos adequados de acorco com o gosto dosmercados de exportação.

Os tratados luso-britânicos asseguraram a hegemonia da feitoria britânica no

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 375

vezes, apontado como a origem da crise e falta de capacidade concorrencial no mer-cado externo. Aconteceu assim no princípio da década de vinte e na de cinquentado século XIX345. O peso negativo dos impostos voltou a sentir-se a partir de 1868com o tributo lançado para amortizar o empréstimo da construção do porto doFunchal. A concorrência dos portos das Canárias fazia-se sentir, provocando odesvio das embarcações em trânsito. A guerra às pautas estava na primeira linha decombate de animação do movimento do porto do Funchal.

Os réditos arrecadados com a exportação do vinho eram elevados e durantemuito tempo dominaram as exportações. Em 1813, com um embarque de menosde vinte mil pipas de vinho, os lucros da alfândega foram elevados, representando89,6% da receita346. Passado mais de um século o vinho perdeu importância mascontinuou a pesar na balança das exportações com 43,2%, sendo superado naeconomia interna para a manteiga347.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX374

Sistema de engarrafamentode vinhos da UniãoVinícola da Madeira

[século XIX].Museu de Photographia

Vicentes

345. Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.90, 93, 110, 119, 137-142, 166,225, 247.

346. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.97347. Peres Trancoso, O Trabalho Português I- Madeira, Lisboa, 1928, pp.38, 40.

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Antilhas continuaram ainda a fazer escala pela Madeira onde tomavam grandesquantidades de vinho. Quasi todas as pensões militares (messes) nas Índias, tantopara os oficiais indígenas como para os ingleses se forneciam de vinho da Madeira;além d’isso durante a primeira metade d’este século, se faziam embarques para aAmérica, a Rússia, a Alemanha348.

As vias de escoamento articulavam-se de acordo com as rotas atlânticas. O mer-cado europeu, definido pela Inglaterra, Lisboa e Norte da Europa, ficavam no pro-longamento das rotas americanas ou inglesas. As Índias Ocidentais e América ingle-sa enquadravam-se nas rotas do tráfico atlântico, enquanto as Índias Orientais ali-nhavam-se de acordo com o rumo dos comboios asiáticos.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 377

comércio do vinho da Madeira. A ocupação inglesa da ilha nos primeiros anos doséculo XIX não foi ocasional. Da defesa dos interesses da feitoria passou-se aoreforço da acção, consignada no tratado de 1810, por isso os ingleses surgem nosanos imediatos com uma posição cimeira nas exportações, controlando mais de50% do vinho exportado.

A crise oitocentista provocou a debandada geral do mercado inglês ou americanoe só ficaram aqueles com interesses noutros sectores. Como corolário disso tivemoso desaparecimento das sociedades familiares e o aparecimento de associações,como a Madeira Wine Association (1925) que absorveu, nos anos imediatos, maisde trinta casas. Na actualidade o comércio do vinho é assegurado por novas empre-sas, criadas no rescaldo da crise do comércio do vinho, sendo três (Henriques &Henriques Lda., H. M. Borges Sucessores Lda., Vinhos Justino Henriques Lda.) oelo de continuidade com o passado. As demais (Madeira Wine Company, VinhosBarbeito Madeira Lda., Pereira d’Oliveira Vinhos Lda., Artur Barros & Sousa Lda.foram criadas a partir dos escombros de vetustas casas ou adegas particulares

O Madeira embora conhecido desde muito cedo no mercado europeu,nomeadamente em França, Inglaterra, o certo é que foi nas colonias que adquiriumaior volume de consumo tornando-se no vinho para o colonialista europeu. O pre-domínio do mercado colonial manteve-se ao longo do século XVIII, alterando-seem finais do século e princípios do seguinte com as alterações da conjuntura. OWine and Spirit News dá conta disso: Depois da guerra cessaram os grandes com-boios da Índia e das Antilhas; mas os navios que faziam a viagem da Índia e das

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX376

Sistema de engarrafa-mento de vinhos da

União Vinícola daMadeira [século XIX].

Museu de PhotographiaVicentes

348. D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., p. 27.349. A. Silbert, ibidem, pp. 427/428.

Entre 1777 e 1782 evidencia-se o predomínio do mercado colonial inglês naAmérica com cerca de 2/3 do vinho exportado, atingindo 9.297 pipas em 1780,cerca de 85% do volume de exportação do ano. Em segundo lugar mantém-se omercado asiático, logo seguido do europeu e africano, com números reduzidos. Em1787 aumentou o desnível dos mercados americano e asiático em relação aoeuropeu e africano. A América era o principal consumidor do vinho da ilha, desta-cando-se as colónias inglesas com 3.700 pipas em 1785, 2.800 em 1786, 4.184 em1787, ou seja metade do vinho saído para aí349. O centro de consumo estava nasAntilhas: o Madeira era a bebida alcoolizada mais difundida. Bebia-se geralmente

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esteve sempre comercialmente sob a influência inglesa355.Para o período compreendido entre 1789 e 1801 os mapas de exportação eluci-

dam sobre as áreas de consumo do vinho da ilha356. Mantém-se o predomínio daAmérica, nomeadamente a região central, as chamadas Índias Ocidentais, comdestaque para alguns mercados, que assinalámos por ordem decrescente de valor:Jamaica, Barbadas, Martinica, Santa Cruz, St. Eustachio, St. Vicent, a América doNorte com Boston, Filadélfia, Virgínia, Terra Nova, New York, Charlston, Baltimor.No Oriente o maior volume exportado surge sob o designativo de Ásia ou comreferência mais restrita a Bengala, Bombaim, Índia, China. A Europa aparece comvalores bastante inferiores, destacando-se os portos portugueses de Lisboa, Porto,Setúbal, e outros, como Gibraltar, Granada, Marselha, Londres. Mais reduzido é ovalor dos portos africanos, com Cabo Verde, Garnizé, Mogador. O mercado dovinho estava, assim, Índias Ocidentais [com Jamaica, Barbados, Grenade],Filadélfia, N. York, Ásia.

A primeira referência à exportação de vinho para a Rússia data de 1793, mas apresença na corte russa era de há muito tempo. Em 1787357 havia-se firmado umtratado comercial entre as duas potências. Em 1811358 temos notícia da saída dobergantim português Ana e José com 190 pipas de vinho, 20 quartolas e 1 quarto,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 379

no “sangaree”, mistura de vinho, água e sumo de limão.350 Os Estados Unidos apre-sentaram-se em 1784 com 739 pipas, 921 em 1785, 289 pipas em 1786 e 1.791 em1878. A preferência pelo vinho da Madeira nas plantações do Sul e área vizinha deNova York era uma realidade351.

As Índias Orientais podem ser consideradas um mercado de grande importân-cia. Para aí saíram em 1785 3.000 pipas, 2.730 em 1786 e 3.899 (36%) em 1787. Aeste propósito comentava A. Silbert Para os ingleses, se o Porto é o vinho da metró-pole, o Madeira é o vinho das Antilhas, mas também o das Índias. Um dos privilé-gios dos capitães de navios das Índias era o direito de importar 2 pipas de Madeira,e o Madeira corria em abundância, com o champanhe, à mesa dos seus pas-sageiros352. O movimento de exportação de vinho para o Oriente assumiu estaimportância na década de setenta do século XVIIII353. Em 1770 o número de pipasexportadas não ultrapassava as 700 pipas. Segundo o cônsul francês354 a partir de1773 os ingleses aumentaram as exportações, tendo saído em 6 navios 1.500toneladas de vinho seco para Bombay, Madras, Bengala. Mais uma vez A. Silbertcomenta: … a parte preponderante dos territórios britânicos no consumo do vinhoda Madeira exprime-se por uma proporção impressionante: representa, cerca de1786, os 2/3 do consumo total na quantidade e no valor. A Madeira ilha Atlântica

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX378

Sistema de engarrafamentode vinhos da União Vinícola

da Madeira [século XIX]Museu de Photographia

Vicentes

Transporte e caixas.Colecção Perestrellos. Museude Photographia Vicentes.

350. Idem, p. 109351. Idem, p. 108352. A. Silbert, ibidem, p. 109353. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 231.354. A. Silbert, ibidem, pp. 109-110.

355. Idem, p. 112.356. Confronte-se em anexo desta parte, quadros.nº.2, 3.357. ANTT, PJRFF, nº 237, fols. 253vº-270; idem, AF, nº 239, fols. 1-2vº, 146vº-147vº.358. ANTT, AF, nº 238, fols. 170-170vº.

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cado nórdico com Londres, S. Petersburgo, Hamburgo. Ao mesmo tempo denota-se o alargamento da exportação a novas áreas da América do Sul para além doBrasil, como Buenos Aires e Montevideu. Segundo A. R. Azevedo estes vinhos, nadécada de 1830 a 1840, se foram de mais em mais acreditando nos mercados dascidades hanseáticas, Rússia, Holanda e outros portos da Europa, e nos EstadosUnidos da América. Estes importavam umas 4.200 pipas anualmente, e o impériomoscovita 2.000; os outros países, cerca de 3.000365. Os dados colhidos a partir de1831 assim o confirmam. Acontece que o predomínio do mercado nórdico, com aRússia e Londres à frente, não acarretou quebra no total das exportações para os ve-lhos mercados coloniais, como a Índia, Jamaica e W. Índias, N. York.

Londres surge entre 1831/1834 com um número significativo de pipas impor-tadas. Idêntica foi a situação de S. Petersburgo em 1832, que entre 1833 e 1839suplantou o mercado londrino. O mercado de Hamburgo apresenta-se igualmentecom valor significativo. O facto mais saliente resulta da quebra momentânea dasexportações para o mercado colonial das Índias Orientais e da América do Norte.Em meados do século XIX era ponto assente o domínio do mercado europeu noconsumo do vinho Madeira. O norte-americano, que desde 1830 se afirmara comoum cliente destacado, volta a evidenciar-se em 1849 e 1850. A situação deverá resul-tar do aumento do tráfico entre os Estados Unidos e a Inglaterra, em que a Madeiraassumia uma posição privilegiada366. O consumo do vinho aumentou de modoespectacular até 1833 declinando entre 1834/1842 para subir em 1843, 1847, com

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 381

mais 2 pipas de vinho seco, 2 pipas de malvasia para S. Petersburgo. A intensificaçãodo movimento a partir da Madeira só se processou a partir de 1813359, coincidindocom a prorrogação do tratado360.

O movimento do vinho para o mercado colonial europeu manteve-se na possedos ingleses, que dispunham de uma frota naval poderosa361. Entre 1784 e 1786dominavam os circuitos de transporte com 61 embarcações em 1784, transportan-do 3.365 pipas de vinho, 74 navios em 1785 com 4634 pipas, e 86 em 1786 com4.619 pipas. Em 1787 o domínio inglês foi secundado pelos portugueses e ameri-canos, a que se seguiram as francesas, dinamarquesas, holandesas, espanholas e sue-cas. Em meados da centúria verificou-se uma valorização das embarcações nacionaisno movimento de exportação para as Índias Orientais, com a intervenção de InáciaQuintela362 e de D. Guiomar de Sá Vilhena. A última embarcou em 1784 no bergan-tim Nª Sr.ª de Penha de França, com destino à Ásia, 587 pipas e no bergantim NªSr.ª das Neves e Stº António 230 pipas para os portos de Bengala e Calcutá363.

O predomínio das embarcações inglesas acentuou-se entre 1822 e 1824 sendosecundados pelos americanos. As francesas, holandesas, portuguesas, sardas, dina-marquesas, suecas carregaram pequenas quantidades. O facto confirma o pre-domínio mercantil inglês após os acordos vantajosos de 1808 e 1810 estabelecidoscom Portugal por força das invasões francesas. Ao mesmo tempo denota uma que-bra na esfera mercantil portuguesa.

A primeira metade do século XIX foi pautada pela alteração na geografia domercado consumidor do vinho da Madeira. Foi o período de ruptura entre o velhoe o novo mundo, em que o mercado colonial cedeu lugar ao europeu do Norte. Ascolónias foram suplantadas pela mãe-pátria e abandonaram o consumo do vinho daMadeira em favor de outros produzidos nas novas áreas vitícolas além Atlântico,como era o caso do Cabo da Boa Esperança. O colonialista inglês “regressado” aovelho continente não abandonou o Madeira: A maravilhosa qualidade do vinho pro-duzido sob estas novas condições logo atraiu a atenção dos oficiais Ingleses na suaviagem para ou de regresso das Índias Orientais ou Ocidentais, os quais presente-mente levaram a moda de beber Madeira para Inglaterra e depois para toda a comu-nidade de língua Inglesa. O resultado foi um longo período de prosperidade para aMadeira364.

O período de 1823/1825 pode ser definido como a fase de transição, uma vezque se mantém o domínio do mercado colonial, como Jamaica, Índia, W. Índias, St.Vicent, N. York, notando-se um impulso para a saída do vinho rumo à Europacomo do vinho de roda ou de exportação directa para Londres, S. Petersburgo,Hamburgo, Amesterdão, Lisboa. A partir de 1826 consolida-se o domínio do mer-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX380

359. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3250.360. Idem, nº 12647; ANTT, AF, nº 239, fols. 23-23vº.361. cf. em anexo quadros nº.3.362. A. Silbert, ibidem, p. 110363. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 702/7.364. A. Samler Brown, Madeira and the Canary Islands, London, 1890, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.

Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.415

365. Op. cit., p. 719.366. A. Silbert, ibidem, p. 108.

Transporte de pipa emcorsa. Colecção

Perestrellos. Museu dePhotographia Vicentes.Colecção Perestrellos.

Museu de PhotographiaVicentes.

Page 195: avieira-vinhavinhomadeira

Rotas do Vinho Madeira nos Sèculos XVCII E XIX

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 383

uma ligeira quebra em 1846 e 1848, voltando a subir de novo entre 1840 e 1850367. Para o período entre 1882 a 1885 nota-se o predomínio do mercado de

Inglaterra no volume das exportações, seguido da Rússia. Em 1882 mais de 2/3 daexportação de vinho teve como destino a Inglaterra com 2491 pipas sendo asrestantes 869 distribuídas pela Rússia com 353, Brasil com 108 e outros países com207. A nota mais saliente prende-se com a quebra do mercado dos Estados Unidos,que se apresenta só com 48 litros quando na época de apogeu (1830/1834) haviaatingido as 2.000/4.000 pipas. O Brasil vinha assumindo desde meados do séculouma posição no mercado consumidor do vinho Madeira, evidenciando-se entre1882/1888 com valores que oscilam entre as 100 e 200 pipas. Nota-se igualmenteuma exportação crescente para a Alemanha. Em 1882 era de apenas 39 pipas em1882, atingindo-se em 1887 as 1.487 pipas. Idêntica situação sucede com a Françaque de 32 pipas em 1882 atinge 239 em 1887 e 704 em 1888. A exportação do vinhoatingiu entre 1895/1903 e 1905/1933 valores significativos, quando comparados aosperíodos anteriores368.

A época de exportação do vinho, de acordo com a informação documental de1786369, decorria nos primeiros cinco meses do ano, articulando-se de forma direc-ta com os momentos do grande tráfico atlântico. Albert Silbert define duas rotaspara a navegação oceânica: dos alísios de Abril a Maio e o itinerário Norte/Sul deSetembro a Outubro para o continente americano370. Para o período de 1789 a 1792a maior incidência ocorre nos meses de Março a Junho, enquanto entre 1793/1796e 1813/1814 mantém-se os meses de Março a Maio e surge outra época de Outubroa Dezembro.

O período de saída do vinho diferencia-se de acordo com o mercado de destino,tendo em conta a sazonalidade das rotas oceânicas. Para a América do Norte eCentral dominam os meses de Fevereiro, Abril e Outubro/Dezembro, enquanto nomercado asiático temos Fevereiro/Abril. Em conclusão podemos afirmar que operíodo de maior saída do vinho decorre de Março a Junho e depois deSetembro/Dezembro, mas aqui com pouca influência.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX382

367. Cf. em anexo quadros, nº.26 a 30368. Sobre a acção dos franceses no comércio do vinho da ilha, vide A. Silbert, ob.cit. Cf. em anexo quadro nº.34369. ARM, GC, nº 70, fols. 35vº-43vº.370. Op. Cit.

Page 196: avieira-vinhavinhomadeira

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO EEMM %%..11993399..11998888

11993399 11994477 11998888

DDiinnaammaarrccaa 30% 5,0 3SSuuéécciiaa 25,6 5FFrraannççaa 13,5 40NNoorruueeggaa 10,5 4,8GGrrãã BBrreettaannhhaa 5,6 7,5 11AAlleemmaannhhaa 4,6 12FFiinnllâânnddiiaa 2,0 1SSuuiiççaa 1,4 1,0 4HHoollaannddaa 1,4 1,3 4BBééllggiiccaa 1,3 3,7 9BBrraassiill 1,1 14,0UUSSAA 0,8 1,0 5OOuuttrrooss 2,2 4,8 10JJaappããoo - - 3

As duas guerras mundiais afastaram definitivamente a Alemanha dos destinos deexportação do vinho Madeira. As cidades alemãs, nomeadamente Hamburgo, vin-ham adquirindo importância desde a década de oitenta do século XIX. O alemãotornou-se rapidamente em apreciador do vinho Madeira e só a guerra o demoveu.Todavia, durante a Segunda Guerra Mundial temos notícia da importação por con-trabando, via Lisboa e Pirinéus373. Ao mesmo tempo o mercado inglês perdeu

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 385

No século XX ocorreram profundas alterações no mercado do vinho Madeira.A Inglaterra e as regiões da Europa do Norte consolidaram posições. Entretantoaconteceram perdas irreparáveis, como foi o caso da Rússia, a partir de 1916. Já nosEstados Unidos, um dos potenciais mercados, tivemos os efeitos da lei seca que sefizeram sentir desde 1919 e que levou à proibição de entrada do vinho e demaisbebidas alcoólicas nos anos de 1924-1925. A situação reflectiu-se nas exportaçõesentre 1924 e 1931. Apenas no período da Segunda Guerra Mundial com o fechodos mercados europeus voltou a assumir uma posição de relevo, nomeadamentenos anos de 1943 e 1944. Durante a guerra a rota do Brasil, Estados Unidos edemais países americanos manteve-se aberta.

A década de vinte foi difícil para o comércio do vinho Madeira. As sequelas darevolução russa, mercado que consumia mais de 2000 pipas anuais, as dificuldadesque se sucederam ao fim da guerra e o aparecimento de vinhos finos em diversasregiões do globo, como foi o caso do Cabo, Austrália e norte do Mediterrâneo,provocaram transformações mo mercado mundial do vinho. A par da oferta e varie-dade de vinhos o mercado teve que se bater com leis anti-alcoólicas e o protec-cionismo de alguns países371. A Alemanha, que havia adquirido importância naeconomia da ilha a partir da década de oitenta do século XIX, saiu reforçada nasdécadas seguintes, concorrendo em pé de igualdade com a Inglaterra, França eRússia. As duas guerras mundiais acarretaram a inversão do rumo, que só voltou aanimar-se a partir da década de sessenta.

A primeira metade do século XX diz-nos que a Madeira continuou a apostouem novos mercados a Norte, com a Dinamarca, Suécia e Noruega. A Dinamarca,que em 1913 importara apenas 35 pipas, situa-se em 1939 numa posição destacadaimportando 30%, desaparecendo de forma misteriosa em 1959372. A Suécia assumiudestaque entre 1901 e 1961. A Noruega afirmou-se a partir de 1910 mantendo-se até1968. As vendas para o mercado escandinavo mantiveram-se em fase ascendente atéà década de sessenta, perdendo paulatinamente importância nas últimas trêsdécadas do século XX

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO EEMM HHLL..11991133--11992266

11991133 11991177 11992222 11992266SSuuéécciiaa 2724 1962 3714 13860DDiinnaammaarrccaa 18655 470 339 7273FFrraannççaa 8205 9199 1954 6369AAlleemmaannhhaa 5089 3484 6785IInnggllaatteerrrraa 2935 2103 2178 3245Brasil 1221 339 617 616

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX384

371. Cf. Peres Trancoso, Trabalho Industrial, I Madeira, Lisboa, 1928, pp.12-13.372. Cf. Rupert Crooft-Cooke, ob. cit, pp.122-125

373. Veja-se Ramón J. Campo, Aragão, 2001; Cf. reportagem de Ignacio Martinez de Pisón, Canfranc y el Oro Nazi, in EP[S]-El Pais Semanal, nº.1351, domingo de 18 de Agosto de 2002, pp.16-19; Miguel Carvalho, Os Segredos Portugueses dosPirinéus. Ouro Nazi, in Visão, nº. 494, 22 a 28 de Agosto de 2002, pp. 34-43.

Oficina de Tanoaria.Cossart Gordon & Co.

Page 197: avieira-vinhavinhomadeira

O período posterior à Segunda Guerra Mundial foi marcado pela lenta agoniado comércio do vinho, apenas na década de setenta começou a recuperar e aassumir uma posição importante das exportações da ilha. A evolução foi marcadapela reposição dos tradicionais mercados e à consolidação de novos como foi o casodo Japão. A proibição das exportações a granel desde 2001 reflectiu-se nas expor-tações para os mercados francês e alemão.

É no seio do mercado comunitário que a Madeira encontra o principal mercadodo vinho. Fora dele merece destaque a posição privilegiada do Japão logo seguidodo mercado norte-americano. O Japão é um dos novos mercados conquistados parao vinho Madeira e desde 1989 conseguiu suplantar o tradicional mercado ameri-cano.

MMEERRCCAADDOOSS DDOO VVIINNHHOO MMAADDEEIIRRAA ((eemm hheeccttoolliittrrooss))11998844--22000000

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 387

importância em favor do francês, que passou a controlar mais de 50% das expor-tações do vinho madeirense.

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO EEMM HHEECCTTOOLLIITTRROOSS..11886611--11998888

AANNOOSS FFRRAANNÇÇAA AALLEEMMAANNHHAA RRÚÚSSSSIIAA IINNGGLLAATTEERRRRAA

11886611--7700 2265 4221 701811887711--8800 564 538 1233 549811888811--9900 3317 1216 2244 941411889911--0000 4781 4314 4846 743811990011--1100 5529 7384 4670 415811991111--2200 7066 10626 2880 472111992233--2277 6334 2719 276611993300--3322 11155 1364 134511995500--5522 3919 1906 105211998888 12.912 4165 3684

Obs. período de 1871-1952 valores médios ano.FONTE: R. Honorato Correa Rodrigues, Questões Económicas, vol. II, Funchal, 1955, p.119

11885555 11885566 11885577 11885588 11885599

IINNGGLLAATTEERRRRAA 1603 1695 1746 2220 2414hlUUSSAA 749 898 787 1008 1255CANADÁ 275 320 426 477 773

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX386

Bomba e máquina de rotular garrafas.

Museu do IVV.

Máquinas de rolhar garrafas. Museu do IVV.

DDEESSTTIINNOOSS 11998844 11998855 11998866 11998877 11998888 11998899 11999900 11999911 11999922 11999933 11999944 11999955 11999966 11999977 11999988 11999999 22000000

União europeia 26.037 25254 29035 25178 26737 25835 27467 25619 25073 24796 23821 25301 26158 27412 27097 26444 29781

EFTA 3172 3067 4714 3834 4079 4174 2796 3381 3638 3609 2587 3075 903 612 1398 34 192

Outros países 2921 2860 2553 3389 3640 3592 3154 3935 3036 3450 3620 3692 3927 113 246 3853 3877

Consumo nacional 3296 2296 2382 2760 5825 4767 3403 5013 3954 3581 4693 5459 5486 5279 5800 3939 6325

TToottaall 35382 33479 38695 35162 40483 38369 36820 37950 35704 35437 34722 37528 36476 37099 38752 36272 40176

Page 198: avieira-vinhavinhomadeira

América do Norte

De acordo com Fitch W. Taylor A ilha da Madeira é conhecida pelosAmericanos principalmente devido aos seus vinhos; e em anos anteriores, pelasquantidades de cereais que eram importados dos Estados Unidos para a ilha. Nosúltimos anos, o número de embarcações aqui chegadas, vindas dos Estados Unidos,diminuiu, embora ainda seja matéria de algum interesse para o nosso comércio.

A parte principal do comércio está nas mãos dos comerciantes Ingleses que têmresidência permanente na ilha, com as suas famílias375.

O vinho da Madeira surge na América do Norte desde os primórdios da colo-nização inglesa na primeira metade do século XVII. As referências mais recuadasapontam para a presença na Nova Inglaterra em 1640, New Haven em 1642 eBoston em 1645, mas só em meados da centúria seguinte se tornou uma moda paraos norte-americanos, de forma que o acto de o beber era uma forma de prestígiosocial. Desde então o vinho das ilhas foi uma presença assídua nos portos atlânticos[Boston, Charleston, N. York e Filadélfia, Baltimore, Virgínia] onde era trocado porfarinhas376. Esta contrapartida reforçou o relacionamento comercial e favoreceu oprogresso da economia vitivinícola. Nos séculos XV e XVI a afirmação da culturados canaviais foi conseguida com o suprimento cerealífero dos Açores e Canárias.Já a partir de finais do século XVII o celeiro madeirense transferiu-se para aAmérica do Norte. Cedo, a Madeira entrou na esfera dos interesses norte-ameri-canos, sendo o vinho o cartão de visita. As ilhas atlânticas são conhecidas na docu-mentação oficial norte-americana como as ilhas do vinho377.

O vinho Madeira está inexoravelmente ligado à História dos Estados Unidos daAmérica. Desde o século XVII que os colonos ingleses se haviam afeiçoado. Porisso, em momentos de dificuldade lutaram pela presença do vinho no dia-a-dia.Acontece ainda que alguns portos norte-americanos, como os de New York,Philadelphia e Virgínia actuavam como áreas de redistribuição para as Antilhasinglesas378.

O Madeira está também na origem do movimento independentista, que se ini-ciou com a recusa aos elevados encargos fiscais impostos pela coroa inglesa.Sucedeu assim em 1768, quando J. Hancock se recusou a pagar os novos direitossobre as 127 pipas de vinho do navio Liberty, que fazia entrar em Boston. Idênticaatitude repetiu-se em 1773 com um carregamento de chá da Índia, situação co-nhecida como o Tea Party, por ser o despertar do movimento pró independência

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 389

Mercados com história

Os mercados do vinho Madeira diversificaram-se ao longo dos tempos. De entretodos apenas o britânico foi o único que manteve fidelidade ao vinho. Os inglesesforam os primeiros a apreciar o vinho da ilha, documentando-se a presença desdeo século XV. No quadro da evolução dos mercados do vinho Madeira podemosdefinir três momentos374:

• SSééccuullooss XXVV ee XXVVII: domínio da Europa, nomeadamente França e Inglaterra;• SSééccuullooss XXVVIIII--XXIIXX: momento de afirmação das colónias europeias na

América e Índia, sendo o vinho Madeira companheiro inseparável dos colonos; • SSééccuulloo XXIIXX aa ppaarrttiirr ddee 11883300: retorno do vinho à Europa com a plena afir-

mação dos mercados londrino e russo.• SSééccuulloo XXXX: diversificação dos mercados e afirmação do britânico, norte-

americano e o aparecimento de novos no Norte da Europa e Japão.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX388

Exportação de vinho para a Suécia.

Colecção Perestrellos.Museu de Photographia

Vicentes.

374. Os dados que conseguimos reunir estão em anexo. Quadros nº.30, 33, 34

375. The Flag Ship: Or a Voyage Around the World, NY, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos eTextos, Funchal, 1993, p.356

376. Cf. Jorge Martins RIBEIRO, Alguns Aspectos do Comércio da Madeira com a América na Segunda Metade XVIII, inActas III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, pp.389-401.

377. Veja-se A. GUIMERA RAVINA, Las Islas del Vino (Madeira, Açores e Canarias) y la América Inglesa Durante el SigloXVIII. Una Aproximacón a su Estudio, in II C.I.H.M. Actas, Funchal, 1990, pp. 900-934, confronte-se Albert SILBERT, art.cit., pp. 420-428.

378. Letters to Washington and Accompanying Papers. Published by the Society of the Colonial Dames of America. Edited byStanislaus Murray Hamilton

Page 199: avieira-vinhavinhomadeira

Antilhas

O grupo de ilhas da América Central, nomeadamente aquelas onde havia, desdeo século XVII, assentamentos ingleses e franceses, foram um importante consumi-dor do vinho da Madeira. No século XVIII os inúmeros comboios de embarcaçõesque faziam escala na Madeira permitiam o fácil escoamento do vinho. O Madeiracorria nos serões de quase todas as ilhas, mas em especial Jamaica, Barbados,Martinica, Santa Cruz, St. Eustachio, St. Vicente.

Índia

Os navios das companhias inglesa e holandesa das Índias Ocidentais, desde oséculo XVII faziam escala na Madeira, onde se abasteciam de vinho, especialmenteBoal. O Madeira, pela adaptação às dificuldades do clima oriental e da viagem, rapi-damente adquiriu um estatuto especial: E no que diz respeito à Índia, pode salien-tar-se que embora aí seja reduzida a população de Ingleses e poucas pessoas de ou-tras nacionalidades bebam vinho Madeira, este e o vinho tinto são, no entanto, osúnicos vinhos de consumo generalizado tanto pelas autoridades como pelo exérci-to, verificando-se que o primeiro é abundantemente usado durante o jantar382.

Os mercadores ingleses residentes no Funchal dominavam o comércio, desta-cando-se as firmas de John Leacock, Francis Newton e Leacock, que mantinhamuma relação privilegiada com as autoridades coloniais das Índias inglesas. Apenas aempresa de Francis Newton exportou, entre Dezembro de 1799 e Agosto de 1800,1050 pipas de vinho para Bombay383. À morte em 1799 deixou o campo aberto àfirma de Newton Gordon e Murdoch. A casa, sob a designação de Cossart Gordon& Ca. manteve no decurso do século XIX e primeira metade da presente centúria,um activo negócio de vinhos com o indico tendo para abastecer as messes e clubesdos oficiais ingleses. No total foram 60 distribuídos por diversas regiões, de modoespecial na Índia.

A perda do mercado oriental liga-se de forma directa com a evolução das rotasoceânicas: Também o mercado da Índia Oriental foi afectado primeiro pela dis-solução da Companhia das Índias Orientais que importava muito vinho para as suascolónias, e ulteriormente pela construção do Canal do Suez, que abriu uma rotamais favorável para o oriente de modo que os barcos já não passavam pela Madeira,na sua viagem para lá, onde carregavam meia dúzia ou uma dezena de pipas devinho384.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 391

da América do Norte.O apreço de alguns presidentes norte-americanos foi suficiente para assegurar no

novo país um mercado preferencial para o vinho Madeira. A década de sessenta foi omomento de afirmação, surgindo o Madeira com 29% do mercado. New York era odestino preferencial. Metade do total das exportações de vinho no período de1785-1787 seguia para lá. A guerra de secessão a partir de 1770 condicionou o merca-do, marcado pela quebra nas duas décadas seguintes, atingindo em 1794 o máximo.

O movimento de independência provocou o bloqueio aos tradicionais circuitoscomerciais sob domínio de ingleses. A conjuntura foi catastrófica para a Madeira. Omadeirense habituado a receber o sustento de trigo, milho e farinhas dos portosamericanos a troco de vinhos, viu-se momentaneamente privado. A fome foi o resul-tado inevitável, sendo os anos de 1795-96 e 1799 de autêntico flagelo. Em 1774 JohnLeacock estava preocupado com a notícia de que o Congresso Americano sepreparava para proibir a introdução do vinho Madeira.

O século dezanove definiu novo rumo para o vinho madeirense. Os portos ame-ricanos continuaram a recebê-lo mas não com a assiduidade que os caracterizou nacentúria anterior. O vinho estava de regresso ao velho continente e avançava à con-quista do mercado nórdico. Num ápice passou do calor tórrido para o frio daSibéria sem se deteriorar. A conturbada situação provocada pela guerra civil teráprovocado o desvio. Em 1863 Charles Blandy em carta a Jefferson Davies,Presidente dos Estados confederados, reclamava o pagamento dos danos causadoscom a perda de mercadoria provocada pelo afundamento pelo Alabama do barcoLauraetta379.

Em pleno século XX surgiram novas privações à expansão do vinho Madeira nosEstados unidos da América. O fundamentalismo chegou ao consumo das bebidasalcoólicas determinando desde 1920 a proibição de consumo, situação que per-durou até 1933, altura em que foi revogada por Roosevelt. Os poucos que se man-tiveram fiéis criaram os Madeira Party, isto é, clubes onde se reuniam, em segredo,para beber o vinho Madeira. Ficou célebre em Savanah o Madeira Club que, aindahoje, levantada a lei seca, se reúne ritualmente no onze de Novembro para saudar ailha com um cálice de Madeira380. Os mercados produtores europeus temeram apossibilidade de semelhantes medidas se estenderem a outros países, pelo que sefundou em Paris a Liga Internacional dos Adversários das Proibições. A AssociaçãoComercial do Funchal, através do sector de vinhos entrou na campanha em favor doconsumo do vinho, entregando verbas para o efeito à liga de Paris381

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX390

379. Rupert Croft-Cooke, Madeira, pp.93.94.380. Noel Cossart, Madeira the Island Vineyard, London, 1984, pp.64-65381. Luís de Sousa Mello e Rui Carita, Associação Comercial e Industrial do Funchal, Esboço Histórico (1836-1933),

Funchal, 2001, pp.137-140

382. J. Barrow, A Voyage to Conchinchina in the Years 1792 and 1793, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho daMadeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.339

383. Rupert Croft-Cooke, ob.cit., p.63384. H. Vizetelly, Facts About Port and Madeira, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e

Textos, Funchal, 1993, p.398.

Page 200: avieira-vinhavinhomadeira

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa %

11775500--11775599 358709 13573 3,811776600--11776699 410230 19089 4,711777700--11777799 407589 17309 4,211778800--11778899 417752 13122 3,111779900--11779999 657153 18402 3,911880000--11880099 832759 32217 3,911881177--11882255 20.596 1300 6,311882277--11883366 25691 783 3,011883377--11884466 25704 408 1,61847-1852 24471 291 1,2Fonte: W. Minchinton, Britain and Madeira to 1914, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol I, Funchal, 1989, pp.500 e 507

Portugal assume uma posição dominante como fornecedor do mercado britâni-co seguido de perto pela Espanha, como o evidenciam os seguintes dados:

OOrriiggeemm VViinnhhooss iimmppoorrttaaddooss eennttrree 11882255--11883311

Hl %

PPoorrttuuggaall 138.633 43,81EEssppaannhhaa 119.232 37,68MMaaddeeiirraa 13.841 4,37CCaannáárriiaass 9.931 3,14RReennoo 3.358 1,06SSiiccíílliiaa 13.437 4,25FFrraannççaa 17.975 5,68TToottaall 316.407

FONTE: O Defensor, 125, p.4

Nem todo o vinho Madeira importado pelo mercado londrino era para consumolocal sendo a maioria reexportado. Para a década de quarenta do século XIX temosuma imagem do movimento rumo a esse destino.

SSIITTUUAAÇÇÃÃOO DDOO VVIINNHHOO MMAADDEEIIRRAA NNOO MMEERRCCAADDOO LLOONNDDRRIINNOO EEMM GGAALLÕÕEESS

AAnnoo IImmppoorrtt EExxppoorrtt CCoonnssuummoo llooccaall

11884400 279157 143829 11255511884411 215253 146283 10770111884422 200443 107662 6520911884433 245498 101412 9358911884444 226660 149037 11157711884455 213229 137641 10274511884466 205406 138491 9458011884477 201096 100506 8134911884488 154701 86430 7693811884499 165463 129896 71097FONTE: Robert White, Madeira its climate and Scenery, London, 1851, p.176

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 393

Inglaterra

A Inglaterra terá sido um dos primeiros destinos do vinho Madeira, estandodocumentada a presença desde o século XV, mas foi só no século XVII, com ostratados estabelecidos entre as duas coroas, que os ingleses assumiram uma posiçãona sociedade e comércio do vinho da ilha, controlando as saídas para Inglaterra ecolónias inglesas na América e Índico.

William Shakespeare transmite-nos o quotidiano da vivência privada e tabernasda época. As referências ao vinho, em especial ao Malvasia, são frequentes. Surgemtambém indicações explícitas ao vinho Madeira e de Canárias. No porto de Bristola informação mais recuada sobre o comércio com a Madeira datam de 1583 e em1598-1590 temos a entrada de uma embarcação com vinho, seguindo-se outra entre1601-1602385. São poucas as provas documentais e materiais do comércio de vinhocom o mercado londrino, mas é evidente o protagonismo britânico na definição econsumo do vinho. Em 1999 escavações arqueológicas nas proximidades da Torrede Londres desenterraram uma garrafa datada de 1679386.

A guerra da independência dos Estados Unidos da América levou a que algunsmercadores fossem forçados a apostar no mercado britânico. John Leacock foi umdos que sentiu necessidade de reforçar os laços com Londres, passando a manteruma relação regular. Desde 1772 foi o fornecedor oficial de vinho, por intermédiode John Carbonell, ao rei Jorge III. Ao mesmo tempo apostou no mercado dasAntilhas, onde mantinha com Francis Newton uma posição privilegiada.

A plena afirmação da Grã-Bretanha como mercado preferencial do vinhoMadeira surge no século XIX, altura em que a perda de algumas das colónias levoua que toda a atenção do mercador inglês retornasse à terra natal. Para o período de1831 a 1885, a disputa pelo primeiro lugar nas exportações de vinho Madeira estavaentre Londres e S. Petersburgo. No mercado britânico a oferta de vinho europeu eravariada e o Madeira representava uma ínfima parcela das importações. No decursodo século XVIII foi, paulatinamente, conquistando uma posição de relevo387.

IIMMPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO NNAA IINNGGLLAATTEERRRRAATTOONNÉÉIISS DDEE 225522 GGAALLÕÕEESS

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa %

11770000--11770099 392283 1510 0,411771100--11771199 483688 4848 1,011772200--11772299 572812 3958 0,711773300--11773399 528042 11008 2,111774400--11773399 378631 10280 2,7

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX392

385. Jean Vanes (ed.), Documents Illustrating the Overseas Trade of Bristol in the Sixteenth Century, Bristol, 1979, pp. 144,148, 170.

386. Público, 10 de Dezembro de 1999, p.33, Visão, 16 de Dezembro de 1999.387. A. D. Francis, the Wine Trade, Edimburgh, 1973, pp.316-325; W. Minchinton, Britain and Madeira to 1914, in Actas do I

Colóquio Internacional de História da Madeira, vol I, Funchal, 1989, pp.500 e 507

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dam que em 1812, mercê da presença na ilha de José Agostinho Borel como oprimeiro cônsul, os contactos comerciais passaram a ser assíduos.

O primeiro navio russo a demandar a ilha foi o bergantim Helena do capitão DeachMandels em 1813. Mas já em 1811 um outro bergantim português havia conduzido aS. Petersburgo 194 pipas de vinho Madeira. Por aqui se pode concluir que os primeirosanos da centúria foram propícios ao comércio de vinho para o novo destino.Certamente que as dificuldades de abastecimento em França terão conduzido à prefe-rência pelo vinho madeirense. Lembremo-nos que os czares aderiram a todas as coli-gações contra a França de Napoleão o que lhes valeu uma sangrenta invasão em 1812,descrita por Tolstoi no célebre romance Guerra e Paz.

A presença de José Agostinho Borel na ilha, desde 1812, como primeiro cônsul,marcou o início de contactos comerciais assíduos. Entre 1832 a 1839 a Rússia adquiriuuma posição cimeira nas exportações. As pipas que saíram para S. Petersburgo repre-sentavam 23% do total, baixando entre 1882-1885 para 11% do vinho transaccionadono porto do Funchal. Tal como referia em 1815 o Bispo do Funchal, a presença e ini-ciativa do cônsul russo na ilha foram importantes para a afirmação das trocas comerci-ais com a Rússia. O vinho madeirense debatia-se com dificuldades no mercado ameri-cano e indico pelo que a abertura de um novo mercado era bem vinda. O vinho regres-sou aos salões requintados de Londres e daí irradiou para os palácios da aristocracianórdica. Alemanha, Dinamarca, Rússia e cidades de Londres, Hamburgo, S.Petersburgo foram os principais destinos a partir de 1820. O elevado teor de álcool dovinho Madeira possibilitou a resistência às baixas temperaturas nórdicas, fazendo comque se afirmasse como um parceiro nobre para o whisky, cerveja e vodka.

O vinho madeirense conquistou em definitivo o paladar da aristocracia russaadquirindo uma posição cimeira nas exportações no período de 1832 a 1839. Um dosprincipais obreiros da rota russa foi William John Krohn, que passou à Madeira em1849 e fundou em 1858 uma casa de vinhos, a Krohn Brothers & Co., com o irmãoNicholas, ambos naturais de S. Petersburgo, embora com ascendência dinamarquesa.O avô era privado da corte imperial russa, o que poderá estar na origem da grandepredilecção da casa imperial pelo nosso vinho. W. J. Krohn foi vice-cônsul da Rússiano Funchal, no período de 1866 a 1880. A casa especializou-se no comércio com aRússia, sendo a que mais sofreu com o corte do comércio a partir de Outubro de 1916com a Revolução russa. A firma, que se situava em segundo lugar no volume de expor-tações de vinho, viu-se relegada para um plano secundário, sendo forçada a aderir àMadeira Wine Association Lda., de quem havia sido um dos mais sérios opositores.

Terminou assim a época de esplendor para a firma Krohn Brothers & Co. Em 1916,quando os revolucionários se serviram do vinho para matar, por envenenamento, o mís-tico Gregori Rapustine, privado da corte de Nicolau II, ditaram o golpe de finados paraa presença do Madeira nas terras russas. A revolução não admitia tal luxo e depois oEstado Novo, por opção política, vedou à ilha tal mercado. Os apreciadores russos dovinho Madeira tiveram que se contentar com as falsificações feitas por algum vinhateirode ocasião. A fama do Madeira perdurou de modo que em 1949 na exposição deBruxelas foi possível ver o Madeira made in Rússia. Em 1991 descobriu-se nas caves doKremlin algumas garrafas de vinho Madeira, certamente esquecidas na confusão daRevolução de 1916.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 395

O século dezanove foi um momento de concorrência do vinho de diversasproveniências no mercado londrino, o que prejudicou a posição do Madeira: Uns25 annos haverão que ainda a Inglaterra, importava para seu domestico consumoperto de 6:000 pipas de vinho da Madeira, porem hoje nem 800 pipas gasta annual-mente, em consequencia de ter entrado em moda o Xerez, o Porto e os VinhosFrancezes, e para as Indias não vai ja ametade do que ia, por se fornecerem emgrande quantidade de vinho do Cabo da Boa Esperança, colonia Ingleza.388

Para a década de cinquenta do século XX é possível estabelecer uma relaçãoentre os vinhos da Madeira e do Porto no mercado londrino.

DDAATTAA PPOORRTTOO MMAADDEEIIRRAA TTOOTTAALL

11995511 273.625 34.471 1.705.52711995522 209.995 29.223 1.527.34411995533 251.735 34.246 1.412.21511995544 227.196 34.167 1.651.18911995555 228.996 29.991 2.001.24011995566 246.125 31.453 2.227.272

Rússia

A Rússia foi um importante mercado consumidor do vinho madeirense no séculoXIX. S. Petersburgo, a capital do império e do fausto russo, terá descoberto o vinhoMadeira no último quartel do século XVIII, mas só na primeira metade do seguinte aíancoraram com assiduidade barcos com vinho. A primeira referência ao envio para aRússia é de 1756389. Os vinhos fortemente alcoolizados, nomeadamente o Boal, pas-saram a ter aqui um consumidor preferencial.

Sabe-se que, desde 1766, a czarina, Catarina, a grande, estabeleceu medidas quefavoreceram a importação de vinho de Portugal saindo reforçada em 1772 e 1787. Naúltima data foi celebrado um tratado de amizade, navegação e comércio entre D. MariaI e D. Catarina II. Não obstante todas as facilidades a presença do vinho da Madeirasó foi notada nos primeiros anos da centúria seguinte.

As balanças de comércio de 1776 e 1777 referem apenas os vinhos de Setúbal,Lisboa, Porto, mas se atendermos a que a partir de Lisboa se reexportava vinho demúltiplas proveniências, inclusive da Madeira, é muito possível que o vinho madeirenseestivesse incluído. Noutros documentos colhemos a informação de que em 1790 seestudava a viabilidade de estabelecer relações comerciais com a Rússia, a exemplo doque sucedia a alguns anos na ilha de S. Miguel com a laranja. Abre-se um parêntesispara dizer que também os vinhos açorianos, no caso o verdelho do Pico, são aponta-dos como da preferência do czares. Sendo assim os contactos deverão ser posterioresa esta data, pelos menos assim o provam os poucos dados de exportação de vinhodisponíveis na documentação. De 1789 a 1801 não há qualquer rastro nos livros desaída da alfândega do Funchal, o que só sucede a partir de 1825. Outros dados eluci-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX394

388. P. P. Câmara, Breve Notícia Sobre a Ilha da Madeira, Lisboa, 1841, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 378.

389. Rómulo de Carvalho, Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII, Lisboa, 1979, p.188

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Os preços e os mercados

O preço de venda do vinho limpo para exportação era distinto do atribuído aomosto. O vinho depois de passar pelo processo de fermentação, limpeza e fortifi-cação com a aguardente surgia com outro valor no mercado, onde se repercutia otrabalho e as mais valias. Em 1865 uma pipa de vinho de Câmara de Lobos, ondese produzia o melhor vinho da ilha, que havia custado 100$000 réis em mosto,depois de limpo e lotado valia já o dobro390. O preço da pipa de embarque podiaduplicar ou triplicar, consoante as solicitações do mercado. Segundo AlvaorRodrigues Azevedo391, entre 1792/1821 com uma média de exportação de 20.000pipas, o preço oscilava entre as 250.000 a 400.000 reis. Enquanto Ruppert Crooft-Cook392 refere que em 1808 a pipa de embarque rondava os 800.000 reis.

O preço de venda, à chegada ao mercado de destino, tem a ver com os custosfixos para o transporte, os tributos que oneravam a saída da Madeira e a entrada nomercado consumidor, a que se deveriam adicionar as inevitáveis perdas estimadasem cerca de 10%. Mesmo assim o lucro era elevado. Em 1650, uma pipa de vinho,que à saída do Funchal era 10$000 e à chegada à Baia de 40$000, o lucro repre-sentava 60% do capital investido393. No caso das Índias Ocidentais inglesas em 1696o lucro podia alcançar os 155% do capital investido, uma vez que uma pipa de vinhosaia do Funchal por £5 5s. (15.000 réis) e era vendida em Barbados por £17394.

A venda no mercado consumidor dependia de diversos factores, a que se associ-am os custos fixos à chegada ao destino. Em 1778 os preços no mercado londrinodo vinho Madeira oscilavam entre as 12 libras esterlinas por pipa do comum para37 do London Particular395. Aqui podemos acompanhar a evolução até 1930. Omovimento é ascendente desde 1778, acentuando-se entre 1815/1816. A situaçãonão deve ser alheia à conjuntura europeia pautada pelas guerras napoleónicas emque o vinho Madeira se apresentava como um raro néctar no mercado londrino. Apartir de 1817 entrou em queda até 1852 alcançando então 26 libras. A quebra podeser explicada pela concorrência dos vinhos franceses e espanhóis que com a pazgeral invadiram o mercado. Quanto ao aumento notado a partir de 1852 explica-sepela quebra da produção provocada pelo oídio, de modo que em 1852 e 1865 seatingiu o valor de 75 libras. Mas, regressando a normalidade às colheitas, o preçovoltou a descer atingindo 46 libras.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 397A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX396

Diversas Garrafas de vinho. Justino Henriques Lda.

390. Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de Leiria e Funchal,Lisboa, 1863, p.89

391. Ob.cit., p.718392. Ob.cit., p.75393. T. Bentley Duncan, Atlantic Islands, London, 1972, p.49; F. Mauro, Portugal, o Brasil e o Atlântico, vol. II, pp.119-120.394. Ibidem, p.50395. Wine and Spirit News, cit. por D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., p. 43.

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A ilha da Madeira é conhecida pelos Americanos principal mente devido aos seus vi-nhos; e em anos anteriores, pelas quantidades de cereais que eram importados dosEstados Unidos para a ilha. Nos últimos anos, o número de embarcações aqui chegadas,vindas dos Estados Unidos, diminuiu, embora ainda seja matéria de algum interesse parao nosso comércio.

Fitch W. Taylor.1840

Os comerciantes Britânicos controlam, para seu interesse, os cultivadores de vinha,fornecendo-lhes de antemão tudo o que eles necessitam, nos intervalos da vindima e nasestações mais baixas. Os seus negócios com os habitantes portugueses do Funchal tam-bém devem ser intensos; exceptuando este facto, parecem não existir muitas relaçõessociais entre eles.

George Thomas Staunton.1797

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 399

PPRREEÇÇOOSS DDAA PPIIPPAA DDEE VVIINNHHOO DDOO LLOONNDDOONN PPAARRTTIICCUULLAARR EEMM LLIIBBRRAASS

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX398

AANNOO PPrreeççooss

11778833 8311779911 1011779955 3611779977 3711779988 4011880044 4511880088 5011881100 5411881111 5711881122 6011881133 6311881144 70

AANNOO PPrreeççooss

11881155 7511881166 7711881177 6711881188 6511881199 6011882200 5011882266 4611882277 1211885577 4011886655 751913 75

Fonte: R. Croft-Cooke, ob. cit.

O Madeira era o vinho que tinha um preço mais elevado no mercado britânico.Assim, em 1827 uma pipa de Madeira valia 12 libras ou 26 caso fosse da roda,enquanto o do Faial e do Cabo era vendido por 10 libras. A situação foi um entravepara à afirmação junto do público consumidor396.

396. Defensor da Liberdade, nº.17.

Rótulo antigo. Colecção daMadeira Wine Company.Exclusivismo do vinho

O vinho é o único género abundante que produz esta ilha e faz toda a sua riqueza éa moeda que mais gira como equivalente do mais que importa para sustento de seushabitantes alimentados unicamente do seu produto sem recurso de nenhuma outra pro-dução de outras bebidas capazes de adulterar os vinhos bons de embarque ou paralisara venda dos baixos nas tabernas, que desta forma não vendidas se exportam comdescrédito dos legais de embarque.

A Madeira é uma província de precária subsistência e não produz grão que cheguepara consumo de dois meses e outros vegetais frutuosos apenas darão subsistência paramais um mês, de maneira, que o sustento de 8 para 9 meses lhe é importado. Ela nãotem fábrica, nem produção alguma outra filha da natureza, ou de arte que socorra a estae as outras precisões, além dos seus vinhos generosos.

(Documentos de 1819 e 1821, in Arquivo Histórico-Ultramarino, Madeira e Porto Santo, N.º 4 625; ArquivoNacional da Torre do Tombo, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, N.º 963, fol. 85Vª/6; Arquivo

Regional da Madeira, Registo Geral da Câmara do Funchal. T. 15. fols. 100Vº/104)

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fazer do Funchal uma base para as incursões além Atlântico. A ilha foi refresco develeiros e vapores, sedentos de carvão. A estas condicionantes associa-se o vinho. Anecessidade e presença na dieta alimentar de marinheiros, soldados e colonizadoresé inquestionável.

O cosmopolitismo britânico, evidente na sociedade local, coroava o impacto dacomunidade, escrevendo algumas das páginas mais significativas da História da ilha.Os ingleses foram os últimos [há quem diga que teriam sido os primeiros, basean-do-se na fatídica aventura de Machim] a se envolverem no fascínio da ilha. Os por-tugueses desbravaram o terreno e abriram caminho para a presença europeia.Depois chegaram os italianos, franceses e flamengos para fruir das riquezas. Sómuito mais tarde vieram os ingleses, atraídos pelo aroma da célebre malvasia. Afama, proclamada na obra de Shakespeare, foi o mote para a imposição ao paladarda aristocracia britânica, que se deliciava até ao afogamento nos tonéis cheios devinho. O Malvasia madeirense encantou a aristocracia e coroa inglesas, animandoos serões dos súbditos de Sua Majestade, dentro e fora da grande ilha.

Múltiplas e variadas razões fizeram com que o Funchal se afirmasse a partir doséculo XVIII como centro chave das transformações sócio-políticas operadas deambos os lados do oceano. Aqui deverá sinalizar-se a presença da comunidade ingle-sa e o facto de ter transformado a ilha num importante centro para a afirmaçãocolonial e marítima. A vinculação ao império britânico foi notória no quotidiano edevir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX.

O vinho, não só alegrava o coração, como também supria as deficiências calóri-cas. Era assim que o encaravam os homens da época. Os portugueses haviam prova-do que era o único a resistir ao calor dos trópicos e que se adaptara muito bem àsconstantes mudanças de temperatura. Tudo isto junto gerou a aliança da Madeiracom o império britânico. O vinho e a posição geográfica da ilha foram os protago-nistas. A aliança fez prosperar a ilha, encheu-a de latadas, de quintas e ingleses,sedentos do vinho.

A afirmação na vida local, controlo económico e das relações externas levaram àconquista de uma desusada posição e à afirmação no plano político, por meio detratados ou de uma interessada ligação às autoridades da ilha e país. A feitoria, aonível local, as autoridades consulares, no reino e ilha, conjugavam-se para o mesmoobjectivo. A situação dos ingleses era especial. Desde o século XVII que a feitoriainglesa definiu um estatuto à parte para a comunidade, que permitia ter conser-vatória e juiz privativo. O espírito de união da feitoria, que persistiu até 1842, favore-ceu a posição na sociedade madeirense e demarcou o fosso com os naturais. Ainfluência inglesa foi ganha nos bastidores do poder político e, por vezes, sob oolhar complacente daqueles [os republicanos] que, à primeira vista, pareciam serinimigos. O caso da família Hinton e o célebre engenho é exemplo disso.

Os relatórios dos cônsules, que surgem na ilha a partir de 1658, incidem aatenção no plano económico. O ponto da situação, feito em Julho, era elaborado de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 401

O negociante de vinhos

O comércio e mercado do vinho Madeira foram, desde meados do século XVII,definidos e dominados pelos ingleses. A partir daqui podemos dizer que o inglês ésinónimo de comerciante de vinhos e que a ilha se transformou numa área sob oseu controlo.

Os ingleses, a ilha e o vinho madeira

A relação da ilha com o mundo inglês deve ser encarada num âmbito mais vasto.Não foi um jogo de interesses de um punhado de britânicos [náufragos na ilha, aexemplo de Machim] versus os madeirenses, martirizados pela opressão. Tudo istofaz parte de um processo mais vasto. As origens devem ser encontradas nos ten-táculos do império colonial. O polvo surgiu com Cromwell e manteve-se até que oideário independentista, revelado pelos náufragos do Mayflower, fez esboroar todoo vasto império.

Na estratégia imperial a Madeira foi uma pedra chave. Não era o clima ameno,nem tão pouco a necessidade de uma antecâmara de adaptação ao calor tórrido dostrópicos ou frio que a valorizavam. Tudo isso foi o bónus para o real empenho de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX400

Rótulo antigo.Colecção da

Madeira WineCompany.

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foram atribuídas condições especiais à presença britânica na ilha, com a isenção demetade dos direitos de exportação do vinho e a décima e o donativo.401

O Malvasia foi o mote para que o inglês viesse à descoberta das infindáveis quali-dades terapêuticas da ilha, da raridade das espécies botânicas e, por fim, o deleitedas infindáveis belezas do interior da ilha devassado a pé, a cavalo ou de rede. Sãoinúmeros os testemunhos captados pela pena ou no traço de aguarelistas egravadores. Os ingleses tiveram o mérito de descobrir duas inigualáveis marcas quedefinem o rincão: o vinho e as belezas paisagísticas. E, como tal, foram dosprimeiros e principais fruidores. Durante muito tempo a ilha foi para eles sinónimodisso. Depois, com a plena afirmação da hegemonia britânica no Atlântico e Indico,a Madeira transformou-se num pilar importante do vasto império: a base impre-scindível para o corso marítimo [a forma usual de represália nos mares] e porto obri-gatório para o abastecimento dos porões das embarcações, tão procurada nas taber-nas londrinas como nas messes das hostes britânicas além Atlântico.

A feitoria britânica surgiu na segunda metade do século XVII como forma deorganização e defesa dos interesses da comunidade na ilha, usufruindo de umestatuto diferenciado que lhe dava a possibilidade de possuir desde 1761 cemitériopróprio, para além do direito a igreja, enfermaria, conservatória402 e juiz privativo.Sabemos, ainda, que estavam isentos do pagamento de qualquer direito na alfânde-ga, cobrando, por iniciativa própria, um tributo sobre os barcos ingleses para asdespesas da feitoria. A situação, segundo o Governador João António de SáPereira403, era antiga e contava com o hábito de obsequiar os governadores para oster sempre propícios afim de melhor continuar nos grandes interesses que tira d’es-ta ilha....

A feitoria arrecadava o chamado tributo de nação, isto é, uma quantia sobre osprodutos exportados pelos ingleses, que no caso do vinho era de 240 réis por cadapipa, usado depois para auxílio mútuo, apoio aos serviços médicos e religiosos dacomunidade404. A comunidade todos os anos no dia de Reis retribuíam os favoresdo governo da ilha, na figura do Governador, com uma oferta de 600$000, que re-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 403

acordo com as orientações do Foreign Office. A incidência sobre os súbditos de SuaMajestade era, acima de tudo, uma forma de controlo do trafico comercial de e paraas colónias. A ilha era um dos eixos da estratégia. Foi por isso que em princípios doséculo XIX foi ocupada por duas vezes pelas tropas britânicas. Mais do que preser-var os interesses britânicos na ilha estava a necessidade de impedir o avanço francêsno Atlântico, o que poderia molestar os ainda importantes domínios coloniais. Ostratados sedimentaram a posição confortável dos ingleses, enquanto que as leis denavegação do século dezassete mais não fizeram que reforçar os laços definidos pelomercantilismo inglês.

O turismo e o vinho estão indissociavelmente ligados aos ingleses. Foram eles osprincipais mentores, intervenientes e usufrutuários, que traçaram os rumos do mer-cado colonial e definiram o processo de vinificação adequado ao paladar e às con-tingências da rota e destino. Para o turismo a presença é por demais evidente.Foram os primeiros turistas e os promotores dos hotéis, desde finais do século XIX.O Reid’s hotel é o emblema de ouro.

A presença inglesa foi uma constante no quotidiano397. Muitos visitantes teste-munham-no, destacando a extrema dependência398. Em 1873 Álvaro Rodrigues deAzevedo399 afirmava que a Madeira está em grande parte anglicizada, na raça, noscostumes, a propriedade, no comércio, na moeda; e a língua inglesa é aqui a maisfalada depois da nacional. Se nós somos imprudentes em dizer isto, o que são osgovernos se o ignoram? E pior, se não o ignoram, pois que o não evitam, o queserão? Só o brio português nos mantém portugueses. Ainda, em 1924, a mesmaideia persistia no testemunho presencial de Raul Brandão: Esta ilha é um cenário epouco mais-cenário deslumbrante com pretensões a vida sem realidade e desprezoabsoluto por tudo o que lhe não cheira a inglês. Letreiros em inglês, tabuletas eminglês e tudo preparado e maquinado para inglês ver e abrir a bolsa400.

Embora os ingleses estivessem presentes na Madeira desde o início, até associa-dos à questão da descoberta da ilha no século XIV, nunca dominaram os circuitoscomerciais locais, que estavam nas mãos dos flamengos e genoveses. Somente a par-tir do século XVII começaram a fazer sentir a influência. Em 1651, com o novotratado firmado para o casamento de D. Catarina de Bragança com Carlos II deInglaterra, dizia-se que a Madeira estava contemplada no dote da princesa. O facto,verdadeiro ou não, evidencia o interesse pelo domínio da Madeira que, embora nãotivesse sido consumado na realidade, veio a existir de facto. Com base no tratado

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX402

397. Faltam um estudo sobre a presença britânica na Madeira. A maioria dos textos existentes é de origem inglesa, como é ocaso de Desmond Gregory, the Beneficient Usurpers, London, 1988; Walter Minchinton, British Residents and theirProblems in Madeira Before 1815, in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990, pp.477-492. De entre os portugueses temos A. Sarmento, Os Ingleses na Madeira, in Diário de Notícias, Março/Abril, 1930; PauloMiguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira. O período das Guerras Napoleónicas, Funchal, 1999.

398. An Historical Sketch of the Island of Madeira, London, 1819, p.58; Francis L. Hawks, Narrative of the Expedition of anAmerican Squadron to the China Seas and Japan…, N. Y., 1856, p.104; J. Edith Hutcheon, Things Seen in Madeira,London, 1928, p.140. F. b. Spilsbury, Account of a Voyage to the Western Coast of Africa, London, 1807, p.7

399. Anotações, in Saudades da Terra, livro segundo, Funchal, 1873, p.720400. As Ilhas Desconhecidas, Lisboa, 1926, p.264.

401. ANTT, PJRFF, nº.396, fl.71vº, ordem régia de 16 de Outubro; ARM, RGCMF, tomo IV, fl.44, provisão de 27 de Fevereirode 1669; idem, ibidem, fl. 44vº, 27 de Novembro de 1670; idem, ibidem, fl. 45, 26 de Janeiro de 1662.

402. Public Record Office, FO , 811/1, fls.278, 31 de Janeiro de 1724.403. Veja-se AHU, Madeira e Porto Santo, nº 317, 30 de Abril de 1768. Sobre os ingleses na ilha veja-se Fernando Augusto da

SILVA, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal 1984, entradas “ingleses”, Estrangeiros, conservados dos ingleses,Cemitério Britânico, igrejas inglesas; A.A. SARMENTO, “A Feitoria Inglesa”, in Fasquias da Madeira, Funchal, 1951, pp. 99-103; Walter MINCHINTON, “British Residents and their Problems in Madeira Before 1815”, in Actas do II C.I.H.M., Funchal,1990, pp. 477-492; Desmond GREGORY, ob. cit.; Graham BLANDY (ed.) Copy of Record of the Establishement of theChaplaincy and Notes on the Old Factory at Madeira, Funchal, 1959.

404. Esta situação é descrita do seguinte modo por H. Vizetelly [Facts about Port and Madeira, London, 1880, in Alberto Vieira,História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.394-395]: feitoria Britânica, a qual tinha quase ummonopólio do comércio de vinho da ilha, fixando anualmente o preço do mosto adquirido aos produtores, bem como tam-bém os preços a que os vinhos deviam ser exportados. Ao lançar um imposto sobre cada pipa de vinho exportada por elespróprios, criaram os fundos necessários para fazer um cemitério onde os súbditos britânicos podiam ser decentementeenterrados, pois nessa altura, os corpos dos que näo eram de fé católica Romana eram insolentemente atirados ao mar.Antes de haver este cemitério, um membro da feitoria que näo gostava nada da ideia do seu cadáver servir de comida aospeixes, implorou aos seus sócios que o enterrassem, quando morresse, debaixo da sua secretária na casa da contabili-dade. Secretamente, fizeram isso e o caixäo que tinha sido preparado para o seu cadáver foi enchido de pedras e entregueàs autoridades para ser lançado ao mar. Cf. ainda J. Jonhson, Madeira…, London, 1885, in Alberto Vieira, História do Vinhoda Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.407

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1684, ao mesmo tempo que se firmou a dependência do mercado local ao inglês.Os portugueses tornaram-se consumidores dos panos ingleses e fornecedores devinho ao mercado inglês. Segundo Alavro Rodrigues de Azevedo o tratado trouxepara a Madeira a mais apertada vassalagem ao mercantilismo britânico406. E isto foide modo que em 1722407 aos vinhos produzidos na ilha só existia duas alternativas:ou embarcá-los para o Brasil, ou vendê-los aos ingleses e por qualquer destes princí-pios lhes tinha pouca conveniência, porque os ingleses os queriam extrair, como oextraiam, por muito inferiores, por vezes a troco de alguns géneros comestíveis quelhes tinha pouca conta os moradores dessa ilha....

Desde 1658 que os ingleses tinham um cônsul na ilha e vinham adquirindoimportância na sociedade local. Em 1725408, aquando da nomeação do cônsulGuilherme Rider, dava-se conta dos princípios porque se regiam as relações entreos dois reinos e dos privilégios dos súbditos ingleses na ilha: E que as pessoas destarepública possam livremente levar aos reinos, portos e territórios de el-rei dePortugal, assim armas, pão, peixes com todos os outros géneros e mercadorias evendê-las a seu arbítrio ou pelo meudo ou por junto a quaisquer homens ou porqualquer preço que poderem. As regalias foram confirmadas todas as vezes que umnovo cônsul tomava o lugar. Assim o sucedendo em 1751409 com Guilherme Naychee em 1779410 com David Bell, com a carta de privilégio concedida ao comercianteestabelecido no Funchal.

No porto do Funchal a presença de armadas inglesas era constante. O relaciona-mento com as autoridades locais amistoso, sendo recebidos pelo governador com todaa hospitalidade. Destas relevam-se as de 1799 e 1805, compostas, respectivamente de108 e 112 embarcações. Para além disto era assídua a presença de uma esquadra ingle-sa a patrulhar o mar madeirense, sendo a de 1780 comandada por Jonhstone.

As expedições científicas do século XVIII conduziram a que instituições científi-cas europeias ficassem depositários de algumas das Colecções: o Museu Britânico,a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História Natural deParis. Por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de realçar JohnByron, James Cook, Humbolt, John Forster. A lista é infindável, contando-se, entre1751 e 1900, quase uma centena de cientista.James Cook escalou a Madeira porduas vezes (1768 e 1772), numa réplica da viagem de circum-navegação com inter-esse científico. Os cientistas, Joseph Banks, J. Reinold Forster, que o acompan-haram intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para aclassificação e depois revelação à comunidade científica. Na primeira viagem apor-tou ao Funchal a 12 de Setembro, sendo muito bem recebido e homenageado comuma festa na casa do cônsul, Thomas Cheap.

Se o consulado pombalino foi pautado por um esfriamento na influência britânica

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 405

presentava metade do que auferia a autoridade de vencimento durante um ano.Através das contas da feitoria podemos acompanhar o movimento de exportação devinho até 1811.

RREECCEEIITTAA DDAA FFEEIITTOORRIIAA BBRRIITTÂÂNNIICCAA..11777744--11881111

AAnnoo RReecceeiittaa BBaarrccooss PPiippaass ddee vviinnhhoo

11777744 1.200$000 183 1166111880033 4.200$000 110 808811880044 11.041$000 117 1104111880055 2.600$000 171 1322311880077 7.159$000 741411880088 20.310$350 290 14832 11880099 230 1536311881100 1127311881111 9535Fonte: Copy of Record of the Establishment of the Chaplaincy and Notes on the Old Factory at Madeira, Funchal,

recopied, 1980

Com o tratado de 1661 abriram-se de novo as portas para o domínio inglês domercado insular, mercê de medidas de privilégio e a isenção dos direitos de expor-tação do vinho. Em 1689 foi-lhes concedida a faculdade de se fixarem com casascomerciais de vinho, comestíveis e manufacturas, fazendo entrar na ilha os artigosde luxo405. Com o tratado de Methuen (1703) pôs-se cobro à situação criada em

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX404

Francis Newton.Thomas Murdoch

405. Todavia, passados quatro anos depois D. Pedro II deu um golpe nesse comércio especulativo de artigos de luxo aointerditar a entrada de panos estrangeiros.

406. Op. cit., p. 720.407. ARM, RGCMF, t. 8, fol. 14.408. Idem, t. 8, fol. 37-52vº.409. Idem, t. 9, fols. 196vº-199.410. Idem, t. 12, fols. 108-109.

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A conjuntura política envolvente ao governo imperial de Napoleão Bonaparterepercutiu-se de forma evidente no espaço atlântico, provocando uma alteração nomovimento comercial. O mútuo bloqueio continental entre a França e a Inglaterralançaram as bases para uma nova era da economia atlântica. Os circuitos comerci-ais que se iniciavam e finalizavam nos portos europeus, desapareceram, por algumtempo, pois o cordão umbilical que os mantinha foi cortado. Neste contexto é evi-dente a valorização das ilhas que passaram a dispor de um mercado aberto para osprodutos como o vinho até aqui alvo da concorrência do europeu. Os dadosdisponíveis em alguns estudos sobre a época revelam que o bloqueio não foi assumi-do e fiscalizado na totalidade. Para a ilha significou alterações nas rotas comerciais.A Madeira perdeu os portos do reino e do norte da Europa, mas em contrapartidaganhou nos contactos com os Açores e as colónias inglesas do indico. A ilha que emfinais do século dezanove ficara seriamente abalada com a concorrência dos vinhoseuropeus via-se agora numa posição sem limites e livre do obstáculo.

Os ingleses, fiéis às ordens de Sua Majestade, acataram as determinações régiasde 16 de Maio de 1806, favorecendo, inevitavelmente, a Madeira. A partir daquitodas, ou quase todas, as embarcações que se dirigiam aos portos franceses e caste-lhanos foram desviados para a Madeira. Ademais os ingleses desfrutavam de umaposição preferencial, adquirida pela argúcia das operações comerciais e amplosprivilégios e garantias ditados pelas forças britânicas que ocuparam a ilha. O empen-ho britânico era por demais evidente sendo a única explicação plausível para a ocu-pação pelas tropas inglesas. O facto mais evidente da conjuntura não foi a subordi-nação do madeirense à soberania britânica mas o que isso implicou em termos da

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 407

as invasões francesas, mais tarde, com os tratados de 1808, 1810 vieram repor a velhaordem. As ocupações da ilha em 1801/2 e 1807/8411 que confirmaram o domíniobritânico. A primeira pelo coronel Clinton quase não se fez sentir mas não evitou onervosismo do governador que, em carta de 26 de Julho de 1801, dizia que em tudotem sido necessário disfarçar412 e o desagrado dos estudantes413. Com a segunda oMajor-general W. C. Beresford conseguiu que o domínio efectivo da ilha passasse paraa administração inglesa. A curta permanência na ilha foi suficiente para confirmar ereforçar o domínio britânico, através de medidas administrativas que conduziram àdiminuição das tarifas aduaneiras em certos produtos414 ou através dos salvo-condutosaos navios415. As medidas confirmação pelo tratado de 1810416 que perdurou até 1836.

Os súbditos britânicos concretizaram a velha ambição de fazer da ilha um recantode Sua Majestade. O primeiro indício da apetência surgiu em 1661, quando nas nego-ciações para o dote do casamento da infanta D. Catarina com o rei Carlos II a parteinglesa reivindicou a inclusão da ilha da Madeira. A tradição, que surge sempre quan-do os documentos se calam, afirma que os madeirenses teriam recusado tal opçãolevando a coroa portuguesa a substitui-la pela ilha de Bombaim e a fortaleza deTanger, para além de uma elevada quantia em dinheiro foi o resgate pago pelosmadeirenses para manterem a fidelidade à coroa portuguesa. Todavia a realidadeparece ser outra. A doação feita em 1 de Novembro de 1656 por D. João IV à InfanteD. Catarina contraria o princípio que levou D. Manuel em 1498 ao fazer reverter paraa coroa a posse, ficando realenga para sempre, pelo que não poderia ser alienada.

À figura de Napoleão associa-se a um período fulgurante da História da Madeiradefinido pela dominância do vinho e pela cada vez mais omnipresente posição doinglês. Também a ilha e o vinho desfrutaram de uma posição inigualável. Talvez portudo isso, quando o fatídico imperador passou pela ilha em Agosto de 1815 a ca-minho do exílio, o cônsul inglês, Henry Veitch, não encontro melhor lembrançapara lhe ofertar que tonel de vinho417. A conjuntura europeia protagonizada porNapoleão fizera com que o vinho madeirense adquirisse uma posição dominante nomercado atlântico, fazendo aumentar a riqueza dos ingleses, os principais comer-ciantes e consumidores. Diz a tradição que o tonel com o precioso rubinéctar regres-sou à ilha, reclamado pelo doador. O vinho regressado à ilha multiplicou-se, em1840, em centenas de garrafas, que fizeram as delícias de inúmeros ingleses.Churchill, de visita à ilha em 1950, foi um dos felizes contemplados.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX406

411. A. Sarmento, Ensaios..., vol. III, pp. 147/163, 175/206.412. Idem, pp. 152/3.413. Idem, pp. 160/1.414. ARM, RGCMF, t. 19, fol. 189vº.415. A. Sarmento, ibidem, p. 206.416. Vide texto do tratado in M. H. Pereira, Portugal no Século XIX. Revolução, Finanças, Dependência Externa, Lisboa, 1979,

pp. 228/241.417. Quando nos referimos ao fim que teve Napoleão, todos, ou quase todos, reclamam a inevitável referência à passagem do

mesmo pela ilha ao caminho do cativeiro em Santa Helena e o retorno dos seus restos mortais em 1840. Alguns, maisafoitos, recordam a importante peça literária que a esse propósito leu J. Reis Gomes na sessão da classe de letras da aca-demia de Ciências em 18 de Janeiro de 1934 e publicado, em separado, com o título O Anel do Imperador, Funchal, 1936.Na nossa mente estão outras questões mais importantes, que definem o perfil do devir económico madeirense em talmomento.

Rótulos antigos.Colecçãoda Madeira WineCompany.

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nas palavras do Juiz do povo, que em 1770 os responsabilizava pela crise do comér-cio do vinho resultado da impunidade com que actuavam na ilha.

P. P. da Câmara destaca a mudança operada no comércio de vinho, fruto dotratado de 1810: Antes do nefando tratado de 1810, era inibido aos ingleses com-prar vinhos em mosto, porém sendo-lhes isto facultado, tornaram-se os árbitrosdeste género, e os verdadeiros senhorios da terra420. O mesmo é reafirmado A. R.de Azevedo, um britanófobo ferrenho: E então o predomínio dos negociantes ingle-ses de mais a mais fortalecido pela invasão e ocupação desta ilha por tropas britâni-cas se enraizou, forte e decisivamente, na Madeira. - Os extraordinários preços a queos vinhos desta ilha foram subindo desde o fim do século passado e o que susten-taram no primeiro quartel do presente, não deixavam sentir essa fuga; davam paratudo; a Madeira nadava em oiro; mas, logo que os vinhos decaíram, os proprietáriosterritoriais, habituados a largas despesas, que os meios de que dispunham já nãocomportavam, recorreram, ao expediente das antecipações, havendo desses nego-ciantes à conta das futuras colheitas, quando precisavam, géneros alimentícios, fato,calçado, mobílias, dinheiro, tudo; e aqueles poucos que não estavam nestas circuns-tâncias e os colonos agricultores vendiam aos mesmos negociantes seus vinhos, aprestações mensais, de sorte que, uns e outros, porque essas casas comerciaisbritânicas os quasi únicos compradores dos vinhos, e árbitros supremos do preçodeles, todos lhes ficaram na mais completa sujeição; o vinho reduzido ao ínfimovalor; os proprietários e agricultores afrontados de penúria; e o negociante inglêsauferindo no estrangeiro todos os lucros, ainda avantajados, do negócio de vinhosda Madeira. A deplorável tirania deste humilhante monopólio se eximiam somenteduas ou três casas portuguesas, que de própria conta exportavam os vinhos de suas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 409

consolidação da comunidade. As principais casas comerciais viram a posiçãoreforçada dominando o mercado de exportação de vinho e importação de artefac-tos e alimentos. O período que decorre a partir da década de noventa do séculodezoito foi marcado por uma acentuada subida da produção do vinho resultante dacada vez maior procura nos mercados americano e indico. O momento de 1794 a1813 ficou para a História do vinho madeirense como o de maior solicitação domercado, atingindo-se no último ano o maior número de pipas exportadas, isto é,cerca de 22.000.

A elevada procura de vinho fez esgotar os stocks, prejudicando o processo deenvelhecimento mas promovendo a expansão da cultura. O preço de venda era ele-vado e a aposta na vinha compensadora. A conjuntura revolucionou as técnicas devinificação, adaptando-se a esta cada vez maior procura. Generalizou-se o uso dasestufas e aguardentes. As primeiras permitiram o rápido e prematuro envelheci-mento dos vinhos, enquanto as segundas possibilitaram o recurso a vinhos de baixaqualidade para o embarque. A adulteração foi fatal para a boa reputação do vinhoMadeira, repercutindo-se, mais tarde, com a abertura dos mercados europeus. Aconjuntura emergente das guerras napoleónicas propiciou um momento alto daeconomia vitivinícola, enquanto que a derrota de Waterloo (1815) foi o prelúdio depróxima fatalidade para o vinho e a ilha.

Não conhecemos qualquer manifestação de agravo por parte da coroa inglesa àinesperada mudança, mas de uma coisa temos a certeza, os ingleses nunca voltaramas costas à ambição hegemónica, pelo que quando o momento o propiciasse a espe-rança acabava por se tornar uma realidade. Sucedeu assim com a situação contur-bada de princípios do século dezanove e, mais perto de nós, com a célebre revoltada Madeira de Abril de 1931418. Por algum tempo os ingleses não se coibiram defazer jus à pretensão ao proclamarem em Dezembro de 1807 a soberania britânicana ilha419.

Subjacente ao fascínio britânico, dizem alguns, está a polémica questão da lendade Machim. Diz-se até que ela era reabilitada a cada momento que semelhante con-juntura fosse realidade. Teria sucedido assim na década de sessenta do século dezas-sete com a promoção feita pela Epanáfora Amorosa de D. Francisco Manuel deMelo, repetindo-se em 1814 com o benemérito Robert Page, que dizia ter encon-trado o madeiro da vera cruz que encimou a cova do par amoroso. Mas tudo istonão passará de mera coincidência, considerada por alguns, como Álvaro Rodriguesde Azevedo e o Pe Eduardo Pereira, de origem duvidosa. Todavia nunca vingaramos argumentos históricos na reivindicação inglesa para a posse do arquipélago. Elaaconteceu de facto, servindo-se de favores estabelecidos em tratados, de uma pau-latina conquista do comércio da maior riqueza que era o vinho. Existiu, na verdade,uma forte contestação à presença britânica na ilha no século XIX. Uma está patente

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX408

418 . Veja-se Maria Elisa F. Brazão, A Revolta da Madeira, Funchal, 1994.419 . Cf. Paulo Miguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Guerras Napoleónicas,

Funchal, 1999.

Rótulos antigos.Colecção da MadeiraWine Company.

420. Op. cit., p. 91.

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por vezes, formas de proteccionismo. Isto aconteceu com as firmas de JorgeMonteiro e Dona Guiomar, sendo encarado como meio de romper o domínioinglês. O monopólio do comércio do vinho por uma companhia consignada a PedroJorge Monteiro é fruto disto. A questão surgiu em Abril de 1784427 com o lança-mento do finto, criado para suprir as despesas da guerra. A arrecadação foiconsignada a Pedro Jorge Monteiro, preparando-se a Junta para formar uma com-panhia de vinhos. Mas mereceu a desaprovação da classe mercantil da praça, pres-sionada pelos ingleses428. O Governador viu-se forçado a tomar providências excep-cionais de modo a desfazer o boato: Seria inútil qualquer diligência que se fizessepara conhecer o autor dela e só posso atribuir esta malevolência à inveja do aumen-to e estabelecimento desta casa de negócio, a melhor e mais sólida que tem esta ilhae a primeira que principiou a manejar uma grande parte do negócio, que antes sócorria pela dos estrangeiros429.

Pensamos, tal como João José de Sousa, que o espírito anti monopolista dos mer-cadores era por um lado a reacção natural da média burguesia, muito fragmentada,notando-se da autóctone, por outro lado a natural defesa dos interesses ingleses,pelos comerciantes que a representavam a ‘nação inglesa’. A burguesia madeirensemantém-se a um nível inferior, quanto à base económica, com poucas excepções,incapaz de elevar-se à grande concentração capitalista que vê com pavor como uma

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 411

terras e outros comprados, tendo estas casas, por vezes, patriótica e generosamentemantido os preços, para que não descessem ao ínfimo, que o mercado britânico pre-tendia impor. Assim mesmo a Madeira chegou a miseranda decadência; o vinho,único produto a que se dedicava, era ao mesmo tempo o seu recurso e a sua des-graça, o seu tesouro e a sua pobreza421.

As reflexões supracitadas parecem ter sido o pensamento dominante dosmadeirenses no século XIX. As próprias instituições sentiram o mesmo problemae não se fizeram rogadas. A Câmara do Funchal em 1814 ao abordar a questão dasaguardentes referia o predomínio inglês nas actividades especulativas: O nossocomércio é absolutamente passivo, os ingleses põem o preço aos nossos vinhos eaos seus efeitos. O cabedal da gente da terra está todo em poder deles pelos longuís-simos prazos a que se tem taxados os pagamentos e para aumentar ainda a sua pre-ponderância e ascendência comercial trabalham por fazer parar as nossas mãos,para passar às suas pelo preço que quiserem um grande excedente de vinhos e nãohá decerto meio mais adequado por obstar este danado fim do que arruinar eobstruir o nosso consumo interior, que sendo só dos nossos vinhos em parelha coma exportação422. Os ingleses para fazerem parar nas nossas mãos um grande exce-dente de vinhos, compra-los por preços baixos querem obstruir a extracção deles nointerior com as suas bebidas espirituosas423.

A acção dos ingleses foi dominadora nos séculos XVIII e XIX controlando, nãosó as vias de escoamento do vinho, como também o comércio e abastecimento domercado local. Desde os começos do século XVIII que as relações comerciais entrea Madeira e a Inglaterra nunca mais deixam de crescer. Comerciantes ingleses desdehá muito que substituíam os flamengos ou italianos no conjunto da praça fun-chalense. Muitos activos arrematam o vinho aos produtores e colocam-no nos mer-cados por eles controlados. Os produtos manufacturados e os víveres que vêm daInglaterra e colónias americanas em troca do vinho para as suas mãos. Armadoresingleses garantem o grosso desse tráfego, assim mesmo quando a balança comercialse equilibrava ou apresentava ligeiro favorecimento à Madeira os lucros da própriaexportação vinham acumular-se nas mãos dos mercadores e armadores ingleses424.Uma das estratégias usadas pelos negociantes ingleses era a troca antecipada domosto por manufacturas.425

João José de Sousa426 a partir da análise dos consignatários dos navios entradosno porto do Funchal dá conta da predominância dos ingleses ao nível geral e doslocais ao nível nacional. A concorrência entre a burguesia local e estrangeira assume,

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Raleigh Blandy, C. J.Cossart, Leland Cossart,Harry e Charles Hintonna Quinta doMonte[1842]

421. Op. cit., p. 720.422. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79vº-81.423. Idem, t. 14, fol. 87vº.424. J. J. de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal, p.99.425. J. Barrow, A Voyage to Conchinchina in the Years 1792 and 1793, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da

Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.339; F. R. G. S., Wanderinghs in West Africa…, London, 1863, in AlbertoVieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.369; F. W. Taylor, The Flag Ship: Or a VoyageAround the World, NY, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.356.

426. J. J. de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal, pp.40-66

427. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 709/711, 715/716.428. Idem, nº 715.429. Idem, nº 709.

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A eles pertencia suprir as faltas da província, em quanto os ociosos fidalgos (poisque aqui não há nobres) vivendo do produto das suas terras, só cuidaram em sus-tentar a soberba e ostentação de suas casas, pouco considerando, que vindo a faltar-lhes aqueles frutos, ficariam também reduzidos à pobreza que nos mais tantodesprezavam431.

Uma rápida análise da lista de comerciantes acreditados na Alfândega entre1820/1825432 evidencia que os ingleses apresentam capital superior aos portuguesesexercendo um forte peso na balança comercial. Em 1823 o comércio sofreu umaligeira quebra resultado certamente dos acontecimentos políticos no reino com a Vila-francada. De acordo com os livros de registo de saída433 os ingleses eram detentoresdo transporte e comércio do vinho com um volume superior a 50% entre 1822/1830.

Os ingleses foram os únicos estrangeiros que conseguiram assumir uma posiçãoprivilegiada na sociedade madeirense criando um mundo à parte e funcionando cominstituições próprias, privilégios exorbitantes, o controlo quase total da economia dailha e fruidores da riqueza: Os lucros provenientes desta ilha são, indubitavelmente,mais consideráveis para a Grã-bretanha do que para a sua Terra mãe (Portugal),como consequência do comércio realizado entre elas e da feitoria britânica aí estabe-lecida e que consiste, presentemente, em mais de vinte casas comerciais e cujas for-tunas adquiridas se centram na Grã-bretanha. As outras nações pouco disputam aosIngleses neste seu comércio com a Madeira. Mesmo os Portugueses que tentaramcompetir com eles, raramente prosperaram por terem, como se supõe, menos co-nhecimento comercial assim como também, provavelmente, um capital e créditomais pequenos e menos ligações com estrangeiros. Os comerciantes Britânicos con-trolam, para seu interesse, os cultivadores de vinha, fornecendo-lhes de antemão tudoo que eles necessitam, nos intervalos da vindima e nas estações mais baixas. Os seusnegócios com os habitantes portugueses do Funchal também devem ser intensos;exceptuando este facto, parecem não existir muitas relações sociais entre eles434.

A britanofobia madeirense, evidente em princípios dos séculos XIX e XX, con-funde-se, por vezes, com a afirmação do liberalismo e republicanismo, quando aorigem parece ser outra. A crise económica, com especial incidência no sector co-mercial, resultado do desaparecimento do império britânico com a perda das coló-nias, a partir da independência dos EUA, fez catalisar as vozes da revolta. O inglêsera o principal culpado porque cortara o cordão umbilical que ligava a Madeira aoNovo e Velho Mundo. O mal ia mais fundo e filiava-se na secular ausência de umaburguesia comercial madeirense capaz de protagonizar e apontar o papel dos súbdi-tos de Sua Majestade. Foi por isso que na Madeira se fez sentir o impacto negativoda crise do império.

Também a perseguição religiosa, embora no caso inglês existisse uma perfeita

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 413

ameaça, que não deixa de ser real, à sua independência. Simplesmente tal concen-tração inglesa que era maneira de lutar eficazmente contra a influência inglesa queera pesadamente sentida, e tal maneira de encarar os processos de luta contra osmercadores ingleses era aceite pelas autoridades. De qualquer modo, é em concor-rência com os ingleses e com o apoio tácito dos órgãos de estado que a partir dasegunda metade do século XVIII, adentro de circunstâncias já apresentadas, surgemalgumas ‘grandes’ casas de mercadores madeirenses. Tal facto vem compensar asdeficiências que a micro burguesia apresentava de que, de resto, o governo da ilhatinha consciência, não lhe reconhecendo suficientes cabedais para comerciarem noramo vinícola, sendo até olhada como factor importante das adulterações do pro-duto430.

O predomínio inglês no mercado interno e externo madeirense era justificadoem 1821 pela letargia e desprezo das classes abastadas locais: Os governos antigosquasi sempre erão compostos de nobres e plebeus. Os primeiros vaidosos das suashonras e dos seus talentos, olhavam para o negócio com um baixo e desprezívelemprego e só nos segundos competia as honrosas ocupações da agricultura, comér-cio e indústria. Nesta ilha portanto o mesmo sistema prevaleceu e como os da segun-da classe, conforme as populações do país eram de poucos teres para se entregaremneste tráfico, deixaram inteiramente apossar-se dele os estrangeiros, que aqui con-corriam.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX412

Peter Cossart[1831-1870] Henry Veitch[-1857]

430. J. J. de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal,p.46

431. Patriota Funchalense, nº 41, p. 2.432. ANTT, AF, nº 99, fols. 3-13.433. Idem, nº 247, fols. 248-252.434. G. T. Staunton, An Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to the Emperor of China, London,

1797, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.340-340

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cos coloniais das Índias Orientais e Ocidentais. A Madeira era a base das operaçõescomerciais e bancárias e o vinho a contrapartida favorável ao negócio colonial.Segundo afirma carta de 6 de Setembro de 1695437 os géneros que comerciava na ilhaeram trocados por vinho. A correspondência comercial é dos poucos dados reve-ladores da importância do vinho da Madeira em finais do século XVII nos merca-dos das Índias Ocidentais, América do Norte e Inglaterra.

Terminada a acção de W. Bolton surgiram em 1740 novos comerciantes ingleses,como John Leacock (1741), Francis Newton (1745). O primeiro tomou contactocom o negócio de vinho da Madeira na firma de Catanach e Murdoch, fundandodepois a companhia [Leacock & Ca. Lda., a que em 1759 se junta a MichaelNowland e em 1762 John Russel Spence]. O segundo, com o apoio do irmão nosEstados Unidos manteve um comércio activo, especializando-se no comércio paraonde, segundo recomendação do Congresso americano de 1774 a deter omonopólio da exportação de vinho para a América. Com a morte em 1799 a firmapassou para as mãos do filho William. Temos notícia em 1797 da exportação de 300pipas para a Índia, em 1799 de 3.041 para W. Indias e em 1780 de 200 para Savanahe Charleston438. R. Croft-Cooke, referindo-se à acção dos dois negociantes de vinho,salienta: They came to the island with nothing, they showed great entreprise, theywork hard, took riskes and gained their reward. They left two firms behind theirwich while others came and went, remained rivals for a hundred and twenty years439.

Na Filadélfia destacou-se Henry Hill (1732-1798), irmão do mayor da cidade,afirmando-se como um dos mais importantes mercadores do vinho Madeira, quefazia parte do Pensylvania Constitucional Convention (1776). O nome está associa-do, juntamente com a firma Hill Lamar & Hill no Funchal, ao fornecimento devinho à casa de George Washington440.

A partir de 1789 temos notícia da acção dos negociantes de vinho no porto doFunchal onde constatamos a presença dos ingleses com as firmas acima referidas.Aqui destacam-se Murdoch Tearns & Cª, Carlos Adler, Scott Pringle & Cª, Banger& Cª, Amuty & Mateston, João Searle & Cª. Da parte dos nacionais podemos referirD. Guiomar Magdalena de Sá, Pedro Jorge Monteiro, Bertoldo Francisco Gomes,António Vieira, António Joaquim de Sousa441.

Na segunda metade do século XVIII evidencia-se a figura de Dona Guiomar deSá Vilhena442. No período de 1777 a 1790 foi consignatária de 227 navios e ao nível daexportação de vinho assumiu uma posição de destaque. Em 1782 surge com 602 pipaspara o Oriente, o que corresponde a 60% das saídas de vinho do porto do Funchal.Em 1784 tinha 700 pipas disponíveis para embarque com destino aos portos asiáticos.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 415

harmonia com o estado, não deve ser entendida como mais uma forma deexpressão da britanofobia dos madeirenses, antes como uma luta secular entre aigreja apostólica romana e as novas igrejas protestantes. Outros casos, como o dairmã Wilson, revelam precisamente isso. Isto é corroborado nalguma da documen-tação disponível e, de modo especial, nos jornais. A perseguição religiosa sobrepõe-se à individual. No caso de Robert Kalley não estava em causa a pessoa e naturali-dade mas as ideias que veiculava. O cirurgião de Glasgow chegou à ilha em 1838atraído pelas vantagens do clima para a cura da tísica da esposa. Cá permaneceu,entremeando o exercício da medicina com a pregação religiosa, como pastor da igre-ja presbiteriana. A reacção sucedeu em cadeia e mobilizou a igreja e o governo,levando à fuga dos adeptos em 1846. Foi o início de um périplo de algumas famíliasmadeirenses que, passando pelas Antilhas, terminou em Illinois.

Do outro lado, o lamento expresso nos documentos consulares do ForeignOffice435, está a voz dos aflitos que permaneceram na ilha agarrados aos interesses eseduzidos pela beleza e clima. O processo era irreversível e com a Segunda GuerraMundial tudo mudou. Não mais a Inglaterra imperial. Não mais a ilha, o vinho e oporto para os vapores. Os grandes transatlânticos foram ultrapassados pela aviaçãocivil. Mudou-se o protagonismo da ilha, dos ingleses e novos impérios definiramnovos rumos, outros desafios ao paladar, novos líquidos para dessedentar os aven-tureiros em busca de emoções ou noctívagos.

O século XX contribuiu para o quase total apagamento da comunidade britâni-ca na Madeira. Paulatinamente os ingleses foram perdendo a hegemonia no comér-cio dos vinhos e bordados. O processo de autonomia política, a partir de 1976, con-duziu à completa transformação da conjuntura económica, atribuindo aos nacionaiso necessário protagonismo. Apenas em duas empresas do sector vitivinícola a inter-venção se torna notória, é o caso de Madeira Wine Association e Justino Henriques.

O negociante de vinhos

No grupo de comerciantes ingleses instalados na praça do Funchal salientamos aacção de William Bolton que se fixou em 1695 e permaneceu até 1740 tornando-seno principal negociante de vinhos que monopolizava o comércio para à América doNorte 436. William Bolton foi um destacado comerciante de vinhos detentor da redede reabastecimento da ilha em manufacturas e comestíveis. Foi entre todos os co-merciantes ingleses o que maior influência exerceu nos circuitos comerciais britâni-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX414

435. Public Record Office, Foreign Office, 63: 7, 79, 441, 570, 591, 608, 795, 919, 1221, 1443, 1002, 1009; nº.811: 1, 2, 3,12,29

436. Segundo A. L. Simon William Bolton shiped wine from Madeira to the West Indies, to New York and Boston, to England,and Ireland, and he supplied with ships calling at Madeira on their way to South America, St. Helena, Madagascar, India,Java and other places wine.Was the staple export commodity Bolton dealt in, but he imported a very large variety of good stuffs, raw material andmanufactured articles for consumption in Madeira or to be shipped from that island most parts of the World [The BoltonLetters, vol. I, p. 8.]

437. Idem, pp. 21/3.438. R. C. Cooke, ibidem, pp. 61/2.439. Ibidem, p. 64.440. Letters to Washington and Accompanying Papers. Published by the Society of the Colonial Dames of America. Edited by

Stanislaus Murray Hamilton441. ANTT, AF, nº 245.442. Bernardete Barros, Dona Guiomar de Sá Vilhena. Uma Mulher do Século XVIII, Funchal, 2001.

Page 212: avieira-vinhavinhomadeira

11778888 Murdoch Tearns & Cª, Newton Gordon & Johnston,Noulan & Leacock, Caudell Innes & Cª, Lamar HillDisset & Cª, Scott Pringle & Cª, Gordon Duff, Smith &Duff, Cristóväo e Guilherme Lynch, Arthur Almuty & Cª,Phelps & Morrisey, Eduardo Moore, viúva de Foster &Filhos, Ricardo Brushel, Duarte Clark

11778899 Murdoch Tearns & Cª, Carlos Adler, Scott Pringle & Cª,Banger & Cª, Amuty & Mateston, João Searle & Cª.

11779900 W. Foster & Sons, Banger & Co, S. Weston & Co, I. M.Pintard, Scott & Co, Gordon Duff & Co, J. c. Smith,Magrath & Higgins, C. & W. Lynch & Co, James AyresDunn, James Moore,Condell Innes & Co, AhmutyMasterton & Co, J. & W. Phelps & Co, Linton & Co, J. J.& W. Leacock, Charles Alder, Allen & Co, Sheffield &Co, Murdoch Fearns & Co, Newton Gordon & Murdoch,Newton Gordon & Co, Silas Twiner, Hills Bissett & Co,Linton & Bell, c. Alder & Co, James Shefield, Lynch &Co, M. Masterston & Co, Phelps & Co, Forbes White &Co, T. Hayward.

