Avaliatividade

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LINGUAGEM E AVALIATIVIDADE: UMA RELAÇÃO DIALÓGICA Sara Regina Scotta Cabral (ULBRA) RESUMO: Martin e White (2005) desenvolveram a Teoria da ( Appraisal System), que diz respeito à metafunção interpessoal da linguagem, e instanciada por sentidos de Atitude, Engajamento e Gradação nos eventos comunicativos. Com este artigo pretendemos fazer uma breve introdução de alguns conceitos dessa teoria, de modo a ser usada como um texto inicial para aqueles que desejam estudar os sentidos pelos quais a linguagem expressa julgamentos, afeição, concordância ou rejeição ao mundo, aos seres, aos comportamentos e mesmo às idéias de outrem. Após apresentarmos os principais conceitos da Teoria da Avaliatividade, analisamos um pequeno texto, a título de exemplo. Os resultados podem ajudar a compreender como as opiniões e emoções são instanciadas em um texto. PALAVRAS-CHAVE: gramática sistêmico-funcional, metafunção interpessoal. INTRODUÇÃO A linguagem possibilita um número muito grande de recursos através dos quais a opinião pode ser expressa em termos de emoção, atitude, certeza ou dúvida. Biber et al. (1999, p. 996) afirmam que, “além do conteúdo proposicional comunicativo, falantes e escritores também expressam sentimentos, atitudes, julgamentos, avaliações; ou seja, eles expressam uma opinião”. Esses significados, uma vez que escapam à metafunção experiencial, envolvem mais diretamente a metafunção interpessoal (HALLIDAY, 1994). Tendo em vista tal constatação, Jim Martin, professor da universidade de Sydney, e Peter White, especialista em discurso midiático, desenvolveram, nos anos 90, uma teoria Appraisal System -, baseada na semântica do discurso. No Brasil, a teoria tem sido chamada por alguns de “teoria da da ”. Este artigo tem por objetivo apresentar alguns conceitos importantes da Teoria da Avaliatividade e, desse modo, servir de ponto de partida àqueles interessados em examinar mais detidamente os pressupostos. Para tal, inicialmente situamos os estudos de Avaliatividade dentro da gramática sistêmico-funcional e apresentamos um breve histórico das pesquisas de onde

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LINGUAGEM E AVALIATIVIDADE: UMA RELAÇÃO DIALÓGICA

Sara Regina Scotta Cabral (ULBRA)

RESUMO: Martin e White (2005) desenvolveram a Teoria da (Appraisal System), que

diz respeito à metafunção interpessoal da linguagem, e instanciada por sentidos de

Atitude, Engajamento e Gradação nos eventos comunicativos. Com este artigo

pretendemos fazer uma breve introdução de alguns conceitos dessa teoria, de modo a

ser usada como um texto inicial para aqueles que desejam estudar os sentidos pelos

quais a linguagem expressa julgamentos, afeição, concordância ou rejeição ao mundo,

aos seres, aos comportamentos e mesmo às idéias de outrem. Após apresentarmos

os principais conceitos da Teoria da Avaliatividade, analisamos um pequeno texto, a

título de exemplo. Os resultados podem ajudar a compreender como as opiniões e

emoções são instanciadas em um texto.

PALAVRAS-CHAVE: gramática sistêmico-funcional, metafunção interpessoal.

INTRODUÇÃO

A linguagem possibilita um número muito grande de recursos através

dos quais a opinião pode ser expressa em termos de emoção, atitude, certeza

ou dúvida. Biber et al. (1999, p. 996) afirmam que, “além do conteúdo

proposicional comunicativo, falantes e escritores também expressam

sentimentos, atitudes, julgamentos, avaliações; ou seja, eles expressam uma

opinião”. Esses significados, uma vez que escapam à metafunção experiencial,

envolvem mais diretamente a metafunção interpessoal (HALLIDAY, 1994).

Tendo em vista tal constatação, Jim Martin, professor da universidade

de Sydney, e Peter White, especialista em discurso midiático, desenvolveram,

nos anos 90, uma teoria – Appraisal System -, baseada na semântica do

discurso. No Brasil, a teoria tem sido chamada por alguns de “teoria da da ”.

