Avaliação institucional e gestão do Ensino Superior: regulação e emancipação
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AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL E GESTÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR – REGULAÇÃO E EMANCIPAÇÃO Clarice Monteiro Escott – Centro Universitário Metodista – IPA e UFRGS [email protected] Resumo: O presente artigo relata os dados parciais de investigação sobre a influência da avaliação externa e das diretrizes curriculares nos cursos de Graduação. Enfoca o contexto do Curso de Enfermagem de IES privada e confessional, através das categorias de Discurso Regulador Geral, Currículo, Pedagogia e Avaliação (BERNSTEIN, 1998). Analisa a estandardização dos cursos de graduação no Brasil através de diretrizes e critérios definidos pelas políticas públicas para o ensino superior, bem como os espaços e movimentos de autonomia na criação da proposta acadêmica na IES. Palavras-chave: avaliação institucional; diretrizes curriculares; gestão.
INTRODUÇÃO
O estudo denominado A Influência da Avaliação e das Diretrizes Curriculares
sobre os Currículos dos Cursos da Área das Ciências Sociais Aplicadas e da Área da
Saúde: um estudo de caso analisa o impacto das Diretrizes Curriculares Nacionais e da
Avaliação Regulatória do Estado na organização curricular dos cursos de graduação,
bem como na escolha dos modelos de avaliação adotados pelas IES brasileiras.
Apresenta a tese de que a avaliação e as diretrizes curriculares nacionais tensionam os
currículos dos cursos de graduação, produzindo normas curriculares que atendem de
forma explícita ao disposto na legislação, influindo na reforma dos mesmos no interior
das IES, sem articulá-los com a dimensão da gestão institucional, fragilizando a
autonomia universitária. Nesse espaço, faz-se um recorte do contexto e dos dados
parciais da investigação, enfocando a análise do Curso de Enfermagem na IES privada e
confessional que vem sendo investigada. Como forma de produzir significados aos
dados coletados a investigação orienta-se pelas categorias-macro de análise da Nova
Sociologia da Educação proposta por Bernstein (1998) Currículo - Conhecimento
válido, Pedagogia - Transmissão válida do conhecimento e, Avaliação - Realização
válida do conhecimento e do currículo instituído. A primeira etapa de investigação lança
o olhar sobre a categoria do Discurso Regulador Geral (BERNSTEIN,1998) e
considera os documentos oficiais do Estado - Diretrizes Curriculares Nacionais e
SINAES. A segunda etapa de investigação centra-se na análise das categorias Regras
de distribuição, Regras de recontextualização e Regras de avaliação
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(BERNSTEIN,1998), investigando os documentos da IES em foco e os dados
subtraídos de entrevistas com os atores institucionais.
CONTEXTUALIZANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
A Constituição Federal de 1988 define a educação como direito de todos e
dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a participação da
sociedade para o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho (Art. 205). Estabelece como princípios do ensino a
igualdade de condições de acesso e permanência; a liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas, e a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino
(Art. 206). Define, ainda, que as universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da
indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão (Art. 207).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Nº 9394/96, no capítulo 8,
expressa a finalidade da educação superior e estabelece a organização desse nível de
ensino no Brasil, de forma a cumprir o que é definido pela mesma. Segundo a Lei N°
9394/96, a Educação Superior deve balizar-se por alguns parâmetros básicos, assim
definidos: a elaboração de projeto pedagógico construído coletivamente; a flexibilidade;
e a formação integral que possibilite a compreensão das relações de trabalho, de
alternativas sócio-políticas de transformação da sociedade e sua relação com o meio
ambiente e com a saúde, na perspectiva de construção de uma sociedade sustentável; da
graduação como etapa inicial, formal, que constrói a base para o permanente e
necessário processo de educação continuada; e a incorporação de atividades
complementares ao currículo; a interdisciplinaridade; a predominância da formação
sobre informação; a articulação entre teoria e prática e a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão.
Dessa forma, a autonomia da IES apoiada pelos princípios legais passa a ser
condição para a construção do projeto acadêmico. Nesse mesmo cenário, encontra-se o
modelo de avaliação regulatória, de base neoliberal e neoconservadora. A tensão
autonomia e regulação torna-se provocadora da necessidade de construção de
alternativas de superação que tenham a avaliação como eixo mobilizador da
participação de todos os atores envolvidos, fonte produtora de sentidos e dinamizadora
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de autorias. Para tanto, o modelo de avaliação adotado deve estar profundamente
identificado com a concepção de educação, com o projeto de sociedade e de
universidade que cada Instituição projeta. Neste sentido, a avaliação institucional deverá
buscar nexos entre as diferentes instâncias e processos do cotidiano acadêmico, no
sentido de questionar e buscar a compreensão coletiva da coerência de suas ações para a
consolidação do projeto a que se propõe numa atitude de permanente construção.