11880000 J. C. Smith, Newton Gordon & Murdoch, C. & Wm.Lynch & Co., C. Alder & Co, Condell Innes & Co, M.Materton & Co, Gordon Duff & co, J. & W. Phelps &Co., Scott & Co, Forster & Sons, Joseph Selby, J.Blackburn & Son, I. F. Smith, J. Horne, Henry Young,Allen & Co, Young & Lamar, Hill Bissett & Co, Magrath& co, Bissett & Co, Forbes & Co, James Sheffield & Co,W. Leacock, J. Banger, Selby & Ayres, Wardrop & Co, J.R. Setuval, Magrath & Higgins, James Ayres & Co, J.White & Co, Banger & Co, Phelps & Co, Lybch & Co, J.Horne & Co, James Gordon, J. & W. Leacock, Bissett $Phelps, Murdoch Yuille Wardrop & Co, W. Phelps & Co,Condell & Co, Charles Alder & Co, Leacock & Co,Robert Linton, John Anglin.

11880033 João Pringle, Newton Gordon Murdoch & Cª, GordonDuff & Cª, Hill Bissets & Cª, João e Guilherme Leacock& Cª, Roberto Linton, Murdoch Masteston & Cª, JohnBellringer, Phelps Page & Cª, Magrath & Higgins, GeorgeColson Smith,, Gordon Duff & Cª, Roberto Linton, viúvade Foster & Filhos, Christóvão e Guilherme Lynch & Cª,Phelps Page & Cª, George & Robert Blackburn, João eGuilherme Leacock & Cª, Fleming Gordull & Cª,Magrath & Higgins, João Jacinto Pestana, Robert Innes, J.Anglin, Diogo Sheffield & Young, João Bellringer,Murdoch Mateston & Cª,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 417

MERCADORES DE VINHO.1722-1880Data Estrangeiros

11772222 William Rider, Josep Hayward, John Miller, DanielNoyer, Richard Miles, James Pope, Alexander French,Augustus Lybch, John Bissett, William Godard,Benjamin Bartlett, George Lawrence, P. Valette

11775544 John Catanach, William Murdoch, Richard Hill, ThomasLamar, Richard Hill jnr, John Scott, Mathew Hiscox,James Gordon, John Serale, Francis Newton, WilliamNash, Sam Sills, John Pringle, Charles Cambers.

11775588 Murdoch, Tern & Cª. Newton, Gordon & Johnston,Phelps & Cª., João Searly & Cª, Scott Pringle & Cª,Almuty Masterson & Cª, Cristóvão e Guilherme Linch,Lamar Hill Bisset & Cª, Condell Innes & Cª, DiogoFleming, Diogo Dinver Júnior, viúva de Foster & Filhos,José Selby, Gordon Duff, Smith Duff

11778866 Scott & co, Charles Alder, Allen Aravio & co, Lar &Lynch, Lamar H. B. & co, Allen & co, Scott Pringle &Co, Nowlan & Leacock, L. h. Bissett & co, A. Ahmuty, J.D. S. Duff, Johnston & Co, George Sealy, Leacock & co,Duff & co, Lynch & co, Brush Selby & co, William Alder& co, Selby Towns, Newton Gordon Johnston, Murdoch& co, Linton & Sealy, Foster & co, S. Towns & co, S.Banger & co, Cenier B. & co, E. More, J. & W. Phelps,Condell Innes & co, Robert Cock, Lamar H. B. & Lynch,Widow Foster & Son, C. & Wm. Lynch, wm. Foster &Sons, Denyer & Blackburn, Robert Linton, Condell & co,Phelps & co, J. Searle & co, Allen A. & co, NewtonGordon & Johnston, Murdoch Fearns & co, Phelps &Morrissey, J. L. Banger.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX416

Rótulos antigos.Colecção da

Madeira WineCompany.

Pedro Jorge Monteiro, CarvalhalAllen & Araújo, Pedro MendonçaDrumond, Paulo Malheiro deMelo,

D. Guiomar Magdalena de Sá,Pedro Jorge Monteiro, BertoldoFrancisco Gomes, António Vieira,António Joaquim de Sousa

Correia de França & Cª, Nuno &António de Freitas, Perestrelo deCastro & Cª, Paulo Malheiro deMelo, Valentim & João Cunha,Monteiros & Cª, Francisco José deOliveira, Correia de França & Cª,Nuno António de Freitas,Domingos de Oliveira Júnior,Domingos de Oliveira Alves,Monteiros & Cª, Paulo Malheirode Mello, António Ferreira de Sá,Francisco José de Oliveira, Pedrode Sant’anna, Henrique José doCouto, Domingos João Affonseca.

NNaacciioonnaaiiss

D. Guiomar Magdalena de SáVilhena, Pedro Jorge Monteiro,Paulo Malheiro de Melo,Carvalhal Allen e Araújo, Pedrode Mendonça, Diogo Ayres &Filhos

Page 213: avieira-vinhavinhomadeira

Henriques Lawton, John Hutchins, T. S. & J. W. Selby,G. & R. Blackburn, T. Edwards & co, Gordon Duff & co,Shortridge Lawton & co, Henry Dru Drury, R,Donaldson, Welsh Brothers,

11884411 Blackburns & Cª, Blandy Bernett & Houghton, GordonDuff & Cª, Heirs & Cª, Leacock Harris & Cª, Lervis & Cª,J. M. March & Cª, Murdoch Shortridge & Cª, NewtonMurdoch & Cª, Phelps Page & Cª, Rutherfort & Grant

11887700 Cossart Gordon & Co, Blandy Brothers & Co, Leacock &Co, Rutherford Browne & Miles, Welsh Brothers, KrohnBrothers, Henry Dru Drury, Shortridge Lawton & co, T.S. & J. W. Selby, T. Edwards & co, Viúva de Abudarham& Filhos.

11888800 Cossart Gordon & co, Krohn Bros & co, Henriques &Lawton, Blandy Brothers & Co, H. Dru Drury, viúva deAbudarham & Filhos, John Hutchinson. Wels Brothers,Robert Wilkinson, Robert Donaldson, T. s. & J. W.Selby, Frank Wilkinson

Madeira Wine Association Lda, A. B. Vin Pritcentralen,Cossart Gordon & Co, H. P. Miles & Cª Lª

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 419

11880055 Gordon Duff & Co, Newton Gordon & Murdoch, smith& Robinson, Leacock & Co, Murdoch M. & Co, PhelpsPage & Co, G. & R. Blacburn, Sheffield & Young,Haywards & Co, Joseph Selby, C. & W. Lybch & Co,Scott & Co, Lynch & Co, Murdoch Yuille Wardrop & Co,Francis K. smith, W. S. Shaw, J. Anglin & Co, ColsonSmith & Co, J. Welsh, James Ayres, Hicklin & Angling,Charles Alder, Foster & co, Colson Smith & Robinson,Sheffield & Yuille, Martin Bicker, W. Foster & Sons, R.Linton, Hayward & Co, J. Leacock, Condell & Co,Henry Crawford, Maitland & Co, Manly & Heart, Keir &co, H. Crawford & Co, J. M. Douglap, Magrath & Co, J.Cameron, I. Ray, G. D. Welch, John Bennet, Linton &Gough, W. Hunter, J. Haughton, J. Could, c. McCabe,Cathcart Foster & Co, Houghton & Co, John Bellringer,Newton Gordon Murdoch & Scott, James Reilly, Cathcart& Co, Wardrop & Co, James Carey, J. & W. Leacock &Co, J. Morris, S. Clement, J. Herald, Linton & Co, W. S.Shaw, J. Beasly, W. Harwood, J. Karrick, J. Philips, M.Dougall, Blacburn & Co, Widow Foster & Co, J. & W.Leacock, W. s. Shaw, C. Alder & Co, R. Foster, R. & P.Symonds, Magrath & Higgins, Codell Innes & Co,Leacock & Co.

11881100 Gordon Duff & Co, Wardrop & Co, Newton GordonMurdoch & Scott, D. Maitland, J. Robinson & Co, Manly& Co, J. Anglin, S. & C. Smith, Phelps & Page & Co,Lynch & Co, G. Gould & Co, John Searle, R. & R.Symonds, S. Youngs, Scott & Co, M. Stocks, G. Gould,H. Crawford & Co, Blackburn & Co, S. T. Alder & Co,Keirs & Co, James Carey, S. Houghton, M. Stokes,Sheffield & Young, J. Cathcart, M. Beiker & Co,Crawford & Co, J. & R. Blackburn & Co, Leacock &Harris, J. Robinson & Oliveira, J. Bellringer, M. Wallace,A. Doran, T. Edwards, Smith & Co, J. D. Lewis & co, S.Bennet, J. Stanley, C. W. Lynch & Co, Innes & Co.

11882233 Gould Roupe & co, Scott Lougham & Co., J. Blandy &co, Murdoch Yuille Wardrop, Symonds Ruffy & Co,James Selby, John Searle & co, W. Findley, Keirs & co, J.H. March & Co, John Anglin, J. R. Blackburn & Co,Minett & co, James Houghom, Neston Gordon Murdoch& Scott, Gordon Duff & Co, J. E. Reilly, Phelps & Page &Co, Alex Hally, R. Bousce, P. Wallace.

11882288 Gordon Duff & co, Symonds & co, T. Edwards & co,March & co, Thomas Dunn & co, Lewis & co, NewtonGordon Murdoch & co, Keirs & co, John Blandy,Murdoch Yuille & Co, G. & R. Blackburn, Blandy & Co,Gordon Duff, Leacock Harris & co, Scott Loughan &co,Rutherford Browne & Miles, Krohn Rothers & Co,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX418

J. B. Bocage, J. C. T. Uzel,

J. A. Rego, Barbo do Tojal, Araújo& Irmãos, J. M. Bernes, RobertoLeal, Monteiros & Cª, F. A.Ornellas, António Pestana

A. P. Cunha, Luís Soares de S.Henriques, Câmara & Freitas.Tarquinio T. da CâmaraLomelino, Barão da Conceição,Meyrelles sobrinho & Co., F. f.Ferraz & Cia, Luis Gomes daConceição & Cia, A. P. Cunha,Câmara & Freitas, H. M. Borges,Roberto Leal.

A. P. Cunha, Luís Soares de S.Henriques, Câmara & Freitas.Tarquinio T. da CâmaraLomelino, Barão da Conceição,Meyrelles sobrinho & Co.

Henriques & Henriques, LuisGomes da Conceição Lda.,António Edurado Henriques,Companhia Vinícola da MadeiraLda., H. M. Borges SucessoresLda., Justino Henriques FilhosLda., Freitas Martins caldeira & Cºlda, Silva Azevedo & Cº, LuísPolicarpo Rodrigues, Artur deBarros e Sousa, Luís Filipe Costa.

FONTE: ANTT, AF, nº 245; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 35, 883, 824, 1431,1564; P. P. Câmara, ob. cit., pp.90-91; N.Cossart, Madeira. The Island Vineyard, London, 1984.

Page 214: avieira-vinhavinhomadeira

Os comerciantes americanos Francisco March e John H. March afirmaram-senas exportações para o mercado dos Estados Unidos, New York, Filadélfia,Charlston, Boston, Virgínia, a que se juntavam os ingleses Guilherme Tindlay,Leacock Harris, Richard Dover, Newton Gordon Murdoch & Scott.

O negociante inglês controlava os circuitos das Índias Ocidentais e Orientais ecom a Inglaterra, existindo uma rede comercial montada desde o século XVII. Aquipodemos relevar a acção de Philip N. Searle, Gough Holloway, H. Temple,Rutherfort & Grant, Diogo Bean, Richard Dover, George Stoddarte, NewtonGordon Murdoch & Scott, Phelps Page. Para a India temos George Blackburn & Cª,N. Gordon M. & Scott, Richard Dover, H. Temple, Rutherfort & Grant, GeorgeStoddarte. Para a Jamaica e W. Indias N. Gordon M. & Scott, Richard Dover,George Stoddarte, Diogo Bean, H. Temple, Cough Hollway, G. Tindlay, Philip N.Searle. Para Hamburgo - Joaquim António Dias, João Cairns, Cough & Hollway,Cª., João Oliveira, Quintino Pestana. Para S. Petersburgo (e Rússia) - Manuel deSantana Vasconcellos, Monteiros & Cª, João Oliveira & Cª, Diogo Bean, H. Temple,Leacock Harris & Cª, Richard Dover, Francisco March, Philip N. Searle.

Os ingleses controlavam os circuitos comerciais de maior volume de exportaçãocom forte incidência no mercado colonial britânico, enquanto os nacionais, comestas rotas vedadas, restringiam-se à Europa do Norte, como a Rússia e Hamburgo,ou distribuíam-se de modo diferenciado por todas as áreas, mas sem assumir qual-quer peso de nota. A dominância dos nacionais no mercado nórdico revela o aban-dono progressivo do negociante inglês do comércio do vinho da Madeira. JoãoOliveira, por exemplo, destaca-se 1823/1830 pelo volume de exportação e a con-stância no abastecimento aos mercados de Londres, Demerara, Jamaica, W. Índias,mas sem nunca atingir a posição dos ingleses.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 421

Em 1762 John Russel Spence instalou-se na ilha443 e com o apoio do irmão naAmérica dedicou-se ao comércio de exportação de vinho. À firma de FrancisNewton (1745/8) juntou-se em 1748 a Spence, Newton & Spence (1748/58), em 1758Gordon-Newton & Gordon (1758/81), em 1791 Johnston-Newton Gordon &Johnston (1791/1802), em 1802 Murdoch-Newton, Gordon & Murdoch (1802/5);em 1805 morre Francis Newton mas manteve-se a firma a que em 1805 se juntouScott-Newton, Gordon & Scott Cª. (1805/34) e em 1831 Cossart, de origemhuguenote, passando a firma a chamar-se, a partir de 1839 - Newton, Gordon,Cossart & Cª, sendo em 1861 retirado o nome do fundador, ficando só Cossart,Gordon & Cª444.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX420

Portão de entrada da firmaCossart Gordon à Rua dos

Netos.

Escritório e Arquivo

443. Vide E. Nicholas, Madeira and the Canarias, p. 105.444. Idem, ibidem, pp. 105/8; R. C. Cooke, ibidem, pp. 43/64; Elucidário Madeirense, vol. I, p. 309; A. L. Simon, Madeira and

its Wine, pp. 15/23. Em 1827 temos em O Defensor da Liberdade, nº 17, p. 4, se dá conta da dissolução da firma com-posta por Thomas Murdoch, James David, Wesbston Gordon, Robert Scott, Edward William Ruilly, Henry SterneWilhrakein.

Armazém de vinhos de Cossart Gordon & co.Máquina de lavagem de cascaria nos armazénsde Cossart Gordon & co.

Page 215: avieira-vinhavinhomadeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 423

No início do século XIX, em face da ocupação inglesa, deu-se um novo surto dasfirmas inglesas com a instalação de John Blandy (1802), Rutherford & Grant (1814).O último associou-se a P. Drury, mas em 1878 dissolveu-se a companhia ficandoRutherford, Browne, Drury & Cª. A partir das listas dos documentos oficiaispodemos saber da forma de representação das comunidades de comerciantes napraça do Funchal. Em 1841, Paulo Perestrelo da Câmara445, referindo-se ao númerode negociantes da praça do Funchal, dava conta de 30 casas quasi todas inglesas.

A crise provocada pelo oídio conduziu, segundo Álvaro Rodrigues de Azevedo,à debandada geral das casas britânicas e os poucos que ficaram deslocaram as activi-dades para o rendoso negócio de carvão, que servia de suporte à navegação a vapor:Esta crise medonha regenerou a ilha da Madeira - o mercador inglês, extinto ovinho, liquidou como poude e retirou-se; das antigas casas britânicas só ficaram asde Newton Gordon & Cª, J. W. & T. Selby, Blandy e Rutherford & Grant, sendo asduas últimas mantidas principalmente pelo valioso negócio do carvão de pedra.Assim a Madeira ficou libertada desses dominadores capitalistas...

A ilha da Madeira, em bem o digamos, está, ao presente, livre, abundante, rica efeliz446.

Teria realmente sucedido assim? É certo que escasseiam dados mas lícito será deadmitir que não ocorreu uma debandada geral do negociante de vinhos inglês.Devemos esclarecer que o inglês não se entretinha apenas com o comércio de vi-nhos estando também empenhado na importação de víveres e manufacturas. A con-firmação de que nem todos saíram, é-nos dada em 1876 quando se referem algunsresidentes há muito tempo na ilha: Leeland Cossart, Charles R. Blandy, KrohnBrothers, João José Roiz Leitão & Filhos, Leais Irmãos & Cª, Alexandre P. da

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX422

Rótulos antigos.Colecção da Madeira

Wine Company.

445. Op. cit., pp. 90/91.446. Op. cit., pp. 722/3.

Empresa F. F. Ferraz &Co. à Rua dos Netos

Page 216: avieira-vinhavinhomadeira

de 1905 um grupo de personalidades ligadas à produção e comércio do vinho decid-iu criar a Madeira Wine Company Lda., que prontamente ganhou importância coma adesão de destacadas empresas que haviam dominado o comércio de vinhos.Ficou conhecida como o cemitério dos exportadores de vinho450.

Através das exportações de princípios do século XX é possível saber-se a dimen-são assumida pelas diversas sociedades comerciais. A predominância inglesa revelaque não haviam abandonado a ilha com a crise da segunda metade do século XIX.A saída terá sido atrasada, ocorrendo apenas a partir da Primeira Grande Guerra.

EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO 11990000--11990055 EEMM PPIIPPAASS..11990000--11990055

Exportador 11990000 11990011 11990022 11990033 11990044 11990055

Cossart Gordon & Co. 2274 1993 2445 2420 2446 2589Blandy Brothers & Co. 853 920 784 834 986 997Krohn Brothers & Co. 748 755 609 684 521 686Leacock & Co. 503 454 434 419 352 358H. P. Miles 484 440 404 539 396 428Power Drury & Co. 477 496 481 507 342 367Viúva Abudarham & filhos 269 247 294 286 127 186T. T. da Câmara Lomelino 128 97 102 121 139 155A. P. Cunha 93 60 59 51 33 48A. I. Gonçalves 89 22 35 46 39 51Pries Cholz & Co. 73 78 23 35 14Welsh Brothers 43 114 100 62 90Outros 278 320 375 269 229 318TTOOTTAALL 6622000066 55992200 66221144 66229900 55776666 66228877

Fonte: António Homem de Gouveia, A Situação da Madeira, Funchal, 1907, p.21.

O governo do Estado Novo estabeleceu-se em 1939 a obrigatoriedade de todosos exportadores estarem registados na alfândega. Como forma de garantir a quali-dade do produto ficou determinado que as casas deveriam apresentar anualmenteaté 15 de Novembro a quantia de mosto ou vinho claro disponível em armazém, quedeveria ser superior ou igual a 2/3 do vinho exportado durante os doze meses ante-riores. Estamos perante uma medida salutar no sentido da reposição dos stocks.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 425

Cunha, Rutherford & Gibbs, John Loaring, Carlos Bianchi, Augusto C. Bianchi,Meyrelles Sobrinho & Cª, Roberto Donaldson447.

O comerciante nacional ou estrangeiro não se dedicava apenas ao comércio devinho. Para se manter ocupado o ano inteiro juntava o comércio do vinho outrasactividades de importação de manufacturas e produtos alimentares. A situação tor-nava-se mais evidente com os ingleses, não estando alheios os nacionais. Em 1807refere-se Roque Caetano de Araújo, Manuel Martins Malheiro, António Valério eManuel Joaquim Leandro como homens de negócio de vinhos e fazendas448.

A partir dos registos de exportação do vinho para o período de 1823/1830podemos aferir da dimensão assumida pelos negociantes nacionais e estrangeiros449.A primeira conclusão que se pode tirar é do fraco peso dos nacionais. Emborasejam 24 não apresentam um volume de exportação vantajoso, destacando-se a casade João Oliveira com cerca de 60% das exportações feitas por nacionais seguindo-se, por ordem decrescente, José Caetano Jardim, António Pinto Correia, ManuelTavares, Manuel Santana Vasconcellos, Roque Caetano Araújo, Diogo José deLemos. Aos estrangeiros, e de modo especial aos ingleses, estava reservado o maiorvolume das exportações e o controlo das colónias britânicas. Os mais importantessão: Newton Murdoch & Scott, Gough & Holway, Henry H. Temple, Diogo Bean,Francisco March, George Stodarte, Henry Lundie, Diogo Taylor. O primeiro em1823 exportou 10% do vinho enquanto Diogo Bean em 1826 surge com 1/4.

Na segunda metade do século XIX o comércio do vinho encontrava-se em esta-do de prostração, obrigando muitas casas a fecharem as portas. Em 1877 HenryVizetelly refere apenas 12 exportadores em que se incluíam apenas duas casasnacionais. A continuidade da crise levou muitas a buscar soluções alternativas atravésdo associativismo empresarial ou do encerramento. Facto significativo foi o aumen-to das empresas nacionais nos alvores do século XX. Em 1904 eram já quatro numtotal de onze, aumentando para oito em 1911, num total de 15. A 18 de Setembro

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX424

447. ANTT, PJRFF, nº 461, pp. 37, 43, 48, 54.448. In O Popular, nº 73, p. 3.449. Cf em anexo quadros nº.4 a 25 450. vCf. Benedita Câmara, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002, p.142

Rótulos antigos.Colecção da Madeira

Wine Company.

Armazéns da UniãoVinícola. ColecçãoPerestrellos. Museu dePhotographia Vicentes.

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C

o mais que pode acontecer é conduzirem à estagnação temporária da produção viní-cola, mas se todos os efeitos se avolumam, com destruições em massa, podem levara uma crise prolongada. O mesmo se poderá dizer da influência dos factorespatológicos e botânicos, que assumem idêntica dimensão quando se tornam numapraga e tardam medidas de combate.

Uma crise, como a que aconteceu com o vinho Madeira, não é um fenómenoisolado, uma vez que abala as estruturas económicas e sociais, mas sim fruto de umprocesso cumulativo. A crise que atingiu o vinho Madeira expressa-se em doismomentos. Na primeira metade da centúria a contracção do mercado arrastou aeconomia vitivinícola para uma situação de abandono, que se viu agravada na segun-da metade pelo efeito devastador das doenças que atacaram os vinhedos.

Os factores económicos

A crise vitícola da ilha da Madeira não foi apenas uma realidade no século XIX.Ao longo do percurso histórico de mais de cinco séculos ocorreram várias crisesconjunturais originadas pelas razões atrás enunciadas ou devido às dificuldades defazer chegar o vinho ao mercado consumidor.

Com o surto da viticultura em meados do século XVII a Madeira acelerou oprocesso de dependência ao mercado externo e consequente subjugação à órbitados circuitos comerciais britânicos. A dependência apresentava-se sob diversas for-mas. A tendência para a monocultura da vinha conduziu o mercado local a umasituação de dependência externa aos bens alimentares e manufacturas, que pas-saram a ser importados do reino, Açores, América ou Inglaterra. O trigo, centeio emilho tinham produção diminuta que só dava para preencher um quarto das neces-sidades, conduzindo a uma forte dependência do mercado externo e à permanenteinstabilidade dos abastecimentos. Depois, por força da dominação da cultura davinha, definiu-se o vinho como o único produto de troca às volumosas importações.O movimento comercial não estava seguro nem alheio a qualquer alteração da con-juntura europeia ou colonial.

Outro factor importante da conjuntura económica foi a falta de moeda e a poucaque circulava era espanhola451. Entre finais do século XVII e princípios do séculoXX a falta de numerário levou à substituição por fichas, emitidas por diversas casascomerciais e comerciantes de vinho452.

O século XVIII foi marcado por um incentivo do comércio do vinho que estevealheio a momentos de crise. Em 1722453 refere-se o pouco comércio do vinho emrazão do saque estar sob controlo dos ingleses que o compravam por baixo preço,

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Uma nova teoria sobre a crise

A compreensão da crise vitivinícola do século XIX só se torna possível com oconhecimento dos factores que a determinaram ou que estiveram na origem. Oprimeiro momento, que aconteceu em princípios do século XIX após um períodode apogeu de finais do século XVIII, foi motivado pela contracção do mercado apósas guerras europeias e a consequente concorrência dos vinhos franceses e espanhóisno mercado colonial britânico. A fase mais crítica ocorreu em meados da centúriaoitocentista, devido aos efeitos do oídio e a filoxera.

Para nós não se afiguram correctas as afirmações dos que pretendem ver na criseda primeira metade do século um fenómeno isolado motivado quase só pelodescrédito do vinho, provocado pela baldeação do vinho dos Açores e Canárias, oupelo mau trato das estufas e aguardentes de França. Também não podemos ficarapenas pela hipótese, ainda que mais acertada, da origem da situação na contracçãodo mercado provocada pelo fim das guerras europeias e a concorrência do vinho daEuropa, nomeadamente de França e Espanha.

Os factos eventuais e ocasionais, como as tempestades, estiagens prolongadas,abandono do campo pelos colonos que alimentavam a emigração, a manutençãodas técnicas agrícolas rotineiras, os pesados tributos sobre os proprietários e, final-mente, o ciclo de vida das cepas, que, como vimos é curto no período de maior pro-dução, devem ser associados. Alguns factores apresentam-se perdulários pelo carác-ter permanente dos efeitos ou porque não havia soluções, enquanto outros apa-gavam-se facilmente mas surgiam de forma cíclica ou ocasional.

Uma seca, uma tempestade ou aluvião se surgem isoladas não provocam a crise,

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451. Vide Patriota Funchalense, nº 9 (aditamento), p. 1/3.452. Carlos Pascoal, Fichas da Madeira. 1793-1920, Lisboa, 1988.453. ANTT, PJRFF, nº 770, fols. 48/8vº; ARM, RGCMF, T. 8, fol. 14.

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nos armazéns. As causas, segundo a nobreza do Funchal, deveriam ser encontradasna guerra de França (1793/1815) e a constante acção dos piratas e corsários queimpediam o acesso à ilha dos navios americanos. A Junta, em balanço do ano de1778458, dava conta da falta de extracção do comércio do vinho, de modo queestavam cheias de adegas dos portugueses, e como precisam de mantimento e vesti-dos de cujas duas necessidades reais dependem e já estes lhes não vem dos portospara onde levam os vinhos. Tudo isto derivava da falta de moeda girante para as tro-cas e do monopólio mantido pelos ingleses no comércio dos vinhos.

Os factos apontados evidenciam que o comércio de vinho no século XVIII nãousufruiu sempre da situação vantajosa e que a ilha esteve por várias vezes embren-hada em crises de sub consumo, cujas origens se prendem com as modificações domercado consumidor, a tendência para a monocultura e a insistente falta de moeda.As crises foram atacadas com medidas pontuais. Em 1783 proibiu-se a baldeação deoutros vinhos no porto do Funchal, enquanto em 1799 surgiram medidas protec-cionistas para favorecer a saída do vinho Madeira.

Os anos de 1786 a 1805 foram de forte impulso das exportações, em razão dasalterações ocorridas no continente europeu que conduziram ao encerramento dosportos exportadores de vinho da França e Espanha. O facto repercutiu-se de modofavorável nas exportações do vinho, mas a paz a partir de 1815 teve efeitos catastró-ficos. A primeira conjuntura está testemunhada em 1817459, balizando-se os primór-dios da decadência: A paz geral levando ao mercado estrangeiro muitos vinhos deoutras nações, diminuiu a exportação dos da Madeira e por consequência os frutosdesta ilha nas praças do seu consumo.... A mesma ideia surge em 1821460 num ofí-cio do Governador Sebastião Xavier Botelho: Enquanto durou a guerra e os portos

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e o pouco que era embarcado para o Brasil estava sujeito a uma forte concorrência.Não temos dados sobre a exportação de vinho, mas se tomarmos como baliza o anode 1730, constatamos uma quebra acentuada em relação a 1700, confirmada já coma descida do preço em 1712. Em 1776454 a mudança da conjuntura colonial britâni-ca com a guerra da independência dos Estados Unidos, um importante mercadoconsumidor do vinho da Madeira, reflectiu-se na ilha nos anos de 1785/1786. AJunta notava em Fevereiro de 1776 que a conjuntura não era favorável: Havendo-sejá em premeditadas considerações da Junta praticado a instante e temível situação,a que estava reduzida a exportação, extracção dos vinhos desta ilha na falta do qual,por contribuir de a base de todo o viver dela, lhe ficam inferiores e frustradas todasas especulativas e práticas advertidas no aumento da cultura, manufacturas e giromercantil, e consequentemente inactivo o comércio, no qual se presente se conhecea gravíssima decadência, nenhum giro e a abundante colheita de vinhos, que nem sepode navegar, por estar as impedindo nas terras de seu consumo maior, quais sãonos domínios britânicos, pela civil comussão, ou rebelião deles, nem se mover ocomércio interior na ilha, e chegando seus habitadores, que os tem em seusarmazéns e adegas ao ponto mais pungente de se reputarem de pobres; porqueprocedendo com géneros de primeira necessidade e sustento e não lhes continuan-do com este socorro por lhe não aceitarem o pagamento em vinho pela falta deordem que tinham para a sua extracção e não havendo na terra géneros de permu-tação interior, nem dos estrangeiros pela falta de retorno, ... não tendo a ilha paraseu sustento frutos mais para três meses que a tanto chega a inércia dele. Fornecempelo único e assaz avultado, que tem em vinho para troca cuja extracção se achaabatida e aniquilada, sem outro recurso, que não seja a de espera sem vindas, quenão, nem pode haver sem aquele... qual o de uma necessidade nunca vista na ilha,que tendo por princípio a falta de introdução de víveres tinha por fim a conster-nação e falta pública455. Em Dezembro a situação da exportação do vinho era de ver-dadeira catástrofe: Senhor a consternação em que se achava esta ilha sem ter paraexportar os seus vinhos, que não tendo consumo senão nas terras anglicas, e achan-do-se substado pela revolução da América, e tem chegado ao ponto deplorável denão terem os habitantes de que vivam, nem que vendam, ou troquem no comérciointerno, vista a inacção exterior. Porquanto a lavoura, os frutos de pão, legumes, ecarnes de forma alguma chegam a sustentação dos três meses, todo o mais forneci-mento é introduzido pelos estrangeiros a troco de vinhos, e não tendo este saída,também a entrada daquele é nenhuma, e por consequência nem letras para sesuprirem de Lisboa onde não há géneros permutáveis... Estão as casas ricas devinho, pobres de sustento e de alimento456.

Em 1779457 ocorreu o terceiro momento de crise com a estagnação da colheita

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454. ANTT, PJRFF, nº 942, pp. 13/5, nº 411, pp. 22/4.455. Idem, nº 942, pp. 13/15.456. Idem, nº 411, pp. 22/23.457. AHU, nº 1109.

Rótulos antigos.Colecção da MadeiraWine Company.

458. ANTT, PJRFF, nº 761, pp. 52/59, idem, nº 942, fols. 45, 160; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 520.459. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 66/66vº.460. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6265.

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habitantes destas ilhas em todas as suas dilecções.Tal era o estado da província em 1815, quando pela queda de Napoleão

Bonaparte teve lugar a paz continental, é pois essa época que principiam as misériasdesta ilha, ainda que desde esse instante se não manifestassem, porém foi desdeentão que as nações do continente ficaram habilitadas a concorrerem ao mercadoinglês e do mundo com os vinhos da Madeira e ainda mais a suprir esta provínciados géneros de primeira necessidade que possuindo-os como é da natureza d’estaoperam infinitamente mais baratos e regulando estes toda a espécie de valores,lançaram estas causas e esses efeitos a esta capitania em embaraços extraordináriosporém consequentes.

A imensa circulação de capitais, a carestia consequente dos jornais, a exclusãoque tinham seus vinhos no mercado inglês, formou a base natural da carestia desteproduto. A paz continental rompeu toda a espécie de equilíbrio nas relações einteresses desta ilha.

As nações da Europa que pela guerra tinham sido distraídas dos exercícios pací-ficos e pelo bloqueio continental privadas de concorrem com seus vinhos no mer-cado a par dos da Madeira, se apressaram ansiosas a aparecer com este produto nãosó no mercado inglês, mas também no do Mundo. Em tempo deste bloqueio asnações que o sofreram se aplicaram a criar entre si recursos de toda a espécie e queconforme as visitas do seu autor criaram em último resultado a base da inde-pendência desses povos.

A Madeira nesse tempo mais feliz, excluiu pela mesma razão toda a espécie deagricultura e indústria que não fosse a criação dos vinhos, é por isto que agora se vênas tristíssimas circunstancias de comprar todo o artigo de necessidade e luxo a essasnações que habilitadas agora com a paz, com esta província igualmente concorrercom vinhos infinitamente mais baratos. Se a isto se acrescenta a natureza custosíssi-ma da agricultura da Madeira comparada com a dessas nações que além de afornecerem de trigo e milho e enfim de tudo, rivalizam com ela com seus vinhos porpreços inferiores, se achará a primeira vista a razão da posição desesperada e difícilem que estes povos se encontram agravados cada vez mais por outras causas imedi-atas, acidentais e secundárias que por sua enorme gravidade e transcendência passoa expor.

No tempo da prosperidade, os ingleses aqui estabelecidos com o fim deamadurecer os vinhos e de dar maior quantidade possível ao mercado, estabelece-ram as estufas, nas quais fazendo ferver os vinhos lhe davam uma naturalidade ouvelhice forçada e prematura e como tais os vendiam. Então pela escassez deste arti-go no mercado inglês, e do mundo, livre do bloqueio continental, foi dissimuladaou não advertida esta falsificação, sempre em descrédito da real e superior quali-dade dos vinhos, como também da pública fé, por uma fatalidade e ao mesmotempo justiça os médicos ingleses decidiram que os vinhos da Madeira em razão dasua velhice forçada pelo uso das estufas eram perniciosos à saúde. Esta decisão fa-

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de França e de Espanha fechados, o bom e o mau vinho tinham igual saída e era flo-rescente a ilha da Madeira, porque só ela e Portugal exportavam os seus vinhosgenerosos e os exércitos e armadas lhes davam consumo, mas feita a paz abriram-seos portos e com ela aumentou-se a exportação com os vinhos espanhóis, francesese diminuiu enormemente o número de consumidores. Então estagnou-se a felici-dade da ilha da Madeira e todas as classes se ressentiram.

Em 1827 o Governador José Lúcio Travassos Valdez dava conta das alteraçõesproduzidas no mercado do vinho da Madeira a partir de 1815. As aturadas guerrascontinentais e o recíproco bloqueio que se impuseram o governo inglês e o deNapoleão Bonaparte, fizeram com que a ilha da Madeira se encontrasse na feliz eacidental posição de não ter quem com ela concorresse com vinhos no mercadoinglês e ser por isto ela só quem fornecia a Grã-bretanha e suas imensas colóniasdeste artigo. Foi por esta simples causa que este produto do seu solo obteve umademanda prodigiosa a par de um preço excessivo e por esta só também simplesrazão os habitantes destas ilhas abandonaram toda a espécie d’agricultura e indústriaque não fosse a cultura dos vinhos, fazendo-se indiscretamente dependentes dasorte, boa ou má deste só único artigo. Com o produto das vinhas pagavam toda aclasse de artigos necessários à vida e de luxo e apesar de tudo a circulação de entãoem metais preciosos foi prodigiosa, a propriedade civil e rural se elevou a um valordifícil de se acreditar e a principal de todas; o jornal seguiu a mesma proporção regu-lando e sendo regulado pelo valor dos vinhos e de toda a espécie de propriedades.

Após dos ingleses que se apoderaram do comércio e das riquezas acidentais quepromoviam, veio o luxo e este fatal companheiro da riqueza também seguiu aos

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do consumidor do vinho e concorrência dos vinhos franceses e espanhóis que, porserem mais baratos, conduziram à estagnação das colheitas de 1817 a 1820463. A situ-ação evoluiu, de tal forma, que em 1821 estavam retidas em mãos dos proprietáriose negociantes mais de 20.000 pipas464. A Junta, no sentido de encontrar umasolução, deliberou comprar vinhos e envia-los a alguns mercados465. Com as medi-das proibitivas da entrada das aguardentes de França procurava-se promover o con-sumo de um número razoável de pipas de vinho baixo no fabrico de aguardente466.

A conjuntura difícil manteve-se até 1823467 altura em que ocorreu um curto incen-tivo de comércio do vinho, prontamente secundado por nova quebra entre 1827 a1831468. Em 1828 a situação era de verdadeira calamidade: A ilha da Madeira épouco florescente, pelo importante comércio de seus vinhos, acha-se hoje reduzidaao estado mais triste de fortuna, pois sendo este género a única produção abundantedela, seu baixo preço e dificilmente não produz o equivalente de que para a impor-tação precisa e então seus habitantes abandonando a cultura, faltando-lhes os meiosde sustentá-la, perdem os lavradores as benfeitorias, único capital de sua fortuna, osenhorio a subsistência da metade dos frutos que recebia, e a Real Fazenda encon-tre de caixa dos rendimentos uma receita incapaz de fazer face à sua indispensáveldespeza... destruiu a política e boa ordem que existiam. transtornou a boa-fé e segu-

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cultativa deu o último golpe nos vinhos da Madeira e não havendo uma corporaçãopoderosa, que revestida de certos privilégios reparasse os bons vinhos dos maus,todos caíram em descrédito.

Por estas causas, os vinhos destas ilhas têm há seis anos ficado estancados nosseus armazéns ou nos do mercado em Londres e outras partes, pois o que se temembarcado de então para cá tem sido mais objecto de uma operação forçada eprejudicial, do que efeito de ordens encomendadas para esses mercados. Desde queesses transtornos tiveram lugar foi preciso comprar tudo, absolutamente tudo como dinheiro que se tinha acumulado no tempo dessa efémera prosperidade, porémcomo o comércio inglês era o comércio por excelência destas ilhas e o que portan-to se tinha apoderado do seu giro grosso e meudo, este apenas viu o transtorno aque estas ilhas eram condenadas, passaram seus principais agentes com seus capitaispara Inglaterra e outras partes, deixando apenas seus caixeiros recompensados coma firma da casa, estes sem fundos não poderam derramar espécie alguma de recur-sos no país e só se destinaram a exercer a perniciosa operação das liquidações quenão tiveram lugar nos tempos de prosperidade. O comércio nacional foi cousa quenão existiu desde 1810 e por isso sobre seus recursos nada se pode ventilar nemesperar. O dinheiro que n’esse tempo se acumulou nas mãos dos habitantes teriasido suficiente a amparar este golpe se instantaneamente o luxo não lhes houvessearrancado461

Em 1843462 Daniel d’Ornelas, na conta apresentada à Câmara dos Deputados,aludia da mudança ocorrida no comércio de vinho: O comércio da ilha da Madeira,outrora florescente, rico, e proveitoso para a mãe-pátria, acha-se hoje prostrado eagonizante. Em o século passado, e muito antes das guerras com a França, no tempoda república, era o comércio daquela ilha regular e proveitoso, pois que os seushabitantes nele achavam meios suficientes de subsistência e o estado nele encontra-va não só recursos necessários para a satisfação dos avultados encargos locais, comrecursos valiosos, que muito o ajudavam no preenchimento dos encargos da metró-pole. Durante a guerra peninsular chamada da independência, não teve limites aprosperidade daquela ilha: foi ela talvez, falando em proporção do seu tamanho, oponto mais rico do Universo. Os seus vinhos não bastavam para satisfazerem asordens dos consumidores. Tudo quanto se encontra hoje no Funchal de gosto, deluxo e de recreio deve-se a esse tempo feliz. Uma tal prosperidade não podia serpermanente: morreu com a queda do grande homem. Com a paz geral foi dimi-nuindo o comércio, porém a grande decadência não se sentiu ao vivo senão, quatroanos depois, em 1819. A legislação que, durante a guerra peninsular, tanto haviacontribuído para concentrar naquela ilha tamanhas riquezas, tornou-se evidente-mente perniciosa e ruidosa, depois

da paz.A crise da primeira metade da centúria resultou da contracção do merca-

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461. Idem, nº 10256, nº 10188.462. In O Defensor, nº 181, pp. 1/3.

Pecunia Insulana,moeda cunhadaexclusivamente paraas ilhas em 1750 e1751.

463. Vide ARM, RGCMF, T. 14, fols. 198vº, 224/225vº.464. Idem, t. 15, fols. 263/4, 100vº/104.465. ANTT, PJRFF, nº 763, fol. 135.466. ARM, RGCMF, t. 15, fol. 264/264; Patriota Funchalense, nº 12, pp. 3/4; nº 40, pp. 1/2.467. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6879/6880.468. Idem, nº 10255/10256.

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nem desenvolvia: as vinhas em muitas localidades não reproduziam as despesas dacultura, e pode-se dizer que os lavradores as cultivavam, não já por interesse, maspor amor, ou por uma espécie de gratidão aos interesses passados. Já antes damoléstia das vinhas, mais dum proprietário rico e abastado lamentava a escassez deseus rendimentos. Já antes da moléstia das vinhas, milhares de colonos abandona-vam esta terra desgraçada e emigravam para os países pestíferos da América, algunslevados, é verdade, pela ambição e fascinados por promessas sedutoras de vis alicia-dores, mas a maior parte fugidos da fome e miséria. Já antes da moléstia das vinhaséramos um poco desgraçado que marchávamos descuidados e a passos surdos nocaminho que nos havia de conduzir a uma ruína inevitável. Já nessas épocas pas-sadas, aquele que despertasse da espécie de torpor em que todos jazíamos e reflec-tisse um pouco, havia por certo de antever um futuro ainda mais horrendo e assus-tador, do que o presente que tanto nos assombra.

Então será por ventura a causa única de nossos males, ou a que devamos prestarmaior atenção, a moléstia das vinhas, quando a despeito desta, havíamos de sentiraqueles? Ou será que a moléstia das vinhas não faz mais do que apressar uma crise,porque mais cedo ou mais tarde havíamos de passar, devida a outras causas475.

O século XIX foi marcado por crises conjunturais que afectaram a estrutura docomércio e a exportação do vinho. A contracção do mercado externo no post guer-ra e a eventualidade das condições atmosféricas ou doenças que atacavam os vinhe-dos (oídio, filoxera). A situação gerou no seio da opinião pública madeirense acesadiscussão no sentido de se encontrar uma explicação e o culpado para a baixamomentânea de prosperidade. O debate está testemunhado na imprensa a partir de1821. As soluções não ultrapassaram o papel em que foram escritas. Foram medi-das desesperadas, pautadas pela violência da crise. Cada um apresentava a inter-pretação de acordo com os interesses em vista, ou posição política e ideológico. Omadeirense viu-se a braços com uma grave crise e incapaz de encontrar saída.

Nas autoridades locais, mercadores e proprietários vimos uma procura angus-tiante de soluções. Por vezes apegava-se aos aspectos mais familiares e explícitosignorando as correlações que o fenómeno implicava. Uns entendiam que a situaçãoera resultado da má colheita e a deficiente escolha que os colonos faziam das uvas,baldeação dos vinhos baixos do Norte com os do Sul. Para outros o mal advinha dastécnicas de vinificação com o recurso às estufas, às aguardentes de França, quedepauperavam a qualidade do vinho e contribuíam para o retraimento do mercadoexterno. Outros, ainda, viam o mal nos direitos proibitivos de saída, nas pautas alfan-degárias que encareciam e impediam as trocas comerciais. E, finalmente, um gruporestrito, mas com forte implantação política, encarava a crise como um momento deluta anti-senhorial, clamando por reformas que conduzissem à abolição do sistematributário e laços de servidão estabelecidos no campo com o contrato de colónia.

A discussão em torno do vinho orientava-se de acordo com dois princípios: a

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rança dos contratos, abalou o crédito das transacções, e paralizou a indústria, poisos lavradores obrigados ao trabalho bélico, faltando à cultura das terras, apenasachariam nos frutos recolhidos a despeza de costeamento, de forma que as rendasnão tiveram lançadas. A moeda desapareceu e a arrecadação fiscal, parou noenvolvimento dos mais ricos habitantes, e melhores devedores de Fazenda469.

Os madeirenses tinham consciência da situação do comércio do vinho. Em 1842os mercadores da cidade davam conta à Câmara dos efeitos perniciosos da pauta daAlfândega de 1837, aludindo: ... pela complicação das relações económicas, a faltade extracção de vinhos produz em resultado: cessação de lucros para o comerciantefalta de meios no proprietário, e pobreza e miséria na classe dos operários e traba-lhadores, que vivem da locação do seu trabalho, já na agricultura, já no comércio470.

Durante o consulado do Governador José Silvestre Ribeiro tivemos momentosaflitivos de crise de fome de 1847471, cujas origens mergulham na dependência aomercado externo. A impotência do poder político está manifesta no apelo deses-perado do Governador: Cultivem-se com todo o esmero as vinhas deste preciosotorrão - facilite-se pelos meios competentes a exportação do vinho - procure-seaumentar a venda e subir-lhe o preço em todos os mercados do mundo, mas lem-brem-se os madeirenses que eles estarão à mercê de estranhos e será sempreprecária a sua sorte, enquanto a ilha não produzir os géneros indispensáveis para avida. O povo que dentro em si tiver estes elementos, poderá não ser rico, mas ne-cessariamente está ao abrigo da crise medonha que temos atravessado472. No queconcerne ao comércio do vinho o panorama não era menos doloroso: O comérciojaz amortecido, e o dos vinhos, fonte principal da riqueza madeirense, há longosanos decadente, definha de dia em dia - e em geral, uma apática indiferença, umaindolência sem igual, parece ser o característico desta Época desgraçada473. A grandediminuição do consumo dos vinhos da Madeira nos países estrangeiros, causadapela afluência de muitos vinhos de outras terras tem paralisado o comércio deste dis-trito, cuja base principal é aquela produção, e decrescendo de um modo assustadoro preço d’ela - cresce na razão inversa o desalento dos lavradores e a agriculturadefinha-se no mesmo sentido474.

De todas as opiniões que conhecemos sobre a crise a que nos parece maisesclarecedora é a de A. Gonçalves: Apareceu entre nós a moléstia das vinhas em1852; com ela a aniquilação completa da produção quasi exclusiva do nosso país, daúnica produção agrícola que ainda dava vida às nossas relações comerciais com ospovos estrangeiros e de que vivíamos bem ou mal...

Já antes da moléstia das vinhas, não éramos ricos, nem felizes: a nossa indústriaagrícola a tropeçar todos os dias em graves erros económicos não se aperfeiçoara,

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469. ANTT, PJRFF, nº 764, pp. 187/188.470. O Defensor, nº 124, p. 2.471. Vide Sérvulo Drumond Menezes, Colecção de Documentos Relativos à Crise de Fome..., Funchal, 1948.472. Uma Época administrativa..., vol. I, p. 269.473. Idem, vol. I, p. 325.474. Idem, vol. II, pp. 133/134. 475. O Clamor Público, nº 8, pp. 2/3.