Este artigo tem por objetivo apresentar alguns conceitos importantes da

Teoria da Avaliatividade e, desse modo, servir de ponto de partida àqueles

interessados em examinar mais detidamente os pressupostos. Para tal,

inicialmente situamos os estudos de Avaliatividade dentro da gramática

sistêmico-funcional e apresentamos um breve histórico das pesquisas de onde

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derivou a teoria de Martin e White (2005). Logo após, localizamos a

Avaliatividade no campo da semântica do discurso e apontamos as áreas nas

quais incidem os marcadores de avaliação. Por fim, fazemos uma pequena

análise de um texto jornalístico, de autoria de Ilimar Franco e publicado no

jornal O Globo, em 2004, a título de exemplificação.

REVISANDO OS ESTUDOS INICIAIS SOBRE AVALIATIVIDADE

Ao pensarmos em “avaliação” como um termo de sentido amplo que

cobre uma larga área de investigação em linguagem, um número significativo

de pesquisas tem desenvolvido abordagens nessa direção: estudos sobre afeto

(OCHS, 19891; OCHS e SCHIEFFLEN, 1989; HAVILAND, 1989; BESNIER,

1989; BIBER e FINEGAN, 1989; THOMPSON E HUNSTON, 1999), estudos

sobre evidencialidade (HAVILAND, 1989; BIBER E FINEGAN, 1989; CHAFE e

NICHOLS, 1986; PRECHT, 2003), opinião (PRECHT, 2003, 2007; WHITE,

2003) e modalidade (HALLIDAY, 1994; WHITE, 2003).

Biber et al. (1999) apontam o posicionamento (stance) como a

expressão de emoções, atitudes, julgamentos de valor e avaliações. Esse

conceito tem sido caracterizado por White (2003) como a voz do falante ou do

escritor, o que lhe atribui uma forte natureza dialógica. Já para Precht (2007),

os posicionamentos são usados para comunicar informações extraconceituais.

Pesquisa realizada por Precht (2003) revelou que os modos de

expressar o posicionamento – evidencialidade e afeto – estão intimamente

relacionados a fatores culturais, e emitir uma opinião torna-se um ato de

socialização. Apesar de a linguagem permitir um número ilimitado de opções

para exprimir a opinião, as pessoas são “culturalmente programadas para usar

um conjunto muito limitado, muito específico dessas opções” (p. 240), cuja

expressão também é ajustada ao contexto e à audiência.

1 Duas revistas constituem importantes publicações em relação aos estudos que derivaram a Teoria da

Avaliatividade: o primeiro é o volume 9 da revista Text (1989), editado por Eleanor Ochs, intitulado “The

pragmatics of affect”. O segundo foi editado por Macken-Horarik e pelo próprio Jim Martin, e se intitula

“Negotiating heteroglossia: social perspectives on evaluation” – revista Text, v. 23 (2), p. 171-181, 2003.

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Thompson e Hunston (1999) defendem que, lexicalmente, os itens que

claramente revelam a avaliação do autor são adjetivos, advérbios, nomes e

verbos. Muitos nomes e adjetivos são usados para descrever pessoas, coisas

ou situações e, ao mesmo tempo em que revelam informações, também

revelam aprovação ou desaprovação por parte do escritor (por exemplo,

execução, assassinato, tragédia, barbárie; assassino, bárbaro, matador).

Ao utilizarmos programas de computador na análise de corpora

variados, a ferramenta “concordância” pode estabelecer contextos de avaliação

positiva ou negativa em que tais vocábulos estão presentes – é a prosódia

semântica. A prosódia semântica é definida por Channell como um fenômeno

de co-ocorrência (ou colocacional) em que “uma palavra ou sintagma pode

ocorrer mais freqüentemente no contexto com outras palavras ou sintagmas,

que são predominantemente positivos ou negativos em sua orientação

avaliativa” (CHANNELL, 1999, p. 38).

Na seqüência de publicações sobre a avaliação na linguagem, está a

obra de Martin e White, de 2005, que se desenvolveu no interior da gramática

sistêmico-funcional de base hallidayana. Os autores propõem trabalhar com o

termo superordenado avaliatividade, para reunir os conceitos de atitude,

engajamento e gradação (a serem discutidos), denominado em inglês

appraisal.

