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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS FARMACUTICAS
AVALIAO DOS EFEITOS DE UM EXTRATO BRUTO DE
CIANOBACTRIAS CONTENDO MICROCISTINAS SOBRE O
DESEMPENHO REPRODUTIVO E A EMBRIOFETOTOXICIDADE DE
RATOS
Aluno: Cristhiano Sibaldo de Almeida
Natal/2013
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS FARMACUTICAS
AVALIAO DOS EFEITOS DE UM EXTRATO BRUTO DE
CIANOBACTRIAS CONTENDO MICROCISTINAS SOBRE O
DESEMPENHO REPRODUTIVO E A EMBRIOFETOTOXICIDADE DE
RATOS
Defesa apresentada ao Programa de
Ps-graduao em Cincias
Farmacuticas, do Centro de Cincias
da Sade da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito
para a obteno do ttulo de Mestre
em Cincias Farmacuticas.
Aluno: Cristhiano Sibaldo de Almeida
Orientadora: Profa. Dra. Paula da Silva Kujbida
Co-Orientadora: Profa. Dra. Aline Schwarz
Natal/2013
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AGRADECIMENTOS
A DEUS, por saber que sempre esteve, est e estar ao meu lado me amando,
protegendo, amparando, cuidando, mesmo sabendo que sou imperfeito e pecador.
Aos meus pais, Gilson Candido e Rosilene Sibaldo, pelo incondicional amor e por
saber que posso contar sempre que preciso.
A minha irm, Thays Sibaldo, sempre do meu lado em todos os momentos e
situaes da vida.
Aos meus sobrinhos, Gabrielly, Joo e Thala, ensinado a cada dia que a vida
simples e bela, dependendo do ponto de vista que voc a v.
A Las Sibaldo e Pedro Natan, pelos momentos de descontrao, importantes para equilibrar os momentos de stress vividos durante todo o mestrado e pela calorosa recepo nesta cidade.
Aos meus tios, Jos Sibaldo e Rosa Maria Sibaldo, pelo apoio, pacincia e por conceder que durante todo o mestrado pudesse est junto eles no seio da sua famlia, proporcionando um verdadeiro lar.
A todos meus familiares, especialmente a Beth e Cristina pelas palavras de conforto em momentos difceis durante a caminhada.
As minhas avs, Zlia e Aurea, pelas oraes dirias oferecidas a mim.
A minha orientadora, Professora Dr Paula da Silva Kujbida, por seu apoio, amizade, compreenso, companheirismo, dedicao, competncia e por toda ateno e sugestes, fundamentais para a concluso deste trabalho.
Aos professores, Aline Schwarz, Dulce Lima, Ivoneide Costa, Cludia Nunes, Ernani Pinto, que destinaram parte de seu precioso tempo para participarem desta pesquisa.
Aos meus amigos que, de uma forma ou de outra, contriburam com sua amizade e com sugestes efetivas para a realizao deste trabalho, gostaria de expressar minha profunda gratido.
Ao Programa de Ps-graduao em Cincias Farmacuticas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte UFRN, pelo apoio minha participao no
mestrado.
A CAPES, pela bolsa concedida durante o tempo de curso.