No Brasil, ao longo dos tempos, o modelo de avaliação institucional que
marcadamente assume a proposta de uma avaliação emancipatória para o Ensino
Superior é o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras -
PAIUB, criado por educadores e gestores das universidades públicas na década de 90,
pois propõe um amplo processo de avaliação que envolve, além da participação da
comunidade acadêmica, a interpretação e a análise dos dados coletados numa
perspectiva educativa e transformadora, tendo como base os princípios da democracia,
da autonomia, qualidade formal e política, comparabilidade interna e legitimidade. As
pesquisas, discussões e reflexões sobre avaliação institucional e seus modelos,
especialmente a partir das experiências implantadas no Brasil, pelo PAIUB, buscam
construir um modelo de avaliação emancipatória, democrática, formativa e têm
contribuído sobremaneira para o avanço teórico e prático na avaliação e sua relação com
a gestão acadêmica no âmbito do Ensino Superior. Para Dias Sobrinho (2002, p. 60),
numa perspectiva sócio-política crítica, a avaliação contribui para a compreensão da
universidade e “compreender implica articular, buscar nexos e as relações, não como ato
terminado, mas como atitude de construção”. Nesse paradigma, a compreensão da
universidade através da avaliação institucional só é possível a partir de um esforço e
construção intelectual coletivos. O processo de avaliação institucional numa perspectiva
emancipatória implica, necessariamente, o conhecimento das diversas partes da
instituição, a interpretação e a integração dos seus sentidos muitas vezes diversos e
antagônicos, compreendidos nas suas relações internas e externas (DIAS SOBRINHO,
2000).
CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: O DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL
O contexto da reforma do Estado dos anos 90 provocou alterações no Ensino
Superior no Brasil, tendo a avaliação e as Diretrizes Curriculares Nacionais como eixo
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central dessa da política. Tais alterações podem ser analisadas a partir dos pressupostos
da teoria de Basil Bernstein.
Para Bernstein (In DOMINGOS, 1986, p. 301), o Discurso Pedagógico Oficial
regula as regras de produção, reprodução, distribuição e inter-relação dos textos
pedagógicos legítimos, das práticas de comunicação legítimas (relações sociais de
transmissão-aquisição) e das práticas organizacionais legítimas (organização dos
contextos de transmissão), dependendo essa regulação da autonomia relativa dos
campos e contextos não oficiais de recontextualização pedagógica. Assim, o discurso
pedagógico oficial, ao nível do contexto de reprodução, incide diretamente sobre as
modalidades de código de transmissão educacional que integram o dispositivo
pedagógico e a prática pedagógica, regulando-os.
Bernstein enfatiza a importância do Discurso Pedagógico Oficial, criando um
modelo onde estabelece três níveis de análise: a geração, a recontextualização e a
transmissão. No nível da geração observa-se a expressão dos partidos políticos
dominantes do Estado e as inter-relações entre as diversas vertentes políticas e grupos
de interesse, sendo regulados “pela distribuição do poder e do controle social que
determinam os meios, contextos, distribuição, possibilidades e relações sociais dos
recursos físicos (campo da produção) e dos recursos discursivos (campo do controle
simbólico)” (DOMINGOS, 1986, p. 297). Os discursos oficiais do Estado, o discurso
regulador geral, são expressos através de textos legais e administrativos que definem a
ordem, relação e identidade, constituindo-se em material político e ideológico dos
princípios dominantes, reproduzidos quando incorporados nesse discurso,
desempenhando importante papel na criação do consenso social. Para tanto, constitui o
campo do Estado o conjunto de categorias – agentes, agências, discursos e práticas, que
têm a função de manutenção, legitimação, reprodução e desenvolvimento dos princípios
dominantes. No nível da recontextualização ocorre a transformação do Discurso
Pedagógico Oficial. Aqui a educação aparece como agência do campo de controle
simbólico e do campo de produção. Os princípios dominantes do Estado atuam
seletivamente sobre as teorias e práticas do campo intelectual da educação e são
apropriadas pelas agências de recontextualização, legitimando e regulando o processo
de transmissão aquisição do Discurso Pedagógico no contexto de reprodução. Desta
forma, as teorias e as práticas selecionadas a partir do campo intelectual da educação,
orientam-se pelos princípios dominantes do Estado, e estão implícita ou explicitamente,
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no conjunto de decisões e orientações políticas que regulam o contexto de reprodução
(DOMINGOS, 1986).