SITUANDO A TEORIA DA AVALIATIVIDADE

Martin e White (2005) perceberam que apenas os itens

lexicogramaticais por si só nem sempre dão conta de todos os significados de

um texto em um determinado contexto. Os autores observaram que, muitas

vezes, é necessário que se analise a relação que tais itens mantêm entre si em

um texto, de modo que o foco da análise incida sobre porções maiores da

oração, especialmente na combinação que apresentam entre si. Por exemplo,

nem sempre o julgamento do locutor se expressa através de adjetivos, como

em “O político é idôneo”, mas muitas vezes através de processos (“O político

agrediu o repórter”) ou mesmo através da colocação dos termos na oração (“O

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político disse que o candidato adversário não podia competir com ele em

idoneidade”).

A partir daí, foi necessário eleger uma instanciação maior para a

análise dos aspectos avaliativos presentes em qualquer evento comunicativo.

Martin e White (2005) propõem um sistema – Appraisal System -, localizado em

um terceiro ciclo de codificação – a Semântica do Discurso (Figura 1). Os

autores argumentam que é possível encontrar, no texto, elementos que

comprovem sentimentos e valores “postos” de uma comunidade, de modo a

demonstrar emoções, gostos e avaliações normativas. Assim, valorar diz

respeito a usar a modalidade epistêmica, a evidencialidade e a intensificação.

negociação

semântica do discurso envolvimento avaliatividade

lexicogramática

fonologia/grafologia Fonte: Martin e White, 2005 (adaptado)

Figura 1 – Os ciclos de codificação da linguagem

A Avaliatividade, segundo Martin e White (2005, p. 33), complementa a

negociação entre os participantes, ao enfocar aspectos interativos do discurso,

funções de fala e estrutura de troca. A negociação diz respeito a proposições

ou a propostas (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004)

utilizadas pelos participantes. Já o envolvimento, terceiro aspecto da

Semântica do Discurso, complementa a Avaliatividade “ao enfocar recursos

não-graduáveis para negociar as relações interpessoais”, especialmente a

solidariedade (ex.: interjeições, recursos lexicais que sinalizam afiliação a

grupos, gírias, linguagem técnica, etc.).

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A Teoria da Avaliatividade (Appraisal), construída por pesquisadores da

Escola de Sydney, tem sua afiliação teórica no construcionismo social de Harré

(1998)2 e nas perspectivas transculturais da avaliação (LUTZ E ABU-LUGHOD,

1990)3. Valorar através da linguagem, para Martin e White (2005 e

www.grammatics.com/appraisal) cumpre três funções principais:

demonstrar o posicionamento atitudinal do autor/falante frente a

comportamentos e eventos/coisas concretas, através do elogio ou da

censura;

expor, através da aceitação do posicionamento de outrem ou mesmo da

contraposição a ele (procedimentos de ordem intertextual), seu próprio

posicionamento, ou mesmo manter-se neutro;

explicitar os recursos dialógicos utilizados para estabelecer as relações

interpessoais entre autor e leitor, através da antecipação ou da resposta

a indagações do leitor/ouvinte.

Como os objetivos da Teoria da Avaliatividade surgem da relação

existente entre os participantes do evento comunicativo e da manifestação da

opinião, do sentimento, do posicionamento do locutor em relação ao outro, aos

fatos, aos objetos do mundo, ao estado de coisas, Martin e White situam-na

como um sistema que tem sua origem dentro da metafunção interpessoal.

EXPONDO A TEORIA DA AVALIATIVIDADE

O sistema proposto por Martin e White (2005) é bastante complexo e

abrange três subsistemas, que são posteriormente também subdivididos: (1)

Atitude, (2) Engajamento e (3) Gradação. A Atitude diz respeito a sentimentos e

a julgamentos que o locutor faz em relação ao mundo que o cerca. O

Engajamento refere-se à adesão ou não do autor ao dizer do outro e a

Gradação tem a ver com a intensificação ou a mitigação dos significados

manifestados nos outros dois subsistemas.

