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Introdução (Sonia R. Ramos) Dados mundiais, de vários estudos, mostram que 1-6 entre 1000 recém-nascidos vivos apresentam uma perda auditiva significativa. Já para os recém-nascidos que necessitam de internação em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, esta freqüência é muito mais elevada, em torno de 6-8%. É de conhecimento secular, que as perdas auditivas graves, congênitas ou adquiridas, e estas, em particular, quando se instalam nos primeiros meses de vida, podem resultar em déficits permanentes: na fala e na aquisição da linguagem oral e escrita; no aproveitamento escolar; no ajuste pessoal e social, incluindo dificuldades emocionais. A identificação e intervenção precoces, já nos primeiros seis meses de vida, podem prevenir estas conseqüências adversas. O recém-nascido de muito baixo peso ao nascimento, é uma preocupação para os pais, no que diz respeito à audição. Algumas outras perguntas podem ser formuladas para esclarecer o profissional que atende recém-nascidos e lactentes. Quais são os outros grupos de risco que merecem uma atenção especial? A triagem auditiva deve estar restrita a estes grupos, ou ser universal? Com que idade ela deve ser feita? Qual é o método mais adequado para esta triagem? Para responder estas perguntas e avaliar outras questões relacionadas à detecção precoce da deficiência auditiva, e como isto pode colaborar com as condições de vida futuras, Ricardo Godinho e Tânia Sih irão apresentar o tema. Qualidade de vida na avaliação auditiva na infância Ricardo Godinho e Tania Sih Aqueles que já experimentaram a privação dos sentidos são mais capazes de nos ensinar sobre a importância dos mesmos: “A surdez é o maior dos infortúnios, a perda do estímulo mais vital: o som da voz que nos traz a linguagem desencadeia os pensamentos e nos coloca em companhia intelectual dos homens” (Helen Keller, escritora cega e surda que viveu no início do século XX); Uma das principais características da nossa sociedade, neste início de século, é a Avaliação Auditiva na Infância Ricardo Godinho, Tânia Sih e Sônia R. Ramos

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Introdução (Sonia R. Ramos)Dados mundiais, de vários estudos, mostram que 1-6 entre 1000 recém-nascidosvivos apresentam uma perda auditiva significativa. Já para os recém-nascidos quenecessitam de internação em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, esta freqüência é muito mais elevada, em torno de 6-8%.É de conhecimento secular, que as perdas auditivas graves, congênitas ou adquiridas, e estas, em particular, quando se instalam nos primeiros meses de vida,podem resultar em déficits permanentes:• na fala e na aquisição da linguagem oral e escrita;• no aproveitamento escolar;• no ajuste pessoal e social, incluindo dificuldades emocionais.A identificação e intervenção precoces, já nos primeiros seis meses de vida,podem prevenir estas conseqüências adversas. O recém-nascido de muito baixo peso ao nascimento, é uma preocupação para ospais, no que diz respeito à audição. Algumas outras perguntas podem ser formuladas para esclarecer o profissional que atende recém-nascidos e lactentes.• Quais são os outros grupos de risco que merecem uma atenção especial?• A triagem auditiva deve estar restrita a estes grupos, ou ser universal?• Com que idade ela deve ser feita?• Qual é o método mais adequado para esta triagem?Para responder estas perguntas e avaliar outras questões relacionadas à detecçãoprecoce da deficiência auditiva, e como isto pode colaborar com as condições devida futuras, Ricardo Godinho e Tânia Sih irão apresentar o tema.

