Avaliação e Ideologia

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'\ D.doa Int.rn.clonala de C.t.log.çlo n. Publlc.çlo (CIP) (Clm••.•B•.•• II.I•.•do Uvro, SP, B•.•• II) Romão, José Bstãquío Avaliaçlo dialógica :desafios e perpectívas I José Eustáquio Romlo _ 3. ed. - São Paulo: Cortez ,:Instituto Paulo Freire. 2001. - (Guia da escola cidadl ; v. 2) Bibliografia. ISBN 85-249-0684-7 1. Autonomia escolar 2. Avaliaçlo educacional 3: Educaçlo e Estado- Escolas püblicas 4. Política e educaçlo 5. Prârlcade ensino. 6. Sociologia educacional I. Título. 11.Série, 98-2339 CD-371.26 rndlc••p••.•c.tllilogo .Iat.mlli.lco: I. Avaliaçlo dialógica: Educaçlo 371.26 .; 3 AVALIAÇÃO E IDEOLOGIA Tudo leva a crer que, além das dificuldades resultantes da má formação, os problemas da avaliação da aprendizagem resultam também do tráfico ideológico das elites, que têm conseguido certos consensos. mitológicos, favoráveis, evidentemente, à manutenção do status quo individualista, meritocrático, discriminatório e injusto. Dentre esses mitos - alguns já devidamente denunciados (Romão, 1994: 219-236) - destacamos os que se seguem. 1°) Escola boa é aquela que exige muito e ''puxa'' pela disciplina. É claro que o estudo exige concentração e disciplina. Lembro-me de alunos cujas famílias permitiam uma certa licenciosidade quanto à organização da vida de estudos, e que quando precisaram, como adultos, da concentração por tempo mais dilatado, não puderam suportá-la. No entanto, é preciso relativizar o enunciado deste "princípio": ao longo da minha vida de estudante e profissional, conheci escolas de regimentos internos mais ou' menos rígidos e, indiferentemente, 'de todas elas, saíram estudantes formados com mais ou menos capacidade metódica de organização e profundidade de reflexão. Mais im ortante do ue ser muito exigente ou rigorosa quanto à discip ma c os alunos, -eãêapacidade de ser provocadora da leitura crítica das determina ões naturais e sociais, de ser esumuladora da criativi a e e a 'nd pendência e exiva. Boa escola não é a que' ensina coisas, mas a que permite a superação da "curiosidade ingênua" pela "curiosidade epistemológica", 43

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D.doa Int.rn.clonala de C.t.log.çlo n. Publlc.çlo (CIP)(Clm ••.•B•.••II.I•.•do Uvro, SP, B•.••II)

Romão, José BstãquíoAvaliaçlo dialógica : desafios e perpectívas I José Eustáquio Romlo _

3. ed. - São Paulo: Cortez ,: Instituto Paulo Freire. 2001. - (Guia da escolacidadl ; v. 2)

Bibliografia.ISBN 85-249-0684-7

1. Autonomia escolar 2. Avaliaçlo educacional 3:Educaçlo e Estado-Escolas püblicas 4. Política e educaçlo 5. Prârlcade ensino. 6. Sociologiaeducacional I. Título. 11.Série,

98-2339 CD-371.26

rndlc•• p••.•c.tllilogo .Iat.mlli.lco:

I. Avaliaçlo dialógica: Educaçlo 371.26

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AVALIAÇÃO E IDEOLOGIA

Tudo leva a crer que, além das dificuldades resultantes da máformação, os problemas da avaliação da aprendizagem resultam tambémdo tráfico ideológico das elites, que têm conseguido certos consensos.mitológicos, favoráveis, evidentemente, à manutenção do status quoindividualista, meritocrático, discriminatório e injusto. Dentre essesmitos - alguns já devidamente denunciados (Romão, 1994: 219-236)- destacamos os que se seguem.

1°) Escola boa é aquela que exige muito e ''puxa'' peladisciplina.

É claro que o estudo exige concentração e disciplina. Lembro-mede alunos cujas famílias permitiam uma certa licenciosidade quanto àorganização da vida de estudos, e que quando precisaram, como adultos,da concentração por tempo mais dilatado, não puderam suportá-la. Noentanto, é preciso relativizar o enunciado deste "princípio": ao longoda minha vida de estudante e profissional, conheci escolas de regimentosinternos mais ou' menos rígidos e, indiferentemente, 'de todas elas,saíram estudantes formados com mais ou menos capacidade metódicade organização e profundidade de reflexão. Mais im ortante do ueser muito exigente ou rigorosa quanto à discip ma c os alunos,

-eãêapacidade de ser provocadora da leitura crítica das determina õesnaturais e sociais, de ser esumuladora da criativi a e e a 'nd pendênciae exiva. Boa escola não é a que' ensina coisas, mas a que permitea superação da "curiosidade ingênua" pela "curiosidade epistemológica",

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como dizia Paulo Freire (1997: 32), permitindo ao educando "criticizar"su.as perguntas e questões - anteriormente construídas apenas do saberfeito (senso comum) - sobre o mundo e suas relações, enfim, umaescola que permite ao aluno aprender a aprender.