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tores pela primeira e segunda, um mês de cadeia da terceira. A Junta ordenou em30 de Julho482: O Juiz da Alfândega deve ficar na inteligência de que os vinhos dequalquer parte que sejas chegando a este ponto não devem ter admissão algumanesta ilha, nem mesmo admitir-lhe baldeação ou franquia.

Algumas das medidas, porque lesivas dos interesses dos comerciantes inglesesprotegidos pelos assíduos tratados, provocaram imediata reacção. Em carta de 30 deAgosto de 1814483 o cônsul inglês ao Governo da ilha refere que o mercado local,pelo tratado de 1810, estava aberto a todos os géneros admissíveis com faculdade deos poder vender e contratar por grosso e meudo, bem como genebra, e asaguardentes admitidas nesta alfandega pelo direito de vinte e quatro por cento.Sucede que o edital da câmara desta cidade proíbe o consumo destes géneros commanifesta violação do real tratado entre as duas coroas... pelo que a V. Exa. haja porbem recorrer a um procedimento extravagante com o pretexto de representar à suacorte a violação do referido tratado. A câmara contestou as afirmações do cônsuldando como base a lei de 1779 que se limitava executar: ... vendo o escandalosoabuso de introdução de bebidas de fora da terra, e seu consumo por meudo no inte-rior, em prejuízo, tanto da exportação dos nossos vinhos bons, como do consumodos inferiores, fizemos por em rigorosa execução a postura de 27 de Janeiro de1779, que proíbe a venda por meudo de toda a bebida que não seja produzida nestailha. Os fundamentos desta nossa medida são os seguintes: primeiro alvará de 20 deSetembro de 1710, em cujo espírito se fundou a postura e outro de 22 de Julho de1801, que ampliou aquele em termos bem claros e decisivos; o terceiro o prejuízo

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defesa da qualidade do vinho e a definição de uma política proteccionista. Assoluções apresentadas foram: a regulamentação da cultura e vindima, a interdiçãoda baldeação (interna e externa), do trato com as estufas e aguardentes. Por diversasformas pugnou-se pela reposição da fama e qualidade do vinho, o controlo do mer-cado exportador impedindo a competição dos vinhos e mais bebidas estrangeiras.

A política proteccionista

A mais antiga referência à proibição de entrada de bebidas estrangeiras,nomeadamente o vinho e aguardente, surge na primeira metade do século XVIII,sendo demonstrativo que desde o início havia uma intenção proteccionista. A lei,dada por D. João V em 20 de Setembro de 1710476, proibia a importação, oubaldeação de bebidas fabricadas fora do reino, tais como, vinho, azeite, cerveja eoutras de modo a evitar fraudes e prejuízos que tal importação dava lugar. Os infrac-tores estariam sujeitos a severas penas como o lançamento ao mar do molhado, aotraficante a pena dobrada, estando a embarcação sujeita ao confisco juntamentecom toda a mercadoria não molhada. A medida foi a base de todas quantas seseguiram, sendo quase sempre reclamada em momentos de desespero. Em 1779477

a Câmara do Funchal determinou a proibição ao vinho nacional, impedindo a vendapor meudo de todas as bebidas que não fossem produzidas localmente, como formade controlar o consumo de bebidas.

Em 1801, face a uma polémica sobre a importação do vinho dos Açores478, surgiuo alvará de 22 de Julho479 alargando a interdição de entrada aos vinhos dos Açores enacionais. Dez anos mais tarde480, a mesma câmara, perante as ambiguidades das leisvigentes, confessava não saber quais os líquidos proibidos e, por isso, solicitou àJunta uma relação para fazer as necessárias posturas. De entre as determinaçõesestabelecidas temos um edital de 21 de Março de 1814481 que proíbe a venda deaguardente e mais bebidas espirituosas importadas nas tabernas do Funchal etermo. A medida foi justificada pelo uso imoderado que se fazia pondo em causa asaúde pública e o comércio dominante do país, que é o vinho, obstando por umaparte à saída dos bons e ao consumo dos inferiores que sobre não serem nocivosestão mais ao alcance dos teres da classe pobre e servem de apurar e reputar os vi-nhos de embarque, e por outra parte implicando o progresso da cultura destegénero que sempre está na razão directa de sua extracção e consumo.... A partir de1 de Julho proibiu-se o consumo local sendo aplicada a pena de 6.000 réis aos infrac-

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476. ANTT, PJRFF, nº 970, fols. 119/120vº; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1261 (pública-forma), ANTT, AF, nº 240, fols.70/72vº; ARM, RGCMF, t. 7, fols. 308/309.

477. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79vº/81.478. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1221, 1203/4, 1218, 1255, 1263/72: ARM, RGCMF, t. 13, fols. 70/2vº.479. Referindo in ANTT, PJRFF, nº 963, fols. 85vº/86, idem, AF, nº, fols. 70/2vº; ARM, RGCMF, t. 14, fols. 22/22vº, 79vº/81.480. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 22/22vº.481. Idem, t. 14, fols. 81vº/82.

Rótulos antigos.Colecção daMadeira WineCompany.

482. ANTT, PJRFF. nº 404, p. 463.483. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79/79vº.

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A câmara manteve-se firme nas pretensões não se deixando demover pelas críti-cas do cônsul inglês. Assim, em ofício486 às demais câmaras da ilha ordenou ocumprimento da medida uma vez que a nossa prosperidade depende do consumodos nossos vinhos e da sua exportação. Os ingleses para fazerem parar nas nossasmãos um grande excedente de vinhos, comprá-los por preços baixos, queremobstruir a extracção no interior com as suas bebidas espirituosas.

Noutras representações ao monarca dá-se conhecimento das medidas tomadas,acusando-se o cônsul inglês de pretender introduzir vinhos dos Açores. Não estáva-mos perante um acto isolado mas de uma prática geral comum aos ingleses e lesivados interesses dos madeirenses: Os estrangeiros não contentes com fazerem aquiexclusivamente o comércio altivo dos nossos vinhos, pondo o preço a estes a aosefeitos, pretendem atravessar o consumo interior dos mesmos vinhos com suasbebidas espirituosas a fim de lhes cair na mão um grande excedente deles porpreços Ínfimos e muitas vezes depois de uma estagnação de dois a três anos...487. Poroutro lado congratula-se pela proibição régia e esclarece-se que as bebidas alcoólicaseram uma praga pública: O Povo habituou-se ao uso das bebidas espirituosas, queé o maior prazer e ao mesmo tempo o seu mortífero veneno, tem abandonado aprofícua produção do país para comprar outros líquidos que o animam e aquele di-nheiro, que devia girar nas mãos dos proprietários e dos lavradores para os ani-marem a fazer continuadas despesas na cultura do mesmo país, vai amontoar-se nasmãos de uns estrangeiros que só procuram a nossa ruína e a sua felicidade. Adianteesclarece-se que o vício foi transmitido pelos soldados ingleses que ocuparam a ilha:Este vício foi terrivelmente adoptado pelo péssimo exemplo que receberam noexcesso com que bebiam os soldados britânicos nesta colónia, o que deu causa agrassar neles mortíferas epidemias que em geral se propagaram, por não ser próprioeste clima para o uso de semelhantes bebidas que de necessidade devem servedadas a estes mesmos povos, pois só assim ficará extinta esta tão poderosa causadas desgraças públicas488.

A Câmara baseava a argumentação numa ordem da Junta de 19 de Janeiro489 eoutra de 11 de Maio490, em que se proibia a entrada de qualquer bebida nacional eestrangeira, segundo a forma do alvará de 1801. Com o aviso de 17 de Agosto491 ficouproibida a partir de 1 de Janeiro de 1817 a entrada de romes ou água ardente, açú-car, outros quaisquer géneros, ou produções de economias estrangeiras, semelhantesao da produção do reino do Brasil a que se juntou em 17 de Setembro492 o açúcar,mele toda a bebida espirituosa extraída destes produtos, café, algodão e coiros.

A vereação não estava satisfeita e 7 de Novembro493 reclamava a necessidade de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 439

impassível que este consumo causa à saúde, à agricultura e ao comércio do país.A experiência nos tem demonstrado a inclinação geral do povo para o uso de

bebidas espirituosas e também nos mostra o estrago diário que elas causam, poismuitos dados a esta sorte de bebidas tam acabado com elas. Todos os médicosnacionais e estrangeiros atribuem ao uso das bebidas espirituosas o estrago da popu-lação, os danos à agricultura e comércio saltam aos olhos de todos...484.

A Câmara aludia, ainda, em defesa idênticas decisões tomadas na cidade doPorto que não mereceram qualquer reclamação. Mais afirmava que tratado de 1810não contemplava este género de mercadorias, nem depois se fez, e na hipótesemesmo de que se verificasse esta licença de importação por sua Alteza Real, ela sótinha lugar, não para consumo interior, porque seria um absurdo nunca vistodemimuir qualquer país o consumo dos seus efeitos para dar aos estrangeiros, massó para reexportação como se estipulava a favor dos ingleses sobre nossos efeitoscoloniais nas alfândegas de Inglaterra. Esta reciprocidade de interesses há-de fazersempre base dos contratos das nações livres e o foi nomeadamente do tratado novís-simo. E conclui: Em tais termos, pois esperamos que V. Exa. desatenda a injusta ediscomedida requisição do cônsul suplicante. O Senado subscreve a posição daCâmara e em exposição ao monarca afirmava: Senhor obrigado pelo vosso regi-mento a promover o bem público que certamente perigando, minando nos seusprincipais fundamentos a saúde pública, o comércio, a agricultura pelo escandalosoabuso do consumo de bebidas espirituosas de fora da terra, tomamos as medidas deas proibir totalmente. Mais referem que o reino de Portugal não sofreu mais peloflagelo da guerra passada, do que há-de sofrer esta ilha pela perda de sua agricultura,comércio, e população causada pela introdução de bebidas estrangeiras485.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX438

Rótulo antigo.Colecção da Madeira

Wine Company.

484. Idem, t. 14, fols. 79vº/81.485. Idem, t. 14, fols. 81/81vº.

486. Idem, t. 14. fol. 87vº.487. Idem, t. 14, fols. 88/89.488. Idem, t. 14, fols. 136/137vº.489. ANTT, AF, nº 239, fol. 34.490. ANTT, PJRFF, nº 241, fol. 166; nº 407, fol. 148vº; idem, AF, nº 240, fols. 69vº/70.491. ANTT, AF, nº 239, fol. 58vº.492. Idem, nº 239, fol. 59.493. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 40/41vº.

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que o capricho e a delicadeza faz aparecer nas mesas faustosas pela sua eminente einimitável qualidade: é preciso por isso toda a energia e vigor para lhe conservar.

A Câmara497 reafirma a posição assumida e acusa os comerciantes de se teremdeixado levar pelo comércio fácil e especulativo das bebidas, deixando de parte onecessário abastecimento de milho e farinhas: Por esta ruinosa importação ate ossuplicantes se ião esquecendo de mandar vir os géneros de primeira necessidade,porque só víamos chegar continuamente a esta ilha a carregações d’aguardente egenebra e poucas vezes de farinha, trigo e milho ou de outros diferentes comestíveis,pois além de tirarem delas estes vantajosos resultados tinham de mais a mais umapronta liquidação nas mesmas bebidas em que sempre são certos e nunca duvi-dosos. O Governador e Capitão General responde de forma lacónica: Vista a infor-mação da câmara não tem lugar a pretensão dos suplicantes, os quais se tivessemmais patriotismo deveriam ser os primeiros a abster-se de um tráfico, que se mostraprejudicial à saúde pública e ao consumo dos vinhos desta colónia498.

A proibição de entrada de bebidas alcoólicas nacionais e estrangeiras motivouacesa polémica entre as partes, nomeadamente dos comerciantes que se dedicavamao tráfico [e entre eles temos em primeiro lugar os ingleses] que teimaram em furaro embargo fazendo constantes requerimentos à Junta a pedir o despacho dos referi-dos géneros ou introduzindo-os por meio de contrabando, prática corrente naépoca. Por vezes os comerciantes solicitavam autorização ao monarca ou represen-tantes conseguindo, contra a ordem das autoridades locais, a permissão de entrada.Isto motivava conflitos no funcionamento da administração quanto às alçadas. Àsvezes a Junta dava uma interpretação distinta às ordens régias, de acordo com as con-veniências da região. Em 1818, por alvará de 25 de Abril499, proibiu-se a entrada devinhos e aguardentes estrangeiras no Brasil, dando-se preferência aos nacionais (doPorto, Algarve, Açores e Madeira), explicitando-se que o vinho do Porto tinha entra-da no reino. Os escrivães da Mesa Grande da Alfândega, perante a lacónica afir-mação do exclusivo do vinho do Porto nos portos portugueses, duvidaram da aplica-bilidade na ilha500. Mas, em 18 de Janeiro de 1819501 afirmava-se que a nova lei nãoera extensiva à ilha mas apenas ao Brasil, pelo que localmente só se aplicariam osartigos que não entrassem em contradição com a regulamentação anterior.

A Junta e a Câmara exerciam um controlo rigoroso sobre a entrada de bebidasestrangeiras mas os comerciantes serviam-se de todos os subterfúgios possíveis. Ocontrabando acontecia às vezes debaixo do olhar dos guardas de número ou dasforças militares destacadas para os vários portos e desembarcadouros. Além dissocontinuava a insistir-se em requerimentos e petições da câmara sobre a situação difí-cil que as medidas traziam à ilha, como sucedeu com o alvará com força de lei de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 441

alargar a limitação às demais bebidas: É certo que estes negociantes não podem deJaneiro em diante fazer importação de rom como ate agora lhes foi concedido, masficaram-lhes recursos bastantemente a vantajosos e eles tem lançado mãos de tudoaquilo que os pode favorecer para continuarem nas suas mesmas especulações. Agenebra é um líquido tão vendível como o próprio rom e por isso aqui o veremosem tanta abundância, que nenhuma diferença venha a fazer a proibição dele. Alémdisso tem os mesmos negociantes aguardentes dos brazis donde podem mandar vircontinuadas carregações, tem a de Lisboa, a das ilhas dos Açores e Canárias e final-mente podem aqui introduzir em tantas ou mais quantidades as bebidas espiritu-osas, como as que actualmente se acham em poder deles, que talvez já possa darpara mais de 4 ou 5 anos. A introdução era funesta ao mesmo povo, e só úteis aalguns negociantes que impiamente procuram fazer a sua facilidade à custa da des-graça pública, pois sem o menor temos das penas designadas nos nossos editais temo arrojo de se não comunarem com os taberneiros para escondidamente lhes daremuma pronta extracção às mesmas bebidas.

Em 24 de Janeiro de 1817494 a Junta solicitou ao monarca a confirmação dasmedidas de proibição dos vinhos e mais bebidas estrangeiras, salientando-se que aintrodução de rons, genebra e cerveja que impedindo o consumo do vinho nastabernas paralisou na mão dos lavradores e partidistas boa parte da pequena novi-dade que houve o ano próximo passado, encurtou a importação de comestíveis eprovocou males físicos e morais. Assim se procurava dar solução a uma grave crisede sub consumo e de estagnação do comércio do vinho o que provocou de imedia-to reacções dos sectores comerciais que apostavam na importação de bebidas. EmMaio, um grupo de comerciantes fez ver ao Governador e Câmara os inconve-nientes das medidas propostas495, ripostando o Procurador do concelho496 com asrazões que haviam motivado a decisão, invocando que o uso das bebidas espiritu-osas, uma das causas principais das diarreias inflamatórias que tem levado à sepul-tura uma grande parte dos habitantes desta ilha. Quanto aos ingleses, principaismentores do protesto, afirmava-se: O tratado de comércio (1810) tem a sua baseprincipal na igualdade de vantagens e de estipulações, os ingleses não admitem onosso açúcar, porque tem este género, não admitem certas franquezas aos por-tugueses, porque são opostas às leis da cidade; usemos de igual retorção de direito,temos bebidas da terra, temos as nossas leis municipais, não podemos dar consumoaos efeitos semelhantes. As nossas relações com todo o mundo estão desligadas pormeio das ondas, não temos com que acenar aos navios estrangeiros que passampelas nossas costas senão com bom copo de vinho nas mãos, se lhes conservamos asua integridade primitiva morreremos de fome neste esqueleto de rochedo. Toda aEuropa abunda em vinho que fornece aos mercados do norte e sul, o nosso que éa nossa única moeda corrente para todas as necessidades da vida é um artigo de luxo

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX440

494. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 60/61.495. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 152vº/155, os comerciantes deveriam referir-se à portaria de 22 de Março.496. Idem, t. 14, fols. 154/155.

497. Idem T. 14, fols. 152vº/154.498. Idem, T. 14, fol. 155.499. ANTT, AF, nº 239, fol. 100vº/106.500. Idem, nº 239, fols. 118vº/119.501. Idem, nº 239, fols. 119, 138vº/140vº.

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as relações com o Brasil e, por consequência, as exportações do vinho. Em 1823 aCâmara do Funchal solicitou a alteração da lei de 17 de Agosto de 1816 e o aviso de24 de Setembro nos quais positivamente se proíbe a importação dos rons,aguardentes, açúcares, cafés, algodão, mel, couros, e quaisquer géneros de colóniasestrangeiras semelhantes às do reino do Brasil, porquanto uma tal proibição é emtudo diametralmente oposta à prosperidade do mesmo comércio, por isso mesmoque dificulta a exportação do nosso vinho. E que em troca de tais rons e aguardentesbem providentemente proibidas, que antes daquela portaria e aviso livremente sepermutam por nossos vinhos e se facilitava aos negociantes trazer aqueles géneros aesta praça sem ser obrigado, como para ir vendê-los a Gibraltar e outros pontos comnotável prejuízo do comércio (...).

Portanto Senhor, aquela portaria e aviso merecem nas actuais circunstâncias adevida suspensão naquela parte que respeita aos artigos que podemos livrementeobter por permutação com as West Índias não entrando nelas os rons eaguardentes, géneros de que nunca se deve permitir a entrada nesta província510.

Em 1833511 renovou-se o pedido de proibição de entrada das aguardentes doBrasil, manifestando, mais uma vez, a concordância com a lei de 1816 e a regula-mentação de 7 de Dezembro de 1825. As medidas tomadas com a carta de lei de29 de Setembro de 1810, alvará de 22 de Junho de 1810, regulamentação régia de 27de Abril de 1829, carta de lei de 22 de Agosto de 1822, carta régia de 14 de Fevereirode 1824 e decreto de 9 de Junho de 1824 tinham como objectivo a proibição todasnesta ilha a entrada de vinhos e bebidas espirituosas não só para consumo, masainda por franquia e baldeação.

Em 1836512 a Câmara revalidou a antiga postura que proibia a venda a retalho dasaguardentes de cana do Brasil, vulgarmente chamada cachaça. Isto aconteceu depoisde em 8 de Abril de 1834 ter representado contra a reabertura do mercado local aoproduto513. Ligado à questão está a entrada do vinho de roda, apontado como bené-fica ao comércio local mas entendido pela Junta e Alfândega como prática lesiva econtrária à arrecadação e administração dos direitos. A Junta, por provisão de 12 deJulho de 1830514, comunicou ao Juiz da alfândega que não permita a entrada nem asaída de vinho da roda. No entanto em 1831 autorizou a entrada515, demonstrandoa ambiguidade das decisões.

A discussão em torno da questão de entrada das bebidas estrangeiras e nacionaismanteve-se desde 1710. A documentação testemunha a disparidade de soluções eopções. A primeira conclusão é de que as medidas proibitivas acontecem emmomentos de crise vitivinícola. É uma medida que favorece a posição do produtolocal nos mercados interno e externo. Também deve ser entendida como solução

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 443

25 de Abril de 1818502. Em 29 de Maio de 1819503 lamentava-se a inépcia das medi-das proibitivas, pois as bebidas estrangeiras tem sido baldadas pela entrada que naAlfândega se tem dada às bebidas espirituosas de fora da terra, nascendo daqui umchoque indecente e de ruinoso para o público de se estar condenando a venda aretalho um efeito que tem pago direitos. Da representação transparece a desarticu-lação entre a prática municipal das posturas proibitivas de venda das bebidasestrangeiras a retalho nas tabernas da cidade e a atitude contrária por parte Juiz daalfândega e Junta. Daqui resultaram alguns inconvenientes para os comerciantesimpedidos de comerciar localmente os géneros que pagaram direitos504.

De acordo com a Câmara a eficácia das medidas só se tornava eficaz na conju-gação de esforços por parte de todos. O que não sucedeu, pois em 1819 ordenou-se a aplicação integral do alvará de 25 de Abril de 1818. O Procurador do concelhoem 20 de Novembro505, não se dando por satisfeito apresentou, baseado nas leis de1710 e 1801, as razões da interdição. A Junta ripostou ordenando ao juiz da alfân-dega que, em face da lei de 1818, admitisse as bebidas506. Em 11 de Dezembro507 aJunta, de acordo com a portaria de 11 de Julho, dava conta dos inconvenientes daentrada: O vinho é o único género abundante que produz esta ilha e traz toda a suariqueza é a moeda que mais gira como equivalente e do mais que importa para sus-tento de seus habitantes alimentados unicamente do seu produto sem recurso denenhuma outra produção que possa contrapesar os males da introdução de outrasbebidas capazes de adulterar os vinhos bons de embarque ou paralisar a venda dosbaixos nas tabernas que desta forma não vendidos, se exportam com descrédito doslegais de embarque. A Alfândega do Funchal508 ordenou ao juiz que suspendesseinterinamente a aplicação da lei de 1818 enquanto se aguardava ordem régia. A mer-cadoria deveria ser admitida ficando nos armazéns da alfândega sob franquia, casoquisessem exportar deveriam pagar os respectivos direitos. Aqui refere-se nova-mente aos inconvenientes da medida dizendo-se que são mero capricho, especu-lação particular, exceptuada desta generalidade só aquela aguardente estrangeira queé despachada para concertos dos vinhos do país e que por isso mesmo que depoisde misturadas com eles pagam segundo direito, o que parece ser uma espécie par-ticular digna de contemplação do soberano e que a respeito dos vinhos estrangeiros,pela certeza de que a sua introdução danaria os de produção territoriais, perdendo-lhes o crédito externamente e dificultando o consumo interior dos que se não expor-tassem, era de toda a prudência dar-lhes entrada por franquia. A Junta contava coma aprovação da câmara e um grupo de proprietários locais509.

A proclamação da independência do Brasil a 7 de Setembro de 1822 prejudicou

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX442

502. Vide comentário ao mesmo no documento de 14 de Junho de 1819, in ARM, RGCMF, T. 14, fol. 199/199vº.503. ARM, RGCMF, T. 14, fols. 198/198vº.504. Idem, T. 14, fol. 152vº/154.505. Idem, T. 14 fol. 207.506. Idem.507. ANTT, PJRFF, nº 963, fols. 85vº/86.508. Idem, AF, nº 239, fols. 139vº/140vº.509. ARM, RGCMF, T. 14, fols. 226/226vº.

510. Idem, T. 15, fols. 73vº/74.511. Idem, T. 17, fols. 60vº/62.512. Idem, T. 17, fols. 395vº/396, 453vº/454vº.513. Idem, T. 17, fols. 275vº/277.514. ANTT, AF, nº 241, fols. 156vº/157.515. ANTT, PJRFF, nº 764, pp. 229/231; idem, AF, nº 241, fols. 156vº/157, 165vº/166, 407, 184vº, 186vº (demanda acerca do

mesmo); nº 409, fols. 190/190vº (proibição).

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vinho Madeira. Era comum a importação de vinhos dos Açores e Canárias com ointuito de misturar com os da Madeira de superior qualidade. Mas foi a discussãoem torno do trato do vinho com as aguardentes de França que ateou forte discussão.Tendo em conta a melhoria da qualidade do vinho que acontecia com a adição deaguardente as autoridades aceitaram a entrada das de França. Esta opção não foipacífica pois que alguns argumentavam que o processo de vinificação retirava quali-dades ao vinho. Só aguardentes da terra o poderiam manter. Além disso a intro-dução impedia o consumo do vinho de baixa qualidade usado para fabrico deaguardente.

O proteccionismo foi um dos aspectos mais salientes da política socio-económi-ca local dos séculos XVIII e XIX. Está patente uma oposição de afrontamento entredois grupos antagónicos. O grupo possidente/agrícola/fundiário, com expressão noSenado da Câmara e na Junta, era favorável a um programa proteccionista, que con-sideravam o único meio de salvaguardar os interesses vitícolas. Do outro lado da bar-ricada estavam os agentes do import-export, alguns comerciantes estrangeiros,nomeadamente os ingleses, contrariando as medidas proibitivas e lesivas da políticalivre-cambista. Do reino vinha o apoio legislativo necessário, justificado pela fideli-dade às leis vigentes e aos tratados celebrados. No afrontamento assumiu papeldestacado o Cônsul inglês, porta-voz dos interesses comerciais britânicos na ilha.Será que a reivindicação proteccionista dos anos vinte do século XIX se apresentacomo o programa de luta da fracção produtiva da burguesia agrícola local em con-fronto com os interesses do import-export524? Deverá manter-se o afrontamento em1837 com a pauta proteccionista dos setembristas525?

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 445

momentânea para a crise de sub consumo, de contracção do mercado interno eexterno. A Câmara e Junta zelavam pelos interesses da região, acudindo ao únicoproduto de comércio com medidas proteccionistas e de salvaguarda face à concor-rência de fora. Para alguns comerciantes, empenhados no tráfego, interessava amanutenção por ser uma das mais chorudas fontes de receita. Ao grupo aliavam-seos ingleses que faziam disto prática corrente. Da parte do reino as orientações eramoutras. A administração central pautava-se de acordo com as normas de orientaçãoe pressão de grupos interessados, ou limitava-se a respeitar os compromissos estabe-lecidos nos tratados de amizade com Inglaterra.

À Madeira valeu-lhe a distância que se encontrava do Paço e a pertinácia da Juntae Câmara na defesa do produto local. Caso contrário o vinho da Madeira teria caídopela concorrência no mercado local de molhados de importação. Perante a políticafirme das autoridades locais restava o recurso a todas as artimanhas disponíveis ouaguardar a ponderação das entidades face às circunstâncias de cada momento. É ocaso da autorização dada em 1777516 ao cônsul inglês para importar anualmente 2pipas de vinho de França e 2 barris de cerveja para consumo do próprio. O mesmosucedeu em 1812517 com a autorização da entrada, livre de direitos, de 4 vasilhas devinho estrangeiro para o Major General Gordon, Comandante da tropa inglesa, coma seguinte recomendação. Sem que este exemplo possa ser alegado para outras pes-soas que não se acham nas mesmas circunstâncias. Em 1816518 deu-se entrada a 2vasilhas com 92 garrafas de vinho do Porto, pedidas por J. Blandy para curar umamoléstia da mulher. O mesmo foi feito a Pedro Jubit, que solicitara autorização paraimportar anualmente 11/5 de pipas do mesmo para consumo próprio, uma vez queo da ilha não era favorável ao seu estado de saúde519. Em 1821520 o negocianteAntónio Januário Modeno solicitara autorização de entrada de genebra que foraforçado a trocar em Amesterdão por vinho. O edital de 25 de Setembro interditavaa entrada, mas a Junta, ponderando o facto, decidiu condescender. Caso a autori-zação não chegasse ao requerente restava a hipótese de reexportar sendo arrecada-dos os respectivos direitos, tal como sucedeu em 1822521 com 900 frasqueiros degenebre importadas pelo inglês Heirs & Ca.

É evidente a sobrevalorização, por parte das autoridades locais, dos efeitos bené-ficos para economia local da proibição de entrada de aguardentes e mais bebidasespirituosas. O principal concorrente estava nas bebidas espirituosas estrangeiras.Excluída a questão dos vinhos dos Açores e Canárias só dispomos de algumas infor-mações sobre a entrada dos vinhos de Clarete522 e do Porto523. A discussão ultrapas-sa a ideia do mero proteccionismo, prendendo-se com a defesa da qualidade do

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX444

516. ANNT, AF, nº 237, p. 70.517. ANTT, PJRFF, nº 404, p. 386.518. ANTT, AF, nº 238, fol. 67.519. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4032/4033.520. ANTT, AF, nº 240, fol. 40.521. Idem, nº 240, fols. 33vº/40.522. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 158, 156, nº 405, pp. 283/284, nº 238, p. 136.523. ARM, RGCMF, T. 15, fols. 57, 60/60vº, 83vº/84vº.

Rótulos antigos.Colecção da MadeiraWine Company.

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Assada, Trindade529. O vinho dos Açores surge em 1800530 num pedido deDomingos Oliveira Júnior em que era solicitado o desembarque de 80 pipas devinho do Faial, transportadas no bergantim Bom Nome, apresentando como justi-ficação as descargas permitidas em 1796 aos vinhos das Canárias e de Clarete. OSenado531, nobreza, povo e comerciantes nacionais e estrangeiros532, a Junta daFazenda e o Governador533, levantaram-se em uníssono argumentando que a impor-tação dos vinhos de inferior qualidade para depois serem reexportados comoprocedentes da Madeira, arruinaria o comércio dos vinhos da ilha534. A documen-tação diz-nos que os vinhos, quer das Canárias e Açores, quer de Málaga eCatalunha, foram admitidos, atingindo-se as 200 pipas535.

Para obviar a situação decidiu-se em 22 de Dezembro de 1800536 colocar marcasnas pipas e mais vasilhas em que se exportavam os vinhos da Madeira e dos Açoresao mesmo tempo que em 1817 se proibia a saída de vasilhas vazias para fora dailha537. Segundo o cônsul e homens de negócios as providências sobre as marcas dovasilhame para exportação do vinho não evitavam as fraudes, antes as facilitavam,pelo que clamavam por uma melhor regulamentação538. Marcelino Gomes, Guardade número da Alfândega539, apresentara um plano para melhorar a arrecadação dosdireitos reais540 e medidas conducentes a impedir a entrada de todo e qualquervinho, a baldeação interna e externa. O plano consistia num regimento do ofício detanoeiros da cidade do Funchal541 e no regimento dos oficiais da Mesa da Inspecçãodos vinhos da ilha da Madeira542. Não houve consenso manifestando-se contra o Juizda Alfândega, Manuel Caetano César de Freitas543 e a favor do Corregedor, ManuelCaetano d’Almeida e Albuquerque, que as achavam razoáveis e úteis544. Outra medi-da mais eficaz foi a de tornar obrigatório o uso de manifestos singulares e outrosdocumentos autênticos para serem depois examinados nos países de destino545.

Em 1810546 desembarcaram no calhau por contrabando algumas pipas de vinho dailha Terceira. O Senado da Câmara, colocado perante a situação, insiste no compri-mento da lei para que se fique entendendo que de nenhuma maneira se tolera a intro-dução de vinhos estrangeiros para que se não animem os contrabandistas a repetir aespeculação na certeza do castigo que os espera e se evitem a equivocação na quali-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 447

Proibição da baldeação externa

A baldeação externa com o vinho dos Açores e Canárias adquiriu importância nodebate entre 1783 e 1810. A situação parece que foi prática corrente nos momentos demaior procura de vinho. A Junta havia permitido a entrada de vinho do reino e ilhaspara o consumo das tabernas, o que foi aproveitado pelas praças estrangeiras para afalsificação do vinho. Como a situação gerava desconfiança sobre a qualidade do vinhoexportado os negociantes decidiram tirar certidões autênticas para desvanecer boatos.Em 1783526 o vinho recuperava o mercado americano e por isso a introdução,baldeação e franquia deste género (vinho das Canárias), não só seria temível exemplopara o futuro, mas ainda poderia atrair uma bem fundada suspeita de que este vinhoseria d’aqui exportado a título de vinho da Madeira, mas que resultaria um conside-rável prejuízo há estabelecida reputação do comércio exportativo que faz florescer esteestado”. Daí a interdição da entrada de 100 pipas de vinho, que então se pretendia,não sendo permitido o despacho nem por baldeação, nem por franquia527.

Em 1791528 Carlos Murray, Cônsul geral inglês, em representação dirigida a LuísPinto de Sousa, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, mani-festou-se contra a fraude praticada por alguns comerciantes que exportavam vinhosda Madeira para as Canárias, onde os lotavam com os aí produzidos, mais baratose de inferior qualidade. Dos navios que desviaram a rota para às Canárias entre1784/7, temos o Duque de Bragança, Invencível, Santíssimo Sacramento, Cara

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Rótulos antigos.Colecção da

Madeira WineCompany.

524. A. Silbert, Le Problème Agraire Portugais au Temps des Premières Cortes Libérales-1821/3, Paris, 1968, pp. 25/9;Vilaverde Cabral, O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no Século XIX, Lisboa, 1981, pp. 101/109.

525. M. V. Cabral, Portugal na Alvorada do Século XX, Lisboa, 1979, p. 19.526. ANTT, PJRFF, nº 942, p. 120.527. ANTT, AF, nº 237, fol. 210vº.528. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1253.

529. Idem, nº 1254.530. Idem, nº 1221 e 1255.531. Idem, nº 1204, 1219, 1220, 1259.532. Idem, nº 1203; ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.533. Idem, nº 1218.534. Idem, nº 1260.535. Idem, nº 1263/1272.536. Idem, nº 1252, 1222; em 1817 proibiu-se a saída de vasilhame vazio, ARM, RGCMF, T. 1, fols. 147vº/148.537. Idem, nº 4531/4532; ARM, RGCMF, T. 14, fols. 147vº/148.538. Idem, nº 1251; ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.539. Idem, nº 4511.540. Idem, nº 4527.541. Idem, nº 4524.542. Idem, nº 4526.543. Idem, nº 4530.544. Idem, nº 4529.545. ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.546. Idem, T. 13, fols. 204/205.

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Madeira553. Apenas entre 1920-22 deram entrada no porto do Funchal 748 cascoscom vinho do continente. A protecção do mercado madeirense quanto à entradados vinhos foi reatada a partir de 1945. A política proteccionista do Estado novo teveexpressão na regulação do fabrico e comércio do vinho. Por decreto de 1949 o vinhoimportado para consumo local estava a cargo da delegação da Junta Nacional doVinho no Funchal, que se encarregava de distribuir aos comerciantes em garrafõesde 5 litros. Em 1975 os vinhos nacionais ou estrangeiros importados poderiamchegar até 75.000 litros mensais.

O falso madeira

O vinho Madeira era inimitável, mas ninguém podia impedir as falsificações. Asdificuldades ocorridas na segunda metade do século XIX com a quebra de pro-dução levaram a proliferação do falso Madeira. Cádis foi um dos muitos casos aolongo dos séculos XIX e XX554. Daqui exportava-se o falso Madeira para Inglaterra,Itália. Algumas empresas de renome de Jerez estiveram envolvidas na falsificação.Em 1902 a empresa Diaz Hermanos comercializava um Jerez estilo Madeira. Aomesmo tempo publicaram-se textos com a receita de fabrico do vinho Madeira555.No século XIX vendia-se nos Estados Unidos da América vinho das Canárias eAçores como sendo oriundo da Madeira.

Os primeiros anos do século XX foram marcados pela falsificação do vinhoMadeira. Em muitos locais onde o vinho tinha procura ou por qualquer motivodesapareceu do mercado, surgiram sempre oportunistas a imita-lo. Da Rússia,França, passando pelos Estados Unidos e Brasil, não é difícil encontrar o falsoMadeira. Na Europa, o Madeira porque muito conhecido era também falsificado.Assim tivemos Madeira de Andaluzia, Alemanha, França, Itália, Anatólia, Grécia,Palestina, Turquestão, Crimeia, Romania. Perante a situação as autoridades procu-raram tomar medidas que tivesse algum impacto556.

A comunidade internacional reuniu esforços para a defesa da indicação de pro-cedência, a denominação genérica e de origem. A luta contra as falsificações inicia-se em 1878 com a exposição internacional de Paris557. Entre nós as falsificações estãona origem da crise do comércio do vinho, mas somente nos anos oitenta, com aintervenção do Instituto do Vinho da Madeira, se avançou com um combate inter-nacional de defesa do vinho Madeira e da denominação de origem, conseguindo-sedemover as reais intenções dos norte-americanos558.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 449

dade e quebra no preço dos vinhos da Madeira, único ramo de comércio deste e seevite em uma palavra a ruína total de todas as classes de seus habitantes e dos direitosde sua Alteza Real. Por tudo isto, segundo informação à margem do citado docu-mento, se derramou o referido vinho em 9 de Março de 1810 na praça do Pelourinho.

As dificuldades do mercado na segunda década do século XIX levaram a recla-mações contra a introdução de vinho de fora em que se incluía o proveniente doreino. A situação repetiu-se na década de trinta e nos anos sessenta547. Por ordens de1812548 e de 1814549 proibiu-se a entrada de qualquer vinho e à baldeação ou franquia,de modo a evitar qualquer subterfúgio que venha a diminuir a estima dos vinhos daMadeira550. Em 1819 aludia-se à baldeação externa como prática que estava naorigem do estado em que a ilha se encontrava: Outras muitas providências são pre-cisas para derevidar (sic) nas praças estrangeiras o crédito do nosso vinho tambémmanchado pela mistura que alguns negociantes dele fazem em vinho estufado deCanárias e Faial, ganhando com prejuízo mais de cento por cento. Selando-se osvasos de embarque com marca distintiva, fazendo-se manifestos para aparecer emtodos, também com fiscalização por via dos cônsules portugueses para verificar aidentidade do vinho Madeira, assim como pratica a companhia do Porto, que faz osseus embarques debaixo de chancela do seu conservador com manifestos volantespor todas as praças a anunciar que só é vinho de feitoria, o que leva aquele selo deautenticidade, mas é melhor corrigir, primeiro os males do interior reintegrando ovinho à sua generosidade natural e imediatamente quando já nos não poderemencrepar com retracção de inferior infâmia, fazer-se uso desta medida...551.

Para o período de 1817 a 1822 temos a decisão da Junta de comprar os melhoresvinhos da ilha, como forma de restaurar a fama e qualidade no mercado externo,relegando para segundo plano o comércio dos vinhos ordinários ou baldeados.Com isto pretendia-se escoar grandes quantidades em stock. A Junta consideravaainda a necessidade de impedir os efeitos perniciosos do monopólio inglês docomércio: Esta medida produziu logo o melhor efeito, baixando o cambio das letrasa 20 por cento, como ela possa ainda produzir maiores utilidades, não só no aumen-to da cultura e crédito dos vinhos, diminuindo pelo embarque deles o adulterado,mas também evitará o monopólio do comércio dos vinhos desta ilha, comprados eexportados por um pequeno número de casas estrangeiras, que unidas podem esta-belecer a seu modo o preço de compra deles e mesmo os da venda nas praças ondeo conduzem como se vê da mesma resposta552.

A prática não parou e na década de vinte do século XIX temos referência à intro-dução de vinho licoroso do continente para depois ser reexportado como da

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547. Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 49-52, 49-61, 63-64, 67, 73-79,182, 185, 189, 212.

548. ANTT, AF, nº 238, fol. 196.549. ANTT, PJRFF, nº 404, p. 463. Veja-se ainda Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,

1993, pp. 59-67550. ANTT, AF, nº 238, fol. 196551. ARM, RGCMF, T. 14, fol. 202/203vº. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,

1993, pp. 86-87552. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 66/66vº, vide nº 405/407.

553. Juvenal de Araújo, Trabalhos Parlamentares, 1928, p.100554. Javier Maldonado Rosso, Producción y Comercialización de ‘Maderas’ En la Provincia de Cádiz (siglos XIX y XX), in Os

Vinhos Licorosos e a História, Funchal, 1998, pp.141-162.555. Idem, ibidem, pp.156-160556. Cónego Antonio Homem de Gouveia, A Situação da Madeira, Funchal, 1907, pp.15-16557. Cf. Charles Coronado, Falsifications du Vin et Alcoolisme, Paris, 1920; Carlos E. Mascarenhas, Las Denominaciones de

Origen en el Derecho Portugués, in Información Jurídica, 146,1955, pp.415-421; Jaime Lopes Amorim, Aspectos doProblema da Protecção das Marcas de Origen Vinícolas em sua Evolução, porto, 1947; Carlos Fernández Novoa, LaProtección Internacional de las Denominaciones Geográficas de los Productos, Madrid, 1970;

558. Constantino Palma, A Defesa da Denominação de Origem, in Os Vinhos Licorosos e a História, Funchal, 1998, pp.179-184.

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século XVIII projectaram o vinho da Madeira para o primeiro plano, uma vezfechados os portos de importantes regiões fornecedoras, como a França e Espanha.A conjuntura foi favorável ao comércio da ilha e conduziu a que, entre os finais doséculo XVIII e princípios do XIX, se atingisse o maior volume de exportação devinho. Foi a época de apogeu do “ciclo” do vinho a que se seguiu o declínio, quecomeçou a sentir-se em 1815.

Desde 1760 que a procura cada vez maior do vinho da Madeira obrigou aavanços nas técnicas de trato do vinho, substituindo-se o sistema de canteiro pelasestufas. Ao mesmo tempo generalizou-se a prática de adicionar aguardentes deFrança. A preocupação com a fama e qualidade dos vinhos genuínos ficou esqueci-da por momentos559. Para quem importava o empenho estava em dispô-lo em quan-tidade para poder atender à procura e pouco ou nada lhe interessava se fosse vinhodo Norte ou do Sul, Canárias e Açores. Aqui o o importante era que fosse vinhocom o rótulo de Madeira. Mudaram-se os tempos apurou-se o gosto do consumidore a faculdade de escolha. O vinho da ilha não interessava mais a qualquer preço,pois em França e Espanha encontrava-se em condições mais vantajosas. Os vinhosde Xerez, Porto, França, Espanha, Cabo da Boa Esperança substituíram o Madeira.O vinho, que anos antes não davam para metade da procura, está agora retido nasadegas. As colheitas de 1819 e 1821 não encontraram comprador e desde 1815começaram a sentir-se dificuldades no escoamento, provocadas pela perda dos mer-cados coloniais. Entrava-se na fase de declínio do ciclo do vinho que conduziu aeconomia da ilha a uma situação de prostração. O madeirense não estava prepara-do para a mudança e tardaram as soluções.

O declínio do vinho teve origem no domínio da circulação provocado pela con-corrência doutros europeus e da contracção do mercado com as alterações ocorri-das no espaço colonial britânico. A partir das décadas de 30/40 do século XIX omercado colonial perdeu importância em favor do mercado nórdico, dominado porInglaterra, Rússia, Países Hanseáticos. A estagnação das colheitas conduziu ao aban-dono da cultura da vinha e do campo pelos os agricultores. O facto repercutiu-se naprodução, como se pode constatar em 1837. A crise, que começara nas exportações,alargou-se à produção com o oídio [1852] e a filoxera [1872].

Quando as crises se situam na esfera comercial a causa é quase sempre a tendên-cia monopolista inglesa, mas quando passava para a produção olhava-se à formacomo se correlacionavam as forças sociais e insinuava-se o contrato de colónia e osmorgados como os culpados. A conjuntura vintista, dominada pela crise de sub con-sumo, foi muito fértil em análises e no lançamento de soluções nas páginas doPatriota Funchalense, destacando-se as discussões em torno da importação dasaguardentes de França560 e do porto franco561.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 451

Para uma visão dinamica da crise

A crise vitivinícola permitiu a diversidade de interpretações e soluções. Na maiorparte dos casos estamos perante visões parcelares. Deste modo podemos afirmarque estão errados os que atribuem as crises, que atingiram o vinho Madeira, ao usoe abuso das estufas, trato do vinho com aguardente de França, baldeação interna eexterna. As crises que se sucederam de modo cíclico no século XVIII são conjun-turais e situam-se na esfera comercial, radicando a origem nas eventualidades domercado resultantes da guerra, campanhas de pirataria e corso, crónica falta demoeda e dependência em relação ao inglês.

A tendência monopolista dos ingleses e as prementes questões financeiras domi-naram a vida económica da ilha. O escoamento do único produto de troca dosgéneros comestíveis e manufacturas manteve-se como a questão de fundo. O merca-do madeirense passou para a órbita inglesa que oferecia o mercado das colónias parao vinho e encontrava na ilha uma saída favorável aos comestíveis e manufacturas.

As alterações produzidas no mercado do vinho a partir da década de sessenta do

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX450

Vinhos novos.Armazém da firma

Cossart Gordon & co.

559. Cf. John Driver, Letters from Madeira, London, 1850, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos eTextos, Funchal, 1993, p.354; F. R. G. S., Wanderings in West Africa, London, 1863, in Alberto Vieira, História do Vinhoda Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 369.

560. Vide nº 9, p. 11/14, 30/1, 40, 48.561. Vide nº 70, 161.

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vasto do período de declínio do ciclo do vinho, iniciado em 1815 como uma crisecomercial e que a partir de 1873 tem expressão na produção. As crises do vinhoestão por esclarecer uma vez que poucas ou nenhumas das explicações existentesnão satisfazem, porque parcelares e atraídas pelos aspectos mais visíveis do momen-to de crise, como é o caso do oídio e filoxera. Para nós estamos perante dois tiposde crise. No decurso do século XVIII ocorrem diversas crises no domínio da cir-culação, que por serem de curta duração e se encontrarem num momento de forteimpulso são ignoradas. O período de declínio do ciclo do vinho começou entre1815/1819 como uma crise no domínio da circulação que se alargou à produção,como se pode verificar a partir de 1837. A crise do oídio em 1852 não pode ser con-siderada a única causa na segunda metade do século XIX, pois que desde 1837avançava a passos largos na produção. O oídio apenas poderá ter sido a causa ace-leradora.

O arrastamento da situação ao longo do século XX tem a ver com a realidaderotineira que sempre pautou o comércio. No entender de Peres Trancoso569 oretorno ao momento de esplendor só seria possível com uma remodelação geral nosseus processos comerciais internos e de exportação.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 453

Francisco Paula Medina de Vasconcelos562, que viu a crise como consequência dotratado de 1810 (considerado um cometa político), dos gravíssimos tributos surgidosem 1821, a estagnação do comércio e a aluvião de 1803. Como solução apontava asubstituição da colonia pela enfiteuse (por ser mais humana), a reforma do sistematributário e monetário e no campo comercial a necessidade de proibição dasaguardentes de França e a legítima pretensão do porto franco563.

Em meados do século, a crise provocada pelo oídio provocou nova discussãoretomando-se a linha seguida em 1820-1823. Algumas das pretensões foramaprovadas em Cortes, como o projecto de lei de 23 de Dezembro de 1853, queaboliu as capelas e vínculos (art. 1), reduziu o dízimo a metade (art. 7), determinouo fim da monocultura da vinha (art. 3) e declarou o porto franco (art. 2)564.

António Correia Heredia foi um, entre muitos, a manifestar a sua opinião: Háquatrocentos anos que este país é vítima de grandes absurdos, ninguém deu por elessenão quando se acabou o vinho e o oídium tuckeri é que ficou responsável portodos esses erros, que o pobre coitado, para ter alguma coisa de bom apenas fezconhecer a quem ate agora os deixara passar sem reparar! Assim, por exemplo, -“acabou-se o vinho? -reforme-se o contrato de colonia! -acabou-se o vinho? -liberte-se a terra! -acabou-se o vinho? -reforme-se a Alfândega!”. Não é lógico chega a pare-cer absurdo.