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SUMRIO
LISTA DE TABELAS ................................................................................................vii
LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................ix
LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS ......................................................................xi
RESUMO..................................................................................................................xiii
ABSTRACT ..............................................................................................................xiv
1 INTRODUO ....................................................................................................... 15
2 FUNDAMENTAO TEORICA ............................................................................. 16
2.1CIANOBACTRIAS E CIANOTOXINAS ............................................................ 16
2.1.1 Microcistinas .............................................................................................. 22
2.1.1.1 Absoro ................................................................................................. 24
2.1.1.2 Mecanismo txico das microcistinas ....................................................... 25
2.2 REPRODUO DE MAMFEROS .................................................................... 26
2.2.1 Produo de gametas ................................................................................ 27
2.2.1.1 Produo de gametas femininos ............................................................. 27
2.1.2 Produo de gametas masculinos ............................................................. 28
2.2.2 O ciclo estral ............................................................................................... 31
2.3 TOXICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO ...................................................... 32
2.4 EFEITOS DAS CIANOTOXINAS NO DESENVOLVIMENTO REPRODUTIVO E
EMBRIOFETOTOXICIDADE ................................................................................... 36
3 OBJETIVOS ........................................................................................................... 39
3.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................... 39
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................. 39
4 MATERIAL E MTODOS ...................................................................................... 40
4.1 SELEO DO EXTRATO DE FLORAO DE CIANOBACTRIAS ................ 40
4.1.1 Coleta das amostras de gua e identificao de cianobactrias e
cianotoxinas ........................................................................................................ 40
4.1.2 Preparo das solues de extrato de cianobactria ................................. 41
4.2 ANIMAIS ........................................................................................................... 41
4.3 DESEMPENHO REPRODUTIVO E EMBRIOFETOTOXICIDADE .................... 42
4.3.1 Acasalamento ............................................................................................. 42
4.3.2 Administrao de extrato bruto de cianobactria contendo MCs ......... 44
4.3.3 Eutansia e cesariana das progenitoras .................................................. 44
4.3.4 Coleta de sangue ....................................................................................... 45
-
4.3.5 Avaliao dos fetos ................................................................................... 46
4.3.6 Avaliao do desempenho reprodutivo ................................................... 46
4.3.7 Avaliao da Embriofetotoxicidade .......................................................... 47
4.3.7.1 Estudo visceral ........................................................................................ 47
4.3.7.2 Estudo esqueltico .................................................................................. 47
4.4 ENSAIO DO DOMINANTE LETAL .................................................................... 49
4.4.1 Administrao de extrato bruto de cianobactrias contendo MCs ....... 49
4.4.2 Administrao de ciclofosfamida ............................................................. 49
4.4.3 Acasalamento ............................................................................................. 49
4.4.4 Eutansia dos machos .............................................................................. 50
4.4.5 Estudo de desenvolvimento reprodutivo de ratas prenhes de ratos
machos tratados ................................................................................................. 50
4.5 ENSAIOS HEMATOLGICOS .......................................................................... 50
4.5.1 Coleta de amostras de medula ssea ...................................................... 51
4.5.2 Coleta de amostras de sangue perifrico ................................................ 51
4.5.3 Contagem dos leuccitos totais da medula ssea ................................. 52
4.5.4 Preparo do citocentrifugado e realizao do mielograma ...................... 52
4.5.5 Contagem dos leuccitos totais e eritrcitos do sangue perifrico...... 52
4.5.6 Dosagem de hemoglobina e determinao do hematcrito ................... 53