2°) O bom professor é aquele que reprova muito.Está comprovado que a tendência de um aluno reprovado uma

vez é ser reprovado mais vezes; o que nega, in limine, a eficácia dareprovação c_orno instrumento de "recuperação da arrendízagem''. Aliás,esta expressao é bastante ambígua. "Recuperar" a.go significa resgataro que se perdeu. O que perdeu o aluno? Nada perdeu se ainda não:'g~n~ou'" o c?nhecimento que se pretendia que ele 'alcançasse. Amsistencra na recuperação" dos mesmos correüdos e objetivos como ~lu?o que não conseguiu aprender no "tempo normal" da turma,atribui a ele a perda de algo que ainda não possuía. Em nosso sistemaescol~: usa-se ta~bém corriqueiramente a expressão "recuperação doaluno .. A expressao está carregada de urna conotação pedagogicamentenegativa, pOIS evoca que o "perdido" é o aluno e ele necessita ser"recu.perado": Ora, ~s pessoas aprendem, quaisquer que sejam as razões,em ntmos diferencíados. No fundo, a "recuperação" nada mais seria~o que o processo de aprendizagem de alunos cujo ritmo - não'Importando quais fatores intervieram 'las dificuldades iniciais - écircunstancial ou estruturalmente mais lento.

Além disso, a recuperação é tradicionalmente programada para ofinal d?s semestres ou períodos letivos. Ora, se o aluno não aprendeude~ermmado conteúdo ou não atingiu determinado objetivo de uma :unidade .~idática espe~í?ca, e se esse conteúdo ou esse objetivo é .pré-requisítn para se iniciar a unidadesubseqUente, que sentido fazcol~car sua recuperação depois de esgotado todo o programa? Nareahdade, a recuperação praticada atualmente nas escolas de ensinofundamental. tornou-se apenas um ritual burocrático, ou seja, é previstae desenvolvida apenas para atender a uma exigência formal.

A recuperação e a reprovação batem fundo na auto-estima doaluno e alimentam o processo de internalização da cultura do fracasso."Meu filho não ~te~ jeito para o estudo" é uma expressão que, seouve co~ freq~e~cI.a nas escolas públicas. Ela é enunciada por paisque, depois de msrstírem por vários anos na escolarização, sem sucesso,dos. filhos, dela desistem, por absoluta incapacidade de continuaremsacnficando, no altar da continuidade de seus estudos uma melhoriada renda familiar, pel~ engajamento precoce do filho na força detrabalho. Embora acreditem que "os estudos sejam )-Im meio de subir

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na vida", "um caminho para a libertação da situação de pobreza emque se encontram" - um canal de ascensão social -, conformam-se,após tanto insucesso, com um pequeno ganho imediato. Ao contráriodo que pensam muitos educadores, as famílias de baixa renda valorizama escola e vêem no estudo dos filhos a única herança que podemlhes deixar, para que não se reproduzam, em seus projetos de vida,os sacrifícios de uma existência iletrada no seio de uma sociedadegrafocêntrica. Ecléa Bosi dá um testemunho importante dessa valorizaçãoda instrução: ' ,

As operárias que ' tivemos oportunidade de ouvir sentem umfortíssimo desejo de instrução, quando não para 'si, para os filhos: livroscomprados em pesadas prestações mensais, jornadas inteiras de trabalhopara a aquisição de um s6 livro e a contínua frustração de se sentiremenganadas pelos promotores da cultura. No meio operário são as revistasque anunciam cursos e coleções, os livreiros-volantes que rondam comsuas peruas Kombi as fábricas na hora da saída dos trabalhadores. Éo momento de impingir os refugos das editoras, encadernados e comtítulos dourados para corresponder à expectativa do pobre que vê noslivros algo de sagrado. Esses refugos irão para o lugar de honra dasala e as coleções muitas vezes são guardadas zelosamente para osfilhos (Bosi, 1982: 28-9).

3°) A maior parte das deficiências dos alunos é· decorrentedas carências que eles trazem de casa.