Qualidade de vida na avaliação auditiva na infânciaRicardo Godinho e Tania SihAqueles que já experimentaram a privação dos sentidos são mais capazes de nosensinar sobre a importância dos mesmos:• “A surdez é o maior dos infortúnios, a perda do estímulo mais vital: o som davoz que nos traz a linguagem desencadeia os pensamentos e nos coloca em companhia intelectual dos homens” (Helen Keller, escritora cega e surda queviveu no início do século XX);Uma das principais características da nossa sociedade, neste início de século, é a

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Ricardo Godinho, Tânia Sih e Sônia R. Ramos

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transformação e a supervalorização dos meios de comunicação. No início do século passado, as habilidades manuais eram os principais requisitos no mercadode trabalho. No início do século XXI, a capacidade de comunicação é consideradaum diferencial importante. Atualmente um atleta com habilidades manuais impor-tantes tem menos chances na disputa de um emprego quando competindo com umjovem com necessidades especiais que se comunicam bem. Classificação da perda auditivaA hipoacusia ou perda auditiva (PA) pode ser classificada quanto à sua localização,idade de início e intensidade. As perdas auditivas também devem ser entendidas,levando-se em consideração as interações entre estas diferentes classificações esuas diferentes etiologias e formas de evolução. Quanto à sua localização, a hipoacusia pode ser classificada em:• Hipoacusia de condução: a lesão encontra-se na orelha externa e ou média,

impedindo a transmissão normal da onda sonora;• Hipoacusia sensorial: a lesão encontra-se na cóclea;• Hipoacusia neural: a lesão encontra-se nas vias auditivas (VIII par, tronco

cerebral, vias auditivas centrais) ou no córtex auditivo cerebral;• Hipoacusia mista: há uma combinação das hipoacusias de condução e senso-

rial ou neural.Quanto ao seu início, a hipoacusia pode ser classificada em:• Hipoacusia Pré-lingual: desenvolve-se nos primeiros meses de vida;• Hipoacusia Precoce: ocorre < 2 anos e meio de idade; • Hipoacusia Tardia: ocorre > 2 anos e meio de idade.A hipoacusia pode ser classificada quanto à intensidade (Quadro 1).

Quadro 1- Classificação da perda auditiva segundo a intensidade

Período crítico do desenvolvimento da linguagemA partir da 26a semana de gestação, o feto humano já é capaz de identificar sons.Os neonatos conseguem diferenciar os sons que lhe são familiares, principalmentea voz feminina. Também discriminam sons específicos de seu idioma e preferemmelodias musicais aos ruídos ambientais. Estudos com crianças maiores confir-mam estes achados.Durante os primeiros dias de vida, a voz materna certamente funciona como omaior elo entre a criança e a mãe e, durante toda a infância, será o estímulo quemais sentimentos evocará.Estudos sobre o amadurecimento e plasticidade do sistema auditivo têm demonstra-

Classificação IntensidadeMinima 16-25 dBLeve 26-40 dBModerada 41-65 dBGrave 66-90 dBProfunda > 90 dB

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do algumas evidências da existência de um período crítico para o desenvolvimentoda linguagem, em que o sistema nervoso central é mais sensível e se adapta melhoraos estímulos lingüísticos auditivos e visuais. Estudos em animais demonstramque a privação precoce dos estímulos auditivos interfere no desenvolvimento dasestruturas neurais relacionadas à audição. Em seres humanos, parece razoávelacreditar que este período crítico tem início antes do nascimento. Marcos do desenvolvimento da linguagem A perda auditiva, que se desenvolve durante a infância, pode ser detectada ao seavaliar os marcos do desenvolvimento da linguagem (Quadro 2). Os pais devemser orientados para acompanhar o desenvolvimento de suas crianças. Em geral, ospais e os professores são os primeiros a observar a perda auditiva. Geralmente estaperda é avaliada, comparando-se crianças da mesma faixa etária, em relação àaudição ou desenvolvimento da linguagem. A suspeita dos pais ou professoressempre deve ser avaliada por meio de exames audiométricos. Somente podemosnegar a suspeita que uma criança não escuta bem, após a realização destes exames.

Quadro 2. Marcos do Desenvolvimento da Linguagem

4 MESESBalbucia ou “canta” o som de uma vogal;Vira-se para ouvir;Reconhece o som da voz de um genitor.7 MESESRi alto;Olha em direção ao som quando o ouve;Balbucia usando principalmente vogais.10 MESESVibra a língua entre os dentes;Diz “mamãe” ou “dadá” ;Entende “não”.14 MESESUsa palavras “mamã” e “papá” para o genitor correto;Obedece a um comando (como “pára”, “vém cá”, “me dá”).18 MESESCapaz de identificar objetos em figuras (p. ex.: cão, xícara, bebê);Vocabulário com múltiplas palavras (4-5).2 ANOSVárias frases com duas palavras;Vocabulário com 30-60 palavras.>2 ANOSUsa “me” e “você” (porém pode trocar o sentido);O vocabulário pode aumentar para 500 a 1.000 palavras.