Bernstein ainda define, nesse nível, dois campos de recontextualização: o
campo de recontextualização oficial e o campo de recontextualização pedagógica. O
campo de recontextualização oficial é regulado pelo Estado, através do sistema
legislativo e administrativo como função pública, incluindo departamentos
especializados e sub-agências do Estado. Pode, ainda, utilizar-se de serviços
especializados de agências/agentes externos para investigação e sistema de inspeção. O
campo de recontextualização pedagógica, por sua vez, apresenta um corpo de agentes e
práticas oriundos das universidades, podendo exercer influências sobre o Estado e/ou
sobre locais, agentes e práticas da educação. As regras de recontextualização traduzem
a autonomia da educação em relação ao Estado. Nesse sentido, a educação, fortemente
classificada em relação à produção, é autônoma, usando seus próprios princípios de
recontextualização. Ainda assim, tal autonomia é sempre relativa, na medida em que
esses princípios de recontextualização estão subordinados aos princípios dominantes do
Estado (DOMINGOS, 1986).
A teoria bernsteiniana aponta, portanto, que o controle simbólico que ocorre
entre agências e no interior do contexto educacional pode constituir-se em ação de
manutenção do status quo ou de transformação. Nessa perspectiva, pensar a reforma
educacional no Brasil, implica em situá-la no âmbito das reformas mundiais
contemporâneas, refletindo sobre a complexidade subjacente às inter-relações entre os
fatores políticos, econômicos e culturais marcados pelos textos e contextos das relações
sociais e da redefinição do papel do Estado na era do capitalismo reorganizado.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR E AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: REGRAS DO DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL
Com o advento da nova LDB em 1996, Lei 9394, os Currículos Mínimos que,
até então definiam a organização curricular dos cursos de Graduação, passam a ser
substituídos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais sob a orientação do Parecer
CNE/CES 776/97, definindo que as novas diretrizes devem “se constituir em
orientações para a elaboração dos currículos; ser respeitadas por todas as IES; e,
assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes”. (sic) Tal
definição corrobora com o disposto pelo Plano Nacional de Educação – PNE, Lei
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10.172/01, que orienta o estabelecimento em nível nacional “de diretrizes curriculares
que assegurem a necessária flexibilidade, a criatividade e a responsabilidade das
instituições, diversidade nos programas oferecidos pelas diferentes instituições de
ensino superior, de forma a melhor atender às necessidades diferenciais de suas
clientelas e às peculiaridades das regiões nas quais se inserem [...]”.
Realizando uma análise comparativa entre os currículos mínimos e as Diretrizes
Curriculares Nacionais, pode-se constatar que a nova proposta, além de apresentar a
possibilidade de flexibilização curricular e autonomia das IES, trazem a proposta de
estabelecer um perfil de egresso oriundo de uma formação de nível superior
compreendida como um processo contínuo, autônomo e permanente, baseado em uma
sólida formação básica aliada a uma formação profissional fundamentada na
competência teórico-prática.
De acordo com o Parecer CNE/CES Nº 67/2003 para todo e qualquer curso de
graduação, as Diretrizes Curriculares Nacionais devem contemplar as seguintes
recomendações: conferir maior autonomia às instituições de ensino superior na
definição dos currículos de seus cursos, a partir da explicitação das competências e das
habilidades que se deseja desenvolver, através da organização de um modelo
pedagógico capaz de adaptar-se à dinâmica das demandas da sociedade, em que a
graduação passa a constituir-se numa etapa de formação inicial no processo contínuo da
educação permanente; propor uma carga horária mínima em horas que permita a
flexibilização do tempo de duração do curso de acordo com a disponibilidade e esforço
do aluno; otimizar a estruturação modular dos cursos, com vistas a permitir um melhor
aproveitamento dos conteúdos ministrados, bem como a ampliação da diversidade da
organização dos cursos, integrando a oferta de cursos seqüenciais, previstos no inciso I
do art. 44 da LDB; contemplar orientações para as atividades de estágio e demais
atividades que integrem o saber acadêmico à prática profissional, incentivando o
reconhecimento de habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar; e,
contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do ensino de graduação,
norteando os instrumentos de avaliação. Posteriormente, o Parecer CNE/CES Nº
583/2001 estabelece que a definição da duração, carga horária e tempo de integralização
dos cursos deverão ser objeto de um Parecer e/ou uma Resolução específica da Câmara
de Educação Superior e, que as Diretrizes Curriculares Nacionais, devem contemplar o
perfil do formando/egresso/profissional conforme o curso, sendo que o projeto
pedagógico deverá orientar o currículo para um perfil profissional desejado; as
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competências/habilidades/atitudes, as habilitações e ênfases, os conteúdos curriculares,
a organização do curso, os estágios e atividades complementares, o acompanhamento e
a avaliação.