Geralmente este mito resulta de uma verificação apressada dasdificuldades iniciais dos alunos, a partir de padrões arbitrária e uni-lateralmente estabelecidos.

Mais uma vez, 'debita-se na conta do próprio aluno e de suafamília a razão de seus insucessos. Com este mito, a escola exime-sede toda responsabilidade decorrente de sua natureza institucional.Esconde-se como casa de produção do saber, como espaço de orga-nização da reflexão, que deve levar em consideração e adaptar-se,com seu aparato didático-pedagógico, às características específicas da"cultura primeira" da clientela que recebe, para mostrar sua caraseletiva, discriminatória e de mera verificadora das, dificuldades quepessoas oriundas de outro universo têm de se adaptar ao sistemasimbólico produzido pelas classes dominantes.

4°) A democracia exige o respeito aos códigos sõcío-cukuratse às diferenças individuais.

Lida como está formulada, a afirmação aparenta correção, se nãofor examinada sob outros ângulos. De fato, há que se respeitar, como

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ponto de partida, o patamar de conhecimentos e as identidades culturaisque o aluno traz de seu meio, de sua ·"cultura primeira", como adenominou Snyders. Porém, em nome da democracia, não quererelevá~lo além desse patamar é condená-lo à situação de dominação,especialmente se se tratar da clientela da escola pública.

Dialeticamente, há que se combinar o respeito às condições e aoritmo próprio decorrente do itinerário educativo pessoal com o esforçode se buscar metas e objetivos previamente estabelecidos ou visualizados .como desejáveis, e cujo alcance permitirá a inserção do aluno noespaço universalizado da cidadania moderna. A avaliação cidadã tem .'por base essa relação dialética. Em outros termos, há que se trabalhar'tanto com a auto-avaliação quanto com a hetero-avaliação; não só coma avaliação interna, como também com a externa, quer com a avaliaçãoquantitativa, quer com a qualitativa, com. a diagnóstica e com acomparativa. O estudante credenciado pela eJscola não irá viver numailha de fantasia construída por ela, de acordo apenas com seus padrõesinternos ou de acordo com os padrões negociados com a comunidadeda qual ele é egresso. Ele irá desenvolver seu projeto de vida emqualquer lugar deste· mundo. O respeito aos valores e códigos da.comunidade ou do estrato social de origem deverá ser desenvolvidoou inibido, dependendo do grau de conscientização ou de alienaçãoque esses valores e códigos provoquem. Se os alunos são egressos deuma classe social cuja consciência possível" e atuação se dirigempara a alienação, a dominação e a opressão de seus semelhantes, otrabalho educativo objetivará sua traição à classe de origem e aassunção de princípios promotores da conscientização e da libertaçãode toda a humanidade.

5°) Avaliar é muito fácil e qualquer um pode fazê-lo.

Essa é uma das crenças mais perigosas dentre as disseminadasentre os educadores brasileiros. Infelizmente, parece ser até mesmoum consenso, dado o descaso dos cursos de formação para com otema e a indiferença com que os escabrosos resultados do sistemaeducacional brasileiro são encarados, tanto pelos atores escolares quantopelas autoridades.

•.~4. As diferenças entre consciência real e consciência possível e" ~u importância não

s6 e~lstemoI6gicQ, como também para a militância polfrica, constituem -concepções signi-ficativas do pensamento estruturalista 'genético de Lucien Goldmann (ver bibliografiareferenciada ao final deste trabalho).

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Avaliar não é simples e exige o domínio de conhecimentos etécnicas, além de experiências em processos concretos de avaliação.Imagino mesmo que professores recém-formados e engajados na ati-vidade profissional deveriam ser, obrigatoriamente, assistidos por colegasmais experientes, pelo menos nos momentos das avaliações maissistemáticas e periódicas. Ou - o que seria a solução mais correta- seriam constituídos conselhos de classe em todas as escolas, comatribuições avaliadoras, que ajustariam instrumentos de avaliação, formasde sua aplicação e correção e até mesmo resultados. Sabemos da fortereação de certos professores à atribuição dessas competências a essetipo de colegiado. Ela se baseia, na realidade, neste mito e, o que épior, na arrogância da própria competência.

Em vários cursos que temos desenvolvido pelo país, temosrealizado a simulação de uma situação de avaliação em sala de aulae solicitado aos participantes a atribuição de notas a questões resolvidaspor supostos alunos. Fatalmente, nas mesmas respostas, nunca se chegaa um acordo, e as notas atribuídas variam num espectro tão grandeque os diversos avaliadores percorrem quase toda a escala adotada.Derruba-se, facilmente, com a simulação, a crença na segurança- quantoaos critérios de avaliação adotados. E, lamentavelmente, se não fosseverdade, para ser cômico, testemunhamos o caso de um professor que,alguns dias depois de aplicar uma prova, ao corrigir, distraidamente,o seu próprio gabarito, deu-se uma nota bem inferior à máxima eainda tripudiou sobre a turma, ironizando a distração do aluno quenão assinara a prova.