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Etiologia da perda auditiva na infânciaA identificação precoce dos recém-nascidos com patologia auditiva é importantepara a confirmação diagnóstica das perdas congênitas por meio do examesorológico. Cerca de 40% dos casos de perda auditiva na infância, em países emdesenvolvimento, não têm diagnóstico etiológico, em parte devido às dificuldadesna realização do diagnóstico sorológico, após os primeiros meses de vida. A IgGmaterna transmitida via placenta para o feto diminui gradualmente durante osprimeiros seis meses de vida. Um título de IgG na criança 4 vezes maior que o damãe, sugere infecção ativa. A presença de IgM no soro da criança sugere infecçãocongênita. O diagnóstico da infecção congênita pelo CMV (citomegalovirus) podeser confirmado pelo isolamento do vírus na urina ou na saliva do recém nascido(RN), durante as primeiras três semanas de vida.As perdas auditivas na infância também podem se relacionar a doenças infecciosas (toxoplasmose, rubéola, sífilis, citomegalovirose, herpes, sepse, caxumba, sarampo, meningite, otite média), doenças genéticas, doenças metabólicas,doenças imunomediadas, ototoxicidade e trauma. Em nosso meio, as principaiscausas de perda auditiva profunda são a rubéola materna, a meningite bacterianae a internação acompanhada do uso de drogas ototóxicas.Algumas formas de perda auditiva genética, principalmente as formas autossômicasdominantes, podem-se manifestar mais tardiamente, na infância, ou início da ado-lescência. Também podem-se manifestar na idade adulta e dificultar o diagnósticodiferencial com as perdas auditivas imunomediadas e até mesmo com a doença deMeniérè. Caracteristicamente, algumas formas de perda auditiva apresentam umahistória que favorece o diagnóstico: história de trauma crânio-encefálico,explosões, mergulho, viagem de avião, doenças infecciosas (sobretudo meningite)e otorréia. A presença de doenças sistêmicas crônicas sempre deve ser avaliada.A criança com perda auditiva está inserida em um contexto que poderá favorecerou dificultar o diagnóstico precoce e a forma adequada do tratamento. Portanto, éimportante avaliar as informações relacionadas à qualidade de vida e ao impactosocial e econômico causado pelas perdas auditivas.Influência da perda auditiva no desenvolvimento da linguagemAs crianças com perda auditiva mínima (16-25dB) terão mais dificuldades paraouvir algumas consoantes e aquelas em fase de aquisição de linguagem poderão apresentar alguma dificuldade. Esta perda auditiva pode ser flutuante, geralmenteassociada aos episódios de otite média aguda, que são freqüentes nos primeirosdois anos de vida. Poderá ser persistente, quando associada à otite média comefusão crônica (permanência de efusão na orelha média por períodos superiores a3 meses) ou em crianças com seqüelas de infecções otológicas (perfuração timpânica, otite atelectásica, otite adesiva). Na ausência destas patologias devemos avaliar a possibilidade de perda auditiva neurossensorial ou malfor-mação da orelha externa.Em caso de perda auditiva leve (26-40 dB) ouve-se apenas quando as pessoas falamem voz alta. A criança geralmente tem dificuldade para ouvir a fala cochichada ou distante. Pode apresentar retardo leve na aquisição da linguagem, leves problemasna fala (trocas de alguns fonemas: “t”por “d”, “f”por “v”, “p”por “b”, “q”por “g”).