2 Rom Harré, representante da Psicologia Discursiva, ramo da Psicologia Social, publicou a obra The

singular self: an introduction to the psychogy of personhood (1998), demarcando sua afiliação ao

construcionismo social. 3 Catherine Lutz é antropóloga. Juntamente com Abu-Lughod, organizou uma coletânea de concepção

euro-americana, (Language and the politics of emotions, 1990) sobre as emoções (etnopsicologia) em que

a oposição-chave se realiza entre emoção e pensamento.

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(1) Atitude

A Atitude é dividida em três regiões de significado: Afeto, Julgamento e

Apreciação. O Afeto diz respeito a sentimentos positivos e negativos que

demonstramos através da linguagem. Lexicogramaticalmente, pode manifestar-

se através de atributos (“feliz”, “abatido”), de processos mentais ou

comportamentais (“entristecer”, “chorar”) e mesmo através de

circunstancializadores (“felizmente”, “agradavelmente”).

O Julgamento refere-se a posições adotadas em relação ao

comportamento de pessoas. A aprovação ou a reprovação da atitude de

outrem pode situar-se em uma das duas categorias: a Estima Social e a

Sanção Social. A Estima Social diz respeito às relações cotidianas entre as

pessoas, e se realiza em termos de comportamentos de normalidade (quão

freqüente um comportamento é), capacidade (quão capaz uma pessoa é) e

tenacidade (quão persistente ou resoluto alguém é). Tais julgamentos são

comuns em fofocas, conversas informais, piadas, narrativas do dia-a-dia, e são

evidentes na linguagem oral. A Sanção Social, pelo contrário, tem a ver com

normas e padrões rígidos estabelecidos nos grupos, geralmente fixados por

legislação, preceitos morais ou religiosos. Diz respeito a veracidade (quão

verdadeiro ou confiável alguém é) e a propriedade (quão ético alguém é).

A Apreciação difere do Julgamento na medida em que se refere a

opiniões quanto a objetos, instrumentos, produtos ou mesmo elementos

naturais, sob o ponto de vista da estética, da composição ou do valor (“bonito”,

“simétrico”, “valioso”).

(2) Engajamento

Martin e White (2005) baseiam o Engajamento nos conceitos

bakhtinianos de dialogia (BAKHTIN, 1999) e heteroglossia4, pelos quais toda a

4 A heteroglossia é definida por Bakhtin (1981, p. 428) como “a condição básica que governa a operação

de sentido em qualquer uso da linguagem. É o que concede a primazia do contexto sobre o texto”. Para

Bakhtin, uma linguagem é sempre uma imagem criada pelo ponto de vista de outra linguagem. É por esse

viés que se pode falar em heteroglossia e, conseqüentemente, em dialogia de linguagens. O discurso

alheio, ao integrar a cadeia discursiva, é reprocessado, provocando deslocamentos, mas não pode ser

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comunicação verbal é dialógica na medida em que falar ou escrever sempre é

feito para revelar a influência de outrem, referir-se a ele, ou indicar de alguma

maneira o que foi dito ou escrito anteriormente. Além disso, a comunicação

verbal antecipa simultaneamente as respostas dos atuais, potenciais ou

imaginados leitores.

O Engajamento pode realizar-se através de duas formas: (a) pela

expansão dialógica ou (b) pela contração dialógica. Através da expansão

dialógica, o locutor demonstra adesão à(s) outra(s) voz(es) presente(s) no

texto, ao passo que, através da contração, ele fecha o espaço dialógico para

outras posições.

A expansão dialógica (a) pode, ainda, realizar-se através de dois

subsistemas: Entretenimento e Atribuição. Como Entretenimento, os autores

definem a voz do locutor como uma dentre as demais vozes, a elas misturada,

presentes no texto. A modalidade é o recurso gramatical mais usado neste

caso. Como Atribuição, Martin e White (2005) apontam a indicação da voz do

outro no texto do autor, de modo a interagir (Conhecimento; por exemplo:

“dizer”, “acreditar”, “de acordo com”) ou a se distanciar (Distanciamento; por

exemplo: “dizem que”, “X solicita que”) do que o outro diz.