6°) Avaliar é tão complicado que se torna, praticamente,impossível fazê-lo de forma correta.

Este mito se desdobra em dois níveis. No primeiro, a impossi-bilidade da avaliação correta é atribuída à complexidade da atívidadehumana que deve ser avaliada, principalmente por se tratar de uma .atividade intelectual, com envolvimentos de ordem cultural, social,política, psicológica, econômica e afetiva. No segundo, e este dizrespeito à avaliação do trabalho do professor, busca-se justificativa noargumento de que ninguém pode avaliar, senão ele próprio, o trabalhode um profissional especializado em determinado campo do conheci-mento e com tantos anos de experiência. Embora esta seja umamanifestação mais típica de professores universitários, ela ocorre tambémentre os que atuam nos demais níveis de ensino, constituindo-se noargumento predileto contra as competências avaliadoras dos conselhosde classe ou de colegiados congêneres, contra as avaliações de

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..desempenho para efeitos promocionais na carreira e contra as avaliaçõesext~rnas. Trat~-se de evidente mecanismo de defesa de todos que, narealidade, motIvados pelos mais diversos fatores, temem a avaliaçãode seu próprio desempenho.

7°) É preciso eliminar os aspectos quantitativos da avaliação.C?m .a Lei n." 5.692, de 11 de agosto de 1971, explicitava-se,

pela primeira ve~, ~o ponto d~ vista institucional, a preocupação comos aspec~os qualItatIvos. Por ISSO mesmo, abria-se a possibilidade deuma. s~ne de. pr~cedimen~os compatíveis com uma concepção deav~haç~o quahta~lva ou diagnóstica, ainda que se tratasse de umale~lslaçao do regime de exceção e que tivesse finalidades outras. Noartigo 14 previam-se, dentre outras, as seguintes normas:

. a) relativa autonomia dos estabelecimentos quanto à forma _regimental - da verificação do rendimento escolar (caput);

b? pre~onderância dos aspectos qualitativos sobre os quantitativosna venficaçao da aprendizagem (§ lO);

c) obrigatoriedade do oferecimento, pelo estabelecimento, deestudos de recuperação para alunos de aproveitamento insuficiente(§ 2°); ~ossibilidade de "adoção de critérios que permitam .avançosprogressivos dos alunos".

. Como a nor~a permitia a expressão dos resultados da avaliaçãoem notas ou mençoes, multas escolas, e até mesmo sistemas, entenderamque ~s "aspectos qualitativos" seriam preservados pela simples adoçãodas últimas ou de notações congêneres (conceitos, descrições etc.).Porém, c.omo o sistema continuou promocional (classificatório), gerou-seuma série de confusões, especialmente nas transferências de alunospara outros estabelecimentos. Criaram-se verdadeiras tabelas de con-ver~ão de notas em conceitos ou menções, e vice-versa, sobrecarregandomais ~ma vez a burocracia da escola. Não é demais reiterar que agarantia da natureza qualitativa da avaliação independe da expressãofinal dos resultados, pois ela se constrói durante o processo. Por outrolado, os aspectos quantitativos nunca serão totalmente descartados umavez qu~ a oposição absoluta entre quantidade e qualidade constitui um -:also dIle~a, não s6 no interior da escola, como na vida em geral.Já q~e nao pode existir quantidade sem qualidade e qualidade sem

qu~ntIdade (economia sem cultura, atividade prática -sern inteligênciae Vice-versa), qualquer contraposição dos dois termos é, racionalmenteum contra-senso" (Gramsci, 1978: 54). '

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8°) Nas escolas avalia-se apenas o conhecimento adquiridopelo aluno, desprezando-se os aspectos de seu amadurecimentofísico e emocional. Essa situação 'deve ser invertida.

É verdade que, na maioria das escolas e na esmagadora maioriados professores, a avaliação versa apenas sobre os conhecimentosadquiridos pelos alunos. Ou, mais precisamente, sobre as informaçõesque lhes são repassadas. Ela se limita, portanto, a verificar o alcancede objetivos da área cognitiva. Aliás, quase todo o processo deensino-aprendizagem volta-se para o "sujeito gnoseológico" (que co-nhece), em detrimento do "sujeito ontológico" (que atua) ou do "sujeitopraxiológíco" (que conhece-atua e re-conhece).