A falta de vinho pode ser uma razão mais para que se tome alguma dessas medi-das, mas de per si só, não é, não pode ser fundamento bastante para que um gover-no, que deve subordinar aos princípios económicos todas as providências destaordem, adopte sem repugnância nem reflexão tudo quanto por esta forma se lhereclama.565

A crise da primeira metade do século XIX insere-se na fase de declínio do vinho,mas tem sido interpretada como um fenómeno isolado. Para Álvaro Rodrigues deAzevedo (1873) a situação resultou da contracção do mercado e das falsificaçõesocorridas no período de grande demanda. O mesmo pensamento encontrámos emD. João da Câmara Leme, Fernando A. da Silva, Nuno Simões, Eduardo Pereira.566.Quanto ao que ocorreu na segunda metade fez-se fé nas análises de Andrade Corvo,Eduardo Grande e D. João da Câmara Leme567, que a encaravam como um fenó-meno isolado. Segundo Miriam. H. Pereira o mesmo tipo de análise sucedeu emrelação à região duriense, onde se atribui ao oídio e filoxera a origem quase exclu-siva568.

A crise vitícola da segunda metade do século XIX insere-se num âmbito mais

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX452

562. Vide nº 83, pp. 1/4; nº 84, pp. 1/4; nº 85, pp. 2/4; nº 90, pp. 3/4; nº 96, pp. 1/3; nº 97, pp. 2/4; nº 98, pp. 4; nº 99, pp. 3/4.563. Estas reivindicações não fogem à regra das apresentadas entre 1821/3 em petições às cortes liberais, vide A. Silbert, Le

Problème Agraire Portugais au Temps du Première Cortes Liberales, Paris 1968.564. Amigo do Povo, nº 165, p. 1.565. O Clamor Público, nº 22, p. 1. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.

177-180.566. Estudos citados ao longo do trabalho e a bibliografia.567. Idem.568. Livre Câmbio e Desenvolvimento Económico em Portugal na Segunda Metade do Século XIX, Lisboa, 1971, pp. 149/179. 569. Peres Trancoso, O Trabalho Português, I Madeira, Lisboa, 1928, p.13.

Rótulos antigos

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Artur barros & sousa lda.

Na Madeira, para além das empresas nacionais e estrangeiras, sempre existiramparticulares a fabricar o vinho, para consumo familiar e, por vezes venda ao públicoou às grandes casas. A firma em questão é resultado do empenho pessoal do Dr.Pedro José Lomelino (1864-1930). Em 1923 decidiu desfazer-se da adega entregan-do ao sobrinho, Artur de Barros e Sousa, regressado do Brasil, que em 1929 deusociedade a Eduardo Menezes Olim. A empresa é actualmente administrada pelosnetos, Artur de Barros e Sousa e Edmundo Menezes Olim.

A firma, graças ao empenho de dois irmãos, mantém o aspecto rústico e famili-ar, que foi e ainda continua a ser uma marca do mundo empresarial ligado ao vinho.

No fabrico do vinho continuam a manter a tradição primitiva, apenas usando ochamado sistema de sistema de canteiro. Do lote de vinhos fazem parte algumasraridades como Terrantez da Madeira e Bastardo e Listrão do Porto Santo.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 455

Actualidade e consumo do vinho madeira

Hoje o mercado do vinho Madeira é diversificado. O vinho tem no consumointerno uma das principais apostas, em certa medida favorecida pelo turismo. Asvisitas às adegas [servidas de roteiros adequados e de uma prova de vinhos] assegu-ram a realidade. No mercado externo, o consumo diversificou-se. O Japão afirmou-se desde a década de sessenta como um novo e potencial mercado. Os Japonesespreferem os secos e meio secos. A Casa de Vinhos Barbeito foi pioneira na rota,mas hoje o mercado interessa a todos os intervenientes.

Actualmente o panorama comercial do vinho está estabilizado. A crise do sécu-lo dezanove e as dificuldades sentidas com as duas Guerras Mundiais implicarammudanças no xadrez empresarial. A situação é definida pelas empresas que seseguem.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX454

Rótulos antigos

Aspecto dosarmazéns.

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Henrique Menezes Borges começou como partidista, fornecendo vinho a diver-sas firmas, mas de forma especial a Krohn Brothers. À morte em 1916 a firma ficouentregue aos três filhos, passando a partir de 1922 à condição de exportador. Foitambém nesta data que mudaram as instalações da Rua do Seminário para as actu-ais na Rua 31 de Janeiro.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 457

H. M. Borges Sucrs. Lda

A casa, fundada em 1877 por Henrique de Menezes Borges, mantém, na actuali-dade, o mesmo estatuto familiar. A partir dos anos trinta ganhou importância coma junção de outras firmas. Em 1932 Araújo Henriques & Co. e depois em 1935Adega Exportadora de Vinhos da Madeira Lda., J. H. Gonçalves & Cª, BorgesMadeira Lda., continuando ainda hoje a utilizar os rótulos.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX456

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de Vinhos da Madeira Lda., Belém’s Madeira Lda., Carmo Vinhos Lda., AntónioEduardo Henriques Sucrs. Lda. e António Filipe Vinhos Lda. Em 1960, foi a vezde Freitas Martins Caldeira & Cia juntar-se ao grupo.

A firma está hoje em mãos dos sócios A. N. Jardim, Peter Cossart e NunesPereira. Em 1992 iniciou um processo de modernização, transferindo-se do Funchalpara o concelho de Câmara de Lobos. Na vila., junto à ribeira do Vigário ficaramas instalações de vinhos velhas, lojas de vendas e escritório, enquanto na QuintaGrande ficavam 10 hectares de vinha das diversas castas nobres e as instalações derecepção da uva, vinificação e estufa.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 459

Henrique & Henriques Vinhos Sa

A família Henriques está ligada aos primórdios da ocupação e ao cultivo da vinhano arquipélago. Até à década de setenta do século XX foi detentora de importantesterras de colónia, ocupadas com vinha, nos sítios da Torre e Quinta Grande. Desde1850 João Joaquim Gonçalves Henriques, com base nas propriedades de família emBelém (Câmara de Lobos), instalou-se como partidista do vinho Madeira, fornecen-do as principais casas. Em 1913 surgiu a actual empresa resultado da fusão à Casa

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX458

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nova dimensão passando a ocupar as instalaçõesda firma Blandy no centro do Funchal, as adegasde S. Francisco, e a contar com a adesão de out-ras casas comerciais a associarem-se a estasociedade: Abudarham & Filhos, Luís Gomes daConceição & Filhos (1863), Miles MadeiraLda.», F. F. Ferraz & Cia, T. T. da CâmaraLomelino (1820). Cossart Gordon & Co. Ltda(1745) foi o último a juntar-se ao grupo em 1953.

A partir de 31 de Dezembro de 1981 a firmaalterou a designação para Madeira WineCompan S. A.. Iniciou-se aqui uma nova fase quelevou a que a família Blandy assumisse em 1979uma posição maioritária. A partir de 1989 partil-hou o património com a família Symington, queadquiriu o controlo da empresa. Foi o começode um novo processo de valorização e modern-ização. Em Setembro de 2000 foi atribuída àMWC a certificação de qualidade na produçãopela norma ISO 9001. À Rua de S. Franciscopermanecem os antigos armazéns que foram dafirma Blandy, como espaço museológico e deprovas, enquanto ao Largo Severiano Ferraz seinstalou todo o espaço de vinificação e engar-rafamento, com o recurso às mais modernas tec-nologias. É aqui que podemos ainda encontrarem funcionamento as estufas de madeira ecimento.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 461

Madeira Wine Company S. A.

A 9 de Agosto de 1913 foi constituída por escritura notarial a firma MadeiraWine Association, reunindo algumas empresas ligadas ao comércio de vinhos:Harry Hinton, Blandy Madeira Ltda (1811), John Frothingham Welsh, Cunha e Co.Lda. e Henriques & Câmara, a que aderiram depois Donaldson e Krohn Brothers.É a consequência inevitável da crise do mercado do vinho nos princípios do século,agravada nos anos imediatos com as guerras mundiais. Passados doze anos ganhou

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX460

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 463

A empresa ainda hoje utiliza ainda as seguintes designações das associadas: A.Nóbrega (Vinhos da Madeira), Lda., Aguiar, Freitas & Cª. Sucrs., Lda., Barros,Almeida & Cª. (Madeira) Lda., Bianchi’s Madeira, Lda., Blandy’s Madeira, Lda.,Casa dos Vinhos Vasconcelos, Lda., Cossart, Gordon & Cª Lda., F. F. Ferraz & CaLda., Freitas Martins, Caldeira & Ca. Ldª, Funchal Wine Company, Lda, J. B.Spínola, Ldª, Krown Brothers & Cª. Ldª, Leacock & Cª.(Wine) Ldª, Luís Gomes(Vinhos) Ldª, Madeira Vitória & Cª Ldª, Miles Madeira, Lda., Power Drury (Wine)Ldª., Royal Madeira & Cª Ld, Rutherford & Miles, Ldª, Sociedade Agrícola daMadeira, Ldª, .Sociedade dos Vinhos da Madeira Meneres, Ldª, Tarquino T.Camara Lomelino Ldª, Vinhos Donaldson & Cª 3 Ldª, Vinhos Shortridge Lawton& Cª Ldª, Vinhos Viúva Abudarham & Fºs. Lda., Welsh Brothers (Vinhos) Lda.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX462

Pereira D’Oliveira (vinhos) Lda

A firma começou em 1850 por iniciativa de João Pereira d’Oliveira. Em 1975juntaram-se outras duas, Joaquim Camacho e Júlio Augusto Cunha Sucrs., e, depois,a de Vasco Luís Pereira Sucr., todos produtores e exportadores. Dispõe de área deprodução de vinho em S. Martinho.

A sede e sala de provas estão instaladas à Rua dos Ferreiros, num edifício doséculo XVII, ostentando no frontal a data de 1619. As primitivas adegas situavam-sena Rua de Santa Maria, donde foram transferidas em princípios do século XX.

Aspecto dos Armazénsda Madeira Wine à Rua

de S. Francisco.Princípios do século XX

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 465

Vinhos Barbeito (madeira) Lda.

Mário Barbeito de Vasconcelos começou a exportar vinhos em 1946 mas só pas-sados dois anos estabeleceu a firma nas instalações de um antigo engenho deaguardente. Uma das apostas da casa está no mercado japonês para onde exportavinho desde 1965, aliado a Kinoshita Shoji. O vinho é uma referência no mercado

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX464

nipónico, sendo facilmente identificado pelas garrafas de formato cantil forradas avime. Na Loja de vendas no Funchal associa-se um museu e biblioteca evocativos donavegador Cristóvão Colombo.

Tal como não se cansam de referir os promotores, o vinho da Madeira não é sóum negócio - é uma tradição de família e um modo de vida. Por isso, são os netosde Mário B. de Vasconcelos, falecido em 1985 que persistem na teimosia.

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Vinhos Justino Henriques

Filhos Lda

A firma foi fundada em 1870, nasvésperas da chegada da filoxera, porJustino Henriques Freitas tendo resistidoàs diversas crises. Depois da PrimeiraGuerra Mundial especializou-se nocomércio de vinhos para o Brasil, mashoje o mercado preferencial é a França.A actual firma surgiu em 1926 comoresultado da fusão com as casas A. deFreitas (vinhos) Lda., C. R. Gonçalves(vinhos) Lda., Companhia Regional deEsport. de Vinhos da Madeira Lda., H.R. Gonçalves, J. Monteiro (vinhos) Lda.,União Vinícola (Funchal) Lda.

Na actualidade é uma sociedade cons-tituída por Sigfredo Costa Campos, queadquiriu a posição em 1981 e a empresafrancesa La Martiniquaise. A partir de1993 passou por um processo de mo-dernização, saindo da Rua do Carmopara se instalar no Parque Industrial daCancela em novas instalações pautadaspela actual tecnologia de vinificação eengarrafamento.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 467A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX466

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De acordo com as características de cada casta, nomeadamente das percentagensde açúcar, estipulou-se para cada uma um tipo de vinho. Assim, o vinho seco iden-tifica-se com o Terrantez, Sercial e Bastardo, o meio-seco com o Verdelho, o meio-doce com o Boal e o doce com a Malvasia. A classificação é feita de acordo com ograu de doçura, a data da colheita e a indicação das castas.

Consoante as características alcoólicas de cada um dos vinhos, podemosrecomendar o momento ideal para o beber, podendo resultar uma combinação per-feita com a culinária regional. Para aperitivo serve-se Verdelho, Sercial ou então ummeio-seco e seco. O Malvasia ou doce segue o ritual britânico, sendo um bom diges-tivo acompanhado de bolo de mel. O Boal ou meio-doce usa-se em diversos “cock-tails” e a acompanhar bolos e fruta.

O Mercado do vinho da Madeira é assegurado actualmente apenas por noveempresas. Apenas três surgiram no século XX, sendo as demais herdeiras detradição familiar ou empresarial. Nos últimos anos do século XX foi manifesto o afãmodernizador de algumas, fazendo com que os espaços e as técnicas correspondamàs exigências dos tradicionais e novos apreciadores.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 469

O vinho hoje

São quatro as castas que deram nome ao vinho Madeira, isto é, o Sercial,Malvasia, Boal e Verdelho. O Terrantez e o Bastardo, que poucas casas apresentam,são raridades, surgindo em quantidades reduzidas. A produção corresponde apenasa dez por cento da vindima. Estamos perante castas habitualmente reservadas paraos vinhos de frasqueira, isto é, vinhos com mais de vinte anos. De acordo com a leg-islação em vigor a utilização do nome da casta na rotulagem obriga a que o conteú-do tenha pelo menos oitenta e cinco por cento de vinho da casta referida.

A Tinta negra-mole é uma das castas recomendadas para o fabrico do vinhoMadeira, sendo a base para os vinhos mais jovens disponíveis no mercado. É a maispródutiva e que contribui em maior volume para o comércio do vinho Madeira. Osvinhos comercializados que se identificam no rótulo pela idade, de três a quinzeanos, são desta casta, que tem boas condições para o fabrico de óptimos vinhos

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX468

Rótulo antigo.Colecção da

Madeira WineCompany.

Sistema de esmagamento da uva.Justino e Henriques, Ldª

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AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttooNNaacciioonnaall

1843 30848 1320001844 29485 1718601845 30008 1581201846 34234 1555501847 23311 1537251848 24365 1923601849 30844 2152151850-51 30518 1951101851-52 27964 1597351852-53 17572 1574901853-54 9308 2790551854-55 7423 1962601855-56 7904 1719301856-57 7515 2081051857-58 5354 1436801858-59 5551 834501859-60 4234 977351860-61 5388 1393001861-62 4100 1634601862-63 3022 1485501863-64 3511 1695251864-65 365.049 2240 1280951865-66 296.924 3440 1957151866-67 254.040 3548 1956151867-68 270.916 3653 1644851869 325.392 4125 1996851870 340.500 4639 2181501871 351.877 6315 2107551872 429.651 6913 2461601873 402.020 9003 2487451874 532.151 8610 2604451875 507.556 9705 2947901876 528,516 10734 2860801877 571.116 10349 2990851878 414890 8882 2382451879 419.509 12218 2367951880 593.271 15428 3038951881 701.545 14408 2701751882 777.813 14048 2887451883 871.169 11532 3199751884 847.877 13417 3024551885 1.500.771 15470 3162451886 1.963.114 21848 3649351887 1.467.344 17752 2557701888 1.730.886 22634 2436601889 1.474288 21715 2726051890 913.841 23374 2775451891 825.774 26526 2817901892 1.001.747 21221 3299351893 769.558 21602 2357151894 611.425 22108 2191701895 682.441 25067 2477351896 761.047 24733 258690

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttooNNaacciioonnaall

1897 782.260 24173 2554451898 864.095 24301 2848051899 830.368 25105 2537901900 828.660 26202 2502851901 790.713 23928 2440001902 839.493 25542 2497501903 779.621 26404 2330501904 729.350 34980 1962351905 900.271 27487 2138301906 908.492 21158 2396501907 910.575 24253 2228301908 841.646 23242 2095551909 863.036 23852 2132501910 1.155.537 29623 2830551911 1.146.917 31897 2329551912 1.079.433 26723 2573651913 858.461 34290 2626351914 971.194 32548 2400751915 2.309.682 26303 2479101916 1.871.929 47547 3607551917 12687 1902301918 12862 4147071919 83612 4917101920 24270 2832451921 16094 2297801922 2.535.921 36545 3856201923 1.527.105 46952 4010351924 1.368.565 42547 5123401925 1.024.190 41313 5401551926 926.173 35274 4761901927 770.777 29667 3766701928 1.510.792 40040 3745351929 945.566 43382 4234251930 817.658 44180 4016751931 756.371 42575 4103901932 755.917 29864 3785101933 767.617 29052 3267151934 743.193 35063 3465351935 854.900 33917 3718901936 879.493 36618 4155551937 798.723 39662 4058751938 838.137 44747 3483751939 990.962 42798 3668801940 699.839 9776 2906001941 600.652 4489 778401942 790.766 9257 598701943 625.315 22016 1498751944 483.785 22894 1423551945 564.121 20859 823601946 1.303.442 30946 2582601947 824.555 31871 2110201948 998.701 23165 1715951949 1.170.332 27393 226585

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 471

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttooNNaacciioonnaall

1560 109211620 14881638 33441645 185591646 777021650 109471659 284651660 264671661 267521662 261251663 250801664 263341665 211901666 240351667 236171668 53951676 1045001682 19.010 3.5001687 21.210 1.5751689 33.440 8.6501698 41.800 40.0151699 31.350 31.2701700 41.800 36.4351721 104.500 97.7001730 29.494 68.5501745 29.260 59.9701750 29.190 72.9351765 33.200 97.6701768 146.300 112.3551772 117.040 101.7901774 29.565 116.0701777 34.256 89.7301778 39.960 119.4501779 38.807 182.8151780 46.260 175.3051781 33.799 149.6951782 46.172 166.8701784 34.948 141.3151785 27.328 157.2801786 50.160 152.0201787 45.273 219.4801788 45223 2120401789 49165 2295101790 57734 2503801791 56471 2374701792 62700 2917101793 44713 1639751794 64727 281035

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttooNNaacciioonnaall

1795 61517 2795551796 64066 2019201797 61328 1929551798 51953 3647351799 61303 4937101800 69003 2803501801 68409 3930301802 67507 2230401803 55117 2778801804 46151 1852251805 58494 2180951806 58582 2263001807 69810 2735901808 46623 2010351809 64.217 222.7451810 47.121 210.7451811 40.023 120.94518121813 91.960 125.8051814 58.520 143.3401815 62.700 188.7001816 50.160 125.8601817 33.440 158.7201818 75240 1877551819 24089 131.9351820 56655 158.5551821 41699 172.3101822 44132 189.5751823 33786 150.3501824 45890 144.4601825 60.320 259..6951826 39250 135.1501827 35212 1744101828 40224 2081001829 33874 1282851830 22985 1209451831 23127 1141001832 29941 836951833 36294 1040451834 37097 1567901835 32311 1923401836 33076 1662901837 33954 1289101838 41097 1898751839 37803 1660251840 33339 1659501841 29916 1317751842 26208 137155

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX470

ANEXO

QQuuaaddrroo nnºº..11:: MMoovviimmeennttoo ddee eexxppoorrttaaççããoo ddee vviinnhhoo (em hectolitros)

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 473

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttooNNaacciioonnaall

1950 1.008.602 24553 2083001951 1.211.976 34471 2434251952 1.136.408 29229 1886901953 1.067.225 31246 1943501954 1.294.556 34167 2049751955 1.626.442 29991 2067601956 1.855.826 31452 2222651957 1.808.480 28760 2139601958 2.285.750 32508 1925951959 1.581.580 31017 2085151960 1.605.360 35448 2094151961 1.632.477 44144 2445051962 1.501.705 41120 2441751963 1.748.107 41297 2380101964 2.270.469 44197 2497201965 2.455.494 46833 2983751966 2.768.297 46603 2856001967 2.518.406 45783 2734401968 2.407.900 47.430 3013551969 46384 2923201970 45920 3186651971 48565 3347001972 52128 3954051973 46640 4326451974 40850 3973051975 44430 3449951976 42040 373605

AAnnooss TToottaall MMaaddeeiirraa PPoorrttooNNaacciioonnaall

1977 45669 4417701978 43740 4736851979 50605 5715351980 32205 5586401981 37968 4965751982 31396 5207851983 33422 5294951984 32418 5386301985 31517 5769051986 36636 6208351987 32855 6220351988 35.317 6530451989 341381990 344881991 335351992 320081993 319251994 308291995 327341996 315991997 321461998 334081999 310332000 3405220012002

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX472

FONTE: INE- Anuário Estatístico; INE- Comércio Externo(1938-1966); INE- Estatísticas de Comércio Externo (desde1967) Conceição Andrade Martins, Memória do Vinho do Porto, Lisboa, 1990

Sistema de engarrafamento.Justino Henriques Ldª

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 475A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX474

QQuuaaddrroo nnºº....22:: Movimento de exportação de vinho por meses

1789 JUNHO JULHO AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO

Ásia 41 2 3 1/2 2 2 1Antígua 2 2América 1 1 21 1 38 3 5Barbadas 17 40 44 1 25 4Bastão 19 2 2 1/2

Baltimor 24 1 87 1 80 1 2Bengala 17Bombaim 1Boston 13 1 11/2

Cabo Verde 1 1 2 1 1 3Canárias 1Coibeque 87 1 63 3 24 2 1Jamaica 486 26 26 13 13 1 150 11 6 641 19 18 135 6 5 1/2 348 10 8 1/2

Filadelfia 60 1 1/2 164 1 6 1/2 24 2 107 2 2 111 1 1 207 6 5 1/2

Martinica 8 2 5 12 1 2New York 146 2 2 20 1 213 7 7 55 2 5 36 1 1W. Índias 423 19 10 1/2 7 81 5 4Virginia 15 1 35 1 47 4 3Santa Cruz 169 8 10 21 2 2 27Carolina 40 3India 1 2 1Portland 15 2 2Marselha 1 1 1 1/2

Porto 1Charlston 7 1 8 3 42 1 1 21 3 1Lisboa 44 1 2 1 1 3 2Terra Nova 2 2Londres 9 2 4 10 5 5Noruega 58 1 3St. Eustachio 30 1Granada 5 1 4 63 5 7Costa da Guiné 105 4 3Sidney 32 2 1Stª Cruz (Dinamarca) 16 3Dominica 44 2 7 2 3S. Vicente 90 3 3

Pip

as

Qua

rtos

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11779911

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

Ásia 538 835 61 470 403 51América 24 52 12 5Barbadas 15 101 1 15 8 5 43Bastão 9 24 4 1 11Bengala 23 33Canárias 30 24Coibeque 12 65 2Jamaica112 112 501 947 287 77 196 40 14 248 147 139Filadélfia 50 6 30 78 88 72 18 57 11New York 85 70 59 9 60 97 34 30W.Indias 148 96 438 63 82 32 5 2Carolina 3 4 26 15Charlston 27 53 10 7Lisboa 12 21St. Eustachio 99 85 60 18Granada 120 133 111 243 105Dominica 95 123 35 23Stª Cruz (Din) 28S. Cristovão 43Belmuda 148Nerues 65Gotemburgo 11St. Kitts 66Tobago 11 10 20Berbice 4 26Tortola 1 61Gibraltar 6Setúbal 27 6Santa Cruz 58 5 47 133 32Ostende 48 41Porto 90 1Londres 28Baltimor 54 11 33Gasto 4Virginia 21 7 38 17 39 15Norfolk 60Nova Providencia 80 1 1Demerara 168Antigua 157 1Martinica 1Meriland 14Santa Helena 6Garnizé 106Bristol 10S. Miguel 10 12Cabo Verde 19S. Vicente 46Cork 38Malaga 6St. Thomas 15Africa 34 133Brunswit 20Curaçau 33 2Monserrate 175Alexandria 84

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 477

11779900

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

Alifaz 8Ásia 165 811 183 666 77 71 150 379 805 5Alicante 1 84Antigua 3 133 _América 31 6 39 9Barbadas 9 265 83 420Bastão 71 22 30Baltimor 78 36 1 22 6 5Coibeque 50Jamaica 473 489 775 68 10 61 6 57 94 769 153Filadélfia 53 71 111 222 189 74 60New York 1 172 68 24 30 133 53 60 4 93W. Indias 160 86 16 131 24Virginia 3 49 45 153Santa Cruz 7 95 26 20Carolina 8India 27Charlston 129 73Londres 1 167Lisboa 3St.Rustachio 40 134 38 37Granada 211 24Stª Cruz(Dinamarca 252Dominica 126 120 87S. Cristovão 69 48Cabo Verde 2 1Dartmout 13China 2Honduras 26Cork 10 48Salem 13Copenhaga 70 16 60Surinam 4África 2S. João 11S. Martinho 14Alexandria 12 12Nova Inglaterra 2Nassbery 25Garnizé 68Belmoda 30 50Mogador 20 20Canárias 10 10 65

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX476

Page 243: avieira-vinhavinhomadeira

11779933

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

W. Indias 61 150 93 62 41 145 522Asia 800 70 232 6 337 100S. Vicente 73Dominica 33 51Bobaim 16Granada 148 8 189 64 16 52Island 106 7Jamaica 691 490 66 182 179 147 188Virginia 103 1 143 16 53N. York 99 136 16 86Russia 12S. Cristovão 87 165 85Barbadas 78 259 151 65 98 134 129Filadelfia 58 17 266 236 1Carolina 190 41Cabo Verde 3Charlston 214 12Acorso 11Bordéus 13N. Providencia 58 18Quebec 158 48Gibraltar 5Baltimor 30 14Santa Cruz 1 148New Port 1Bastão 3 51Canarias 2St. Eustachio 12Garnizé 165Boston 23Antigua 81Honduras 6Providencia 11St. Kitts 99Bourdeaux 1Ostende 240 40Inglaterra 9Cork 11

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 479

11779922

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

Jamaica 139 233 770 326 25 62 157 263 199 242 351Granada 15 185 48 133 163 169Barbadas 69 15 171 11 38 47W. Indias 34 24 21 10 27 45 45 78Tenerife 15N. York 59 25 127 22 48 10Virginia 2 16 4 31 13 59 33Cloid 104Filadelfia 20 19 65 5 15 107 66 54 16Stª Helena 73Asia 459 77 83Bastão 69 15S. Vicente 77 59Luiviana 3Mar do Pacifico 2Nova Providencia 29 103América 13 62 28Quebec 63 38 81Baltimor 137 83Charlston 25 5Antigua 75 268Gibraltar 10Norway 24 19St. Kitts 53Bergamo 7Cadiz 4Carolina 14 73 7St. Eustachio 9 24 38Compenhagua 63Salem 89Ganizé 7 182Serra Leoa 44Hamburgo 3 12S. Miguel 4China 25Santa Cruz 89 198Boston 26Costa África 21Lecth 51C. Boa Esperança 6

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX478

Page 244: avieira-vinhavinhomadeira

11779955

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

Jamaica 47 270 161 241 438 10 80 186 57Granada 7Santa Cruz 1 110 77 144Cabo Verde 40Índia 50Filadélfia 49 63 183 138 146 3Ásia 238 774 771 1493 326 1705 881 171 25 188 337Demerara 16W. Indias 27 34 233 82 13 144 97 107 49 14 1Terra Nova 21Virginia 5 70 25 126Tanarife 56 60 46 7 65Boston 1 84 34Monserate 173Barbadas 235 65 459 79Irlanda 20S. Vicente 74Charlston 16 57 48N. York 198 88 158 350 232 6Alexandria 35Bastão 72 72 87Baltimor 5 153 1 87Norfolk 7 135Antigua 126Bergem 33Liverpool 193N. Providencia 54 45S. Bartolomeu 38Setúbal 2Quebec 152Barb’s 22Não Especificado 67Tortola 1S. Quitts 25Berbice 10Lisboa 30

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 481

11779944

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

Carolina 12Ásia 11 82 633 500 866 155Santa Cruz 292 54 147 32 34 115Bastão 39 15 65Gasto 1 2W. Indias 54 15 36 149 640 70 95 69 30 39Granada 150 33 21 120 2 2 12 335Barbadas 6 7 307 131 85 72Jamaica 760 58 967 141 37 33 1 1 511Santa Helena 43Cabo Verde 24 1 7Virginia 87 17 83 47 12Garnize 79 81 86 30Bengala 100N. York 28 90 28 109 79 47 95 340 248Costa Guiné 18Tenerife 100 103 50 12 20Dominica 119 61 46 221Halifax 75Tobago 358Filadelfia 156 444 230 32Costa de África 1 7Baltimor 105 80 53Nova Providencia 52 78Antigua 67 4S. Cristovão 120 17S. Domingos 100 295Ostende 20 39S. Vicente 19Monserrat 16Martinica 100 70 88 90Londres 135Charlston 50 45 100Mablet 31 4Quebec 52 106Baltimor 76Salem 63Bostom 3 47 39Alexandria 86 35Demerara 31Belmuda 32Post Moth 3St. Eustachio 32Falmout 26 31Watergon 18

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX480

Page 245: avieira-vinhavinhomadeira

11880011

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

Jamaica 294 341 196 28 122Brington 10Demerara 19 61 191 71 123 42 5W.Indias 148 406 4 33 40 16 12India 1015 280 119 117 11 29 28Cabo Verde 40 1 5Bombaim 6Charlston 148 8 12 17 1Carolina 3 2Ásia 95 541 581 200 618 50Surinam 20 13 1 26Lisboa 17 1 17 41Não Especificado 277 526 496 4 995 33 38 86Martinica 134 200 78Dominica 28Boston 56 4N. York 243 124 53 1Baltimor 323 38Quebec 173 20 201Granada 40Hartford 33Bengala 50Filadelfia 88 7 100Londres 31Providencia 7Nova Providencia 26Norfolk 30Santa Cruz 232St. Kitts 25Bermuda 8Virginia 39 40Nortola 25Trinidad 20S. Miguel 7Curaçau 32Tobago 45 50Barbadas 1Baía 5Canárias 2Tortola 4Santa Cruz(Din.) 60

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 483

11779966

DDeessttiinnoo JJaann FFeevv MMaarr AAbbrr MMaaii JJuunn JJuullhhoo AAggoo SSeett OOuutt NNoovv DDeezz

Virginia 4 30 20 86 9Martinica 97 51 125 148 127 83W. Indias 64 1372 176 6 63 249 59 13 68Africa 31Bastão 50 35 3 4 12 211China 12Baltimor 30 119 129Lisboa 3Cabo Verde 60 44 16 2Filadélfia 274 284 168 269Mogador 2 1 1 11New Burnswick 19Ásia 297 907 441 170 202 17 113 78 203Carolina 130S. Domingos 51Santa Cruz 47 249 226 79 85 97Dublin 54 87Halifax 127Charlston 137 105 16Cabo Boa Esperança 13 4 1Não Especificado 6Barbadas 12 371 272 194N. York 34 153 155 362Gibraltar 7Cádiz 14 75 2Costa de África 7 1Tanarife 64N. Providencia 51 12Hamburgo 15Quebec 188Jamaica 1385 575 312 163 478 1 176 63 71S. Bartolomeu 43Merilanda 22Garnizé 172Demerara 24Portmout 3S. Vicente 60 102Belmudas 60

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX482

Page 246: avieira-vinhavinhomadeira

TToonneeiiss 11//22 ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22 qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassThree Sisters 24 25 21

Rosechild 2 38 30 15Backer W. Indias 1 15 8 7

Galera Barton 2 36 86 20John Rochards 13 28 30Baldsfose 6 236 31 3Standart 1 3 268 185 96 3John 443 1 2Denmarck Hiu 13 12 29Folconde 3 1Pinly Hall 1 1 21 57 6 5Eliza 5 10Coyol Briton 1 1Higiand Lad 14Marquês Welleley 2 13 16 23 2

Galera Tropic 54 51 35 8Faith 1 5 19 3 3Clyde 112 17 6Agencourt 4 175 31 10Repart 9 6Alexandre 62 44 47 16H.Stwarter Forber 56 18 9Carkins 223 44 20Underwood 8 15 13 18Lune 108 100 58 17Lady Roffler 49 3 2 2Posthemars 6 17 11Providencia 4 102 36 23David Scott 1 217 34 20 1Izabelle 3 10 20 9Waterloo 5 13Prince of Brasil P. 3 5Phienix 168 24 7Jane 1 2 1 2Marthe 50 73 26Albia 33 36 7Regalia 1 33Mary 38 18 1Yorky 55 41 14Cerpheus 73 17 19Princeps Charlotie 30 19 26 1Triumph 47 11 25Preseverance 1 267 77 63Garlandgrove 9 19 31George The III 3 2 44 60 52 17Piggot 47 3 4 1Planet 6 5 111 23 15Britannia 119 27 6Apollo 16 16 10Borned 27 57 41 12Kelling Back 65 25 17Valiant 26 57 41 12Echo 3 6Melpousone 101 30 15

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 485

QQuuaaddrroo nnºº....33:: OO VVIINNHHOO EEXXPPOORRTTAADDOO EE AA NNAACCIIOONNAALLIIDDAADDEE DDOOSS NNAAVVIIOOSS

Movimento de exportação: nacionalidade dos navios

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX484

BBAANNDDEEIIRRAA 11778844 11778855 11778866 11778877 11882222 11882233 11882244

Portuguesa 2 966 234 1 306 2 021 430 50 493Inglesa 3 365 4 634 4 619 6 184 5 977 5 228 6 771Francesa 32 36 26 259 411Holandesa 47 161 71 45 352 229 186Sarda 23 5 5Dinamarquesa 821 532 243 529 35 19 174Molkemburguesa 58Sueca 26 19 2 1 134Americana 739 921 289 1 791 1 206 2 552 1 650Imperial 362Espanhola 1

nnaavviiooss iinngglleesseess--11882222

TToonneeiiss 11//22 ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22 qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassBergantim Mercury 2 212 156 14 2

Boulton 10 55América 2 55 56 26 1Bersoy 7 21 24 1Windie Packet 23 23 22 8Lavinia 142 144 10 2Deveron 4 4Jane 33 39 17Waterloo 30 52 81 6Humber 53 35 9Whim 3 6 11France 3 12 49 40Alexandre 29 33 49 16Elizabeth 1 2 24 29 36Joseph 4 46 61 60 88Anna 28 21 19 2Malta 52 2Secilian 4 2 72 41 17Rosalle 34 26 3Frial 44 23 22 2Comet 92 145 8Augustreu 19 28 68Mars 14 4 5 1Samuel 3 27 43 51 8John & Nancy 21 14 2Victory 9 18 72Active 1 18 32 6Hastineque 31 12 12Alliance 28 14 1Alpha 9 8 22Thomas Bouch 13 9 3 2Cornelius 12 31 25Sénega 5 1Pandora 8 28 36 13

Page 247: avieira-vinhavinhomadeira

TToonneeiiss 11//22 ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22 qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassValiant 1 100 69 21 10Providence 92 27 1Sir Edvard Paph 1 86 33 7Scanete 13 19 21George III 42 80 52

Bergantim Phatacia 14 24 26Membod 1 109 114 10Lepur 10 23 25 1Não especificado 40 61 8

Bergantim Resinglun 25 62 83 99Mary 99 26 14 12Lady Campbell 44 20 17Ezabelle Euphemie 2 200Young Husband 18 25 10 2Alexandre 40 24 48 1 16Victoria 1 31 65 24Anna 2 2Boulton 19 18 78Comet 191 113 17Prichard 51 52 41 2Doris 12 23 10Alorn 21Elianor 2 30 26 35 1Montroze 8 20 2Medway 6 4 11Freeland 10 16 1Fanny 220 19 2Ackoromach 54 10 18 9Resing Sun 96 56 3 1Liverly 32 32 2Asia 17 36 55 8Victory 8 27 40 20Sisters 86 107 22Jane 17 21 9Seppings 1 10 7 1Hobe 8 10 2Aimwell 28 5 13Elizabeth P. Mary 75 175 5 1Frial 1 2 68 103 140 43Navegator 87 26 11Saint James 1 36 21 42 _Everton 49 87 8 2Britania 6 10 17Rosella 1 166 165 127 17Resource 51 24 2Young 3 4 4

Barca Percy 57 70 96 16John & Richard 48 31 5

Escuna Lenity 57 35 6Walby Ann 2 118 114 6 2Ebenezer 1 8 3 20

Chalupa George IV 49 82 3Leverpool 6 14 9Desparch 4 6

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 487

TToonneeiiss 11//22 ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22 qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassEscuna Lisbon Packet 1 3 3 3

Margaret 5 1John Echlin 18 41 45Sexlobourg 13 57 150 12Myrthe 42 6 3Walby Ann 8 59 25 2

Barca Betsey 50 29 14Balandra Eumerge 83 74 12 1

George The IV 30 66Brig-Escuna Ruby 1 66 132 11 3

nnaavviiooss iinngglleesseess 11882233

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassGalera Stuntor 1 216 60 48

Bormus 57 75 65 110John Campbell 1 2 24 21 3 3Lune 16 10 15Jane 8 5 5John 5 256 254 261 90Melrose 5 20 25 14George & Thomas 4 32 41 8Britannia 1 151 13 29 8Kains 89 25 20St. Maria 1 66 21 5Severn 1 35 20 7Mary 1 38 47 14Lord Serfield 157 35 6London 4 1 92 52 29 1Ladmus 3 98 22 5Brailsford 128 29 22Fortitude 5 26 32 27 16Vansittars 10 33 30 52Panima 106 113 66Palmira 16 18 36 8Porthmous 3 39 47 19Layton 28 7 1Kingston 85 6England 53 58 19C. Stewart Forbes 62 10Mexborggh 73 33 20 1Royne 218 19 2Marthe 19 20 2Susane 82 6 8Hercules 15 5 5Seppings 1 7 1Lady Thermaway 255 45 11 1Benson 1 28 26 5 1Hope 1 177 52 26Bingel Mernchant 2 192 30 14St. Vicente de Glasgo 1 6 37 26 7Montreal 13 50 45 1Standart 69 104 78

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX486

Page 248: avieira-vinhavinhomadeira

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassBaston 1 1Mary 1 34 15 6W. Mobey 179 9

Galera Sarkins 10 221 72 14 2Claredon 43 19 1Eliza 51 6 1Helroze 10 29 32 23 1Izabelle 29 29 21Marcy 44 2 39 24Princeps Carlotte 42 59 27 8Capton Cartle 39 9 4Raikes 59 62 11Marques of Hunllen 7 6 5 1Millich 40 1 1Lord Ambus 3 1 132 42 2George & Thomas 6 19 33 51Gollonde 6 153 49 29 1Exmouth 92 17 7Cormwall 69 23 1Triumph 3 2 1Salmon River 7 8 8Marques of Hastings 1 63 26 5George 97 25 13 5London 3 3 77 77 17 3Timandea 10 7 24Timanes 4 32 40 49 12Ciscassiam 97 22 12Mediterranian 16 18 16Euphrates 187 51 6 1Relagia 2 44 12 2 1Underwood 16 11 21Halton 10 11 15Albin 1Portsea 45 1 6Thales 1 1 166 145 152 1Phalie 1 138 112 147 1Jane 152 94 2Hallyards 3 2 8 7 2 1Claredon 10 221 72 14 2

Escuna Anna 83 161 7Luiza 88 56 3St. Gloria 16 18 124Perseverance 11 20 16

Barca Martha 17 10 8Pulaca Estrella do Norte 3

Proze 3 1 1Brig-Escuna Asia 2 5 8Chalupa Agnes 3 5 1

Tham of Tripe 1 72 86 8 1Balandra Sarah 14 4 22 16

Pembocke 4 22 44 8

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 489

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassBalandra George IV 59 98 5

Catherine 3 7 22Brig-Escuna George IV 38 132 2

nnaavviiooss iinngglleesseess 1188223344

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassBergantim Comet 1 150 133 14 1

Admiral Rowlay 50 62 9 3Lady Tors 14 13 1Bickertons 9 11 4 8Dart 2 20 37 112 48 7Manley 28 67 4Mercy 1 75 47 31 32Mary 1 34 15 6Alexandre 25 22 81 1Belt 2 12Britannia 24 37 24 7Atalante 24 62 26 5Granger 29 16 3 2Fraie 3 7 6 3 2Alacrity 37Ann 7 17 18 9Alkomack 61 98 19Não especificado’ 9 18 28Young Husband 2 1 2Junot Dunlop 1 1 28 20Bedford 1 5 15 14 2Ardent 25 27 19 2Eunna 19 2 43Shepherd 15 17 32Jane 152 94 2Everton 1 1 57 61 6Frial 2 78 29 37 2St. James 9 13 11 23William 14 12 8Rolla 12 15 12Assoar 2 1Friends 7 184 142 6Cartona 1 2 5Thomas 26 7Woodpark 6 16 12 2Manley 1 8 8

Galera Active 7 21 14Cladonia 1 63 29 20Tuscan 1Rosanna 21 30Orpheus 14 21 32Barton 2 19 37 81 48 6Cecilie 1 11 23 20 43 3John 1 1 174 199 226 127Domenica 1 4 12 42St. Mary 56 31 3

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX488

Page 249: avieira-vinhavinhomadeira

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassPanther 13 31 104 2Four Sons 20 21 68Howard 4 8 34 4

Escuna Lucy 26 36 34Them Kgell Winston 29 35 54 1/2Picot 121 89 70 55D’Edward Francês 14 80Elmira 8 8 12Apollo 16 32 138 1Buce 8 19 28 10Panope 8 8 12Alabama 21 35 106Three Sisters 11 10 22Henry Medleton 1 22 26 167 10Catharine 1 5Pamana 20 36 57 11Trial 8 22 67 20Janelbetsey 4Leader 1 2

Galera Carolina 1Orleans 6 25Mary Ann 1 1 10General Jackson 65 28 27

Brig-Escuna Ranger 63 67 13Argo 25 10 31 2

Azores 7 16 2

VViinnhhoo eexxppoorrttaaddoo –– eemm nnaavviiooss…… -- 11882222

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassFFrraanncceesseess

Bergantin Luis 113 71 9Ametié 14 21Euphrozine 3 28 76 3L’Huireuser Reinhe 26 35L’Actif 137 60

HHoollaannddeesseessGalera Leuderneimses 42 72 102Bergantim Courier 23

Nordoch 40 20Brigescuna G. Riuk 21 109 82 14Galiota Elizabeth 69 22

Amesterdam 8 19 8

SSaarrddoossBergantim Mariano 8 4 4 1

Allemand 2 3 8 48

DDiinnaammaarrqquuêêssChalupa Reichel 13 28 30

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 491

nnaavviiooss aammeerriiccaannooss 11882222

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassBerga Frances 27 14 37

Pamone 10 44 73 144 10Consiano 11 35 110 4Hojé 1 2 16Eliza 20 28 32Elizabeth 7 5 5Visitor 4 2 110 75 49 1Tromsider 3 14Caroline 30 32Webe 14 16 78 8Perseverance 6 1 1Gºr. Hooks 3 27 17

Barescuna Shaumot 32 34 112Luizelecile 24 61 144 59

Escuna Spartan 4 8 6 52 119 16Não especificado 12 20 59Shuit 1 1 13 52 35Rover 10 23 25 3Numas 5 24 23Almiré 13 4 7

Barca Sarah Luiza 2 93 110 115 20Chalupa Deborah 8

nnaavviiooss aammeerriiccaannooss 11882233

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassEscuna Thawmut 4 19 1 1

Sylvia 75 47 151 6Edwards Francis 32 21 37 2Excharge 45 41 64 54Decatur 6 8 16 4

Bergantim Pomona 16 18 36 8Lovely Kezich 16 26 96 3Hopes Deligth 1 26 35 57 20Napoleão 2 8 19 33Constituição 1 1 1Clid 18 27 9

Brigescuna Herd 14 16Galera New Orbene 3 8 11

W. Rell 5 20

nnaavviiooss aammeerriiccaannooss 11882244

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassBergantin Pamone 2 35 31 56 2

Neptuno 15 36 6Richmond 2 2Clerion 32 16 42 9Elizabeth 8 13 42 16Roberto Cochiane 32 25 94 9Branim 122 63 85 5Volant 2 3 15 21 52

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX490

Page 250: avieira-vinhavinhomadeira

QQuuaaddrroo nnºº..44::MMOOVVIIMMEENNTTOO DDEE EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDEE VVIINNHHOO PPOORR MMEERRCCAADDOORREESS ((11882233--11883300)) eemm ppiippaass

MMEERRCCAADDOORREESS 11882233 11882244 11882255 11882266 11882277 11882288 11882299 11883300

Rutherford & Grant 323 80 76 68 47 45 33Scott l. Penfold & Cª Ldª 116Leacock Harris & Cª Ldª 439 188 109 215 72Diogo Houghton 88Murdoch Guille W. & Cª Ldª 336 177Heruis & Cª 62 45Robert Lervig 251Henry H. Temple 88 1227 225 268 89 538 86Richard Dover 68 506 203 338 15Gough & Hollway 229 250 28 71 124 494 177Newton Gordon M. & Scott 1352 541 650 540 487 358 434Scott Pringle Weith & Cª 179 66 103João Winterbotton 134 103 35Philip N. Searle 316 606 335 40Guilherme Tindlay 221 18 89 150Phelps Page & Cª 288 108 234 171 46 80Gordon Duff Inglis & Cª 423 200 136George Blackburn & Cª 358 306Thomas H. Edwards & Cª 49 52João Oliveira & Cª 563 646 1016 475 73 117 513 502Gould & Cª 15 6Monteiros & Cª 78 86 10 106 8J. H. March & Cª 150 420 41 12André Duan 20 5Pedro Santana 35 41Paulo Malheiros de Mellos Fºs 3 2Guilherme Telles 48 33 65 184 148R. Seymonds & Cª 154 268 165R. Donaldson 64 40Roque Caetano Araújo 64 165 3 72Roque Caetano Araújo Júnior 85 5Diogo José de Lemos 13 441 59 138Minett Honotton & Cª 80 22Heirs & Cª 35 55Minett Filhos & Cª 60 184 756 411 291 652 35Diogo Bean 182Francisco March 606 107 609 20Da Câmara Rego & Cª 133 35A Joaquim Oliveira 5Quintino Pestana 113 130Gregório Joaquim Freitas 18 3João Brício Acciauoli 74 57João Blandy 10 152Diogo Taylor 192 520 96George Stoddarte 713 512 333 99 364 14José F. Santana Vascocnelos 65Luís A Vasconcelos 15 11Henry Lundie 10 117 678 419 270 239João C. S. Romão 84 195João Cairns 322 355 58 26Robert Wallas 1Alexander Hally 57 60D. Shefield & Young 23 2José Caetano Jardim 228 497Manuel Santana Vasconcelos 635José Monteiro Teixeira 35 12H. B. Staner 2 79José de Gouveia Rego 20 46Manuel Tavares 73 149António Pinto Correia 339 283Joaquim A Dias 510João Montrie Age 60André Duran & Cª 2 22Alexander ª Cairns 338 304João Mair 47Symonds Ruffly & Cª 56 48Luiz Ornelas Vasconcelos 49 48Francisco Vieira Jardim 6Diversos 3 421 3 456 3 274 622 1732 987 1 311 2 937

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 493

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassPPoorrttuugguuêêss

Escuna Carolina 2 600Esperança 19 41 5 10 3

Bergantim Especulador 122 253 168 160Brig-Escuna Lebre 2 4 13 8

VViinnhhoo EExxppoorrttaaddoo –– EEmm nnaavviiooss...... -- 11882233

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassPPoorrttuugguuêêss

Hiate Conceição 79 42 2SSaarrddooss

Charrua Laruza 4 4Palaca Alemand 2 1 7

DDiinnaammaarrqquuêêssEscuna Africane Pachet 3 29 6

HHoollaannddeesseessGalera Maribá 3 3 16 20Atalante 1 123 133 99 17

VViinnhhoo eexxppoorrttaaddoo –– EEmm nnaavviiooss...... -- 11882244

TToonnééiiss 11//22ttoonneeiiss PPiippaass QQuuaarrttooss QQuuaarrttoollaass 11//22qquuaarrttoollaass ddúúzziiaassDDiinnaammaarrqquueesseess