Já a contração dialógica também apresenta dois significados: a

Discordância e a Proclamação. Ao discordar, o produtor do texto claramante

nega ou se opõe à voz do outro, enquanto que, ao proclamar, isso acontece de

forma indireta. Dois subsistemas fazem parte da Discordância: a Negação e a

Contra-Argumentação. Na primeira, a opinião do locutor se opõe à da voz

citada, ou negando-a, em caso de ela ser positiva, ou positivando-a, em caso

de ela ser negativa. Na Contra-Argumentação, prevalece a noção de

concessão, em que itens lexicogramaticais como “embora”, “mas”, “apesar de”

são freqüentes.

A Proclamação, por sua vez, realiza-se através da concordância (o autor

demonstra concordar com a proposição a ser projetada: “naturalmente”,

“obviamente”), do endossamento (a proposição do outro é considerada válida

ou correta; por exemplo: “X tem demonstrado que”, “X tem mostrado que”) e do ignorado como discurso do outro, “tal como a bivocalidade da palavra alheia incorporada” (MACHADO,

2005, p. 162). O discurso alheio passa a ter, assim, uma dupla expressividade – a alheia e a do enunciado.

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pronunciamento (há ênfase ou intervenção explícitas do autor na proposição de

outrem; por exemplo: “não há dúvida de que”, “a verdade é que”).

(3) Gradação

O terceiro subsistema – a Gradação – refere-se à forma de

intensificação ou mitigação dos significados experienciais apresentados nos

dois primeiros sistemas. O locutor, aqui, utiliza escalas de avaliação, em

termos de tamanho, força, vigor, etc. Dois eixos compõem a Gradação: a Força

e o Foco.

A Força refere-se a categorias que indicam intensidade ou quantidade e

realiza-se através de itens lexicais que denotam intensificação (“muito”, “mais”,

“menos”, “bastante”, “pouco”, etc.) ou que denotam quantificação (“poucos”,

“vários”, “uma grande quantidade de”, etc.). O Foco diz respeito a categorias

não passíveis de graduação e se referem à classificação prototípica dos seres

ou comportamentos. Instancia-se em termos de precisão, em que a

participação em uma categoria é reforçada (“real”, “típico”), e em termos de

mitigação (“um tipo de”, “uma espécie de”), em que a participação em uma

categoria é abrandada.

APLICANDO A TEORIA DA AVALIATIVIDADE

Dentre os variados gêneros textuais de que os grupos humanos fazem

uso, encontram-se alguns que apresentam mais evidências de Avaliatividade

que outros, como é o caso das colunas de opinião presente nos jornais e nas

revistas.

A fim de aplicarmos os conceitos de Martin e White (2005), escolhemos

um pequeno texto, para amostragem, escrito por Ilimar Franco em sua coluna

de O Globo, e publicado em 10 de maio de 2004, por ocasião do episódio Larry

Rohter5. Inicialmente apresentamos o texto escolhido e, logo após, indicamos,

5 O “episódio Larry Rohter” assim ficou conhecido em virtude de uma reportagem publicada pelo

jornalista americano no The New York Times, em 09 de maio de 2004, sugerindo que o Presidente

brasileiro, sr. Luís Inácio Lula da Silva, possuía hábitos etílicos, o que estaria comprometendo a

governabilidade do país. A íntegra da reportagem pode ser lida em

http://www.nytimes.com/2004/05/09/international/americas/09lula.html.

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através de sublinhas, as ocorrências de Atitude (uma linha), Engajamento

(duas linhas) e Gradação (pontilhados) utilizadas pelo autor do texto.

Gushiken reage ao “New York Times” Ilimar Franco

É grande o mal-estar no governo com a reportagem do jornal americano

“Hábito de beber do líder brasileiro torna-se preocupação nacional”. O assunto

foi tratado, na noite de sábado, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo

secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, pelo ministro da Coordenação

Política, Aldo Rebelo e pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na festa de

aniversário do secretário de Comunicação, Luiz Gushiken. A reportagem

azedou a festa.