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Aquelas em fase de alfabetização poderão apresentar trocas na escrita e poderão sertaxadas como desatentas (é mais fácil escutar o colega ao lado que a professora, quenem sempre está próxima). Daí a grande importância de um posicionamento adequado desta criança na sala de aula (primeira fila e cadeiras centrais).Todas as crianças com perdas auditivas >40dB não escutarão a maioria daspalavras de uma conversa falada em intensidade normal. Também apresentarãoproblemas de fala, retardo no desenvolvimento da linguagem, dificuldade noaprendizado e “desatenção”. As complicações mais graves das otites (perfuraçõesda membrana timpânica, destruição ou ruptura da cadeia ossicular), alguns casosde otite média com efusão crônica e os colesteatomas, podem causar esta perdaauditiva. As perdas neurossensoriais podem causar perdas leves ou moderadas nainfância, que podem evoluir durante a juventude (perdas auditivas genéticasautossômicas dominantes).A criança com deficiência auditiva grave (66-90dB) somente escuta se a pessoafala mais alto e está bem próxima. Geralmente é capaz de identificar sons ambientais e pode distinguir vogais, mas não consoantes. A fala e a linguagem nãose estabelecem espontaneamente, se este nível de perda auditiva estiver presente desde o nascimento. Na presença da perda auditiva profunda, as crianças somente ouvem sons muito

altos e não ouvem o som da voz. Muitas delas utilizam a linguagem dos sinaiscomo forma de comunicação. As meningites, perda auditiva neurossensorialgenética ou congênita e o uso de medicamentos ototóxicos são as principaiscausas das perdas graves e profundas.O contexto sócio familiar da criança deverá ser avaliado juntamente com os resultados da audiometria. Uma criança com perda auditiva leve poderá se desenvolver melhor, em um ambiente adequado de estímulos, quando comparadaa uma criança com perda auditiva discreta, mas sem estímulos adequados. Aquelasfamílias com crianças portadoras de perda auditiva deverão proporcionar umambiente rico em afeto e estímulos.Diagnóstico precoce da perda auditiva na infânciaA orelha interna está totalmente formada ao nascimento. Para que ocorra a maturação adequada das vias auditivas do tronco cerebral, é necessário que ocorra a estimulação sonora. Portanto, é extremamente necessária a presença doestímulo sonoro e da recepção pelo sistema auditivo.A criança, com perda auditiva congênita ou de início precoce, com grau moderadoa profundo, apresentará dificuldades no desenvolvimento da linguagem, na alfa-betização, no desenvolvimento escolar e sócio-emocional. Quando a hipoacusia éunilateral de grau moderado ou profundo, a criança poderá ter um desempenhoescolar inadequado, com maior possibilidades de repetência e distúrbios comportamentais na escola.A detecção de alterações auditivas e a intervenção iniciada até os seis meses deidade garantem à criança o desenvolvimento da compreensão e da expressão dalinguagem, bem como o seu desenvolvimento social, comparável com criançasnormais da mesma faixa etária. Além disto, as crianças portadoras de perda auditiva que são adequadamente tratadas antes dos seis meses de idade,

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demonstram uma vantagem significativa no desenvolvimento das habilidades decomunicação, quando comparadas a crianças com potencial cognitivo semelhante,mas que foram identificadas tardiamente.O diagnóstico precoce também atenuará a influência de outros fatores que fazemparte do universo da criança com perda auditiva. Algumas crianças, além da perdaauditiva, apresentam déficits sensoriais e/ou comprometimento neurológico associado, que poderão interferir com o processamento da informação auditiva. Toda queixa relacionada à audição da criança deverá ser avaliada através de história detalhada do período gestacional e do parto, com a verificação de todos osfatores de risco relacionados à PA. A história familiar deverá envolver três geraçõescom o objetivo de avaliar o padrão de herança da PA e de outras característicasassociadas. O diagnóstico do ambiente sócio familiar também é muito importante, uma vezque está intimamente relacionado com a qualidade e quantidade dos estímulosauditivos e com o acesso aos serviços de saúde.Durante o exame físico, deve ser dada especial atenção àquelas característicasassociadas com perda auditiva (Quadro 3).