Para Catani (2001), a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
Cursos de Graduação, associada ao ideário do modelo neoliberal da reestruturação
produtiva, é o elemento basilar das reformas da educação superior no Brasil que se
iniciam a partir do primeiro mandato do Governo Fernando Henrique Cardoso. Para o
autor, foi nesse contexto que a questão dos currículos de graduação começou a ganhar
importância na reforma da educação superior e destaca como principais elementos
desencadeantes dessa mudança: a Lei no 9.131/95 que cria o Conselho Nacional de
Educação (CNE) e define como uma das suas competências a deliberação sobre as
Diretrizes Curriculares propostas pelo MEC para os cursos de graduação; a nova LDB
que cria a necessidade de Diretrizes Curriculares para os cursos superiores, permitindo
a eliminação dos chamados currículos mínimos, tornando os currículos de graduação
mais flexíveis; a intensificação das discussões internacionais e nacionais sobre
diplomas e perfis profissionais, acompanhando as mudanças na sociedade
contemporânea, bem como do mundo do trabalho; o processo desencadeado pela
Secretaria de Educação Superior (SESu/MEC), em 1997, visando a implementação das
Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação; a definição de Padrões de
Qualidade para os Cursos de Graduação, pela SESu; o estabelecimento de critérios
sobre a constituição de comissões e procedimentos de avaliação e verificação de cursos
superiores; o Plano Nacional de Graduação, que apóia as Diretrizes Curriculares gerais
e fortalecimento dos projetos pedagógicos institucionais e dos cursos de graduação. A
proposta de reformulação das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação,
orienta-se pelos princípios de flexibilidade na organização curricular, de dinamicidade
do currículo, da adaptação às demandas do mercado de trabalho, da integração entre
graduação e pós-graduação, da ênfase na formação geral, bem como da definição e
desenvolvimento de competências e habilidades gerais adequadas às exigências do
mundo do trabalho. “[...] falar de reforma implica [...] considerar uma variedade de iniciativas que visam alteração no alcance da educação [...], passando por mudanças nos conteúdos e currículos e nas formas de seleção, orientação e acreditação [...]” (AFONSO, 2005, p. 55)
A análise atenta das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino superior
revela que a autonomia das universidades vem sendo ameaçada na sua essência quando,
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a partir da definição de organização curricular centrada em competências e habilidades,
bem como do encurtamento dos cursos superiores, acaba direcionando a formação nesse
nível de ensino à lógica do mercado. Percebe-se que o governo, através da reforma de
ensino, define políticas educacionais que atendem ao mercado globalizado, definindo os
tipos de conhecimentos necessários e os perfis profissionais mais adequados às suas
necessidades. Conforme AFONSO (apud CARNOY & LEVIN, 2005), existe uma luta
permanente entre o Estado capitalista e a educação, cujas forças pressionam no sentido
uma maior democracia e igualdade na educação e, de outro lado, por uma maior
eficiência na reprodução das habilidades e personalidades requeridas pelo capitalismo.
Nesse contexto insere-se o a proposta implementada pelo Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior – SINAES, através da Lei Nº 10.861 de 2004, cujo
paradigma pretende desenvolver um processo que supere a avaliação regulatória dos
anos 1990, centrada nos resultados e medidas do desempenho das IES de forma
fragmentada. O paradigma emancipatório que orienta o SINAES, aponta para um
sistema de avaliação que articule a auto-avaliação desenvolvida no interior das
instituições com a avaliação externa, valorizando os processos de reflexão e auto-
conhecimento em relação à missão e políticas institucionais. Nesse caso, “a avaliação
institucional é o instrumento central, organizador da coerência do conjunto (2007, p.