4.6 AVALIAO HISTOPATOGICA ..................................................................... 53
4.7 DOSAGEM BIOQUMICA ................................................................................. 54
4.8 ANLISE ESTATSTICA ................................................................................... 54
5 RESULTADOS ....................................................................................................... 55
5.1 IDENTIFICAO DE CIANOTOXINAS ............................................................. 55
5.2 AVALIAO DO DESEMPENHO REPRODUTIVO DE RATAS PRENHES E DA
EMBRIOFETOTOXICIDADE DE SUA PROLE ....................................................... 59
5.3 AVALIAO DA TOXICIDADE MATERNA ....................................................... 62
5.4 AVALIAO DE PARMETROS BIOQUMICOS DAS RATAS PRENHES ..... 66
5.5 AVALIAO HISTOPATOLGICOS DAS RATAS PRENHES......................... 67
5.6 AVALIAO DA FERTILIDADE DE RATAS MACHOS .................................... 69
5.7 AVALIAO DE TOXICIDADE DOS RATOS MACHOS .................................. 70
5.8 AVALIAO BIOQUMICA DOS RATOS MACHOS ......................................... 73
5.9 AVALIAO HEMATOLGICA DOS RATOS MACHOS ................................. 74
5.10 AVALIAO HISTOPATOLGICA DOS RATOS MACHOS .......................... 75
-
6 DISCUSSO .......................................................................................................... 77
7 CONCLUSO ........................................................................................................ 84
REFERNCIAS ......................................................................................................... 85
ANEXO I..................................................................................................................101
ANEXO II.................................................................................................................103
-
vii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Toxinas de cianobactrias de gua doce ou salobra
18
TABELA 2 Valores do limite mximo permitido para toxinas de cianobactrias em gua potvel estabelecidos pela Portaria n. 2.914 (12/12/11) do MS, para padro de potabilidade da gua para consumo humano
20
TABELA 3 Nveis e valores indicativos para o grau de potabilidade da gua distribuda pelas companhias de tratamento
21
TABELA 4 Resultados das anlises de MCs (-RR, -LR, -YR, -LA, -RA, -AR, -FR, -FA), cilindrospermopsina, anatoxina-a e noduralina nas amostras coletadas em diferentes reservatrios do Rio Grande do Norte, analisadas por LC-MS/MS e por HILIC-FD
56
TABELA 5 Resultados da identificao das espcies de cianobactrias predominantes nas amostras de gua coletadas em diferentes reservatrios do Rio Grande do Norte por anlise de microscopia ptica
57
TABELA 6 ndices reprodutivos de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
59
TABELA 7 Taxas de pr-implantao, de reabsoro e de ps-implantao de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
60
TABELA 8 Anlise esqueltica da prole de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
61
TABELA 9
Anlise visceral da prole de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
62
TABELA 10 Ganho de massa corporal (g) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
63
TABELA 11
Ingesto hdrica e consumo de rao de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou
65
-
viii
soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
TABELA 12 Razo do peso dos rgos (peso do rgo/peso corpreo no 20 dia de gestao) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
65
TABELA 13 Massa absoluta e peso relativo dos rgos reprodutores femininos (ovrio e tero, respectivamente) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao
66
TABELA 14 Avaliao de parmetros bioqumicos (ureia, creatinina, ALT e AST) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo 40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia durante 20 dias de gestao
67
TABELA 15 Ganho de peso dos ratos machos tratados por v.o. com gua destilada (grupos CN) ou extrato bruto de cianobactrias contendo 40 ng de MCs/kg/dia (grupos T), durante 52 dias
71
TABELA 16 Ingesto hdrica e o consumo de rao durante os 52 dias de tratamento por v.o. dos ratos machos com gua destilada (grupo controle) ou com uma soluo de extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia)
71
TABELA 17 Peso relativo dos rgos (peso do rgo/ peso corpreo do macho) no 52 dia de tratamento dos ratos machos com gua destilada ou extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia)
72
TABELA 18 Razo do peso dos rgos reprodutivos masculinos/peso corpreo (PO/PC) dos ratos machos aps 52 dias de tratamento com gua destilada (grupo controle) ou com extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia)
73
TABELA 19
Avaliao dos parmetros hematolgicos dos ratos machos tratados por v.o. com gua destilada ou extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40 ng de MCs/kg/dia), durante 52 dias
75
-
ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Estrutura qumica geral das MCs, em que R1 e R2 representam duas posies hiper-variveis
24
FIGURA 2
Coleta de lavado vaginal de rata Wistar, aps o animal ter ficado durante uma noite na mesma caixa com um rato macho para acasalamento, para obteno de esfregao em lmina de microscopia
43