Quadro 3. Características físicas associadas com Perda Auditiva

• Anomalias crânio-faciais • Malformações da orelha, apêndices ou colobomas pré-auriculares• Alterações da implantação da orelha• Alterações de pigmentação da pele • Mechas de cabelo branco ou outras malformações do cabelo• Heterocromia, telecanto, miopia grave, retinopatias• Cistos, fístulas branquiais, bócio

Crianças de alto risco para perda auditivaQuando consideramos apenas a lista de indicadores de risco (Quadro 4) paraperda auditiva em neonatos (até 28 dias), aquelas crianças portadoras de perdaauditiva profunda de origem genética não são identificadas. Este grupo de cri-anças com perda auditiva genética pode representar cerca de 50% das crianças quenascem surdas, em países desenvolvidos. Este valor é relativamente menor emnosso país devido à alta incidência de perda auditiva causada pela rubéola. Quando fazemos a primeira avaliação da criança após os primeiros 28 dias(lactente), devemos considerar os indicadores das duas tabelas (Quadros 4 e 5).Todas as crianças que apresentam pelo menos um destes indicadores de riscodevem ser submetidas à avaliação auditiva.

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Quadro 4- Indicadores de Risco para Perda Auditiva em Neonatos• História familiar de deficiência auditiva hereditária na infância.• Infecção intra-uterina (rubéola, sífilis, toxoplasmose, citomegalo vírus,

herpes e AIDS).• Anormalidades craniofaciais, incluindo as do pavilhão auricular

(malformações, alterações de implantação), presença de apêndices, fistulas e colobomas pré-auriculares e alterações do conduto auditivo externo.

• Peso de nascimento menor do que 1.500g.• Hiperbilirrubinemia a níveis que exijam exsangüíneo transfusão.• Medicação ototóxica.• Meningite bacteriana.• Índice de Apgar 0–4 no primeiro minuto, 0-6 no quinto minuto.• Ventilação mecânica por cinco dias ou mais.• Estigmas ou outros achados de síndromes conhecidas, associadas à

deficiência auditiva neurossensorial e/ou condutiva.

Quadro 5- Indicadores de Risco para Perda Auditiva em Lactentes• A preocupação dos pais ou responsáveis com relação a audição,

fala, linguagem e/ou retardo do desenvolvimento.• Meningite bacteriana ou outra infecção associada com PA neurossensorial• Traumatismo craniano associado à perda de consciência ou fratura de crânio• Estigmas ou outros achados de síndromes conhecidas associadas à

deficiência auditiva neurossensorial e/ou condutiva.• Medicação ototóxica, incluindo aminoglicosídeos usados em cursos múltiplos

ou em combinação com diuréticos de alça.• Otite média recorrente ou otite média com efusão persistente.

Avaliação auditiva na infância O principal instrumento para a avaliação das perdas auditivas é a audiometria.Devemos escolher a melhor forma de exame audiométrico, considerando a faixaetária da criança, o nível de desenvolvimento neuropsicomotor e a presença de distúrbios neurológicos ou psiquiátricos. Como os limites não são muito rígidos e oprocesso de avaliação não é doloroso ou envolve riscos para as crianças, pode-se tentarmais de um método audiométrico. Neste caso, considera-se como melhor resultado, osvalores encontrados nos exames aplicados, relacionados a maior faixa etária. Quando se deseja promover uma participação melhor das crianças e aumentar a con-fiabilidade dos resultados, o exame poderá ser realizado em oportunidades diferentes.Em algumas crianças, será necessária a realização de outros exames para confir-mar os achados audiométricos ou realização do topodiagnóstico da patologia auditiva. Neste caso, os resultados dos exames audiométricos deverão ser analisados juntamente com as informações fornecidas pela imitanciometria,audiometria de tronco cerebral e emisssões otoacústicas. A avaliação auditiva também poderá ser realizada nos pais e irmãos, mesmo queos mesmos não tenham queixas. Com este procedimento pode-se identificar perdaauditiva leve ou em altas freqüências, com poucas repercussões clínicas no