Galera Ladwig 1 33 50 50 4Gradt 7 64 72Frandechart 1 2Bergantim 8 33 77 5

PPoorrttuugguueesseessBergantim Especulador 178 161 137 73Hiate Boa esperança 99 70 84 4Escuna Stª Cruz Estrella 16 5 34 69

SSuueeccoossBergantim Pioner 16 21 18

Anne Dorotheia 1 26 33 4Waudringsmauder 21 23 16 33Spalding 10 10 2

Galera Calcutá 13 24

HHoollaannddeesseessEscuna Providence 16 36 27Galiota Driege Broedus 75 86 89 44

SSaarrddoossBrig-Escuna Cézar 10 1Pulaca L’Asseinte 1 1 1

L’Alcan 2MMoocckkeemmbbuurrssuueezzaa

Galiota Augusta Tadencia 33 28 40 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX492

Page 251: avieira-vinhavinhomadeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 495

QQuuaaddrroo nnºº..55:: MMeerrccaaddoorreess:: Gouch & Hollway Cª Vinho exportado – 1823/30

1823 1824 1825 1827 1828 1829 1830

W. Indias 26 1 5 1 2 2 2 10 97Londres 40 25 8 1 4 4 37 37 17 65 47 5Lisboa 1 2Calcutá 17 1India 58 14 31 20 9 41 20 43 13 1Demerara 5 5 1 1 4 21 11 14 14 16 7 9 12 25 12Jamaica 7 12 22 48 12 12 14 14 2 32 15 9 22 36 17 1 12 16 23 42 48Antigua 4 1 6 6 2 2 2Nova Orleans 10Roda 27 54 12 34 20Ann 6América 3 8Granada 6 10 2 12Honduras 3 1Cabo Boa Esperança 37Barbadas 4 16 25 40 20 115 26 12Trinidad 6 5 13Amesterdam 1Boston 1Charleston 2 1 1 4 10Vandinaus Land 1Filadélfia 2Costa África 4 11 11New Burnswick 13Ceylon 1 4 21St. Vicents 1 4 6 12Hamburgo 12 3 33 4New York 120Kingston 1Halifax 5 30 35St. Thomas 2 1Alexandria 4 14 41 19St. Lucie 2Bristol 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX494

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 497

QQuuaaddrroo nnºº..66:: MMeerrccaaddoorreess:: Guilherme Tindlay – Vinho exportado – 1823/9

1823 1824 1825 1827 1828 1829

Jamaica 1 33 1 6 3 6 6 21 23 1 3 7 21 45 12 1India 1 1 1 2 3 4 15 5 5 16St. Vicents 5 1 4 4 11 13W. Indias 29 37 18 2 2 20 8 1 50 20 5 17 21 8 1Tobago 1 5 1/2 2 3Lisboa 1 1Gibraltar 2 10Londres 27 33 1/2 1 2 12 17 2 2 2 2N. York 37 25 39 1 4 14 23Serra Leoa/Londres 4 4Filadelfia 3 6 3 1 5 10 4 19 38 6Canárias 2 1 2St. Croix 30Demerara 12 1 13 9Barbadas 15 41 36 32Nervis 24 1 21/2 2Roda 55 38 18 1 9Liverpol 1Não especificado 10 21 1Charleston 1 2Calcuta 36Trinidad 2 10 3Brasil 1Madrasta 2 1/2

Antigua 2 4 4Serra Leoa 8 4 6 12Jamaica/Granada/India 14 9 9 10Terra Nova 4 16 14 16Bombay 64 1Granada 7 12 22 8Alexandria 24 39 12Baltimor 12

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX496

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 499

QQuuaaddrroo nnºº..77:: MMeerrccaaddoorreess:: Rutherforth & Grani – Vinho Exportado – 1823/9

1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829

Índia 28 16 1 29 12 7 5 21 1 1 1Londres 66 22 16 3 61 17 1 2 16 14 12 41 42 7 13 8 1Tobago 1 1Roda 1 9 14 12Barbadas 6 3Trinidad 4 2 16Inglaterra 2 1Jamaica 11 12 1 7 8 7 3Madras 1Demerara 5 2 1 7 3 1Bombay 2 4Bergen 1 2 4Cayenne 5 5Escossia 1 1Liverpol 3 8Cabo Verde 2 4 2América 11 5 10Tenerife 6 14Costa de África 15Calcutá 1 3 5 3 2New Orleans 6 12 12Madrasta 2Rio de Janeiro 2W. Indias 56 58 21 1 2 4 1 5 24 8 3 4 1 16 21 2 1 2 1 1

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX498

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 501

QQuuaaddrroo nnºº..88:: MMeerrccaaddoorreess:: Newton Gordon Murdoch & Scott – Vinho exportado – 1823/9

1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829

Índia 672 160 142 228 40 20 4 99 21 6 171 54 28 1 73 52 53 8 27 20 152 47 43 2Jamaica 86 35 54 2 52 27 26 107 66 89 78 60 88 78 91 183 4 143 113 136 1W. Índias 28 9 7 57 17 37 112 17 37 2 1Londres 10 5 1 1 5 3 20 13 2 7 17 7 9 9 2 87 75 272 8Charleston 35 17 25 1 27 39 122 1 8 10 6 8 13 14 152 8 5 1 5 61 14 8 102 2Brasil 1 6 1 2 1 5Dublin 27 198Quebec 4 1 2 1 2 2 2 2 1Gibraltar 2 2Cabo Boa Esperança 4 2New York 2 7 71 15 8 48 6 8 10Barbadas 1 22 8 1 12 9 11 8 19 4 5 16 4África 1Boston 3 1Honduras 15 1Demerara 3 20 22 2 15 17 30 29 36 54 1 12 12 10Filadélfia 2 16 8 1 2 19 29 42S. Cristovão 1Lisboa 2França 1 1 1 63 4 6Antigua 3 1S. Vicente 39 14 4 17 19 6 11 10 5Santa Cruz 2 5 10 52 1 2 5 6Calcutá 92 14 6 2 1Berbice 4 2 2 1 3 2 9Dominica 16 8América 6 2Bermudas 1Ceylon 1 20 40St. Thomas 11 2 2 6 1 26 10 31 5 1Bristol 3Halifax 2 2Nervit 1Cartagena 11 2 2Granada 2 4Serra Leoa 1Bombay 4Tobago 2 3 3Nova Holanda 7 4 8 1Rio de Janeiro 4Mar do Sul 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX500

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 503

QQuuaaddrroo nnºº..99:: MMeerrccaaddoorreess:: George Stoddarte – Vinho exportado – 1825/1830

1825 1826 1827 1828 1829 1830

Londres 52 26 42 13 4 15 6 19 2 2 13 10 10 23 26 25W. Índias 7 7 2 3 11 4 1 1 4 1 5 12 11 1 20 15 34Jamaica 33 25 31 7 46 58 39 31 20 15 3 24 55 2 15 16 14 1 8 24Brasil 6 4 7 1Bristol 10 3 4 5 4 9Batavia 7 41 30 8 8Demerara 10 15 4 34 52 51 22 33 36 3 2 12 21 14 27 1S. Vicente 3 6 4 5 9 15 11 2 1Filadélfia 3 1Lisboa 3 3Surimane 4 8 8 3 1 1Ceilão 6 2 1Índia 100 26 29 184 29 14 2 6 7 2 11 8 10Índia/Londres 24 17 10 12 2 1 121 37 7 2Índia/Filadélfia 74 32 40W. Índias/Londres 1 4 4 1 1 1 2 6 14Bengala 1Hamburgo 3New York 5 13 2 4 1 6 10 2Betany Bay 4 5 8Liverpol 78 12 5Bombay 5 1 1 8 2St. Croix 1 1Calcutá 2 2Jamaica/Londres 27 18 32 2 12 14 9 1 22 9 9Jamaica/Liverpol 48 13 9 23 14 6 4 2 1Granada 9 20 7 10 23 4Rio de Janeiro 2 1 2 5 10 3Berbice 6 6 12 3Alexandria 1 2Gibraltar 1Calcutá/Londres 15 3 4 17 3 2Antigua 5 7 13 10 1 1Baltimor 1 2 4 1 2 4Barbadas/Londres 1 5 10Demerara/Mar do Sul 1Mar do Sul 1 7Barbadas 1 4 3 12 2S. Vicente/Jamaica/Londres 8 5 1Barbadas/Jamaica 41 46 12Jamaica/Índia 55 32 40Londres/R.Janeiro/Jamaica 5 2Serra Leoa 2St. Thomas 12Dominica 2Trinidad 3 4 1Nova Holanda 15 5 2 4Demerara 5 19 10 2Vera Cruz 1W.Índias/Liverpol 8 8Índia/Liverpol 4China/Londres 4 6Jamaica/S. Vicente 3 5 14 12América do Sul 3 8Roterdão 7 7 2Londres/Tenerife 4 3 4 1

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX502

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 505

QQuuaaddrroo nnºº..1100:: MMeerrccaaddoorreess:: João Cairns – Vinho exportado – 1825/29

1825 1826 1827 1828 1829

ndia 52 8 1 15 2Tobago 5 29Londres 85 1 13 7 14 16 10 89 42 41 2Canárias 1 2 2Barbadas 7 10 5 1 20Russia 10Calcutá 7 6 1 1Filadélfia 3 12Demerara 10 5 8 13 16 16S. Vicente 4 19 6 3 3 1Set Pierde 14 20Hamburgo 39 20 105 30 44 32Trinidade 3 3 3Jamaica 13 43 2 13 25 5 18 9 4 20 16 2 25 5 15St. Thomas 8 22 8W. Índias 2 2 9 6 1 2 5Nassau 18Charleston 8 13 22Ceilão/Jamaica/Barbadas 39 9 4Calcutá/Jamaica 20Costa de África 13Rio de Janeiro 1Set Bath 1 12 15 38New York 7 14 20 24Bordeus 7New Orleans 1 10 20Bermuda 1 6 21Bath 3 4 2Cabo Boa Esperança 4 2 2Brasil 1Buenos 1St. Lucie 3 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX504

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 507

QQuuaaddrroo nnºº..1111:: MMeerrccaaddoorreess:: Diogo Bean – Vinho exportado – 1825/30

1825 1826 1827 1828 1829 1830

Glasgow 2 4New York 10 4 2 4 10 1 1 83 33 69 11Barbadas 54 17 11 79 43 42 8 20 30 18 2 21 10 15 1 38 9 17 2 19 3 4Trenidade 24St. Croix 7 2 4Antigua 5 1Ronpton 10 7 8Jamaica 15 34 13 33 21 14 27 13 1 47 31 29 5 65 51 106 20 6Bristol 32 4 4W. Indias 21 2 4 3 27 9 12 9 23 21 1Brasil 2 4 1 3India 307 15 7 2 2 4 4 1 93 13 7 1Londres 61 2 4 2 23 33 39 4 2 30 19 29 8 3 2Demerara 40 13 10 26 17 12 14 12 2 46 20 7 2 1 3Gibraltar 11 4 4 3 8 12Berbice 9 6 12 3 5 8Batavia 10 8S. Vicente 12 11 8 5 6 20 45 19 7 4 7 2 2 2Tobago 3 2 4Rio de Janeiro 1 1 1 2 1 1Bombay 4 6 7 2 1 1 6 4S. Petersburgo 60 2 55 46 5 3Quebec 5Russia 10 70Dominica 8 1 1 1Granada/Londres 6 3 22Antigua/Jamaica 7 1 5 2Lisboa 2Barbadas/Jamaica 4Madras 1 1 4 2Mar do Sul 2 2 1C.África/Londres/Demerara 11 2 3Calcutá/Demerara/Londres 4 4 3Glasdstaus/Fopai/Barbadas 5 8 13 7Granada/Antigua/Barbadas 5 3 1Ceylão 10 6 14 7 11S. Domingos 3 14Terra Nova 6 3 2 4Baltimor 6 20 60 16 4 5 14C. Boa Esperança 1 4 2 2 8Maranhão 4 4 4Savanah 12 18 14 16Ordenaus/New York 2 4 1Gibraltar/Índia 6 8 4Dominica/Jamaica 12 2 6 7New York/Londres 7 3Granada 6 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX506

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 509

QQuuaaddrroo nnºº..1122:: MMeerrccaaddoorreess:: Phelps Page & Cª - Vinho exportado – 1823/8

1823 1824 1825 1826 1827 1828

Jamaica 39 145 111 28 3 4 37 77 74 46 42 77 88 6 7 13 45 30Lisboa 1 1 21 2 12 1Tobago 2Londres 7 1 2 8 3 6 1 2 3 2Granada 4 13 1 4 6 1 4 1 2Rio de Janeiro 2 1 2 1 2 11 3 16 2 4Barbadas 2 7 57 8 1Charleston 2 12 8 2 5 16Índia 12 1 1 23 1 34 26 5 8 7 1S. Vicente 2 2 2 2 1 1Quebec 7 4 8 1Gibraltar 1 2Calcutá 67 4 6 5 5 2Demerara 2 1 1 2 10 8 10Brasil 2 1 1 4 1 2Trinidade 4 18 1Boston 10 10 18 19 1 10 10Ceylon 5 10 1S. Cristovão 1 12 8 13 2Londres 20 20 2New York 2 5 1 10 9 2 2 7 2Singapore 4 18 16St. Croix 6 10 2Lima 1St. Kitts 1 1New South Wodes 6 1Hamburgo 8S. Romais 6 12Bombay 2 5Ilha S. Vicente 2Nova Holanda 18 1Nova Terra 2Não Especificado 18 4 4Antigua 1W. Indias 4Canárias 1

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX508

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Page 259: avieira-vinhavinhomadeira

Madras 9 2N. York 1 2 4Dominica 34 9 8 10St. Croix 18Quebec 7Antigua 4 2Lioverpol 2 5Honduras 4 3 4Baltimore 3Gibraltar 1 1Glasgouw 5Terra Nova 6 10Brasil 2 7 5Génova 1 1 1S. Petersburgo 18

QQuuaaddrroo nnºº..1155:: MMeerrccaaddoorreess:: Manuel de Santa Anna Vasconcelos – Vinho exportado - 1825

1825Pipas Quartos Quartolas 1/2Quartolas Dúzias

Jamaica 20 10Calcutá 4Londres 64 76 1Índia 56 7 8Demerara 14 8 35Barbadas 14 12 20W. Índias 6 3N. York 54St. Croix 23 37 40 12S. Petersburgo 47 101 104 4América 8 50 20Lima 8 2 11 20Bermuda 18 9New Brunswick 5 10 16Suriman 3 1Boston 5Halifax 22 24 62Serra Leoa 20 10Cabo Verde 43 14Tobago 10 2Alvarado 196Lisboa 22 1Dominica 4 8Setúbal 2 5 1New South Walas 29 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 511

QQuuaaddrroo nnºº1133:: MMeerrccaaddoorreess:: Murdoch Guille Wardrop & Cª - Vinho exportado - 182374

1823 1824

Jamaica 12 22 17 3 5 2 6S. Vicente 12 9 2 6New York 6 12Índia 94 58 21 17 27 6 4Lisboa 3 2 2 6 5 5Brasil 4 8 11 1 1Trenidade 1W. Indias 40 20 8 20 13 2Quebec 2 4Londres 27 17 1 8 4Filadélfia 32 21 20 20 36Calcutá 30 3Gibraltar 1 1Demerara 1 23 7 15Havana 1 19 12 80Leyde 35 29 3Ascenção 2 2 6Virginia 12 16 91 18Granada 4Bombay 3África 5 6 4 2América 5 1Washington 4 5 10 4Barbadas 1Amesterdam 3

QQuuaaddrroo nnºº..1144:: MMeerrccaaddoorreess:: José Caetano Jardim – Vinho exportado – 1824/5

1824 1825Pipas Quartos Quartolas 1/2quartolas Pipas Quartos Quartolas 1/2quartolas

Jamaica 30 27 34 8 151 19 32Calcutá 5 3 2Londres 21 17 1 39 25 3Cabo Boa Eperança 1Índia 5 8 25 3Berbice 15 1Demerara 1 24 38 20S. Vicente 3Barbadas 20 2 5 15 1África 8 5Costa de África 2 1 1W.Índias 19 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX510

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Page 260: avieira-vinhavinhomadeira

QQuuaaddrroo nnºº..1188:: MMeerrccaaddoorreess:: João Winter Botton – Vinho exportado – 1823/25

1823 1824 1825

Índia8 5Londres 1 30 31Jamaica 2 2 3 3 4 6 11 4S. Vicente 2 9W. Índias 4 3 7Roda 54 33 16 4Demerara 6 9 7 1 1 5 4Não Especificado 19 56 3Liverpol 1 6 3Bordéus 2Bombay 2Lisboa 6 4Granada 1

QQuuaaddrroo nnºº..1199:: MMeerrccaaddoorreess:: Francisco March – Vinho exportado – 1825/8

1825 1826 1827 1828

Índia 207 39 3 207 2 1 1 6Londres 5 12 5 12W. Indias 7 1 2New Orleans 5 10 20New York 135 31 130 19 20 7 15 2 12 1 9 5Jamaica 16 1 15 14St. Croix 5 10 2 5 6 8Quebec 10 10 16 1 9 12 45 5Demerara 6 10 2 1Brasil 1Lisboa 1 31Filadélfia 43 41 53 5 14 37 1 12 2Gibraltar 4 2 1Barbadas 8 13 1 1 1 1 7Charleston 1 13 4 25 13 2 3 5Riga 1Alexandria 5Rio de Janeiro 4Portland 1 1 1Calcutá 14 5Baltimor 1 4 8Índia/Filadélfia 41Londres/Demerara 12 1América 4 1Demerara/Jamaica 2 15 16St. Petersburgo 85Ilha de França 3New Bem 60 92 40Londres/Índia 2 1 1

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 513

QQuuaaddrroo nnºº..1166:: MMeerrccaaddoorreess:: Diogo Taylor – Vinho exportado – 1824/6

1824 1825 1826

W. Índias 4 6 4 2 9 5 1Cape Coast 2 5 8Roda 13 16Londres 24 4 1 2 95 162 5 1 27 40 20Índia 38 11 78 43 5 2 2 2 8St. Kitts 2 5 10Barbadas 3Demerara 5 7 8 10 8New York 5Bergen 20 21 22 33 4 27 2Antigua 6 7 9 10Jamaica 4 20 64 47 39África 55 11S. Vicente 16 11 12St. Croix 8 5 14Granada 5 7 8Ceylon 2 1Tobago 1Dominica 4 8 8Terra Nova 1 4 1Quebec 6 1Rio de Janeiro 2Calcutá 7 5 12Bombay 2Batavia 2

QQuuaaddrroo nnºº..1177:: MMeerrccaaddoorreess:: João Blandy – Vinho exportado – 1823/4

1823 1824Pipas Quartos Quartolas 1/2quartolas Pipas Quartos Quartolas 1/2quartolas

W. Índias 2 8Londres 36 74 1Índia 12 1Demerara 7New York 9 16 12Jamaica 2 12 8 53 10 19 2S. Vicente 10 52Quebec 80Baltimor 13 6 21Land Vadiennais 1 1Filadélfia 10 4Estados Unidos 2Trinidad 4 1Gibraltar 1

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX512

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Page 261: avieira-vinhavinhomadeira

QQuuaaddrroo nnºº..2211:: MMeerrccaaddoorreess:: Leacock Harris & Cª. – Vinho exportado – 1823/30

1823 1824 1828 1829 1830

W. Índias 16 11 13 4 4 1 8 22 45 29 27 59 40 6 6 6Madras 93 15 9 1 1 10 2 1Charleston 35 12 117 8 16 6 20 1 3 5 31 7 6 77 8 8 7 56 4Bombay 43 2 1Londres 12 1 16 4 4 11 6 1 2 2 4 1New York 40 17 33 2 22 20 29 14 16 28 8 6 6 8 8 6Quebec 2 2 8 6 6 12Calcutá 20 6Índia 8 3 55 1 31 9 1 9Barbadas 1 3 4 1 2 4 1 1Demerara 1 1 1Batavia 37 5 3Antigua 8 20 2Trinidade 7 1 2Jamaica 4 3 1 2 8 14 21 9 17 3 4Não especificado 1 2 4S. Petersburgo 439 1 8Boston 2 4 8St. Kitts 3 2 4Savanah 1S. Vicente 1Brazil/Bombaim 1Lisboa/Savanah 1Berbice 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 515

QQuuaaddrroo nnºº..2200:: MMeerrccaaddoorreess:: Philip Noailles Searle – Vinho exportado – 1823/6

1823 1824 1825 1826

Londres 23 36 5 142 130 17 116 136 37 10 16 9Roda 94 78 47 20 161 34 21 5Jamaica 42 7 5 4 21 10 1 66 43 96 52Demerara 16 19 2 1 4 4 1 1 3 5W. Indias 10 2 2 20 37 30 10 3 5 8 6Tobago 6 8 8New Orleans 7 1 19 10Grade 18 2Charleston 20 1Dublin 19 10India 10 4 10 4 1 21 1 2 2 2Bombay 9 4Calcutá 5 24 2 6 7 4 1New York 2 6 40 55 18 6 10 40Land 10 8 4S. Miguel 1Lisboa 5 1 1St. Vicents 7 11 3 1 3 1Gibraltar 11St. Petersburgo 18 11 16S. Bartolomeu 1 4 20 1Bordeus 2 1Richmond 1 5Honduras 2Antigua 1Tenerife 1 2Barbadas 4 9 1 61 13 1Serra Leone 20St. Croix 6 12 3 3Hamburgo 68 1 3 1Granada 3 2New South Wallas 6Boston 1 1 6Berbice 3América 85 116St. Thomas 8 8 3Costa de África 47 1Trinidad 2 4 1Ilha de França 1 1 1 2Canárias 1

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX514

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 517

QQuuaaddrroo nnºº..2222:: MMeerrccaaddoorreess:: João Oliveira & Cª. – Vinho exportado – 1823/30

1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830

Roda 13 34 24 1Londres 12 10 210 158 1 175 35 3 1 151 194 162 2 1 24 32 45 30 130 220 183S. Vicente 19 25 45 77 92 38 11 7 5 6 3 6Lisboa 8 12 31 7 2 2 3 4 5 5 2 4 21 27 1Tobago 25 66 48 1 5 1 16 2Demerara 55 95 15 84 1 57 57 16 33 73 56 4 1 2 9 5 17 41 64 44 7Granada 7 11 13 12 13 22 1 18 13 20 1Trinidad 2 8 1 5 12 2 4 1 2 5 13 22 6Hamburgo 25 62 82 99 2 5 16 13St. Kitts 6 12W. Índias 5 2 54 36 19 21 34 29 61 38 4 8 13 28 1Antigua 4 8 8 3 11 18 4 3 8 2 34 3232Quebec 2 8 16 6 16 8 1Filadélfia 1 2 14 28 100 3 15 42 4 1 8 39 34Charleston 1 20 42 3 8 31 10 17 16 49 4 6 19 18Calcutá 21 4Berbice 2 1 28 60 24 2 3Bourdeaux 1Savannah 8 18 32Índia 6 12 8 10 2 5 121 2 12 4Jamaica 28 71 56 16 33 69 36 8 45 49 24 11 29 51 19 27 6Cabo Verde 5 202Bermuda 3 21 39 38 8 8 48 24Mar do Sul 7St. Petersbourg 1 2 2Gibraltar 8 12 21 2New York 16 21 6 16 25 2 6 20 35 22 43 31 3 10 23 18Terra Nova 30 41 19 2 4Alvarado 64Dominica 29 16 18 8Ceylão 14 6Rússia 10 10 1 8 2 2América 2Boston 11 27S. Miguel 9 1 1Barbadas 19 11 5 2 1 5Liverpol 9 22 14 8 16Montevideo 3Setúbal 2 1Baía 2Rio de Janeiro 4 1New Orleans 8 6Baltimor 1 151 70 36Noruega 10 20 11Bergen 14 6 10 8North Carolina 12Roterdão 89Costa de ÁfricaIlha de FrançaPernambuco/ST. Thomas 4Madras/Odessa 11 2Bristol/Escócia 8 12Montego Bay/Irlanda 1 4

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX516

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Page 263: avieira-vinhavinhomadeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 519

QQuuaaddrroo nnºº..2233:: MMeerrccaaddoorreess:: Scott Pringle Weith & CA. – Vinho exportado – 1823/5

1823 1824 1825

Índia 15 8 1 21/2 2 2 4 205Londres 10 1 1 3 3 5Gibraltar 6 1 1Génova 6Leith 2Rio de Janeiro 10 3 25 2 3 9 4Barbadas 30 16 30 58 1 2Charleston 1 2Jamaica 3 15 26 5 5 1 6 2S. Vicente 2 2 1Cabo Boa Esperança 4 2 1St. Petersbourg 3 2 1Ascenção 3 31 9W. Índias 2New York 75 28 55Kingston 14 35 23 452Sandwich 2 1 15 5 20Brasil 2 4 11 1Bermudas 9Halifax 1St. Thomas 2 1 1Russian 5

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX518

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QQuuaaddrroo nnºº..2244:: MMeerrccaaddoorreess:: Richard Dover – Vinho exportado – 1824/8

1824 1825 1826 1827 1828

Índia 40 10 144 32 70 15 4 5 1 4New York 5 3 4 20 35 31 13 14 25 1Londres 2 20 12 2 17 12 14 1 4 9 16S. Kitts 2 4 4 6 4 2Jamaica 5 11 1 8 2 23 6Gibraltar 1Brasil 2S. Vicente 4 5 6W. Índias 87 31 22 44 19 18 24 18 15 16Boston 9 8 8Barbadas 3 3 11 1 2 9 14St. Thomas 14 2 12 12 5 8Filadélfia 2Quebec 7 6 7 6Demerara 3 1 3 2 2Ceylon 74 7 1Charleston 21 11 84 2 29 16 28 17 3 53 1 19Bristol 1 1 2Tampico 4 8 8Rio de Janeiro 1 6 2 4 1Lisboa 1 2St. Petersburgo 6 50India/Quebec/N.York 38 26 16Bombay 7 2 1Madras 2 1Berbice 3 5 8C.África/Londres/Demerara 4 4 3Mar do Sul 2 2 1Gladstaus/Barbadas 5 8 13 7Barbadas/Jamaica 4Londres/W.Índias 3 2 18Londres/New York 1 4St. Croix 2Demerara/St. Thomas 4 12 24 1Cabo Boa esperança 1 2Trinidade 2 2Tobago 1

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Page 264: avieira-vinhavinhomadeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 521

QQuuaaddrroo nnºº..2255:: MMeerrccaaddoorreess:: Henry H. Temple – Vino exportado – 1824/30

1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830

Jamaica 13 23 1 136 85 58 48 18 9 33 44 21 23 12 20 5 5 2 1México 9 2 4New York 1W. Índias 31 19 7 229 106 1 41 11 20 18 7 1/2 10 22 18 34 28 47 7 34 11 4Índia 128 26 1 246 62 15 19 21 13 101 57 29 29 14 4Londres 44 28 6 10 6 1Bristol 14 1 6Barbadas 30 18 6 2 1/2 2Demerara 18 8 2 4 4 10 2Quebec 7 1 10S. Vicente 6 1América 40 1 3 1 4S. Petersburgo 12 10 32 15Glasgow 1Calcutá 13 3 1/2 38 8 2Nova Holanda 2Filadélfia 3 4 20Charleston 1Nervis 8 12 10Antigua 11 1 4 8 10 16Rio de Janeiro 2 1 3 1Brasil 8 1 3 1 2 2Baltimor 5 12 30 13Caylon 13Hamburgo 65 42 38 26Settin 30 15 10New Orleans 2 12St. Lucie 2 13 30Brunswick 4 10 18Fairlie 9 1Rotienes Rayf 2 40

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX520

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Page 265: avieira-vinhavinhomadeira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 523

QQuuaaddrroo nnºº..2266:: EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDOO VVIINNHHOO-- 1831

DDeessttiinnoo

Charlston 52 98 321 14 171S. Vicente 1 3 2 1W.Indias 1 3 210 216 287 49 31Nantes 29 36 12Lisboa 2 37 66 22 24 30Londres 11 2 789 741 690 68 251 _Tanarife 16 2 1 2 43 2Rio de Janeiro 17 36 32 3 5 _India 7 417 158 123 2 22 16Kingston 2 1Calcutá 53 25 4Jamaica 9 4 205 337 461 103 4New York 200 217 527 281 2 345Filadélfia 11 15 34 8 6S. Miguel 1 2 5Génova 2 2 7 11Cabo Verde 1 1 7 10Gibraltar 5 27 40 3Jamaica/Liverpol 51 43 17 3Barbadas 1 21 43 89 108 39 24Antigua 1 2Ceylon 69 24 33 6Ilha de França 1 3 7 8Granada 2 12 12 19 3Berbice 11 17 34 9Demerara 2 100 96 102 8 24Bombaim 1 119 178 101 1Bermuda 2 2 4Ilha Brava 1Jorze 11 1Maranhão 4 8Rússia 305 57 119 18 51St. Petersbourg 91 36 20Hamburgo 38 8 29 32 3Calcutá/Londres 2 37 11 10 10 6Alexandria 34 74 121 45 3Maurícias 1 11 11 5 2Bombaim/Liverpol 1 30 14Setúbal 1Madrasta 1 1Cadis 3 11 8Norfolk 47 26 31 5Suécia 3 12 8 12Virgínia 5 6 8Bbbbatavia 16 78 31 24 72Baltimor 1 21 24 81 43Canárias 1Canárias/Londres 4Gastos 3 16 2 2América do Sul 10 1Singapore 15 10Bergen 10 6 8 1Índia/Liverpol 4Bengala 6Madras/Londres 19 10 1Brasil 1 1 3Bombay/NewYork 9 9 18 29Honduras 12 8 6 20Jamaica/Londres 2 1Suremane 7 9 19 4Liverpol 12 8 10Terra Nova 1 4 13 15 3Estados Unidos 6China 2 2 1Bombaim/Londres 10 8 6 13

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX522

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QQuuaaddrroo nnºº....2277:: EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDOO VVIINNHHOO-- 11883322

DDeessttiinnoo

Berbice 7 10 9S. Vicente 1 2 49 49 61 30 62 6W. Índias 2 5 182 248 244 30 32New Orleans 5 23 28 20Trenidad 17 44 66 3 4Barbadas 4 14 62 40 1Granada 6 1 36 23 8 12 2Rio de Janeiro 110 22 8 62Jamaica 4 5 225 282 408 108 164 59Liverpol 15 7 18Londres 907 1017 765 203 5 174 137Gibraltar 4 13 79 36 12 40 2Suecia 45 8 9 3 10Lisboa 1 8 22 27 22 6 8Bombay 26 3 8Setúbal 1Granada/Londres 1 3 4S. Vicente/Londres 2 6Jamaica/Liverpol 14 8Bombay/Londres 1 39 20 3 4 34Gasto 3 50 56 44 11 49 106Índia 1 11 266 163 70 2 120 10Santa Cruz 2 55 111 9Cadis 1 4Senegal 9 5 4 4Macori 130Ceylon 45 59 98 24 12Bristol 11 17 18Jamaica/Londres 5 9 24Jamaica/Bristol 1W.Índias/Bristol 2Mar do Sul 1 3Calcutá 1 52 19 5 3Madras/Calcutá 32 23 1Cabo Verde 4 8 11 5Kingston/Jamaica 12Filadelfia 57 90 120 70 8Rússia 220 38 108 1 30St.Petersbourg 464 129 139 101Estados Unidos 7 3 15ST. Kitts 1 7 35 20Baltimor 6 47 80 187 122 130 60Brasil 6 17 1 8Antigua 19 18 25 16 6Antigua/Liverpol 2 1América 3 25 12Alexandria 5 14 125 83 100Calcutá/Londres 21 2 2Índia/Londres 8 8

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Page 266: avieira-vinhavinhomadeira

Índia 31 8 489 267 293 15 16Jamaica/Liverpol 14 34 4 1Gasto 5 37 15 127 47Maurícias/Londres 1Trenidad/Londres 7 10Setúbal 1N. York 5 1 535 406 504 242 110 16571/2

Canárias 2 3 10 1 6 220 1Pará 2Bombay 15 2 1Rio de Janeiro 5 24 24 37 5 2St. Vicente 2 30 34 52 11Kingston 11 24 30Lisboa 1 21 61 71 13 30 2Jamaica/Londres 29 17 4Índia/Liverpool 2Norfolk 2 27 165 162 120 26Demerara 2 10 58 190 110 3Tobago 12 21Grant 1 1 3Madras 5 65 7 10Madras/Londres 2 25 6 1S.Petersburgo 1153 170 200 17Genova 20 23 48 20Russia 47 10 7 4Compenhage 6 2 8 4Bermuda 7 1Ceylon 39 65 106 14Canton 5 107 10 53China 10 8 11Malta 14 16 2SETÚBAL/Beyen 16 18 11África 2 2 2W.Índia/Liverpool 8 2Brasil/Inglaterra 1México 18 2Terra Nova 6 12 73 4 4Índia/Londres 1Maranhão 12 11 17 8Cabo Verde 2Flansbourg 38 44 33 2Santos 20 1 2 2New Brunswick 13 12 12 91/2

Rullardane 105 20 32Alarcfille 5 6 53Hull 8 4Charlston 3 30 107 71 138Berbice 13 19 6 2Estados Unidos 6 7 2Charlston/Norfolk 371/2

América 22 16ST. Kitts 41 56Dominica 3 4 8W.Índias/Londres 5 2Canárias/Garnizé 23 6Brothers 5

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 525

América do Sul 1Buenos Aires 2ST. Thomas 1 9 43 82 20Setúbal/Suécia 7 3 4New York 16 2 141 245 397 189 381/2

Norfolk 12 39 129 81Ilha de França 8 8 2 8Hazard 10Maurícias 3 1 2Índia/Liverpol 10 720Índia/Filadelfia 48 20 8Bergen 25 18Terra Nova 8 51 82Demerara 1 82 95 127 2Batavia 7 16Batavia/Londres 18 18Madras 1 69 85Savannah 1 5 7 8Génova 4 8 47Marseille 1 1 30Gibraltar/Liverpol 2 6 10Canárias 3 12Bermuda 6 7 8 2Maranhão 9 6Macau 8 15México 4 10 3Montego Bay 5 7 14 1Jamaica/Glasgow 1Trenidad/Liverpool 1 1Cabo da Boa Esperança 5Madras/Londres 1 9 8 2Charleston 2 56 79 457 93 720 189

QQuuaaddrroo nnºº....2288:: EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDOO VVIINNHHOO-- 11883333

Destino

ST. Croix 10 63 111 6Filadélfia 2 103 138 133 56 89Baltimor 3 15 21 36W.Índias 5 14 321 407 483 75 491/2

Trenidad 37 56 126ST. Thomas 4 30 107 1 2 172Glasgow 1Granada 2 17Gibraltar 4 54 58 68 56Brasil 3 24 1 21 33Londres 2 6 1066 1042 1088 215 13 1131/2

Barbadas 10 13 6 16 2Jamaica 8 5 200 296 361 56 30Ilha de França 45 5 4 1Maurícia 15 37 23Antigua 9 21 19 11 3Calcutá 2 30 16 6

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX524

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Page 267: avieira-vinhavinhomadeira

QQuuaaddrroo nnºº..3300:: Movimento de Exportação - Áreas

1831 1832 1833 1834 1843 1846 1847 1848 1849 1850

Açores 14 12 3 2 9 7 17 51Alexandria 107 54Antigua 2 38 25 18 41 25 49 143Barbadas 165 63 40 83 70 44 44 23 78 3Batavia 66 142 23 2Baltimor 61 169 15 51Bremen 40 159 156Bombaim 269 73 16 13 36 34 50 32 14Charlston 181 229 54 239 91 10Calcutá 120 97 47 238 60 40 86 82 82 41Ceulon 90 72 100 57 21 61 25Canton 145Demerara 178 163 208 337 35 105 187 284 240 170Filadélfia 27 141 220 225 77Granada 36 80 5 29 25 12 12 5Gibraltar 28 33 54 48 5 5 9 4 12 3Hamburgo 53 609 706 442 601 646 541India 558 443 840 428Ilha de França 5 12 48 24Kingston 2 3 30 8Jamaica 622 507 518 456 278 102 297 72 181 381Liverpol 18 23 5 116 62 76 71 4 30Lisboa 37 14 36 103 174 110 394 607 477 549Londres 1 380 1 632 1 906 1 612 1 138 1 000 1 336 1 219 1 628 1 678Madrasta 1 10 167 106 130 141 49 143New Orleans 26 137 40Norfolk 68 74 173 117Madras 24 158 127 3Mauricias 21 2 39 12 69R. Janeiro 43 116 28 35 77 6 8 2 14Roterdão 275Russia 365 266 54 70New York 511 474 916 1 518 1 050 76 413 1546 1707S. Petersburg 114 576 1 376 1 210 2 185 1 268 1982 1 755 1 588 1 010St. Vicent 8 105 69 44 31 10 35 42 56 65St. Cruz 58 70 40 24 17 12 16St. Kitts 32 55 7 22 17 33 30St. Thomas 53 46 37 19 17 81 51 8 42Trinidade 56 108 95 23 26Singapura 20W. Índias 375 385 718 393

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 527

QQuuaaddrroo nnºº..2299:: EEXXPPOORRTTAAÇÇÃÃOO DDOO VVIINNHHOO-- 11883344

Destino

Londres 5 6 752 1065 1078 209 85 80 13 1601/2

Baltimore 4 11 157 17 162New York 19 5 746 754 1058 351 391/2 1707Rio de Janeiro 9 8 41 97 40 4 60 1/2

Demerara 1 139 233 303 12 5Bristol 1Jamaica 3 2 147 373 417 22 651/2 17W.Índias 2 1 111 271 344 161 61/2

Calcutá 2 1 172 90 43 4 2Índia 4 1 262 148 138 15 17 12Madras 2 2Gibraltar 13 17 66 78 21 19 55Brasil 10China 10 16 18Batavia 6 27 15 3Trenidad 27 73 111 33 4Charlston 65 116 452 28 2Granada 8 30 23 9Porto Príncipe 13 18 19 13Gasto 17 10 42 28 63 1/2 48 41 69Barbadas/Jamaica 2 8 18Bombay 9 4 6Canárias 1 4 7 12 4 7Lisboa 37 67 78 101 44 1/2 58Vigo 25 39 10Sidney 1St.Thomas 24 20 12Barbadas 7 59 57 99 13S. Vicente 12 28 34 10Cadis 1S. Vicente/Liverpool 2 8 8St. Petersbourg 996 369 106 28 39Rússia 70Antígua 3 16 27 1Ceilão 34 33 28Índia/Londres 1 31 5 5Santa Cruz 20 25 20 22Boston 1 134 78 39 4New Jurgeisen 10 27 19 16 11/2

Berbice/Londres 2 2Filadélfia 101 148 160 80 68Ilha de França 22 1 1 18Bergen 19 1 1 251/2

Galiza 4Génova 13 60 49 15 101/2

Norfolk 31 85 139 67Nápoles 12Campenhagen 23 11 4 4Estados Unidos 23 64 81 69S.Miguel 2 4 5 3Port Mahon 1Terra Nova 2 31 20 4Marselha 9 19 39 40Madrasta 9 6Costa se África 8Guadalupe 10 1New Orleans 65 72 95 95Savannah 7 7 7Setúbal 1Blackburn 1 1 1Faro 2Fatmouth 1Liverpool 9 4Montego Bay 1 6 4ST. Kitts 7Açores 3 30 24 1

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX526

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Page 268: avieira-vinhavinhomadeira

New York 76 9 3 413 16 7 2 1546 20 7 2St. John 8 9 1 2 3 17 3Tobago 18Warn 11 6V. Nova de Portimão 2 1 2Bermuda 1 2 3 6Bremen 40 17 9 159 11Bristol 2Curaçau 18Canárias 5 9Havana 5Nova Orlians 40 19 3Porto 17 3Southampton 1 14 4 2 5 6 3Terceira 17 3 2 14 5 2Boa Vista 7Califórnia 8Filadélfia 77 4Riga 103 10S. Tiago (Cuba) 7 8 7 2Suriman 70Tunis 11 6

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 529

QQuuaaddrroo nnºº..3311:: Movimento de exportação do vinho. 1843-49

DDEESSTTIINNOO 11884433 11884477 11884488 11884499

Gastos-Estrangeiros Portugueses 43 21 7 2 3 83 6 2 1 92 14 4Altona 14 8Angola 12Barbadas 70 14 7 2 44 14 3 23 21 7 2 78 3 6Baía 4 18 4 2 9 7 2Cayenne 15 5 9Cabo Corso 2Cabo Boa Esperança 3 14 7 2 1Calcutta 60 13 1 2 86 12 9 82 19 4 2 82 9 3Charlston 11 6 91 5 9Constantinopla 4 17 3Demerara 35 11 6 187 18 9 284 5 3 240 20 4 2Dublin 7 5 9Faial 6Genova 35 14 6 1 17 8 18Gibraltar 5 7 6 9 13 6 4 12 10 1 12 20 1 2Glasgow 1 11 6 5 9Granada 25 5 9 12 11 6 5 11 6Hamburgo 609 18 5 2 442 17 8 1 601 21 3 646 16 4 2rJamaica 278 17 10 297 3 4 2 72 20 3 181 16 4 2Kingston 8 7 3Livepool 116 7 7 2 76 3 3 71 7 2 4Lisboa 174 22 3 394 16 3 1 607 15 1 477 10 7 1Londres 1138 2 2 1336 16 11 3 1219 3 6 1628 12 6Macau 2 1Madrasta 167 5 10 2 130 22 7 2 141 8 1 2 49 13Nasau 15 20 1 2 19 2 11 20 1 2Nervis 2 5 9Rio de Janeiro 77 15 9 18 9 7 2 2 11 6 14 8 9Roterdão 275 2 10 2Setúbal 8 7 2 20 10 2Santa Cruz 24 8 7 2 17 12 1 2 12 4 6S. Miguel 3 1 1 2 7 5 4 3 15 8 3Sidney 7 11 6St. Kitts 22 6 6 33 14 11 2 30 8 3S. Petersburgo 2 185 12 1982 14 11 2 1755 10 6 1588 22 6S. Tiago 2 10 2 6 1 2St.Thomas 19 22 6 81 1 2 1 51 9 8 7 3S. Vicente 31 4 1 2 35 42 13 7 2 56 11 9Trinidade 23 21 3 26 9 9Trieste 1 6Cantão 7 11 6Açores 9 4 8 5Antigua 41 14 8 4 25 14 4 2 49 13 7 2Bombaim 34 50 3 6 32 16 6Batavia 2 4 6Berbice 21 9 5 2Bourbon 11 6Cabo Verde 3 22 8 4Ceylão 25 8 7 2 61 17 8Elsineur 3 11 6 40 18 9 41 12 6Figueira 3 6 2 12Mauricias 12 5 9Montevideo 9 11 3

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX528

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Page 269: avieira-vinhavinhomadeira

QQuuaaddrroo nnºº..3333:: Movimento de Exportação - Áreas

11888822 11888833 11888844 11888855 11888866 11888877 11888888

África Portuguesa 27 26 41 52 27 21 25Alemanha 39 102 307 116 325 417 343Açores 11 13 12Bélgica 4 1 6 3Brasil 108 57 103 214 172 151Buenos Aires 6Dinamarca 13Est.U.América 11 48 31 26 9 2França 38 41 71 43 76 239 704Gasto 88 40 42 36 77 47 23Espanha 7 2 10 8 4 15 3Holanda 2 3Inglaterra 2 491 1 924 2 057 2 932 2 991 1 748 3 011Lisboa 955 873 342Marrocos 1 1 1 3 1Montevideo 6Noruega 7Outros 7 3 1 4 4 2 5Russia 553 509 571 373 504 682 500

(D. João da Câmara leme, Os Vinhos e o seu Descrédito pelas Estufas..., pp. 32/40)

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 531

QQuuaaddrroo nnºº..3322:: Movimento exportação 1850

Destino Janeiro/Junho Julho/Dezembro TOTAL

Gasto-Est. 44 9 9 1 57 14 4 2 101 25 13 3Antigua 23 11 6 120 11 7 2 143 22 13 2Barbadas 18 3 17 6 3 35 6Bremen 156 1 156 1Calcutá 41 13 41 13Califórnia 6 10 2 6 10 2Constantinopla 125 125Cuba 1 14 4 2 1 14 4 2Demerara 108 15 10 2 62 11 5 2 170 26 15 4Elsineur 29 7 29 7Gibraltar 3 17 3 3 17 3Hamburgo 541 21 10 2 11 9 541 32 19 2Lisboa 233 12 8 2 316 18 3 549 30 11 2Liverpool 30 18 4 2 30 18 4 2Londres 1082 14 6 596 8 9 1678 22 15Madrasta 143 8 6 143 8 6Nassau 8 11 6 8 11 6Nova Iorque 1131 12 11 1 576 3 9 1707 15 20Rio de Janeiro 5 9 5 9Santa Cruz 16 3 4 2 16 3 4 2S. Petersburgo 1010 8 6 1010 8 6Laguna 1 8 7 2 1 8 7 2St. Thomas 36 7 6 6 42 7 6S. Vicente 22 7 9 43 10 3 65 17 12Southampton 8 17 9 3 17 3 11 34 12Ilha de S. Jorge 1 8 1 8S. Miguel 1 5 9 42 8 2 43 13 11Terceira 1 11 2 2 5 8 2 6 19 4 2Faial 2 10 2 5 2 10 2Jamaica 18 11 6 193 6 6 381 17 12Viana 9 7 2 9 7 2Stª Cruz-Dinamarca 23 15 1 2 23 15 1 2Maurícias 69 8 6 69 8 6Marselha 3 4 3 3 3 4 3 3Guadalupe 11 9 11 9Ilha Brava 3 1 3 1Figueira 8 9 2 14 10 2 2 22 19 2Bergen 3 5 7 2 3 5 7 2Charlston 10 6 3 10 6 3Cayenne 3 5 7 2 3 5 7 2Bombaim 14 14

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX530

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 533

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Anos

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX532

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Fonte: INE, Estatístiscas de Comércio Externo (desde 1967)

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX534

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A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 535

Barril servindo de garrafeira.Museu do IVM

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OA Expressão Literária do Vinho

O Vinho sempre atraiu a atenção de todos. Ao mesmo tempo que alimenta osprazeres dos enófilos, é forte motivo da escrita de poetas e literatos. O Madeira é,como todos licorosos, um caso singular na História e Literatura. Os epítetos pro-feridos por poetas, escritores, políticos e viajantes, que tiveram a possibilidade de oprovar e apreciar, são também testemunho da importância social e económica queadquiriu. As referências literárias e artísticas ao vinho Madeira estão quase só cir-cunscritas a alguns espaços consumidores, com especial relevo para os EstadosUnidos da América e o Reino Unido. O vinho surge aqui com frequência nos tex-tos que descrevem ambientes de época ou, desde o século XIX, no testemunho deviajantes e guias turísticos, criando junto do público a curiosidade e interesse.