FIGURA 3 Anlise de microscopia ptica (40x) de esfregao vaginal de ratas Wistar, aps noite de acasalamento. As setas indicam os enovelados de espermatozoides
43
FIGURA 4 Administrao de gua destilada ou extrato de cianobactrias contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg de p.c./dia) por gavage em ratos Wistar
44
FIGURA 5 tero grvido aps a remoo de todos os fetos. A seta da esquerda indica a presena de uma reabsoro. A seta da direita mostra a presena de um stio de implantao
45
FIGURA 6 Fetos de ratos Wistar nascidos aps 20 dias de gestao de ratas que foram tratadas nos experimentos desse trabalho. A: natimorto e B: nativivo
46
FIGURA 7 Coleta de amostra de medula ssea do fmur esquerdo da pata traseira de um rato Wistar
51
FIGURA 8 Anlise por LC-MS do extrato bruto de cianobactrias utilizado nos ensaios. A: Cromatograma. B-H: Espectros de massas especficos referentes s microcistinas identificadas no extrato
58
FIGURA 9 Ganho de massa corporal (g) de ratas prenhes tratadas por v.o com gua destilada (grupo controle) ou soluo de extrato bruto de cianobactria contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia) durante 20 dias de gestao. Os valores esto apresentados como mdia EP de intervalos de 2 dias para 8 animais por grupo. P >0,05, como indicado por ANOVA
64
FIGURA 10 Cortes histopatolgicos (10 X) de amostras de fgado (A-D) e de rim (E-H) de ratas prenhes tratadas por v.o. durante 20 dias de gestao com gua destilada (A e E) ou extrato bruto de cianobactria contendo 40 (B e F), 100 (C e G) ou 250 (D e H) ng de MCs/kg/dia. As setas indicam focos de hematopoese extramedular (A-D) e as clulas tubulares sem alteraes morfolgicas (E-H)
68
-
x
FIGURA 11 Taxas de pr-implantao, de reabsoro e de ps-implantao dos ratos fmeas acasalados com ratos machos expostos a gua destilada (grupo CN) ou ao extrato bruto de cianobactrias contendo 40 ng de MCs/kg/dia, durante 52 dias. Alguns animais machos ainda receberam ciclofosfamida (50 mg/kg/dia) via i.p. por 3 dias (grupos CP e TC). Os valores esto apresentados como mdia EP de 9 animais por grupo *p
-
xi
LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS
Adda cido (2S, 3S, 8S, 9S)-3amino-9metoxi-2,6,8-trimetil-10-fenildeca-4,6-dienoco
ALT Aspartato aminotransferase
ANOVA
Analise de Varincia
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
AST Alanina aminotransferase
COBEA Conselho Brasileiro de Experimentao Animal
CYNs Cilindrospermopsinas
D-ala D-alanina
DG Dia da gestao
D-Glu cido glutmico
D- MeAsp cido D-eritro--metil-asprtico
EDTA cido Etilenodiamenoteractico Disdico
ELISA Enzyme-Linked Immunoabsorbent Assay
FUNASA Fundao Nacional de Sade
GV Valor Diretriz
HbCO Caboxihemoglobina
Met-Hb Metehemoglobina
HiCN Cianometehemoglobina
HILIC-FD Cromatografia Lquida de Alta Eficincia de Interao Hidroflica com Detector de Fluorescncia
i.p. Intraperitoneal
ICSH Conselho Internacional de Padronizao em Hematologia
KOH Hidrxido de potssio
LC-MS/MS Cromatografia Lquida acoplada a um Espectrmetro de Massas em Tandem
-
xii
LR Leucina-Argenina
MC-LR Microcistina-LR
MCs Microcistinas
Mdha N-metil deidroalanina min. Minuto
MO Medula ssea
MS Ministrio da Sade
ND No identificado
NOAEL Menor dose sem efeitos txicos observados (No Observed Adverse Effect Level)
OMS Organizao Mundial e Sade
p Nvel de significncia estatstica
RR Arginina-Arginina
SAX Saxitoxina
TDI TDI Ingesto diria tolerada
v/v Volume/Volume
YA Tirosina-Lanina
-
xiii
RESUMO
A presena de floraes de cianobactrias em reservatrios destinados ao
abastecimento populao pode gerar problemas de sade pblica em razo de
muitas espcies serem produtoras de compostos potencialmente txicos e estes no
serem eliminados nos procedimentos convencionais usados em estaes de
tratamento de gua. Portanto, mesmo que em quantidades inferiores ao limite
mximo permitido imposto pelo Ministrio da Sade (MS), cianotoxinas podem estar
presentes na gua potvel distribuda populao, criando uma exposio crnica.
Poucas so as informaes sobre os efeitos em longo prazo da exposio oral s
cianotoxinas. Esse trabalho teve como proposta a exposio por via oral (v.o.) de
animais a um extrato bruto de cianobactria contendo cianotoxinas para avaliao
do desempenho reprodutivo de ratas prenhes e de sua prole e da fertilidade de ratos
machos. A presena de microcistinas (MCs) nas amostras coletadas durante
processos de florao em reservatrios de gua doce do Rio Grande do Norte, foi
analisada por ensaio imunoenzimtico e suas variantes foram identificadas e
quantificadas por mtodos cromatogrficos. Foi observado que a administrao por
v.o. de extrato de cianobactrias contendo MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg/dia)
no causa toxicidade sistmica em ratos adultos, nem efeitos no desempenho
reprodutivo de ratos machos e fmeas tratados. Tambm no foi observado
nenhuma alterao no estudo esqueltico na prole de ratas prenhes tratadas com o
referido extrato. Como as solues utilizadas continham MCs em concentrao igual
ou maior a da dose diria tolervel para MCs, os resultados obtidos sugerem,
portanto, que o desenvolvimento desse trabalho contribuiu para melhor avaliao de
risco sade pblica quanto exposio oral s cianotoxinas, aumentando-se
assim a credibilidade no limite mximo permitido (LMP) de MCs em gua potvel
distribuda populao de diversos pases que usam o LMP estabelecido pela OMS
em sua legislao.