98).”
Nesse sentido, o Discurso Regulador Geral no contexto da avaliação
regulatória se dá através do SINAES que, embora enfatize a necessidade da auto-
avaliação institucional como espaço de reflexão e consolidação da missão da IES, na
modalidade da avaliação de cursos propõe “identificar as condições de ensino
oferecidas aos estudantes, em especial as relativas ao perfil do corpo docente, as
instalações físicas e a organização didático-pedagógica” e, para tanto, define as
dimensões de Organização Didático-pedagógica, Corpo docente, corpo discente e
corpo técnico-administrativo e Instalações físicas, seguidas de grupos de indicadores e
indicadores que definem os critérios universais de qualidade no ensino superior. O
SINAES propõe um sistema de avaliação que tanto possibilita o fortalecimento da
cultura de avaliação nas IES, como processo formativo e emancipatório, quanto
estabelece um processo de regulação e supervisão estatal transparente com vistas à
definição das políticas públicas nacionais no âmbito do ensino superior. A integração
entre a avaliação interna e externa, no cenário desenhado a partir do SINAES privilegia
a relação entre o particular e o global, o somativo e o formativo, o quantitativo e o
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qualitativo, bem como com os diversos objetos e objetivos da avaliação (SINAES,
2007). De modo especial, esse sistema deve articular duas dimensões importantes: a)
avaliação educativa propriamente dita, de natureza formativa, mais voltada à atribuição
de juízos de valor e mérito em vista de aumentar a qualidade e as capacidades de
emancipação e b) regulação, em suas funções de supervisão, fiscalização, decisões
concretas de autorização, credenciamento, recredenciamento, descredenciamento,
transformação institucional, etc.,funções próprias do Estado (SINAES, 2007, p. 89).
Assim, diferentemente da proposta regulatória vivenciada anteriormente, as ações e
resultados da avaliação interna e externa devem estar intimamente relacionadas
complementando-se. A autonomia e liberdade na organização dos processos avaliativos
voltados à ampla participação da comunidade acadêmica e sociedade civil, devem estar
associadas à transparência e ao rigor técnico e político em ambos os formatos de
avaliação. A avaliação externa, através da análise de comissões de pares e tomando por
base o processo de auto-avaliação em seus aspectos qualitativos e quantitativos, objetiva
contribuir para a correção de eventuais equívocos nos processos avaliativos e de gestão
acadêmico-administrativa em cada IES, apontando possibilidades de superação de ações
e projetos em todas as dimensões da educação superior – ensino, pesquisa e extensão,
bem como em relação à responsabilidade e compromisso social.
Assim, definido o código válido (BERNSTEIN, 1996) nessa nova ordem
mundial, a partir da lógica do capital, cabe às IES adequarem-se de forma a cumprir ao
que está determinado externamente, submetendo-se aos processos de avaliação
regulatória, desconsiderando os processos internos e, muitas vezes, abdicando dos
processos autônomos propostos especialmente pelo SINAES, assumindo o discurso
regulador (BERNSTEIN, 1996), deixando de refletir coletivamente e institucionalmente
sobre a relevância social, as dificuldades e potencialidades dos próprios projetos (DIAS
SOBRINHO, 2002).
DIRETRIZES CURRICULARES PARA OS CURSOS DA ÁREA DA SAÚDE
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Superiores na Área da
Saúde, analisadas a partir dos Pareceres e Resoluções que as orientam e regulamentam,
são organizadas a partir do princípio da flexibilidade apresentado na LDB. A
flexibilidade está explicitada nos Pareceres a partir de alguns princípios como: o
incentivo a uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir
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a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do
conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em
um mesmo programa e o estímulo às práticas de estudo independente, visando uma
progressiva autonomia intelectual e profissional; o fortalecimento da articulação entre
teoria e prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva; a preocupação com o
tempo de duração dos cursos, apontando para a sua redução; e, o reconhecimento dos
conhecimentos, competências e habilidades adquiridas fora do ambiente escolar,
inclusive as que se referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de
formação considerada. Do ponto de vista institucional, a legislação assegura às IES a
ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização
dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem
ministradas.
Por outro lado, os Pareceres que orientam a formação superior para a maioria
dos cursos apontam como objetivo dessas DCN “permitir que os currículos propostos
possam construir perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e
conteúdos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação
pertinentes e compatíveis com referencias nacionais e internacionais, capazes de atuar
com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde (SUS),
considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira.”