Uma breve digressão pela literatura portuguesa das principais regiões de destinodo vinho Madeira revela a cuidada atenção de poetas e prosadores. De todas a refe-rência mais frequente e valorizada acontece na obra de Shakespeare. A partir daquipodemos avaliar a importância que assumiu no quotidiano do meio da aristocraciae dos pubs londrinos. As referências estendem-se a outros domínios. Não rarasvezes o vinho aparece na Sétima Arte, nomeadamente nos filmes de época norte-americanos. Apenas na representação como motivo artístico para pintores,nacionais ou estrangeiros, parece que ficou esquecido, atestar pelos testemunhosque hoje dispomos.

No panorama literário madeirense, as referências são escassas. Apenas na litera-tura popular encontramos com maior assiduidade testemunhos. O vinho Madeiradurante muito tempo foi algo que apenas interessou ao estrangeiro, de modo que ohomem rural madeirense encarava-o apenas como fonte de subsistência. A par dissoa gente letrada e da cidade durante muito tempo alheou-se do produto, preferindoas bebidas impostas pelos britânicos. O mesmo se poderá pensar ao nível nacionalonde as referências são também escassas.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 537A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX536

Pormenor de painel de azulejo no LargoAntónio Nobre noFunchal. C. A.Moutinho. Fábrica deSacavém. 1930.

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de aflição. O Madeira saiu dos salões e palácios da cidade de Londres, sulcou osoceanos e firmou-se nas imponentes vivendas das colónias britânicas quer aOcidente, quer a Oriente. Em finais do século dezasseis o pároco da RibeiraGrande, Gaspar Frutuoso, que certamente não dispensava o uso do Madeira nosactos litúrgicos4, apresentou um dos maiores elogios que alguém ousou fazer aoMadeira: o vinho malvasia é o melhor que se acha no Universo. O cura é taxativona observação, não dando margem para dúvidas. Será que os vinhos odoríferos queCamões encontrou na ilha dos amores podem ser identificados com o malvasia daMadeira?5

A partir do século XVIII o Madeira ganhou tanto em mercado como em fama.Em 1795 o Dr. Wright exclamava: Se Homero o tivesse bebido, afirmaria que oOlimpo renascia apesar de os deuses estarem já fora de moda e recomendava o con-sumo pelos pacientes idosos, pois era uma das bebidas mais úteis e eficazes para aspessoas de idade a quem as funções físicas começavam a falhar6. Daí terá resultadoo epíteto de leite dos velhos. Diz-se até que a longevidade do Conde de Canavial foiresultado do cálice de Madeira que bebia todos os dias em jejum.

Os mercadores madeirenses ligados ao comércio do vinho, em representação de29 de Setembro de 18017, definiram-no como fruto da combinação perfeita dascondições mesológicas com as castas e não como resultado de quaisquer artimanhaslaboratoriais ou fruto do mais sofisticado processo de vinificação: A superioridadeque distingue de todos os outros, o vinho da Madeira é o resultado de uma felizcombinação de circunstâncias favoráveis, as quais, por dependerem do local, sem-pre foram e continuarão a ser privativas desta ilha. O clima, a configuração da terra,e a natureza do torrão, não dependem de contingências, nem admitem imitaçãopela industria humana, e essas vantagens, adjuvadas de uma muito particular agri-cultura, e de muito custo, e de um trato simples, mas laborioso, conspiram pro-duzirem o vinho da Madeira, licor singular e inimitável, que, nem o tempo, nem oar, nem o gelo do pólo, nem a fervura do trópico, podem prejudicar, antes sendo asua essência simples e imutável, as provas as mais rigorosas, e o lapso de longosanos, só servem a demonstrarem, a semelhança da verdade e sua nativa pureza.

As qualidades profilácticas do vinho Madeira foram mais tarde reforçadas peloDr. Vicente Henriques Gouveia8 que chamou a atenção para a acção bacteriológicasobre o bacilo do Erbert. Samuel Maia recomendava o uso na cura da gota. Perantetaiss inestimáveis e inimitáveis qualidades organolépticas e profilácticas Warn Allenconclui que estamos perante um vinho imortal que não deve ser ignorado9.

Em Portugal e na ilha são poucos e raros os elogios. Parece que literatos e poe-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 539

O vinho da madeira

na voz dos apreciadores e literatos

O vinho é uma constante da História da Madeira, afirmando-se comum dos principais meios do progresso e riqueza. Amado e, por vezes, odi-ado, persiste no quotidiano através do simples gesto e ritual dos apreci-adores.

O vinho Madeira é considerado, desde tempos muito recuados, comoindispensável na garrafeira dos enófilos. Mas, não é preciso ser escançãopara apreciar as qualidades aromáticas e gustativas, por tão evidentes queelas se apresentam. De alguns apreciadores, como é o caso de poetas,escritores, políticos e viajantes, ficaram os epítetos a atestar deslumbra-mento com os aromas e sabor. E ninguém se escusou a tecer-lhe elogios.

A referência elogiosa mais antiga ao vinho Madeira não surge emShakespeare mas sim pela voz dos literatos da bacia mediterrânica, fami-liarizados com a bebida, o que torna mais importante a valorização. Alvisede Ca da Mosto1, nome sugestivo em questão de vinhos, foi o primeiro afazê-lo nas Navegações, escritas em 1455 e que depois correram mundoem várias edições impressas. O veneziano, habituado aos vinhos nobres doMediterrâneo, não hesita em afirmar que os da ilha eram “bons” e paraque não restassem dúvidas reforça a ideia conclui que eram muitíssimobons. Giulio Landi 2celebra o rubinéctar madeirense comparando-o aogrego de Roma, sendo o malvasia melhor que o de Cândida. Em 1567Pompeo Arditi3 manteve, na mesma observação comparativa, a preferênciapelo da ilha.

A partir daqui a Europa ficou a saber que os vinhos da Madeira pode-riam rivalizar com os demais, abrindo-se as portas para um lugar privile-giado à mesa da aristocracia e casa real. O Madeira foi brinde em momen-tos de alegria e de grande solenidade, como companheiro em momentos

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX538

Pormenor de painel deazulejo no Largo António

Nobre no Funchal.C. A. Moutinho.

Fábrica de Sacavém.1930.

1 . António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.372 . António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.833 . António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.130

4 . Vimos com assiduidade recomendações no sentido de que este vinho fosse usado na missa. Cf. Doutor Gaspar Frutuoso,Livro Quarto das Saudades da Terra, Ponta Delgada,1981, vol. II, p198; Alberto Vieira, O Comércio Inter- Insular nosSéculos XV- XVII, Funchal, 1987,p.143.

5 . Lusíadas, canto X, estância 4.6 . Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, 1989, p.602.7 . Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993. pp.50-518 . Acção Bactericida do Vinho Madeira, (Verdelho) sobre o Bacilo de Erberth (Estudo Experimental), Funchal, 1938.9 . Ibidem, p.603

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família e todos os anos se renova no barril ou quartola para o aquecer no Inverno,estugar-lhe o passo nas romarias do Verão, firmar promessas, selar contratos, fecharnegócios e ser providência económica no seu lar.

A mais completa expressão da vivência e quotidiano do madeirense em torno dovinho encontra-se em Horácio Bento de Gouveia [1901/1983] nos romances,ensaios e artigos de jornal19.

O quadro literário poético do vinho Madeira conclui-se com a mais recente refe-rência por via de um conto de Maria Aurora que leva o título significativo de umcheiro a Malvasia20. A poesia madeirense contemporânea parece ignorar a vinha e ovinho, uma vez que a referência mais destacada surge em Dalila Teles Veras21, umamadeirense que desde o Brasil fez um canto à vinha e ao vinho da Madeira.

É na poesia popular que a imaginação do anónimo poeta popular melhor seexpressa quanto ao vinho22. Aqui, o fulcro das atenções foi o vinho americano, quese tornou, desde o século XIX, na bebida comum do lavrador madeirense. O outro,de castas europeias, não tinha assento à mesa, sendo levado para longínquas para-gens, e por isso não merece referência ou elogio.

o vinho americano é um vinho afamadoquem não bebe deste vinhoanda sempre adoentado

Em tempos houve verdelho Contando a bela pingaparreiras de terrantez, desta nossa terra inteiramoscatel, alicante em todo o mundo não háe cachos de malvasia vinho como o da Madeira

Em síntese podemos afirmar que estamos perante duas opções dos literatos pe-rante o vinho Madeira. O ilhéu exalta-o através dos consumidores, recrutados entreas personalidades mais ilustres. Não é o facto de ser bebida de consumo correnteque justifica o elogio, mas sim o de ser meio de subsistência e riqueza. Já osforasteiros e bebedores usuais emitiram uma opinião de acordo com a sensação gus-tativa e olfactiva resultante da primeira prova. É isso que distingue o vinho Madeirados demais.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 541

tas o ignoraram, talvez porque nunca tiveram o atrevimento de o provar. Dispomosapenas de três testemunhos que corroboram aquilo que já haviam escrito osestrangeiros. As mais antigas e elogiosas referências surgem na poesia. NicolauTolentino de Almeida (1741-1811)10 e Mário de Sá Carneiro (1890-1916) em opoema a Caranguejola11, fazem referência ao vinho e as suas qualidades. GuilhermeAvelino Chave de Azevedo (1839-1882) num soneto refere um cálix de Madeira.12.Gomes Leal considera a Madeira como A pátria excelsa e célebre do vinho.Entretanto Eugénio de Castro faz depender a inspiração poética da disponibilidadedo Madeira:

Se não tenho feito versosÉ que acabou o Madeira.

A literatura madeirense parece ter sido mais larga em elogios, na voz dos poetas.Francisco Álvares de Nóbrega [1772-1806]13 dedica-lhe um soneto sob o título à ilhada Madeira, em que dá conta da vinha como uma esperança, ideia que já FranciscoPaula de Medina e Vasconcelos augurava em 180614. O remate acontece com opoeta popular Manuel Gonçalves [1858-1927]15 que soube captar, através dasquadras, as vivências e aspirações populares em torno da cultura e produto.

Em 1891 um forasteiro continental, J. A. Martins16 declarava que as mulherescomo os vinhos sabem enlevar o espírito fazendo palpitar os corações, para depoisconcluir que o vinho não é uma simples combinação química; é um problema degosto, é um alimento e um agente terapêutico de primeira ordem.

Para o madeirense a exaltação assenta na presença nas mesas da nobreza e per-sonalidades importantes e, por isso, é o embaixador capitoso da ilha. EduardoNunes17 recorda que correu mundo— singrou por todos os mares e rompeu todas asfronteiras, por isso é oferecido a reis e a príncipes regentes, a chefes de estado e aministros, a senhores feudais e a burguesia opulenta. O maior elogio que alguémousou fazer ao vinho Madeira encontra-se no Pe. Eduardo Pereira18, natural de C.de Lobos, uma das áreas de produção de vinho. A referência às múltiplas qualidadesdo vinho Madeira aparece em tom epopeico: Perfuma e alegra o solo um vinhohistórico, produto de castas primitivas, sangue de raça a perpetuar na ilha o nomede Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da descoberta; postou-se de guarda à porta de suas casa, de braços abertos, numa remada acolhedora a pa-rentes, amigos e vizinhos; dá-lhe vida no trabalho; vibra-lhe na alma em festas de

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX540

10 . Diz o poeta: Das escumas da Madeira/vejo nascer a alegria; /com as asas afugenta/a minha melancolia//O tal Horácioenganou-se/não conheceu a parreira; /não se chamava Falerno; /se era bom era Madeira.

11 Últimos Poemas, Paris, Novembro 191512 . A Alma Nova (1874).13 . Vida e Obra de Francisco Álvares de Nóbrega, Funchal, 1958.14 . Zargueida, Lisboa, 1806, canto IX, estrofes XXIII e XXIV15 . Versos de Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte), Funchal, 195616 . Madeira, Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1951, pp.39-4117 . Porque me Orgulho de Ser Madeirense, Lisboa, 1951, pp.27-2918 . Ilhas de Zargo, Funchal, 1967, vol. I, p.558-559

19 . Veja-se Canhenhos da Ilha, Funchal, s.d., A Canga, Funchal, 1975. Cf. Islenha, nº.30, 2002, número dedicado a HorácioBento de Gouveia.

20 . O conto foi vencedor do Prémio Contos organizado pelo Instituto do Vinho da Madeira por ocasião do décimo aniver-sário. Foi publicado no Diário de Notícias a 21 de Janeiro de 1990.

21 . Madeira do Vinho à Saudade, Funchal, 1989.22 . PESTANA, E. A, Ilha da Madeira. I. Folclore Madeirense, Funchal, 1965, SANTOS, Carlos M, Trovas e Bailados da Ilha.

Estudo do Folclore Musical da Madeira, Funchal, 1942, TAVARES, José, Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinhona Região da Madeira, Funchal, 1953,

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O Pai-nosso DO BEBERRÃO

Oh! Santa Uva,

Que estás na videira.

sejas purificada, sem enxofre.

Venha a nós o vosso líquido,

Que bebemos na Terra,

A nossa vontade,

Tanto na taberna, como em casa...

Três litros por hora, pelo menos...

Perdoai-nos, quando bebemos demais,

Não nos deixeis cair atordoados

E livrai-nos da polícia,

Nas horas mortas. Ámen

(Câmara de Lobos e S. Martinho, Recolha de PadreAlfredo vieira de Freitas, Trovas Populares. Da vinha e

do Vinho da Madeira e Porto Santo, Santa Cruz, sd.)

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 543

A desgraça ao desejado

Do vasto Oceano flor, gentil Madeira,Que de murta viçosa o cimo enlaças,Sóbria a teu seio amamentando as GraçasCo’ vítreo suco da imortal Parreira.

Daquele, que em ti viu a luz primeira,Se acaso é crível que inda apreço faças,Entre o prazer das brincadoras taças,Recolhe a minha produção rasteira.

É donativo escasso, eu bem conheço;Mas o desejo, que acompanha a of’renda,Lhe avulta a estima, lhe engrandece o preço.

Deixa que a roda o meu Destino prenda;Em cessando estes males, que padeço,Talvez então mais altos dons te renda.

(soneto de Francisco Álvares de Nóbrega, Luís Marino,Musa Insular, Funchal, S/D, p. 54)

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX542

Borracheiros. Festadas Vindimas

2002.no Estreito deCâmara de Lobos.Colecção do autor

Borracheiros. Festa dasVindimas 2002.no Estreitode Câmara de Lobos.Colecção do autor

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O Vinho Madeira

na Literatura Europeia e Norte-americana

O vinho da Madeira encontra-se citado por todo o lado na literatura das regiõesconsumidoras na Europa, América e Ásia. A literatura de expressão inglesa é a queapresenta as mais assíduas e destacadas referências. Na Europa, excepção feita aoReino Unido, é na Rússia e na França que surgem com maior frequência, dando-nosconta que estava presente nos mais requintados ambientes. No caso russo F.Dostoevsky (1821-1881)23 ou Leon Tolstoi (1828-1910) são exemplo disso. Maisabundantes são as incidências da literatura francesa do século XIX, podendo-seassociar escritores famosos como Honoré Balzac [1799-1850]24, Anatole France,Jules Verne25, Sade26, Alexandre Dumas [1802-1870]27, Guy Maupassant [1850-1893]28, G. Flaubert29, F. Chateaubriand30.

Anatole France [1844-1924] refere em Le Petit Pierre que o vinho Madeira acom-panha bolos secos e apenas un doigt de vin de Madere anima les regards, fit sourireles levres. Já para Alfred Musset o Madeira caia bem com uma asa de perdiz31. MasProudhon queixa-se do facto de não estar acessível ao povo32. A literatura francesado século XIX e princípios do século XX revela-nos um vinho distinto que tinhalugar à mesa, sendo apreciado pelas classes altas e cobiçado pelos pobres.

Faltava-nos idêntica informação para o mundo colonial e de forma especial aAmérica do Norte, onde o vinho Madeira aportou em meados do século XVII e rapi-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 545

Há três cousas por excelênciaboas e deliciosas na Madeira: é oclima, são as mulheres e são osvinhos; umas como outras, comoque nos embriagam; umas comooutras são dignas de elogio epedem apreciações moderadas.

É que o clima excita-nos avida, e que tanto as mulherescomo os vinhos sabem enlevar oespírito fazendo palpitar corações.(...)

O vinho não é uma simplescombinação; é um problema degosto, é um alimento e um grandeagente terapêutico de primeiraordem.

João Augusto Martins, Madeira, CaboVerde e Guiné, Lisboa, 1981, pp.39/41

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX544

Viloa. Gravura de A. Vizetelly.1880

O vinho da Madeira correu mundo-singrou portodos os mares e rompeu todas as fronteiras. Estápermanentemente nos festins de Francisco I deFrança e de Carlos II da Inglaterra; faz parte dasrefeições de Fernando da Bulgária e é colocadonos porões da nau-cárcere que conduz Napoleãoao cativeiro de Santa Helena. Anda por congressosinternacionais, conquistando fama e enriquecendo-se de prémios, desde a medalha de ouro à legiãode Honra. (:...)

É oferecido a reis e a príncipes regentes, achefes de estado e a ministros, a senhores feudaise a burgueses opulentos...

O vinho de Anacreonte, que o levava a coroar-se de rosas quando esvaziava a última taça, nãoseria um malvasia de cuja casta vieram para aMadeira algumas cepas ?...

(E. Nunes, Porque me orgulho de ser madeirense, Lisboa,1951, pp. 27/29)

Vindima. Pormenor de painel de Max Romer.Sala de Provas. Madeira Wine Company

Pormenor de painel deazulejo no Largo AntónioNobre no Funchal.C. A. Moutinho.Fábrica de Sacavém.1930.

23 . Em “crime e Castigo” (1917) lamenta-se a pouca variedade de vinhos e a falta imperdoável do “Madeira”.24 . Scènes de la Vie de Campagne. Les Paysans, Paris, 1853-55, Etudes Philosophiques. T. 1, La Peau de Chagrin, Paris, La

Muse du Département, Paris : Garnier, 1970, [La] Peau de Chagrin, Paris : Garnier, 1967.25 . Verne, Jules, [Les] Enfants du Capitaine Grant, Paris, Hachette, 193026 . Justine, ou Les Malheurs de la Vertu, Paris,27 . Vingt ans Après, Paris, 28 . Bel-Ami, Paris, La Parure et autres Contes Parisiens, Paris, 29 . Correspondance, nouvelle éd. augmentée. 8e série, 1877-188030 . Mémoires d’Outre-tombe, Paris,31 . Titre Lettres de Dupuy et Cotonet / Alfred de Musset, in Revue des Deux Mondes, 183632 . Proudhon, Pierre Joseph, Système des Contradictions Économiques ou Philosophie de la Misère, Paris: Librairie interna-

tionale, 1872

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East India Madeira, conhecido na ilha como vinho de roda. A designação inglesaresulta do facto de o vinho fazer a viagem desde o Funchal às Índias Orientais e oretorno a Londres. A dupla passagem pelos trópicos atribuía-lhe um envelhecimen-to prematuro do agrado dos ingleses. Já em The Ways of the Hour (1850) o vinhoMadeira, certamente o seco, era bebido frio ou com pedra de gelo. Existe umatradição britânica e beber o sercial frio.

John dos Passos (1896-1970) é um dos escritores norte-americanos que merecereferência especial merece por ser descendente de madeirenses. Na vasta obra quenos legou não esqueceu a ilha e o vinho que lhes deu fama.

Na poesia, os versos constroem-se com o aroma, cor e sabor do vinho Madeira,sendo assíduas e inúmeras as referências. Apenas nos detemos nos poetas WilliamWordsworths (1770-1850)42, Philip James Bailey (1816-1902)43, Percy Byshe Abrelley(1792-1822). Junta-se, ainda, o escritor, filósofo e naturalista norte-americano HenryDavid Thoreau (1817-1862), um dos mais conhecidos ecologistas norte-americanos,nos versos não ignora o rubinéctar madeirense44. Silas Weir Mitchell dedicou-lhedois poemas: A decanter of Madeira, An old man to an old Madeira45.

Na dramaturgia dos séculos XVIII e XIX, a exemplo do que havia sucedido comShakespeare no século XVI, o vinho Madeira é um dos adereços de referência per-manentes. Na comédia The Fox Chase (1808) de Charles Breck [1782-1822] apaixão de uma personagem pelo vinho Madeira era tanta que tomou 20 cálices. Ovinho Madeira aparece próximo do Champanhe ou do Burgundy, sempre comepítetos valorativos da apreciação, como bom, excelente ou raridade. MathewsCornelius [1817-1889] em False Pretences refere uma garrafa de Madeira de 1811(1858). Já John O`Keefle [1747-1833]46 em Wild Oats (1792) prefere decantado. Porfim Benjamin Thompson [1760?-1816] em The Indian Exiles (1801) diz que o médi-co lhe prescreveu uma garrafa de Madeira, ficando apreciador para toda a vida.

Algumas das publicações periódicas de prestígio do século XIX e princípios doséculo XX insistem na referência frequente ao vinho Madeira. Isto deverá ser demon-strativo de que o Madeira era um dado do quotidiano e não podia ser ignorado47. Asindicações alargam-se a todo o tipo de publicações, abarcando os livros de culinária48,os manuais de bons costumes e etiqueta49 e os tratados de medicina50. No último casodava-se razão à tradição que apontava as qualidades profiláticas do vinho.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 547

damente conquistou o paladar dos colonizadores. O movimento de independência dacolónia, na segunda metade do século XVIII, revelou o interesse e valor do vinho, quepermaneceu até hoje como brinde à celebração da independência, e de apreciação demuitos dos presidentes. Para os norte-americanos a Madeira foi sempre a ilha dovinho. O Vinho Madeira está presente aí desde meados do século XVII e cedo seimpôs o consumo nos meios aristocráticos. No século seguinte o processo de inde-pendência e o interesse manifesto de muitos dos presidentes fizeram com que oMadeira se transformasse numa realidade indelével da sociedade e política americana.

Será que os poetas e romancistas foram cativados por esta ambiência em tornodo vinho Madeira? Será possível encontrar nos retratos do quotidiano referências ea valorização do vinho Madeira? O vinho Madeira é conhecido de todos os letra-dos sejam poetas, romancistas ou ensaístas que fazem fé no dom da pena para exal-tar o valor gustativo. A constância e valorização na literatura testemunham que eraum dado adquirido na sociedade e economia norte-americana.

É, aliás, na voz dos romancistas e poetas que se encontram as maiores e mais elo-giosas referências ao Vinho Madeira. O Madeira não era um vinho comum ou paratodos os momentos, pois segundo Gabriel Furman33 usava-se apenas em ocasiõesespeciais, como o nascimento de uma criança, casamento ou funeral. SegundoNathaniel Parker Willis [1806-1867] em Dashes at Life (1845) era conhecido comovinho de casamento, situação que conquistou hoje no Japão. Philip Hone34 nuncahavia tomado qualquer outra bebida espirituosa na vida a não ser um ou dois cálicesdiários de vinho Madeira.

Alguns dos textos e autores, porque clássicos, são-nos familiares mas raramentededicamos atenção ao particular da presença do vinho. Todos nos recordamos efazem parte das nossas leituras os livros de Alexander POPE (1688-1744)35, JaneAusten (1775-1817)36, Charles Dickens (1812-1870)37. Herman Melville (1809-1849)38,Walter Scott (1771-1832)39, Edgar Allan Po (1809-1849)40, mas quem terá notado ointeresse que lhes despertou o Vinho Madeira. Richard Penn Smith (1799-1854) emthe Forsaken: A tale (1831) refere a disponibilidade de muitas pipas de bom vinhovelho da Madeira, enquanto que para Roberta Sumiu Surtees (1805-1864) emHades Cross (1854) bastava uma garrafa de malvasia da Madeira. Já agora, da próxi-ma vez que ler Black House (1853) de Charles Dickens não se esqueça que éagradável beber o Madeira com pão doce e pudim.

James Fenimore Cooper (1789-1851)41 em A float and Ashore (1844) refere o

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX546

33 . Antiquities of Long Island, N. York, 1874, p.16034 . Philip Hone, The Diary of Philip Hone 1828-1851, vol. I, N. York, 1889.35 . The Works of Alexander Pope, Philadelphia, 1864, p.49036 . Emma (1816), Mansfield Park (1814).37 . O vinho da Madeira surge em: Bleak House (1853), Dombey and Son (1848), The Life and Adventures (1844), Little

Dorrit (1857), Our Mutual Friend (1865), The Postumous Papers (1837).38 . Em: White-Jacket(1850)39 . Em: The Antiquary(1815)40 Em: The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket (1838).41 . As referências ao vinho Madeira surgem ainda em: The Chainbearer (1845), The Deerslayer (1841), Homeward

Bound(1838), Lionel Lincoln (1824), The Pioneers(1823), Precaution (1820), The Redskins (1846), Satanstoe (1845),The Spy (1821) The Ways of the Hour (1850), Elinor Wyllys (1846)

42 Complete Poetical Works (1888)43 . Em Festus (1877)44 Collected Poems(1964)45 . Publ. por Edmund Clarence Stedman (ed.), An American Anthology, 1787-1900 (1900).46 . Mais referências em: The Dead Alive (1783), The Son-in-law (1783), The World in a Village (1793).47. Magazine of Domestic Economy (1927-39), The New England Magazine(1892), Pitman’s Monthly Magazine (1854), The

Bay State Montly (1885), Harpers New Montly Magazine (1852, 1854, 1878), New England Angale Review (1860), TheCentury Popular Quartely (1885), The Living Age (1857), The Atlantic Montly (1884, 1872), Harpers New Magazine (1856),The New England Magazine (1900), The North American Review (1824).

48 . Grace Clergue Harrison: Allied Cookery (1916), 49 . A Manual of Politeness (1837), Sophie Orne Johnson: A Manual of Etiquette (1873), Clara S. J. Bloomfield-Moore, Sensible

Etiquette (1878), William A. Alcott: The Young Housekeeper (1846)50 . Edward Parrish, A Treatise on Pharmacy, Philadelphia, 1865, p.819; H. Beasley, The Druggist General Receipt Book,

Philadelphia, 1857, p.193; Joseph H. Pulte, Homeopatic domestic Physician, N. York, 1856, p.52.

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Por outro lado nas Canárias existe outra opinião defensora da origem canária doMalvasia em que se afogou o duque de Clarence. A ideia parte da referênciaanacrónica lavrada na obra de Shakespeare, nomeadamente nas peças As Alegrescomadres de Windsor e Henrique IV. Em ambas relatam-se acontecimentos data-dos de épocas anteriores à afirmação da hegemonia castelhana em Canárias. Note-se que só em finais do século ficou assegurada a posse do arquipélago pela coroa deCastela e apenas a partir de então se iniciou o aproveitamento económico, comsocas de cana e videiras da levadas da Madeira em 1480. A anacrónica presença dovinho de Canárias em situações anteriores ao cultivo resulta do facto de Shakespeareter misturado na obra ambiências da época em que viveu [1564-1616] com situaçõesanteriores. A dúvida subsiste quanto à origem do vinho predilecto do duque deClarence: será da Madeira, das Canárias, ou mesmo do Mediterrâneo? A questãonão é de fácil resposta, pois a Inglaterra, como sempre carente de vinho, foi busca-lo ao Mediterrâneo, onde o Malvasia era o mais solicitado. A partir de meados doséculo XV a Madeira entrou em concorrência com estas áreas.

Aqui fica demonstrada o grande valor apreciativo atribuído ao vinho malvasia daMadeira, sendo opinião insuspeita, uma vez que é transmitida, de viva voz, pelos vi-sitantes do Mediterrâneo. A malvasia da Madeira ganhou fama no mercado europeue, desde muito cedo, começou a ser exportada para a Europa, nomeadamente para

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 549

Shakespeare

A vida politica inglesa, no século XV, foi marcada por várias disputas entre osLencastre, Yorks, Tudors e Angevins pela posse do ceptro real. Shakespeare ficoufascinado por esta ambiência sanguinolenta apresentando nas peças teatrais umavisão impressionista da época. Foi neste contexto que surgiram as primeiras refe-rências ao vinho da Madeira. Em 1478 Eduardo IV, rei de Inglaterra, ordenou a exe-cução de Jorge Plantageneta, Duque de Clarence, irmão do futuro rei Ricardo III(1483-85) por atentar contra a soberania. De acordo com a lenda preferiu morrerafogado numa pipa de Malvasia. Um século mais tarde Shakespeare ao dramatizara vida de Ricardo III, irmão do malogrado duque, retomou o acontecimento,retratando-o no cenário da Torre de Londres. A par disso coloca noutra peça,Henrique IV, o herói, John Falstaff, a vender a alma por um copo de Madeira e umaperna fria de capão. Os textos ingleses insistem na referência à obra do dramaturgocomo forma de valorizar o vinho Madeira. Ambos os episódios são referidos pordiversos autores, sendo associados ao vinho da Madeira51.

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FALSTAFF

Representação doafogamento do Duquede Clarence na Torrede Londres.

51. S. G. w. Benjamin, the Atlantic Islands as Resort of Health and Pleasure, NY, 1978, in Alberto Vieira, História do Vinho daMadeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 374; H. Vizetelly, Facts About port and Madeira, London, 1880, in AlbertoVieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.376, 397; D. Embleton, A Visit to Madeira…,London, 1882, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.401

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sença é sempre no sentido da exaltação, por força da experiência pessoal ou dotestemunho de outros, nomeadamente de destacadas personalidades. A partir daquitorna-se evidente o papel que jogou no quotidiano. O Madeira é referido como umvinho de superior qualidade ao lado do Jerez, Porto ou Marsala, encontrando-se nogrupo de vinhos solicitados pela alta sociedade.

Uma breve incursão pelas fontes literárias revela que a História não se poderesumir apenas às fontes oficiais disponíveis nos arquivos. Caso haja interesse emreconstituir o quotidiano de uma época ou região é necessário ir ao encontro deoutro tipo de registos, como é o caso da Literatura, que permite reforçar e esclare-cer o ambiente que rodeia os eventos e épocas históricas em que o vinho Madeiraesteve presente.

A maior evidência da presença e importância do vinho na economia da ilha sãoas manifestações artísticas a partir do século XVIII. Os motivos relacionados com ovinho, em pinturas murais e gravuras dão-nos o retrato do processo vitivinícola e evi-denciam o trabalho hercúleo do madeirense. Os maiores reflexos encontram-se naarquitectura do Funchal, onde o vinho foi o principal financiador do processo detransformação da urbe a partir do século XVIII. Daqui resultou a ideia o Funchalse transformou na cidade do vinho.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 551

Inglaterra. A abertura do mercado inglês deve ter resultado das dificuldades deabastecimento no Mediterrâneo Já no século XV o vinho da Madeira surge à mesada casa real e principais famílias inglesas, o que justifica a presença na obra deShakespeare. Daqui resulta que o malvasia em que se afogou o Duque de Clarenceera madeirense, embora não esteja referenciada a origem. As condições aludidasassim o indicam.

A referência da obra de Shakespeare ao vinho da Madeira testemunha aimportância que o vinho da Madeira assumiu no mercado londrino como a bebidapreferida da aristocracia e casas reais europeias. O Madeira, brindado nos momen-tos de alegria foi também companheiro dos momentos de aflição. Assim da con-quista dos salões e palácios de Londres sulcou os oceanos e firmou-se nas impo-nentes vivendas das colónias britânicas a Ocidente e Oriente.

Personalidades históricas e o Vinho Madeira

Os mais assíduos elogios ao vinho Madeira foram ditados no século dezoito, aépoca dourada. Foi a partir daqui que ganhou inúmeros apreciadores que teimavamem exaltar as propriedades e a preferi-lo a todos os outros ou demais bebidasalcoólicas. A adoração pelo Madeira foi grande nos Estados Unidos da América doNorte. Na boda de George Washington em Maio de 1759 os convivas regalaram-secom o Madeira. John Adams afirmava no diário que sempre bebeu grande porçãode Madeira, não vendo nenhum inconveniente nisso, sendo diferente de todos osoutros mantendo-se salutar e agradável no calor de Verão ou no frio do Inverno.Thomas Jefferson não atraiçoou a preferência dos predecessores e mesmo em Parisnão prescindia do Madeira, por ser de superior qualidade e o melhor. Com ele secelebrou a independência, acto que é anualmente recordado da mesma forma.

Os europeus, levados pela exaltação dos políticos americanos, despertaram denovo para o vinho Madeira, chovendo elogios em catadupa. O Madeira não foi ape-nas companheiro dos grandes momentos festivos e de euforia, pois postou-se deguarda aos possíveis apreciadores em momentos de dificuldades e solidão, comosucedeu com Napoleão Bonaparte. O deposto imperador recebeu das mãos do côn-sul britânico uma pipa de Madeira, que foi companheira de exílio em Santa Helena,até à morte. O General, talvez receoso de segundas intenções da oferta, nuncaprovou o vinho e após a morte em 1820, o cônsul pediu a devolução, o que ocor-reu passados dois anos. Com o vinho da volta fez-se uma importante garrafeira paragáudio dos coleccionadores, sob o título de Battle of Waterloo. W. Churchill, quan-do em 1950 fez férias na Madeira, teve oportunidade de apreciar o vinho queNapoleão nunca bebeu.

O quadro das referências ao vinho Madeira na literatura reforça a ideia daimportância que assumiu na economia e sociedade dos mercados em causa. A pre-

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Vista do Funchal com latada.Gravura do séc. XIX.The ilustrated London News,22 de Janeiro de 1859

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O vinho na história e património

O vinho é motivo de expressão plástica como ilustração científica ou memóriafotográfica do primeiro contacto, mas foi na arquitectura urbana onde mais se sen-tiu a influência. A riqueza que o comércio gerou permitiu a todos os intervenientesos meios necessários para construir majestosos palácios, quintas e recheá-los demobília de influência britânica.

A primeira evidência artística relacionada com o vinho aparece na Sé do Funchal,uma construção de princípios do século XVI. O medalhão de fecho da abóbadaapresenta um cacho de uvas com duas parras. Já no cadeirado do Altar-mor as cenasbíblicas misturam-se com as do quotidiano, em que o vinho assume uma posiçãodominante através das figuras do fabricante de odres e o bêbado.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 553

O vinho da Madeira é um vinho de dessert. Ainda que o Duque de Clarence, conde-nado à morte, preferisse afogar-se num tonel de Malvasia da Madeira, como suplício final,este trágico pormenor histórico ainda mais avoluma a reputação do produto - e a suafama e o seu nome mais se propalarem no mundo. Jorge IV da Inglaterra tornou-o o maischic e de maior renome. O Rei Eduardo, ao tomar conta da coroa britânica, verificou comsatisfação que estavam cheias de preciosos vinhos da Madeira as caves do Palácio deBuckingham. Era, a tal ponto, precioso e singularmente aromático, que a moda do tempoem toda a Grã-bretanha, nas festas da coroa e da aristocracia, fê-lo perfume mundano,deitado nos lenços, às gotas, e, com ele, aromatizando-se as mãos, como se fora um raroe inebriante perfume.

Para que fosse único em todo o orbe, para que se distanciasse sempre de qualquerassimilação, era, então, colocado nos navios que demandavam o porto do Funchal eneles davam a volta ao mundo, para que, nas zonas do Equador, ganhassem a estufagemque, mais tarde, a indústria superou. E talvez porque Shakespeare quisesse que uma dassuas personagens trocasse a alma por um cálice de Madeira, entra na cura de diversís-simas doenças e restitui energias morais e físicas. Aromático, doce, encorpado, cor detopázio-claro, verdadeiro oiro líquido, velho como a colonização portuguesa da ilha, écapaz de congraçar no mesmo gosto homens e mulheres - escreve António Batalha Reis.É oferecido a Reis e a Príncipes Regentes, a Chefes de Estado e a ministros, a senhoresfeudais e a burgueses opulentos...e - forte paradoxo! - a uma Miss Portugal oriunda dasregiões congéneres do Douro...

O vinho de Anacreonte, que o levava a coroar-se de rosas quando esvaziava a últimataça, não seria um Malvasia de cuja casta vieram para a Madeira algumas cepas?...

Eduardo Nunes ( 1951 )

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Garrafas de vinho velho. Madeira Wine Company

Pormenor de Pintura de MAx Römer. Sala de Provas de H. M. Borges

Pormenor de painel deazulejo no Largo AntónioNobre no Funchal. C. A.Moutinho. Fábrica deSacavém. 1930.

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coberta do paraíso. Os tratados científicos apostavam na divulgação nos meios eru-ditos europeus. As técnicas de classificação das espécies da fauna e flora tiveramaqui um espaço ideal de trabalho. Hoje a riqueza do acervo pictórico da ilha é-lhesdevedora, existindo valiosas colecções: Andrew Picken (1840), Rev. James Bulwer(1927), P. H. Springett (1843), J. Selleny, Susan V. Harcourt (1851), Frank Dillon(1856), R. Innes, Johan F. Eckersberg. Os temas são comuns a todos os interve-nientes. O Funchal apresenta-se através da baía e do deslumbramento do casario emvárias perspectivas ou nos pormenores mais característicos da arquitectura - A Sé,Os Conventos de Santa Clara e S. Francisco. Quanto ao interior da ilha manteve-seconstante através de imagens: Cabo Girão, Curral das Freiras, Encumeada,Boaventura, Rabaçal.

A visão é atenta e em alguns casos parece-se com um registo fotográfico. As ima-gens aproximam-se da realidade e o quadro enche-se, por vezes, com dados deobservação directa. A vegetação é rainha logo seguida das quedas de água. Em quasetodos o homem é uma presença obrigatória. A pose é de contemplação e êxtase faceas belezas que o rodeiam e raramente de integração no conjunto, anichando-sequase sempre no canto esquecido. Em algumas estampas e gravuras é possíveldescortinar com pormenor algumas espécies arbóreas, como é o caso das queassumem valor alimentar, como a vinha e a bananeira, seguindo-se o dragoeiro.Toda a tenção estava desviada para a natureza selvagem.

Os retratos do quadro natural madeirense são variados nos motivos e por-menores que enquadram e dão harmonia ao conjunto. A atenção estava voltadapara as encostas onde o casario se entrelaçava ou não com o arvoredo. O céu, a luz,

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 555

Aguarelas, estampas e desenhos

A maior parte das gravuras madeirenses conhecidas são do século XIX e de mãoinglesa. De centúrias anteriores estão documentadas apenas seis. A maioria situa-seno curto período de pouco mais de trinta anos (1821-1858). As gravuras fazem partede registos de viagem ou de tratados científicos.

A Madeira foi um eixo fundamental da navegação e contactos entre a Inglaterrae as colónias na América e Índico. A ilha transformou-se numa estância de turismoterapêutico que acolheu doentes da tísica de diversas proveniências. Aristocratas,cientistas e aventureiros acudiram à procura do clima ameno para alívio e cura dasdoenças, aproveitando a estância para descobrir as paisagens, riqueza e variedade daflora.

A Madeira entrou rapidamente no universo da ciência europeia dos séculosXVIII e XIX, sendo ambas as centúrias momentos assinaláveis de descoberta domundo através do estudo sistemático da fauna e flora. Podemos assinalar dois tiposde produção literária com públicos e incidências temáticas distintas. Os textos turísti-cos, guias e memórias de viagem apelavam o leitor para a viagem de sonho e redes-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX554

Vista do Funchal.Colecção do autor.

2002

Enchendo o barril.Cadeirado da Sédo Funchal.Colecção do autor

Bebendo vinho. Cadeirado da Sé do Funchal.Colecção do autor.

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sos pintores e desenhadoreseuropeus, nomeadamente ingleses,que tiveram oportunidade de visitara ilha. Os principais motivos pren-dem-se com aspectos particulares dafaina vitivinícola: lagar, borracheirose balseiras. Os dois últimos elemen-tos são os mais abundantes em todaa iconografia como se pode compro-var do acervo disponível nos Museusda Quinta das Cruzes e Frederico deFreitas no Funchal52.

A mais completa colecção degravuras sobre o vinho encontra-seno livro de Henry Vizetelly53, sendoda pena de Enst Vizetelly. HenryVizetelly (1820-1892) foi correspon-dente do Ilustrated London News,dedicando-se parte da vida à publi-cação de livros sobre o vinho. Em1887 uma casa editora para a ediçãode traduções de clássicos franceses erussos. O livro que publicou em1880 não é mais do que umareportagem sobre os vinhos doPorto Madeira e Canárias enquadra-se no plano de publicações sobre otema em que se incluem o Sherry.

Foi em pleno século XX que seconseguiu o mais imponente registoda faina vitivinícola pela mão deMax Romer. Max Romer (1878-1960), um alemão refugiado naMadeira em 1922, nas encomendasrealizadas para a Madeira Wine Cº eH. M. Borges & Cº deixou o retratoimpressionista do quotidiano davinha e do vinho54.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 557

não pertenciam ao universo dos artistas, pois aquilo que chamava à atenção são asencostas e o litoral abruptos onde se anicham as quedas de água, o homem, ocasario e o arvoredo. O último está ausente das encostas e vistas próximas à cidadedo Funchal, escalvadas para mostrar os efeitos da acção do homem. Só quando seentra no interior, na Encumeada, Curral das Freiras, Boaventura e S. Vicente a flo-resta domina o pincel do artista. O Sul encontrava-se cheio de motivos e dominadopela presença do homem em conjugação com o casario e pontes.

O vinho tem expressão plástica particular no cadeirado da Sé do Funchal ondesão visíveis os borracheiros e bebedores de vinho, o que prova a importância queassumia já em princípios do século XVI. Os cachos e parras fazem parte da gramáti-ca decorativa do barroco. Os motivos de talha dourada estão presentes na Igreja doColégio, obra de Brás Fernandes, construída pelos Jesuítas no decurso do séculoXVII. A talha com motivos alusivos ao vinho só marcará presença num conjunto demobília de sala existente nos escritórios da Madeira Wine Company à Rua dosFerreiros e no Museu da Quinta das Cruzes.

O quotidiano do vinho, nos séculos XVIII e XIX, é retratado pela pena de diver-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX556

52 . Estampas, Aguarelas e Desenhos da Madeira Romântica, Funchal, Casa Museu Frederico de Freitas, 1988.53 . Facts About Port and Madeira, London, 188054. Eberhard Axel Wilhelm, Max Romer(Postais Madeirenses Percorrem o Mundo), in Atlântico, 14, 1988, pp.113-122.

Altar-mor da Sé do Funchal.Colecção do autor.

Aspecto da Sé do Funchal.Colecção do autor

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AA arte e o vinho

Os séculos XVIII e XIX foram momentos de valorização da arquitectura e artemadeirenses. A ilha, após as dificuldades da crise açucareira, esteve de novo envol-ta num momento de fulgor gerado pelo vinho. A aposta na cultura da vinha e avalorização do vinho no mercado consumidor colonial conduziram inevitavelmenteà riqueza, usada em benefício próprio pelos intervenientes. Os proprietários de vi-nhas aformosearam as casas de residência. Os mercadores, nomeadamente ingleses,transformaram as vivendas de sobrado em lojas e escritórios onde os negócios seentrecruzavam com o convívio e lazer.

Os artefactos ingleses invadiram o mercado madeirense dando-nos os meios deconforto diário. O gosto pelo clássico está presente nas construções e decoração deinteriores. A tosca e utilitária mobília, muitas vezes feita de madeira que do Brasiltransportava o açúcar para a ilha, deu lugar a outra estilizada. A mobíliaChippendale e Hepplewhite - sofás e cadeiras - dá o toque de classe e compõe oambiente para os saraus dançantes ou do chá das cinco. Os museus da Quinta dasCruzes e Frederico de Freitas são hoje depositários de alguns dos exemplares queresistiram ao uso secular.

O espaço interior é valorizado e transformado, uma vez que a casa é o principalcentro de convívio. Surgiram salas amplas ou salões de música que foram palco defestas e saraus dançantes. Os tectos são cobertos de estuques profusamente traba-lhados e muitas vezes pintados. As decorações alusivas às cenas da Grécia ePompeia, criadas por Roberto e James Adam, são a principal evidência e tiveram nacasa de capitão Eusébio Gerardo de Freitas Barreto, hoje sede do Tribunal deContas no Funchal, a mais perfeita expressão55. Isabella de França56 testemunha emmeados do século XIX o quotidiano interior na descrição que faz de um dos bailesem que participou na casa do cônsul inglês.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 559A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX558

Praça de Colombo. Colecção do autor. 2002 55. Alberto Vieira, Marconi Comunicações Globais. Madeira, Funchal, 1995, pp.131-171.56. Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal. 1853-1854, Funchal, 1970

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O século XIX foi o momento em que o madeirense dedicou toda a atenção àcasa como o corroboram alguns testemunhos de estrangeiros. Em 181961 o autor deAn Historical Sketch dá conta de que ultimamente tem melhorado a arquitecturadas casas pois os edifícios modernos são geralmente belos, quase sempre cons-truídos de pedra, rebocados e caiados; a maioria das casas das pessoas nobres sãoestucadas no interior e muitas são elegantes e na maior parte dos casos belamentemobiladas à inglesa.

Ainda no século dezanove um outro pormenor da arquitectura da cidade chamaà atenção dos estrangeiros. São as torres avista navios que se erguem altaneiras porcima dos telhados. Estas, a exemplo da casa de prazeres e dos balcões, são espaçosde lazer, de namoro, intriga e observação do porto. A fachada dos edifícios apre-senta-se ornada de cantarias trabalhadas, tendo a porta principal quase sempre enci-mada pelo brasão de armas da família. No século XVII apareceram os óculos paraentrada de luz no rés-do-chão enquanto na centúria seguinte as janelas foram prote-gidas de persianas ou tapa sóis. Os assaltos de ladrões e corsários faziam levaram aque as portas fossem reforçadas com ferro e as janelas do rés-do-chão gradeadas.

O pormenor mais evidente da arquitectura urbana estava nas torres de ver-o-marou avista navios, que para alguns é de origem árabe e outros afirmam ser de origemitaliana. Chama-se a atenção para a incidência em cidades portuárias sendo dereferir a propósito Cádis e São Luís do Maranhão. No Funchal a maioria das casasque ostenta a referida torre é do século XVIII e ainda hoje persistem algumas atestemunhar a função de espaços de observação do mar, ou de cumplicidade entreos frequentadores. Papel semelhante teve a chamada casa de prazeres, situada nas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 561

Como notava John Ovington em 168957 as casas são feitas sem grande dispêndioou esplendor; nem por fora se distinguem pelo embelezamento artístico neminteriormente se apresentam ricas de ornamentos e mobiliários; algumas atingemuma razoável altura mas sem outra característica de grandeza. O mesmo releva asimplicidade das portas e janelas e a ausência de vidros, situação que foi colmatadano século XVIII, altura em que surgiram as janelas de guilhotina. A influência daclasse mercantil ligada ao comércio do vinho foi evidente. Em 1772 J. Forster58 dis-tinguia as casas dos mercadores ingleses pela presença das janelas de vidro. Já MariaRiddel59 notava que a maioria dos negociantes tem pequenas casas de campo nasencostas, rodeadas de jardins e vinhedos o que confere um efeito muito aprazível àpaisagem.