Ontem, Gushiken não poupava críticas à reportagem, qualificando-a de

“leviana”, “irresponsável” e afirmando que ela se situa “nas fronteiras da

calúnia e da difamação”. — O jornalista reproduz, ao construir sua versão, a

leitura de conhecida coluna semanal (cuja natureza é de não considerar o rigor

factual, e sim a livre opinião do autor), antigas declarações de um político

adversário do atual governo e insinuações veiculadas num tipo de colunismo

no qual o jornalismo presta-se a servir interesses pouco claros e alimentar

fofocas. (O Globo, 10.05.2004)

Sentença 1. É grande o mal-estar no governo com a reportagem do jornal

americano “Hábito de beber do líder brasileiro torna-se preocupação nacional”.

Marcas:

- grande: Gradação: Força: intensificação

- o mal-estar: Atitude: Afeto negativo

Sentenças 2 e 3. O assunto foi tratado, na noite de sábado, pelo presidente

Luiz Inácio Lula da Silva, pelo secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, pelo

ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo e pelo ministro da Fazenda,

Antonio Palocci, na festa de aniversário do secretário de Comunicação, Luiz

Gushiken. A reportagem azedou a festa.

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Marcas:

- azedou: Atitude: Afeto negativo

Sentença 4: Ontem, Gushiken não poupava críticas à reportagem,

qualificando-a de “leviana”, “irresponsável” e afirmando que ela se situa “nas

fronteiras da calúnia e da difamação”.

Marcas:

- não poupava críticas: Gradação: Força: intensificação

- “leviana”, “irresponsável”: Atitude: Apreciação negativa

- afirmando: Engajamento: expansão: atribuição: conhecimento

- “nas fronteiras da calúnia e da difamação”: Atitude: Julgamento: veracidade e

propriedade

Sentença 5: — O jornalista reproduz, ao construir sua versão, a leitura de

conhecida coluna semanal (cuja natureza é de não considerar o rigor factual, e

sim a livre opinião do autor), antigas declarações de um político adversário do

atual governo e insinuações veiculadas num tipo de colunismo no qual o

jornalismo presta-se a servir interesses pouco claros e alimentar fofocas.

Marcas:

- reproduz: Atitude: Julgamento: propriedade

- conhecida: Atitude: Apreciação negativa

- cuja natureza é de não considerar o rigor factual, e sim a livre opinião do

autor: Engaja-

mento: contração: discordância: contra-argumentação

- adversário: Atitude: Julgamento: tenacidade

- insinuações: Atitude: Julgamento: propriedade

- num tipo de colunismo no qual o jornalismo presta-se a servir interesses

pouco claros e alimentar fofocas: Atitude: Julgamento: propriedade

Pela análise realizada acima, podemos observar que o autor do texto se

constrói como alguém que se coloca na posição de observador dos

acontecimentos (“azedou a festa”). Ao mesmo tempo, critica a reportagem do

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jornalista Larry Rohter (usa Apreciação negativa), comparando o texto do

americano com os comentários de outro colunista (provavelmente Cláudio

Humberto, crítico feroz do governo Lula). Ilimar Franco, ao utilizar mais os

valores de Atitude, especialmente os de Julgamento negativo, busca um leitor

que concorde com o conteúdo opinativo do texto e, desse modo, proceda à

adesão de sua tese.

CONCLUSÃO

Pretendemos, neste artigo, apresentar os principais pressupostos da

Teoria da Avaliatividade de Martin e White (2005). Além de situarmos a teoria

dentro na gramática sistêmico-funcional de Halliday (1994) e Halliday e

Mathiessen (2004), apresentamos um pequeno histórico dos estudos iniciais de

avaliação. Por fim, utilizamo-nos de um exemplo, de modo a operacionalizar a

teoria em textos que circulam no cotidiano.

Concluindo, podemos afirmar que, devido à complexidade da teoria ora

em questão, muito há ainda que se pesquisar. A recência do tema e as

investigações realizadas até então dificultam uma análise mais criteriosa e

mais conclusiva em termos de Avaliatividade através da linguagem. Certo é

que a teoria tem despertado o interesse da comunidade acadêmica, tendo em

vista a gama de possibilidades de pesquisas que pode propiciar em gramática

sistêmico-funcional.

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