A análise da legislação evidencia que, apesar da manifestação do princípio da
flexibilidade na gestão dos cursos, ao mesmo tempo em que descentraliza, indica uma
estrutura curricular com vários elementos determinados e uniformizados. Essa proposta,
portanto, corresponde ao que Pacheco (2000) chama de descentralização com
planificação de acompanhamento e regulação. Com esse princípio, as Diretrizes
Curriculares para os Cursos da Área da Saúde apresentam um modelo de competências
e habilidades gerais, comum a todas as profissões: atenção à saúde, tomada de
decisões, comunicação e liderança, administração e gerenciamento e, educação
permanente. Também na descrição do perfil do egresso percebem-se como comuns, a
partir da análise das Diretrizes específicas a cada curso, alguns aspectos a destacar:
formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, profissional com compromisso
social e responsabilidade com a cidadania, voltado aos aspectos sociais e culturais,
atenção à saúde de acordo com as necessidades da região, capacidade de resolver
situações problemas de saúde/doença e a prevenção e recuperação em saúde. As
competências e habilidades específicas a cada curso, também apresentam algumas
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características comuns: competências técnico-científicas, ético-políticas e sócio-
educativas contextualizadas; autonomia; capacidade de trabalhar em equipe; e, a multi,
inter e transdisciplinaridade. O perfil do profissional de saúde definido nas diretrizes é
de formação generalista, técnica, científica e humanista, com capacidade crítica e
reflexiva, preparado para atuar a partir de princípios éticos, no processo de saúde-
doença em seus diferentes níveis de atenção. É enfatizada a perspectiva da integralidade
da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania.
(MS; MEC, 2006)
As Diretrizes Curriculares para os Cursos da Área da Saúde também indicam
os conteúdos curriculares necessários para a formação, através de grandes áreas de
conhecimento, descrevendo-as. Com exceção dos Cursos de Farmácia, Medicina,
Psicologia, Educação Física e Ciências Biológicas, todas as Diretrizes indicam os
conteúdos a constituírem o currículo dos cursos a partir de campos de conhecimento -
Ciências Biológicas e Saúde; Ciências Humanas e Sociais, descrevendo-as com
aproximações às particularidades do curso e, acrescentando áreas específicas aos
conhecimentos e atuação profissional a que se destina. No que se refere às práticas e
estágios, todas as Diretrizes Curriculares trazem orientações e indicam um percentual de
carga horária que oscila entre 10% e 35%. Apresentam ainda, outros pontos comuns:
indicação de construção coletiva do Projeto Pedagógico do Curso; definição das
atividades que podem ser consideradas complementares; a articulação entre a
Educação Superior e a Saúde, objetivando a formação geral e específica dos egressos
com ênfase na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, vinculado
aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS); e, a recomendação de
que a avaliação seja permanente com ênfase na avaliação das competências.
O cenário de formação de profissionais da área da saúde que se constrói a partir
da análise dos Pareceres e Resoluções que definem suas Diretrizes Curriculares assume
o princípio da flexibilização presente na LDB e, ao mesmo tempo, apresenta uma
estrutura comum a todos os Cursos em relação às competências e habilidades a serem
construídas, indicando, inclusive, as áreas de conhecimento que deverão compor a
organização curricular. Esse modelo acaba por resgatar as pedagogias baseadas em
objetivos e, nesse caso, vinculado aos mecanismos de mercado.
Analisando o contexto global de reformas educacionais, Pacheco (2000),
aponta para os modelos que orientam as mudanças da gestão educativa nos processos de
políticas curriculares. O autor identifica a proposta das Diretrizes Curriculares
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Nacionais para a Área da Saúde no modelo de política centralista e descentralista, onde
prevalece a perspectiva normativa. A política curricular é descentralizada no nível dos
discursos, mas recentralizada no nível das práticas. A prática curricular mostra-se
autônoma no discurso e nos textos, porém é fortemente regulada pelo Estado através do
estabelecimento de referenciais concretos. As Instituições têm autonomia para
(re)interpretar o currículo em função de projetos curriculares que são
administrativamente controlados. (PACHECO, apud LUNDGREN, 2000)
Esse cenário pode ser caracterizado pelo que Apple (apud PACHECO, 2000)
denomina de neoliberalismo educativo que atua na tensão ou dualidade de atuação do
Estado onde observa-se por um lado, a minimização quanto a iniciativas e decisões no
nível macro e, por outro, a maximização na definição do conhecimento oficial, das
normas e dos valores.