Na cidade a evolução da arquitectura foi rápida, procurando corresponder àsexigências dos novos ocupantes. Ao lado das casas térreas surgiram as de sobrado,de um ou mais pisos. Nos arruamentos dos ofícios o rés-do-chão era reservado paraloja, tenda e oficina, sendo o piso habitado pelo mestre e o sótão pelos oficiais eaprendizes. O mesmo sucedia com os mercadores que tinham no piso térreo a lojaou armazém e o sobrado para habitação. Gaspar Frutuoso60 no retrato que fez doburgo em finais do século XVI destaca as casas dos principais, como a de JoãoEsmeraldo com seu aposento, antigo, muito rico, com casas de dois sobrados epilares de mármores nas janelas, e em cima seus eirados com muitas frescuras.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX560

Torre avista navios.Colecção do autor. 2002

57 . António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.158, 197-19858 . Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p33659 . Voyage to the Madeira… Edimburgo, 179260 . Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta delgada, 1979, p.112

Torre avista navios. Colecção doautor. 2002

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tados. Mas, de novo começaram a surgir dificuldades aos inquilinos. A contracçãodo mercado do vinho desde os inícios do século dezoito e as crises de produçãomotivadas pelo oídio (1852) e filoxera (1872) deram o golpe de finados e à deban-dada dos ingleses. Elisa Jennet Duff, viúva de James Adam Gordon Duff, optou em1875 pela venda dos aposentos à Sociedade Cooperativa de Consumo e Credito doFunchal SARL, representada por personalidades ilustres da cidade: José LeiteMonteiro, Manuel José Vieira e Augusto Mourão Pitta. O imóvel foi em 1916 ven-dido a José Figueira Júnior por quarenta contos. Termina aqui a fase de ampliaçãoe engrandecimento iniciando-se a de prolongada decadência.

O transeunte que percorre as Ruas da Carreira, Netos, Pretas, Mouraria, Mercês,Nova de S. Pedro, Conceição, Aranhas, Ferreiros, João Gago depara-se com prédiosde fachadas rendilhadas em cantaria negra, rasgados por inúmeras janelas servidasde varandas em ferro forjado. Apenas aos que encontram as portas franqueadas épossível redescobrir os tectos de estuque pintado.

Dos diversos imóveis que a riqueza do vinho fez erguer merecem a nossa aten-ção: O Palácio de S. Pedro, hoje Museu Municipal, que se ergueu para residênciado Conde de Carvalhal; os paços do Concelho do Funchal, conhecido tambémcomo Palácio Torre Bela. Em todos é evidente a mesma estrutura volumétrica. Umafachada imponente dá entrada para um grande pátio coberto de latada que serve delogradouro comum às diversas arrecadações: lojas de fermentação e envelhecimen-to do vinho, a oficina de tanoaria, a estufa. O bom gosto e o cuidado com que alguns

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 563

quintas em locais estratégicos virados para o mar ou à rua próxima. O balcão e asvarandas cobertos de latadas com as folhas e cachos de uvas são outro elementocaracterístico que torna o espaço aprazível ao convívio da casa.

Muitos dos prédios que se anicham nas ruas vizinhas do cabrestante e da alfân-dega, foram o alvo preferencial dos mercadores estrangeiros que chegaram aoFunchal, no século XVIII atraídos pelo comércio do vinho. As pequenas casas tér-reas foram demolidas para dar lugar às de sobrado servidas de amplas caves para aspipas, sobrados de habitação e escritórios. Uma imponente fachada ornada decantarias e ferragens, uma torre avista-navios davam o toque característico da arqui-tectura do vinho na ilha.

As actuais instalações do Tribunal de Contas são um exemplo disso. Sabemosque João Esmeraldo, mercador flamengo, construiu em finais do século XVdefronte do imponente palácio umas casas térreas para os serviços de apoio. Foiaqui que Eusébio da Silva Barreto fez construir outras de sobrado, onde se instalouapós o casamento a 27 de Maio de 1686. A 23 de Março de 1718 o proprietário ver-gava sobre os efeitos da doença e velhice. Morreu, deixando um vasto patrimónioque foi dividido pelos herdeiros. Nicolau Geraldo de Freitas Barreto deverá ter her-dado o imóvel da Rua do Esmeraldo onde fez pintar na capela o brasão de armas,que recebeu em 173162.

Em 1794 as casas passaram para as mãos de Lamar Hill Bisset & Co. Atransacção marca o início de uma nova fase da rua. O comércio do vinho estava noauge e quase todos os edifícios reservados a armazém de vinhos e algumas das prin-cipais casas comerciais pertencentes a súbditos ingleses tinham aí ou nas proximida-des as instalações. A atracção estrangeira surgiu em 1704 com Benjamim Heminglque alugou os velhos aposentos de João Esmeraldo a Agostinho Dornelas eVasconcelos. Em 1727 foi a vez de John Bissett, seguido do Dr. Richard Hill, queem 1739 montou o escritório no número 39. Em1802 juntou-se a firma NewtonGordon, Murdoch & Co que arrematou em praça pública um prédio da Miseri-córdia por 1150$000rs. Depois tivemos Gordon Duff & Co, que comprou o imóvelde José do Egipto da Costa, foreiro da Santa Clara, por 3626$700rs. Em data quedesconhecemos Gordon Duff & Co adquiriu o prédio que fora de Nicolau Geraldoà firma americana, Hil Bisset & Co e ampliou com os granéis fronteiriços do ladodo Beco do Assucar de Nuno de Freitas Lomelino. Ambos foram vendidos em1859, por 3800$000rs a James Adam Gordon Duff, ficando o edifício que o con-frontava a norte na posse da viúva. O acto de venda teve lugar no número doze, per-tencente à propriedade da viúva do proprietário do imóvel transaccionado ondevivia Diogo Bean. Pelo menos em 1855 usufruía de todos os aposentos para residên-cia e escritório.

Na posse de James Adam Gordon Duff o edifício foi alvo de algumas alteraçõesno espaço interior, sendo da época a construção da sala de música e os estuques pin-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX562

62 Alberto Vieira, Marconi Comunicações Globais. Madeira, Funchal, 1995, pp.131-171.

Tecto de estuque pintado dasala de dança de edifício daRua de João Esmeraldo.

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As quintas são uma criação madeirense, mas foram os ingleses que, a partir doséculo XVII, as transformaram em locais de aprazível convívio. Os espaços que con-tornam a habitação foram revestidos de jardins coloniais, transformados em viveirosde plantas e flores exóticas. Ao longo do tempo evocam-se diversas funções: casasde habitação, hotéis e pousadas que acolhem os estrangeiros em busca de cura paraa tísica pulmonar ou de passagem para as colónias. No Funchal encontrava-se omaior número de quintas alinhadas de modo perfeito ao longo da encosta ou numalinha circular a meia-encosta, alternando entre espaço de habitação e de veraneio.O Monte e a Camacha são merecedores da nossa atenção pelo número de residên-cias de Verão, tendo alguém dito, a propósito disso, que o Monte era a Sintramadeirense. As quintas Vigia e do Palheiro sobressaem entre todas. A primeira, quese enquadrava num conjunto de quintas geminadas sobranceiras ao mar (Angústias,Vigia, Pavão e Bianchi) foi a principal morada de acolhimento da aristocracia euro-peia (Rainha Adelaide de Inglaterra (1847-1848), Duque Leuchtenberg (1849-1850),Imperatriz do Brasil, D. Amélia (1852). A última, já fora do Funchal, foi construídapelo primeiro Conde de Carvalhal que também planeou os extensos e variadosarvoredos, sendo considerada a mais extensa da Península Ibérica com 324ha. Orecinto serviu de palco a grandes recepções as ilustres visitantes que demandavam ailha na centúria oitocentista, destacando-se: em 1817 da Imperatriz Leopoldina doBrasil, em 1858 do infante D. Luís e em 1901 do rei D. Carlos e Rainha D. Amélia.

Muitas quintas mudaram de mãos no século XVIII. Os ingleses, enriquecidoscom o comércio do vinho, fizeram diversos investimentos fundiários, com especial

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souberam combinar todos os elementos não passaram despercebidos ao olhar aten-to de Henry Vizetelly, afirmando na casa de Blandy Brothers que estava perante umverdadeiro museu de vinho

A anglicização do Funchal só foi possível pela importância que assumiu para ossúbditos de Sua Majestade o comércio do vinho. A presença da comunidadebritânica foi e ainda é importante. Aos ingleses se deve a definição do rumo para ovinho, de que foram os princípios apreciadores e beneficiários. A arquitecturaurbana é testemunho disso através da Igreja Anglicana, do Cemitério, do edifício doInstituto do Vinho da Madeira e algumas quintas.

Na cidade as casas térreas deram lugar a imponentes palácios, casas de habitação,escritórios e lojas de comércio. Os arrabaldes ganharam vida com a proliferação dasquintas, uma criação madeirense e a expressão volumétrica da importância de algu-mas das famílias madeirenses. Aqui, o espaço de lazer conjuga-se com o sector pro-dutivo, ligados por um jardim e a mata. Com os ingleses perderam o carácter rústi-co e transformaram-se em espaços aprazíveis servidos de amplas ruas e jardins deinspiração oriental.

A casa de Prazeres é um pequeno pavilhão no canto do jardim que serve para vera vista, sendo espaço de convívio das senhoras nas tardes solarengas. A Casa daCalçada, hoje Museu Frederico de Freitas, ostenta ainda a Casa de Prazeres.Estamos perante mais um contributo inglês que vai buscar as origens à house ofpleasure, isto é, os sumptuosos pavilhões orientais que na Madeira se adaptam àcondição especial de mirante.

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Palácio de S. Pedro.2002

Edifício da Câmara do Funchal. 2002

Casa de H. Veitch noJardim da Serra.

Quinta Vigia. Actual sede da Presidência do Governo Regional.2002

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Os resultados da transfiguração foram evidentes na cidade e meio rural. Nas casasde habitação o novo ergueu-se dos escombros do velho, mas nas igrejas alipu-se demodo perfeito, ficando a testemunhar a evolução e adequação aos padrões de cadaépoca. Os elementos arquitectónicos e decorativos que marcaram a opulência açu-careira convivem com os novos gerados pelos excedentes e riqueza do vinho. O queterá levado alguns a definirem impropriamente como a arquitectura do vinho. Esta,a existir, estará presente apenas nas grandes casas servidas de amplos terreiros onderepousam as pipas e armazéns e oficinas de tanoaria, como foi o caso de CossartGordon & Cº na Rua dos Netos, ornadas de latadas e de serrados de vinhedos nosarredores da cidade. Henry Vizetelly em 1880 dá como exemplo o serrado de S.João de W. Leacock.

A arte religiosa dos séculos XVIII e XIX é testemunha e consequência dariqueza gerada pela economia vitivinícola. Os templos ganharam nova vida eriqueza. Em 1714 a Alfândega do Funchal ficou servida com uma capela do oragode Santo António. O estado de ruína do edifício de alfândega e a necessidade de oajustar ao movimento marítimo de então levaram a diversas transformações nodecurso dos séculos XVIII e XIX.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 567

destaque para as quintas e serrados de vinhas. Alguns transformaram as habitaçõesadquiridas em amplas quintas ajardinadas, enquanto outros, do espaço arável ou depascilgo, ergueram imponentes casas. Estão no último caso a Quinta do Vale Paraísona Camacha de John Halloway, a Quinta do Jardim da Serra, Calaça e do Santo daSerra de Henry Veitch, a Quinta do Monte de James David Gordon. Das demaisadquiridas por ingleses podemos salientar: a Quinta do Til propriedade de JamesGordon desde 1745 e que em 1933 passou para família Miles; a Quinta da Achadadesde inícios do século XIX pertença da família Penfeld e que em 1881 passou paraa posse da família Hinton; a Quinta do Palheiro do 1º Conde de Carvalhal adquiri-da em 1885 por J. B. Blandy.

Alguns dos britânicos que tiveram oportunidade de privar nas quintas não secansam de exaltar o ambiente encontrado. Em 1778 Maria Riddel não hesita emafirmar que a maioria dos negociantes tem pequenas casas de campo nas encostas,rodeadas de jardins e vinhedos o que confere um efeito muito aprazível à paisagem.

Os séculos XVIII e XIX foram marcados por mudanças significativas na arqui-tectura civil e religiosa. Os templos, porque degradados, eram incapazes de dar aco-lhimento aos cada vez mais numerosos crentes. As habitações de salas acanhadasnão servem às exigências de conforto e à vida de portas adentro. Foi assim queavançou o camartelo sobre a cidade para se erguerem amplas casas sobradas, servi-das de torres avista navios, e novas igrejas. Algumas contingências tornaram inadiáv-el a euforia de remodelação arquitectónica. O terramoto de 1746 e as aluviões de1803 e 1842, com elevados prejuízos nos imóveis, tornaram urgente a intervenção.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX566

Casa de Prazeres. Casa-Museu Frederico de Freitas. 2002

Quinta daPalmeira. 2002

Quinta do PalheiroFerreiro. 2002

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Porto. É o caso da figura feminina, que na Madeira se identifica pelo traje carac-terístico da viloa, ou é referenciada de uma forma aproximada da imagem daRepública. O recurso às personagens históricas, ou com grande impacto no momen-to pelos feitos, é um dado a merecer a atenção. As imagens de D. Dinis e do InfanteD. Henrique convivem com as de Zarco, Colombo, Machim ou Sacadura Cabral.A figura de Colombo, navegador italiano e descobridor da América, foi recuperadapela casa de Vinhos Barbeito Lda, sendo hoje uma das imagens de marca.

As figurações e ambientes ligados à faina vitivinícola são também uma realidade.Aqui os serrados de latadas, o borracho, o lagar, o carro de bois são assíduos. Naactualidade persiste apenas o lagar como imagem de marca de alguns vinhos da casade Artur Barros e Sousa Lda.

Os rótulos são no presente mais apelativos, chamando à atenção pelo douradodas letras em contraste com o negro ou pelo insistente recurso às cores vivas. Aimagem dá lugar à palavra e ao impacto provocado pelo contraste das cores, tor-nando o produto cada vez mais atraente. A arte do rótulo perdeu em motivos dec-orativos mas ganhou nova imagem com a vivacidade da cor.

Nos arquivos das empresas é possível encontrar colecções de rótulos. É de salien-tar o acervo da Madeira Wine Company, que reúne os rótulos de todas as empre-sas associadas e a do Instituto do Vinho da Madeira, resultante da entrega de origi-nais para aprovação pela entidade reguladora.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 569

A expressão plástica e temática dos rótulos

Os rótulos são o bilhete de identidade do vinho engarrafado. É a partir deles quese identifica o tipo, a idade do vinho, o proprietário e as referências do importador.Os rótulos para além do intuito informativo podem ser vistos como uma forma depublicidade, que ganha uma forma de expressão plástica em cada época63. A maisantiga informação que dispomos ao uso do rótulo de papel é do século XVIII, masfoi apenas em meados do século XIX que se generalizaram. Antes disso a identifi-cação do conteúdo era feita por pintura ou através de sinais inscritos nas pipas ounas caixas com garrafas.

São diversos os motivos figurativos usados para ilustrar o rótulo. Às figurashistóricas, como Zarco, D. Dinis e Colombo, associam-se motivos regionais (lagar,corsa e paisagens). As medalhas de ouro que premiaram o vinho e o brasão dasfamílias ou da cidade misturam-se com parras e uvas. A imagem da família que ocomercializava, ou da ilha foram, nos princípios do século XX, os dados maisemblemáticos. Assim sucedeu com a presença dos brasões da família Blandy,Cossart, Leacock e Krohn64. Nos motivos alusivos à paisagem insiste-se naspanorâmicas da cidade do Funchal e da baía de Câmara de Lobos.

É evidente a similitude nos motivos usados quer pelo vinho Madeira, quer pelo

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Rótulos antigos.Colecção da Madeira

Wine Company.

Rótulos antigos.Colecção da MadeiraWine Company.

63 . Cf. GUICHARD, François, A Linguagem do Rótulo. O Vinho entre o Dito e o não Dito, in Os vinhos Licorosos e aHistória, Funchal, 1998, pp.71-80.

64 . Sainz-Trueva, José de, Heráldica de Prestígio em Rótulos de Vinho Madeira, in Islenha, nº.9, 1991, pp.62-69.

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PO vinho

Uma rota com história

Para o forasteiro a descoberta da ilha faz-se por percursos à volta da ilha. O per-curso entre a Cidade e o Porto Moniz, com passagem obrigatória pelo Cabo Girão,conduz à revelação do interior e das principais áreas vitivinícolas. Todos ficamimpressionados com a altura e violência das escarpas, esquecendo o esforço e suordos primeiros cabouqueiros que cavaram, escarpas acima, os poios e traçaram asestradas e túneis. Aquilo que mais nos comove é a imagem da força hercúlea domadeirense, capaz de transformar o rochedo em campos de searas, vinhas e canavi-ais. A trilogia agrária marcou o devir madeirense e surge como resultado do facto dailha ter sido a herança da tradição agro-alimentar do mundo cristão.

Hoje a paisagem perdeu o verde dos canaviais e o dourado dos trigais mas, emcontrapartida, ganhou novo colorido com as latadas que cobrem os socalcos e enga-lanam os terreiros e frontais das habitações. O percurso até ao alto do Cabo Girãoe depois um breve relance pela encosta que se perde no horizonte até ao Funchalimpressiona. A imagem persiste em quase todo o roteiro entre o Funchal e o PortoMoniz, sendo apenas esquecida com a violência da encosta a partir de S Vicente.Perante nós estão cerca de 1900 ha de vinha, correspondendo a 25% do espaço agrí-cola. Na Primavera os rebentos que brotam das videiras fazem reverdejar os bace-los. No Verão os cachos pendentes atribuem outro visual. O Outono anuncia-secom as vindimas, que para além do colorido da apanha da uva, marcam uma novamudança na paisagem outonal. As diversas colorações de castanho, que anunciam aqueda da folha, impõem-se por entre as videiras e o escuro do basalto. No arco-íris,propiciado pelos vinhedos que cobrem as encosta Sul e Norte da ilha, propomos aprimeira escala da rota do vinho.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 571A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX570

Cabrestante. Gravura do século XIX. Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas

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vasia da ilha. Ainda hoje os proprietários procuram resgatar a tradição do tão afama-do vinho.

Chegados à Ribeira Brava o espectáculo é outro. Os vales dão lugar às escarpas.Perante nós apresenta-se um vale profundo, dividido por uma ribeira que no leitoaloja a vila. O património artístico da vila é valioso e encontra-se bem conservado.A igreja matriz, do século XV, possui um espólio rico em painéis flamengos dossécs. XV e XVI, peças de prata e talha dourada do século XVIII. O MuseuEtnográfico divulga e conserva os costumes e tradições do povo madeirense de quemerecem a atenção as ligadas ao vinho.

No Arco da Calheta e a Calheta as principais culturas são a cana-de-açúcar e avinha. A Fajã da Ovelha é terra de Verdelho. O campo experimental de castas tradi-cionais do vinho Madeira na Casa das Vinhas (Estreito da Calheta) reforça a ideiada aposta da cultura.

A vertente Sul termina na Ponta do Pargo, a ponta mais a oeste da ilha. As gentes,de hábitos enraizados na labuta agrícola, plantam cereais e vinha. A paisagem quese vislumbra é fascinante. No sítio dos Salões surge outro campo experimental ondese ensaiam os sistemas culturais e as técnicas de condução da vinha.

A costa Norte começa no Porto do Moniz onde tudo parece ser diferente. As ver-tentes áridas e as montanhas verdejantes são servidas de socalcos com vinhas prote-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 573

O Funchal

A primeira descoberta da ilha acontece no Funchal, a capital da região autóno-ma e a porta de entrada de e para o mundo. A baía espraia-se num anfiteatro domi-nado pelo branco do casario e azul do mar. Muitos motivos aguardam o forasteiropor uma visita. A Sé, e demais igrejas e capelas, os museus, as quintas e jardins, quepreenchem a paisagem de cor e vida, aguardam por uma visita.

Todas as casas de exportadores com sede no Funchal encontram-se em edifíciosseculares com inegável valor arquitectónico. As portas estão franqueadas para umavisita. O ponto de partida poderá ser o Instituto do Vinho da Madeira à rua Cincode Outubro. Perante nós está um edifício imponente que pelas formas arquitectóni-cas de matriz inglesa que chama de imediato à atenção. Na cave um museu alusivoao vinho da Madeira assegura a primeira descoberta da realidade vitivinícola.

Na Rua dos Ferreiros, entre as imponentes fachadas de edifícios de antigas casasde vinhos, encontramos duas empresas em funcionamento, que mais nos parecemum museu vivo: Artur Barros e Sousa Lda. e Pereira D’Oliveiras. Continuando opercurso chegámos às afamadas adegas de S. Francisco, da Madeira WineCompany, que também merecem com propriedade o mesmo epíteto. Adiante, naAvenida Arriaga, está a Biblioteca Barbeito de Vasconcelos, onde o vinho se con-funde com a tradição histórica madeirense e de Colombo.

O percurso à volta da ilha inicia-se na costa Sul e tem na cidade de Câmara deLobos. A visão do miradouro do Pico das Torres é uma magnífica janela abertasobre o mar e para a encosta de vinhedos do Estreito. No sítio das Preces, está oprimeiro campo experimental de castas tradicionais do percurso. Aqui procura-seconjugar a tradição com a experiência e inovação. Na subida da encosta até oEstreito de Câmara de Lobos a paisagem transforma-se dando lugar a escarpas mon-tanhosas rasgadas por socalcos de vinhedos e cerejeiras. Estamos na terra do vinhoe no palco das festividades da Vindima, que aí decorrem no mês de Setembro. Afreguesia é a área, por excelência, do vinho Madeira. Aqui existe o maior númerode produtores de castas nobres (Sercial, Verdelho, Boal) e de outras consideradasboas.

Após uma paragem obrigatória pelo Cabo Girão, segue-se o percurso numa estra-da que contorna de forma pachorrenta os vales da encosta Sul. Na Quinta Grande,assim chamada por ter sido uma das quintas dos Jesuítas, somos surpreendidos porum vasto vinhedo mecanizado que acompanha o declive da montanha sobranceiroà Ribeira do Vigário, propriedade da firma Henriques & Henriques. Segue-se depois o Campanário, que da serra ao mar se cobre de verde. Estamos perante umaterra rica em vinhas, onde se encontra uma das mais importantes produções de boaldo arquipélago.

Na descida para a Ribeira Brava avista-se à esquerda o ilhéu do Campanário e,por detrás, a Fajã dos Padres, onde se produziu pela mão dos jesuítas o melhor Mal-

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Vinhedos no Estreitode Câmara de Lobos.Colecção do autor.2002

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OS MUSEUS

O museu é sempre uma ponte que se estabelece entre o presente e o passado. Acriação do espaço museológico, anexo ao Instituto do Vinho da Madeira, inaugura-do em 18 de Setembro de 1984, não ficou alheio a isso. O projecto surgiu em 1982com a primeira exposição do Vinho da Madeira que teve lugar no Teatro Municipaldo Funchal, sob a nossa coordenação.

O vinho Madeira dispõe hoje de dois museus pois ao do Instituto de Vinho daMadeira juntou-se o da Madeira Wine Company. Os espaços museológicos são umaforma de trazer ao visitante o passado vitivinícola através de fotografias e objectos.Algumas empresas, pelo carácter secular e empenho na preservação das tradições,podem ser consideradas museus-vivos. O passado convive com o presente, per-mitindo ao visitante a necessária envolvência com a realidade vitivinícola.

O Vinho da Madeira, quer queiramos ou não, está envolvido pela tradição histó-rica que lhe granjeou fama e importância no sistema atlântico de relações comerci-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 575

gidas da brisa marítima por bardos de urze. As freguesias do concelho (PortoMoniz, Ribeira da Janela e Seixal) são a terra, por excelência, do Sercial e Verdelho.

Em São Vicente temos de novo as montanhas abruptas e o mar. A vinha tem aquiimportância excepcional. Os vinhedos de castas tradicionais para o Madeira con-quistam cada vez mais os poios, tornando o concelho num dos principais pro-dutores da ilha. Em S. Vicente o verdelho conquista terreno à Negra-mole a aoJaquet. No sítio dos Cardais existe um campo experimental de casta verdelho dedi-cado ao fabrico de vinho de mesa.

Segue-se Ponta Delgada, uma ponta de terra que se estende pelo mar, tambémconhecida por “corte do norte”, que ficou celebrizada pelo romance de AgustinaBessa Luís, com o mesmo nome. A igreja serve de palco a uma das mais destacadasdevoções dos madeirenses. Os agricultores dedicam-se de corpo e alma à terra tiran-do o máximo proveito de tudo aquilo que produzem. Nos Enxurros destacam-sealgumas experiências bem sucedidas do fabrico de vinhos de mesa branco e tinto.

São Jorge e o Arco de São Jorge, constituem um lugar único. A paisagem verdesalpicada de palheiros cobertos de colmo convida ao descanso. Estamos numaregião de agricultores que produzem vinho e vivem daquilo que a terra dá. Toda aatenção é dada a um sub-tipo da casta Malvasiam, que tem nas freguesias do Arco ede S. Jorge grande produção.

No Faial encontramos de novo numa região de vales e montanhas. As casastradicionais e palheiros coabitam nas encostas sobranceiras à ribeira. A agriculturaintensiva é dominada pelo vinho e árvores de fruto como a anoneira.

Nas demais localidades não se registam testemunhos evidentes da faina vitiviní-cola. Apenas no Porto Santo temos terras de vinha rasteira e o campo experimentalpara as castas de uva de mesa.

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Vinhedos no Estreitode Câmara de Lobos.

Colecção do autor.2002

Aspecto do Museu daMadeira Wine Company

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cola entre Janeiro e Julho. Os cestos, o lagar, a pren-sa, as medidas, o barril recriam a ambiência carac-terística da faina das vindimas. O borracho ou odreaviva a memória para os tempos idos da presençausual do borracheiro nos caminhos para o Funchal,sendo destronado pelo barril e o automóvel queacabaram por aliviar o esforço humano.

A passagem para o processo de vinificação revela-nos outro universo do mundo urbano. As empresasanicham-se na cidade tendo na retaguarda uma vastocomplexo. A oficina de tanoaria com as ferramentascaracterísticas que permitem que o tanoeiro trabalhea madeira com engenho e arte. Próximo, temos olaboratório, devidamente apetrechado de pipetas,alcoómetros, calorímetros, areómetros, ferrómetros,para poder-se apurar a qualidade do vinho.

A partir do repouso, tratamento e envelhecimentono armazém o vinho é encaminhado para os merca-dos de consumo. São vários os meios usados na con-dução do produto ao destinatário. A exportação agranel facilitou o escoamento, enquanto a garrafaobrigou a mais um esforço e à presença de novosinstrumentos. Ontem tivemos a maquinaria arte-sanal, separada por tarefas: máquinas de encher, cap-sular e rotular. Hoje são as modernas e automati-zadas linhas de enchimento.

As instalações do Instituto do Vinho da Madeiraevocam a História do vinho da Madeira. O imóvel foiconstruído pelo mercador de vinhos cônsul inglês,Henry Veitch, na primeira metade do século XIXpara servir de morada. Antes de chegar aos actuaisinquilinos foi a casa de vinhos de Izidro Gonçalves.Perante nós está um espaço fundamental da Históriado vinho da Madeira que não pode ser apagado.

As adegas de S. Francisco, onde se encontra insta-lada Madeira Wine Company e o museu, são um dosraros imóveis que irradia a tradição histórica dovinho. A ligação ao convento de S. Francisco doFunchal continua presente nas arcarias das caves. Doconjunto de peças disponíveis no museu merecereferência especial o lagar dos jesuítas do século

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 577

ais. As seculares técnicas de fabrico e as castas, apelidadas de nobres, deram-lhe osatributos tão apreciados. Qualquer olhar sobre o passado pode acontecer na con-vivência dos espaços museológicos, pátios e canteiros perfumados pelo aroma tãocaracterístico do vinho.

O Museu do Vinho da Madeira é um dos retratos vivos da história e tradição. AHistória afirma-se através da tradição oral ou escrita, dos materiais que ao longo dostempos a corporizaram. Para recriar a ambiência é necessário agarrar os restosmateriais e fazê-los reviver a labuta diária. O que para muitos é sinónimo de velhariaassume papel relevante, como o único elo de ligação aos momentos de esplendor.Tudo isto pode também ser entendido como forma de preito e homenagem a todosaqueles que lutaram pela afirmação da cultura e produto.

O percurso de retorno ao passado é fácil de conseguir perante tanta envolvência.O princípio foi dominado pela da madeira que deu corpo às latadas, ao lagar, àsmedidas e vasilhame de transporte e envelhecimento. Depois, foi a afirmação dosmetais, materializada nas prensas e lagares, medidas de cobre e folha, filtros, cubas.Finalmente chegou a tecnologia sofisticada em que todos os utensílios perderamimportância e foram devorados por outros mais universais e padronizados.

Todos os materiais que antes se usavam são hoje peças de museu e só podem serencontrados como tal. São eles que traçam a História e ciclo de vida do vinho daMadeira. A enxada, o podão, a máquina de sulfatar, o fole, documentam a faina vití-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX576

Lagares nos Museus da Ribeira Brava, Madeira Wine Company e IVM. Foto Duarte Gomes. 2001

Museu Etnográfico daRibeira Brava.

Fotografia de DuarteGomes. 2001

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XVIII, o único testemunho do fulgor económico da companhia de Jesusna ilha. Os jesuítas foram detentores de extensas áreas de vinha noFunchal e Quinta Grande. A imagem da Companhia de Jesus está liga-da à Fajã dos Padres e ao Malvasia aí produzido. Os painéis pintados dasala de provas por Max Romer e o arquivo de documentação das empre-sas familiares que se integraram na nova companhia criada no século XXsão uma das mais destacadas mais-valias.

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 579A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX578

Sede do IVM e do Museu do Vinho da Madeira. Foto Duarte Gomes. 2001

Edifício do actual IVM quando era sede de uma empresa de Vinhos.Fotographia Perestrellos. Museu de Photographia Vicentes.

Aspectos do IVM. Foto deCuarte Gomes. 2001

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vezes não está mais adequado e é destilado em aguardente….Todo o terreno não ocupado destes armazéns do Serrado está cultivado com vinhas colo-

cadas em corredores, entremeadas aqui e ali com um mangueiro, uma figueira ou anoneira.Além disso, vinhas em latadas cobrem todos os caminhos em frente aos vários armazéns,permitindo que os homens aí empregados estejam sempre debaixo de sombra. O primeiroarmazém que visitámos - um prédio comprido e estreito com cerca de trezentos pés de com-primento, com aberturas com grades quadradas ao longo da sua parte da frente para per-mitir a entrada livre de ar - pode conter seiscentas pipas, em filas triplas com duas camadascada. É usado para receber vinho em mosto, ou vinho acabado de fazer. Gerânios escarlatescom cerca de altura de um homem, estão colocados por cima de toda a sua parte da frente,e por baixo da larga cobertura das vinhas em latada - estendendo-se do telhado do armazématé ao do barracão em frente - são guardadas pipas vazias à espera de serem enchidas comvinho.

Os armazéns Estufa da Messrs. Cossart, Gordon and Co. compreendem um bloco de pré-dios com dois andares, divididos em quatro compartimentos diferentes. No primeiro destes,vinhos comuns são sujeitos a uma temperatura de 140 graus Fahrenheit - derivada de ser-pentinas aquecidas com carvão antracite - durante três meses.No compartimento seguinte,vinhos de uma qualidade intermédia são aquecidos até 130 graus por um período de quatromeses e meio; enquanto que o terceiro é deixado de parte para vinhos superiores, aqueci-dos de modo variado dos 110 aos 120 graus durante um período de seis meses. O quartocompartimento, conhecido como o Calor, não possui serpentinas, mas deriva o seu aqueci-

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 581

Messers. Cossart, Gordon and Co.

Os seus armazéns compreendem três conjuntos diferentes de prédios, conhecidosrespectivamente como os armazéns do Serrado, da Estufa e os armazéns «Pateo», todossituados a uma distância de cinco minutos uns dos outros.

O terreno onde fica os armazéns do Serrado possui quatro ou cinco acres, com armazénsde um único andar ocupando três dos seus lados, ficando a tanoaria no quarto lado. Aquiobservámos pipas a serem feitas precisamente do mesmo modo que o utilizado no Jerez,talvez com a excepção do cutelo que os homens manejam tão destramente ser um poucomais pesado e desajeitado do que o que é usado pelos seus irmãos da mesma confraria doJerez. Os tanoeiros do Funchal trabalham à peça e cada pipa, que certamente um artigo bemexecutado custa qualquer coisa como algumas libras. à volta da tanoaria havia pilhas de adu-elas de carvalho Americano, já preparadas ou em bruto, enquanto no centro do terreno haviabarracões onde as pipas são medidas, marcadas com ferro quente, escaldadas e submeti-das à acção do vapor de água, bem como alguns grandes reservatórios. O espaço vago entreos barracões e os armazéns está ocupado com filas de pipas de vários tamanhos, acabadasde vir da tanoaria, passando aqui por um período de habituação com água. Quando sito estáterminado, as pipas são transferidas para o armazém de Avinhar, sendo enchidas com vinhocomum, que permanece dentro delas durante dois ou três meses. Nestes armazéns há sem-pre em uso para este fim entre oitenta e cem pipas de vinho, o qual depois de usado muitas

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX580

Serrado de CossartGordon e Co.

Gravura de A. Vizetelly.1880

Aspecto doarmazém deCossart Gordon &Co. Gravura de A.Vizetelly. 1880

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portas interiores são revestidas com cal, de modo a fechar qualquer abertura que possahaver. Quando é necessário entrar na estufa, apenas as portas exteriores são abertas, e umpequeno alçapão nas portas interiores é empurrado para permitir a entrada do homemencarregado que passa por entre as diferentes pilhas de pipas batendo levemente numa aseguir à outra, para se assegurar de que não há derrame. Ao sair da estufa, depois de terficado uma hora, embrulha-se automaticamente num cobertor, bebe um copo cheio de vinho,e depois fecha-se num pequeno compartimento, no qual não entra ar frio, preparado paraesse fim. A Messrs. Cossart, Gordon and Co. normalmente coloca os seus vinhos na estufadurante os meses de Janeiro e Fevereiro, o que permite a remoção para outros armazénsantes de começar a próxima vindima. Durante o tempo em que estão na estufa, diminuemuns 10 a 15 por cento pela evaporação das suas partes aquosas.

Falta ainda falar dos armazéns Pateo. Estes ficam situados nas traseiras da casa da con-tabilidade da firma, onde todos os livros e documentos relacionados com as suas tran-sacções, desde o início do seu estabelecimento, são cuidadosamente preservados. Pas-sando por baixo de uma arcada e através de um campo estreito plantado com flores, entreas quais estão gerânios colocados ao nível das janelas do primeiro andar, entramos numpequeno armazém que forma uma espécie de antessala para os armazéns que se seguem.O primeiro destes possui vinho em barricas que contêm quatro pipas cada, em perfeitacondição para exportação, só precisando de ser trasfegado. Aqui provámos algumas espe-cialidades, incluindo um Branco seco, feito exclusivamente de uva verdelho, o qual, tendo fer-mentado perfeitamente, possui todas as qualidades de um Madeira seco; excepcionalmentebom; também um Sercial da Ponta do Pargo, da vindima de 1865, excessivamente seco e desabor perfeito, e ligeiramente pálido. No armazém por cima havia vinhos de diferentes quali-dades e idades, incluindo um Palhetinho, ou vinho amarelo claro, de sabor delicado e comum excelente aroma; também alguns vinhos ainda mais pálidos, com o cognome Yankee deágua da Chuva da Madeira devido à sua suavidade e delicadeza excepcionais. Aqui estavatambém armazenado um vinho de 1863 - um Vinho do Sol, como era chamado, por teramadurecido pela exposição ao sol e nunca ter passado pela estufa - e finalmente um páli-do e delicado Malvasia da vindima do ano anterior, com um aroma muito intenso, que prome-tia tornar-se um vinho de qualidade singularmente especial.

No armazém de «Vinhos Velhíssimos» - o rés-do-chão do prédio no lado sul do pátio -havia algumas grandes pipas, contendo vinho de reserva de muita idade e numerosas «sole-ras», incluindo um Câmara de Lobos, cuja origem data de 1844 - um poderoso vinho de corprofunda e de sabor muito delicado - sendo novamente enchidas de tempos em tempos comvinho da qualidade de uva bastardo. Uma «solera» de são Martinho, datado de 1843, apre-sentava um vinho suave, de qualidade especial, com um excelente aroma, enquanto queuma «solera» Boal do ano de 1832 mostrou ser de sabor excepcionalmente delicado. Haviatambém algumas soleras Malvasia, respectivamente dos anos de 1835 e 1850, a primeiradas quais tinha todas as qualidades de um licor de selecção; juntamente com uma pipa devinho Verdelho do ano de 1851, que nunca tinha sido exposto ao calor artificial: um perfeitovinho maduro, da qualidade mais elevada. No fim deste armazém «solera» há um armazémque contém Surdo ou vinho doce e Vinho Concertado ou mosto fervido, tornado mais finopela adição de qualquer vinho vulgar, e que, como o «Jerez vino dulce» e «vino de color»são usados para dar sabor e cor a vinhos de qualidade inferior. Continuando pela passagemem arco que conduz ao pequeno jardim cultivado com bananeiras, roseiras e gerânios e comvinhas colocadas em corredores por cima dos caminhos, chegámos a outro armazém con-tendo vinho dos anos de 1874 e 1875, do lado norte da ilha, os quais, sem a alta qualidadedo verdadeiro Madeira, são suaves e agradáveis como bebidas, e são exportados ao queparece ser um preço muito moderado. Só nos seus armazéns Pateo, a Messers. Cossart,Gordon and Co. tinha para cima de duas mil pipas de vinho, das quais treze centenasestavam em condições de serem exportadas.

Henry Vizetelly.1880

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 583

mento exclusivamente dos compartimentos adjacentes, variando entre 90 e 100 graus; e aquisão colocados apenas vinhos de alta qualidade. O objectivo deste aquecimento do vinhodestruir quaisquer germes de fermentação que permaneçam nele, e amadurecê-lo mais rapi-damente de modo a que possa ser exportado no seu segundo ou terceiro ano sem outraadição de álcool. O uso destas estufas na Madeira data do início do presente século e amaior parte do vinho passa por este ou por um modo semelhante de tratamento antes de serexportado. Estas estufas artificialmente aquecidas são apenas usadas pelas maiores casasde exportação, que, no entanto, aquecem aí vinho para outros exportadores a uma taxaestipulada. Outros conseguem o objectivo desejado, colocando os seus vinhos numa espé-cie de estufa, onde permanecem expostos ao calor total do sol. Durante o dia, é asseguradauma temperatura de 120 a 130 graus, que, no entanto, se torna consideravelmente maisbaixa durante a noite - uma circunstância que é observada por muitos como prejudicial parao desenvolvimento to do vinho. Nas freguesias do campo, onde não existe qualquer forma deestufas, os proprietários de vinho colocam as barricas ao ar livre em posições favoráveis paraassegurar uma acção completa dos raios de sol. …

Nas estufas que estou agora a descrever - que, se cheias, são capazes de aquecer 1.600pipas de vinho de uma vez - as pipas são colocadas de pé, em pilhas de quatro, com pipasmais pequenas por cima, deixando-se uma estreita passagem entre as diferentes pilhas parapermitir a passagem de um homem para se assegurar de que as pipas não vertem, poisquando sujeitas a elevada temperatura têm tendência natural para o fazer. Um buraco comcerca de um sexto de polegada de diâmetro foi previamente feito no batoque de cada pipapara permitir que o vapor quente saia, caso contrário a pipa

rebentaria. Na realidade, as pipas, não pouco frequentemente, vertem, como depreen-demos das numerosas manchas escuras em várias partes do chão, tornando necessário queos diferentes compartimentos da estufa sejam inspeccionados uma vez durante o dia e umavez durante a noite, de modo que qualquer acidente deste tipo seja imediatamente rectifica-do. Cada compartimento possui alçapões duplos, e depois de serem enchidos com vinho as

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX582

Pateo do armazém

Arquivo da empresa Cossart Gordon & Co.

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Índice de quadros

11.. NNOO TTEEXXTTOO

11..11.. DDAA VVIINNHHAA AAOO VVIINNHHOO

• AS TERRAS DE COLONIA DA FAMÍLIA DE AGOSTINHO ORNELLAS E VASCONCELLOS............................................................................76

• TERRAS DE VINHA FOREIRAS DO CONVENTO DE SANTA CLARA - 1644 ................................89• ADEGAS DO CONVENTO DE SANTA CLARA AO LONGO DA COSTA........................................90• CUSTO DAS VIDEIRAS.1692-1782..............................................................................................................92• INVESTIMENTOS DOS COLONOS NAS VINHAS.1692-1782 ..............................................................93• CASTAS DO VINHO MADEIRA AO LONGO DA HISTÓRIA...........................................................103• PRODUÇÃO SEGUNDO AS CASTAS. 1849-1850...................................................................................109• EVOLUÇÃO DAS CASTAS EUROPEIAS E AMERICANAS.1935-39 ...................................................109• EVOLUÇÃO DAS CASTAS EUROPEIAS E AMERICANAS.1951-2002................................................110• QUADRO EVOLUTIVO DAS DIVERSAS CASTAS. 1925-2001 ............................................................111• VALOR DAS PERDAS.................................................................................................................................129• SITUAÇÃO DAS VINDIMAS. 1695-1983 ..................................................................................................145• LAGAR E CASA-CUSTOS(1650-1782) .......................................................................................................150• PRODUÇÃO DE MOSTO POR CONCELHO 1787-1887(EM HECTOLITROS) ...............................169• PRODUÇÃO DE VINHO EM HECTOLITROS......................................................................................171• PRODUÇÃO POR CONCELHOS-1851-1852 ............................................................................................174• PRODUÇÃO DE MOSTO POR CASTAS. 1935-39..................................................................................175• PRODUÇÃO.1935-2002................................................................................................................................176• SUBSÍDIO LITERÁRIO.1793-1834 ............................................................................................................184• PREÇO DO MOSTO.1620-1667..................................................................................................................189• PREÇO DO MOSTO POR LOCALIDADE DE ACORDO COM A CASTA.1839-1848.....................189• PREÇO DO MOSTO POR FREGUESIA.1821-1852 ................................................................................190• PREÇO DO MOSTO EM MACHICO. 1699-1863....................................................................................192• IMPORTAÇÃO DE MATERAIS DE TANOARIA- 1819-28 ....................................................................200• PREÇO DE VENDA AO PUBLICO DOS MATERIAIS DE TANOARIA.1836-1838 ..........................201• PREÇO DO VASILHAME. 1884-1740........................................................................................................203• REGISTO DE SAÍDA DE VINHO DA RODA. 1823-1830......................................................................232• ESTUFAS EM FUNCIONAMENTO1805-2002 ........................................................................................240• LOCALIZAÇÃO DAS ESTUFAS 1805-1872..............................................................................................241• RELAÇÃO DO VINHO ESTUFADO COM A PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO.1805-1872 ..............244• RENDIMENTO DAS ESTUFAS (VALOR EM RÉIS)..............................................................................247• COMÉRCIO DA MADEIRA COM A INGLATERRA.1699-1783...........................................................297• RECEITA DA RENDA DA IMPOSIÇÃO DO VINHO. 1775-1834.........................................................313• RENDIMENTOS REAIS EM PIPAS.1780-1799 ........................................................................................320• EXPORTAÇÃO DE VINHO PARA AS COLÓNIAS.1572-169565 .........................................................342• EMBARQUE DE VINHO PARA GASTOS.1843.1888.............................................................................341• EXPORTAÇÃO DE VINHO NO PORTO DO FUNCHAL.1699 ..........................................................347• EXPORTAÇÃO DE VINHO.1696-1714......................................................................................................349• PREÇO E DIREITOS DA PIPA DE EXPORTAÇÃO.1650.1699 ............................................................365• DIREITOS DE SAÍDA NA ALFÂNDEGA DO FUNCHAL.1775-1820 ..................................................365• EXPORTAÇÃO DE VINHO. 1780-1799 ....................................................................................................375• EXPORTAÇÃO DE VINHO EM HL.1913-1926 .......................................................................................384• EXPORTAÇÃO DE VINHO EM %.1939.1988..........................................................................................385• EXPORTAÇÃO EM HECTOLITROS.1861-1988 .....................................................................................386• MERCADOS DO VINHO MADEIRA (em hectolitros)1984-2000 ...........................................................387• IMPORTAÇÃO DE VINHO NA INGLATERRA EM TONÉIS DE 252 GALÕES.............................392• SITUAÇÃO DO VINHO MADEIRA NO MERCADO LONDRINO EM GALÕES...........................393

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX584

• PREÇOS DA PIPA DE VINHO DO LONDON PARTICULAR EM LIBRAS.....................................398• RECEITA DA FEITORIA BRITÂNICA.1774-1811 ...................................................................................404• MERCADORES DE VINHO.1722-1880 .....................................................................................................416• EXPORTAÇÃO DE VINHO 1900-1905 EM PIPAS.1900-1905................................................................425

22.. EEMM AANNEEXXOO

• Movimento de produção de vinho(em hectolitros) .......................................................................................2901 – Movimento de Exportação de Vinho (1560-2002)......................................................................................4702 – Movimento de Exportação de Vinho por Meses 1789-1801.......................................................................4743 – Vinho Exportado e a Nacionalidade dos Navios 1784-1824 ......................................................................4844 – Movimento de Exportação de Vinho por Mercadores (1823-1830) ..........................................................4935 - Mercadores – Vinho Exportado (1823-30) Gouph & Hollway Cª .............................................................4946 – Mercadores – Vinho Exportado – Guilherme Tindlay ..............................................................................4967 – Mercadores – Vinho Exportado – Rutherport & Grani .............................................................................4988 – Mercadores – Vinho Exportado – Newton Gordon Murdoch & Scott .....................................................5009 – Mercadores – Vinho Exportado – George Stoddarte.................................................................................5021o – Mercadores – Vinho Exportado – João Cairns ........................................................................................50411 – Mercadores - Vinho Exportado – Diogo Bran ........................................................................................50612 – Mercadores – Vinho Exportado – Phelps Page & Cº...............................................................................50813 – Mercadores – Vinho Exportado – Murdoch Guille Wardrop & Cª.........................................................51014 – Mercadores – Vinho Exportado – José Caetano Jardim...........................................................................51015 – Mercadores – Vinho Exportado – Manuel de Santa Anna Vasconcelos..................................................51116 – Mercadores – Vinho Exportado – Diogo Taylor ....................................................................................51217 – Mercadores – Vinho Exportado – João Blandy ........................................................................................51318 – Mercadores – Vinho Exportado – João Winter Bolton ..........................................................................51319 – Mercadores – Vinho Exportado – Francisco March.................................................................................51320 – Mercadores – Vinho Exportado – Philip Noailles Searle .........................................................................51421 – Mercadores – Vinho Exportado – Leacock Harris & Cª..........................................................................51522 – Mercadores – Vinho Exportado – João Oliveira & Cª .............................................................................51623 – Mercadores – Vinho Exportado – Scott Pringle Weith & Cª ...................................................................51824 – Mercadores – Vinho Exportado – Richard Dovber..................................................................................51925 – Mercadores – Vinho Exportado – Henry H. Temple..............................................................................52026 – Exportação do Vinho – 1831.....................................................................................................................52227 – Exportação do Vinho – 1832 ....................................................................................................................52328 – Exportação do Vinho – 1833 ....................................................................................................................52429 - Exportação do Vinho - 1834 .....................................................................................................................52630 – Movimento de Exportação – Áreas (1831-50)...........................................................................................52731 – Movimento de Exportação de Vinho – 1843-1888 ...................................................................................52832 – Movimento de Exportação – 1850 ............................................................................................................53033 – Movimento de Exportação – Áreas (1831-50)...........................................................................................53134 – Exportação de Vinho – Alguns Destinos (1865-1970)..............................................................................53235 – Exportação de Vinho - 1984-2002.............................................................................................................534

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 585