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momento. Apresenta valor educativo importante, uma vez que toda a famíliaexperimentará os mesmos exames que a criança com hipoacusia.Exames complementaresA tomografia computadorizada das orelhas é importante quando se suspeita deSíndrome de Pendred ou síndrome braquio-oto-renal ou em casos de perda auditiva progressiva ou súbita.Em neonatos com hipoacusia é muito importante a avaliação sorológica para asinfecções congênitas, ou cultura de urina para citomegalovirose.Testes genéticos são importantes para o diagnóstico etiológico em casos de surdeznão sindrômica pré-lingual e para aconselhamento das famílias. Triagem auditivaO atraso na identificação de crianças com perda auditiva é um problema importantede saúde pública. Dentre as doenças possíveis de rastreamento ao nascimento, a surdez em neonatos possui uma incidência bastante significativa (3:1.000), principalmente quando comparada com a incidência da fenilcetonúria (triagempelo Teste do Pezinho; 1:10.000), hipotireoidismo (2,5:10.000) e anemia falciforme (2:10.000).Além da triagem auditiva neonatal universal (TANU), a triagem auditiva emlactentes e escolares representa um papel importante na identificação das perdasauditivas que se desenvolverão durante a infância.É muito importante ressaltar que os programas de triagem auditiva devem ser acompanhados de uma infra-estrutura ou rede de referências para o diagnóstico etiológico, para a adaptação do aparelho de amplificação sonora individual (AASI)ou implante coclear e a estimulação precoce. Portanto a avaliação auditiva é apenaso primeiro passo, e tem um compromisso com as outras etapas.Além desta infra-estrutura, outros itens são necessários para a implantação da TANU(Quadro 6).

Quadro 6. Programas de triagem auditiva neonatal universal (TANU)• Informação para os pais sobre a importância e a existência da triagem

auditiva• Conscientização dos pediatras a respeito da necessidade da triagem, antes da

alta hospitalar, da importância de seu papel na detecção precoce da surdezConscientização e interesse dos dirigentes de entidades hospitalares e os diretores médicos de maternidade, para permitir e promover a TANU dentro do hospital

• Conscientização da enfermagem para apoio e valorização da TANU• Cobertura dos convênios para este tipo de procedimento (como é o caso do

Teste do Pezinho) e que o Sistema Único de Saúde (SUS) também se envolva• Maior número de serviços especializados em audiologia e otologia

pediátrica• Preparo das escolas para realizar um trabalho de estimulação precoce com os

bebês• Apoio da comunidade surda• Orientação e apoio adequados para a “família com perda auditiva”

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Um componente importante dos programas de triagem auditiva é o Sistema deArmazenamento e de Avaliação de Informações. Este sistema monitorizará odesenvolvimento das crianças identificadas e o desempenho dos programas.Triagem auditiva neonatalA triagem auditiva neonatal universal (TANU) consiste no rastreamento auditivode todos os recém-nascidos (RN), antes da alta hospitalar, sendo considerada omelhor meio para identificar crianças nascidas com deficiência auditiva moderada,grave e profunda. Sem a TANU o diagnóstico seria usualmente feito aos dois anosde idade. Uma triagem em hospitais é obviamente desejada, para se ter acesso à maioria das crianças.A identificação, ao nascimento, de todas as crianças com perda auditiva é o ideal. Opreparo dos hospitais para a triagem neonatal é fundamental. Aquelas crianças quenão foram avaliadas no hospital devem ser triadas nos primeiros três meses de vida. O modelo de referência para a TANU envolve a otoemissão, o BERA (audiometriade tronco cerebral) e a audiometria comportamental. Todas os neonatos que ficaram internados em uma unidade de tratamento intensivoneonatal apresentam um risco aumentado de hipoacusia significativa (1-2%) e,conseqüentemente, deveriam ser submetidos a uma triagem auditiva próximo aoperíodo de alta desta unidade.Triagem auditiva em lactentes Cerca de 20-30% das crianças com perda auditiva, desenvolveram estas perdasnos primeiros anos de sua infância. Toda queixa dos pais em relação à possível PAdeve ser acompanhada de avaliação auditiva completa. Os pais são responsáveispor identificar cerca de 70% destas crianças. A avaliação continuada do desen-volvimento da linguagem e da fala deve ser seguida da avaliação auditiva formalpara todas as crianças que não atingem os marcos do desenvolvimento no período adequado.Todas as crianças que sofreram um episódio de meningite bacteriana ou encefaliteviral devem ser avaliadas preferencialmente antes da alta hospitalar. Tambémdevem ser avaliadas todas as crianças com fatores de risco para perda auditivaadquirida ou progressiva (Quadro 7)