Dadas as precárias condições de trabalho oferecidas aos professorese o desrespeito com que a categoria vem sendo tratada na sociedadebrasileira, a luta pelo profissionalismo, às vezes, descarta o compromissocom a formação do aluno, por sua referência ao aspecto vocacionaldo desempenho docente. André Haguette tem razão ao afirmar que aassunção do caráter vocacional pelo professor constitui uma espéciede "revanche autoprotetora e autovalorativa, porém conformista, doexplorado, diante do descrédito e do abandono infligido ao trabalho[docente] pelas autoridades" (Haguette, 1990: 45). É claro que a defesado profissionalismo é fundamental. Entretanto, ela não pode deixar delevar em consideração que um de seus elementos constitutivos essenciaisé a consciência-competência, a ser colocada a serviço da preparaçãodo aluno, para que ele intervenha, cada vez mais, com qualidadepolítica e técnica, nas determinações sociais. Essas intervenções de-mandam a síntese, num "sujeito praxiológico", de um ator que,iluminado por um saber científico e objetivo ("sujeito gnoseológico"),tenha uma práxis social ético-política libertadora, que supere a meraatuação egoístico-passional do "sujeito ontológico-psicolõgico",

Em conclusão, não há sentido em se privilegiar um ou outrodomínio, mas integrá-los no desenvolvimento harmônico desse atorqualificado, que será o aluno.

Em razão dos limites deste trabalho, da predominância da preo-. cupação cognitiva da escola e das dificuldades aí apresentadas pelosprofessores, nele trataremos mais dos aspectos relativos à avaliaçãodo sujeito gnoseológico.

Os professores, na sala de aula, trabalham o tempo todo no planodo conhecimento; isto é, deslocam-se no que poderíamos denominar"o campo minado da alta pertinência", uma vez que, além de lidaremcom conteúdos, habilidades e posturas, têm de desenvolver a instru-

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25. Expressão criada por Genuíno Bordignon (1989) e definitivamenra consagrada porMoacir Gadotti (I 992b). Este trabalho se inscreve na mesma linha, sem a pretensão de seiniciar u construção de uma escola de pensamento pedagógico, mas'pelo necessidade urgentede busca de alternativas na universalízação da cidadania no país e no mundo. No mesmosentido tem se desenvolvido todo o esforço do Instituto Paulo Freire.

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• JJ

• ,,26Destacando-se dentre os "aparelhos privados da hegem?ma ,aescola tem na avaliação da aprendizagem, voltada p~a um sistema deaprovação/reprovação, um de seus mais poderosos mstrument~s, nãosó porque cria e fortalece consensos discriminató.rios, na m~dlda emque introjeta nos reprovados a culpa de sua pró~na rep~ovaçao, ~?m~também porque processa um verdadeiro tráfico Ideológico, pel~ UnI-versalízação" da visão de mundo e dos valores dominantes que ~n?culanos retidos no sistema. Porém, como uma das ~ases mat~r~als dasociedade civil - relativamente autônoma da SOCiedade política -,o sistema escolar pode possibilitar, especialmente nos c~ntextos deCrise .(como é o nosso), a inversão, em favor d~s dommados, "das

"diri tes" Inda que não do-relações de hegemonia, tornando-os mgen es , a .mínantes". A "longa marcha", no interior do .espaço de dlsp.uta dahegemonia, para a conquista da direção política, pel~s dommados,exi e· aciência histórica, mormente no setor educaclO.n~l: onde alen~dã~ dos resultados pode obnubilar a visão das possibilidades detransformação social.

. I· e enriqueceu a concepção26 Nos termos da conceituação de Grarnsci, que amp tOU id. ied d lítica - Estado em senti o. do Estado entendendo-o não apenas como SOCI a e po

mar.xlsto as também como sociedade civil. Enquanto a primeira, através de. seus apa~elhosestnto -, m . li nda por meio de

:~~~::~i~~~i~:a~r~a~i~a~~: ~ s~~:::: e~~~:~~~:~ja~ s~~:~~a~~~,ap:~~~os ~oJfticos, ~ei~Sde comunicação de massa etc. -, lhes propicia 11 hegemonia, alicerçada na construç o troconsensos. Ainda que incluído na segunda categoria, o .s~stema escolar ou qualqur~o:U deaparelho da sociedade civil pode ser violento e coercinvo; bem como ~~ aia~camentecoerção da sociedade política operarem, às vezes, no espaço dos consensos I eo ogconstruídos,

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