REGULAÇÃO E EMANCIPAÇÃO: PRIMEIRAS REFLEXÕES
A investigação está sendo realizada em um Centro Universitário da cidade de
Porto Alegre e, nesse artigo realiza-se o recorde da análise dos dados coletados no
Curso de Enfermagem. Para tanto, além dos documentos institucionais e do Projeto
Pedagógico do Curso, foram entrevistados docentes e discentes envolvidos na
implantação do mesmo no período de 2004 a 2007. Algumas questões preliminares, a
partir das categorias de análise currículo, pedagogia e avaliação, relativas à relação do
Discurso Regulador Geral e o espaço de autonomia institucional que vem sendo
denominando, nesse estudo, de Discurso Instrucional, podem ser destacadas:
- o currículo do curso estudado sofre forte influência das Diretrizes Curriculares
Nacionais, nesse caso, identificado como Discurso Regulador Geral. No entanto,
caracteristicamente o currículo do curso analisado, além de apresentar forte
identificação com a Missão Institucional, organiza-se do que podemos denominar a
partir da visão bernsteniana de Currículo de Integração. Nesse caso, os vários conteúdos
estão subordinados a uma idéia central que reduz o isolamento entre eles, deixando de
ter significado por si só para assumir uma importância relativa e passando a ter uma
função determinada e explícita, agregando-se no todo do curso. (DOMINGOS et al,
1986)
- a categoria Pedagogia parece instituir uma identidade pedagógica que se coaduna com
os princípios institucionais, definindo as regras de recontextualização, ou seja,
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transformando o discurso de ordem, num discurso de competência e o discurso de
competência num discurso de ordem, de acordo com a teoria bernsteniana. Este parece
ser um espaço privilegiado de autonomia da IES, podendo ser relacionado com a teoria
de Bernstein (1998) quando refere que a relação entre os contextos e no interior dos
contextos tanto pode servir para dominação como para libertação.
- na categoria avaliação observa-se que a proposta avaliativa do curso acaba por cumprir
a função do que Bernstein (1998) define como regra de avaliação, na medida em que
busca regular a prática de avaliação no contexto de reprodução, indicando tempo, texto
e espaços das inter-relações professor e aluno, incidindo diretamente sobre a prática
pedagógica e o modelo de avaliação.
- a possibilidade real de participação e discussões entre estudantes e docentes no âmbito
dos fóruns de instituição do currículo parece desenvolver as competências específicas e
habilidades, a partir de um processo de emancipação. Nesse sentido, a participação,
especialmente nos espaços de avaliação, permite que os atores institucionais criem e
recriem os processos institucionais. “A democracia participativa envolve a formação da
comunidade política e a autolegislação e a autovigilância das ações. É um processo
pedagógico exigente!” (LEITE, 2005, p. 79)
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei Nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996. BRASIL. Constituição Federal: promulgada em 5 de outubro de 1988. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. BRASIL. Ministério da Educação. SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior: da concepção à regulamentação. 4.ed. ampl. Brasília: INEP, 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. A aderência dos Cursos de graduação em enfermagem, medicina e odontologia às diretrizes curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
BERSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
BERNSTEIN, Basil. Pedagogía, control simbólico e identidad: teoria, investigación y crítica. Madrid: Ediciones Morata, 1998.
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CATANI, Afrânio; OLIVEIRA, João Ferreira de; DOURADO, Luiz Fernandes. Política educacional, mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular dos cursos de graduação no Brasil. In: Educação & Sociedade, ano XXII, n. 75, agosto 2001.
DIAS SOBRINHO, José. Avaliação da educação superior. Petrópolis: Vozes, 2000.
DOMINGOS, Ana Maria; BARRADAS, Helena; RAINHA, Helena; NEVES, Isabel Pestana. A teoria de Bernstein em sociologia da educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
LEITE, Denise. Reformas Universitárias: avaliação institucional participativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
DIAS SOBRINHO, José Dias. Universidade e avaliação: entre a ética e o mercado. Florianópolis, Insular, 2002.
PACHECO, José Augusto. Políticas curriculares descentralizadas: autonomia ou recentralização? In Educação & Sociedade, ano XXI, n. 73, dezembro 2000.