Quadro 7. Fatores de Risco para Perda Auditiva Adquirida ou Progressiva • Meningite bacteriana• Trauma crânio-encefálico com sintomas relacionados ao equilíbrio ou audição• Encefalite ou labirintite viral• Exposição excessiva ao ruído• Uso de drogas ototóxicas• Citomegalovirose perinatal• Doença pulmonar crônica• Terapia com diuréticos• Otite média recorrente ou otite média com efusão persistente• História familiar de perda auditiva

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Triagem auditiva em escolaresUm adolescente de 16 anos tem um vocabulário de cerca de 80.000 palavras, ou seja,aprendeu 5.000 palavras por ano, o que equivale a uma média de 13 por dia. Nesseprocesso de aprendizado muitas palavras vão se fixando simultaneamente. Os sonsdas novas palavras vão se tornando familiares e se associam a um significado.Quando o desenvolvimento da linguagem apresenta problemas, o vocabuláriotorna-se reduzido, em relação à idade da criança. Em conseqüência, ela pode nãoentender muitas mensagens, passando a apresentar dificuldades no aprendizado. A triagem auditiva em escolares faz parte da abordagem pluralística para detecçãoda perda auditiva tardia ou progressiva, durante a infância. Um modo de serealizar esta triagem, é o exame de todas as crianças que iniciam a vida escolar(em torno dos sete anos). Seria importante que esta avaliação também fosse oferecida anualmente para todos os escolares.Os principais problemas auditivos em escolares são reversíveis e se relacionam àpresença de cerúmen no conduto auditivo, otites, disfunção tubária e presença decorpo estranho na orelha. As disfunções neurológicas na área auditiva, também representam uma causaimportante de desempenho escolar inadequado. É importante ressaltar que, sendo acomunicação um fenômeno multissensorial, uma criança com problemas auditivospode ter um desenvolvimento normal por suprir seu problema com uma atençãomaior ou, por aproveitar melhor outros sentidos, além de cuidados especiais sócio-ambientais e de fatores diversos relacionados ao sistema de ensino. Por outrolado, crianças com audição normal, mas portadoras de problemas psicológicos ouneurológicos podem apresentar dificuldade no aprendizado.Os estudantes com distúrbios de aprendizado podem ser avaliados de uma formaespecial (Avaliação do Processamento Auditivo), além da triagem auditiva. Umnúmero muito significativo de escolares com distúrbio de aprendizagem apresentammanifestações comportamentais de Distúrbio de Processamento Auditivo. Sabe-seque a recepção dos sons da fala envolve um sistema de integração complexo,incluindo a recepção, a discriminação e o reconhecimento de diferentes sons, dentrode determinado sistema lingüístico; é o que denominamos de ProcessamentoAuditivo, ultrapassando a realidade da simples detecção de sinais acústicos. Outros fatores, tais como baixa auto-estima, dificuldade no relacionamento inter-pessoal, dinâmica familiar conflituosa, desmotivação e método educacional inad-equado, podem influenciar no processo ensino-aprendizagem fazendo com que oaluno apresente dificuldades de aprendizado, não relacionados a alterações da audição periférica. Estes fatores também devem ser analisados ao seabordar uma criança com problemas auditivos e sua família.

Leitura recomendada

1. Katz J. Tratado de Audiologia Clínica. Editora Manole, Rio de Janeiro, 2001. 2. Caldas N, Caldas S, Sih T. Otologia e Audiologia em Pediatria. Editora

Revinter, Rio de Janeiro, 2000.

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