-
xiv
ABSTRACT
The presence of cyanobacterial blooms in reservoirs intended for supply to the
population can create public health problems for many species could produce
potentially toxic compounds and these are not eliminated in the conventional
procedures used in water treatment plants. So even in amounts less than the
maximum allowable limit imposed by MS, cyanotoxins can be present in drinking
water distributed to the population, creating a chronic exposure. There is little
information about the long-term effects of oral exposure to cyanotoxins. This work
aimed to show the exposure orally (v.o) of animals to a crude extract of
cyanobacteria containing cyanotoxins to evaluate the reproductive performance of
pregnant rats and their offspring and fertility of male rats. The presence of
microcystins (MCs) in samples collected during the flowering processes in freshwater
reservoirs in the Rio Grande do Norte, was analyzed by enzyme immunoassay and
its variants have been identified and quantified by chromatographic methods. It was
observed that by administration v.o. cyanobacterial extract containing MCs (40, 100
or 250 ng of MCs / kg / day) did not cause systemic toxicity in adult rats or effect on
reproductive performance of male and female rats treated. It was also not observed
any changes in skeletal study in the offspring of pregnant rats treated with the extract
above. Because the solutions used contained MCs in a concentration equal to or
greater than the tolerable daily intake for MCs, the results suggest, therefore, that the
development of this work contributed to better assess public health risk as the oral
exposure to cyanotoxins, increasing thus the credibility of the maximum allowable
limit (LMP) of MCs in drinking water distributed to the population of several countries
that use the LMP established by WHO in its legislation.
-
15
1 INTRODUO
A presena de toxinas produzidas por cianobactrias em reservatrios de
gua tem causado problemas de sade pblica em vrios pases (FRISTACHI E
SINCLAIR, 2008), sendo as microcistinas (MCs) as cianotoxinas mais encontradas
nessas floraes txicas (US EPA, 2006).
So muitos os trabalhos que buscam esclarecer os efeitos dessas
cianotoxinas em modelos animas (BILLAM et al., 2008; BU et al., 2006; CHORUS E
BARTRAM,1999; DING et al., 2006; ROGERS et al.,2005). No entanto, a via
intraperitoneal (i.p.) a forma de exposio mais utilizada, a qual expe o animal a
toxinas isoladas com o intuito de se conhecer os efeitos de intoxicao aguda.
Pouco relatado sobre os efeitos dessas toxinas em exposio a mdio ou longo
prazo, por via oral com extrato bruto de cianobactria, semelhante a forma a qual a
populao est exposta.
Em 1998, a Organizao Mundial da Sade (OMS) publicou, como orientao
provisria, a concentrao mxima permitida de MCs em gua potvel distribuda
populao (1 g/L). Para derivao deste valor de referncia (VR), foi utilizado o
valor de ingesto diria aceitvel (IDA) de 40 ng de MC-LR /kg de peso corpreo
(p.c.)/dia (VAN APELDOORN et al., 2007). Esse parmetro de segurana foi obtido
a partir de um nico estudo de avaliao de hepatotoxicidade realizado com
camundongos tratados com MC purificada por via oral (v.o.) por 13 semanas (Fawell
et al. 1994).
Por ser crescente o interesse de conhecimento sobre a capacidade das
cianotoxinas em atravessar placentas e causar danos aos fetos (BU et al., 2006;
STOCKTON e PALLER, 1990) e escasso os estudos sobre os efeitos dessas
cianotoxinas sobre a reproduo de animais, incluindo os mamferos (CHERNOFF et
al., 2002), o presente trabalho teve como proposta avaliar os efeitos da exposio
oral a um extrato bruto de cianobactrias contendo cianotoxinas sobre o
desempenho reprodutivo de ratos e prole, sendo que as toxinas identificadas
nesse extrato foram as MCs e para o tratamento dos animais foi utilizada a
concentrao de IDA a fim de avaliar se o VR imposto pela OMS protege no
somente de hepatotoxicidade mas tambm de toxicidade na reproduo de
mamferos.
-
16
2. FUNDAMENTAO TERICA
2.1 CIANOBACTRIAS E CIANOTOXINAS
As cianobactrias so micro-organismos que possuem caractersticas
celulares de procariontes (ausncia de membrana nuclear) e sistema
fotossintetizante semelhante ao das algas (no organizado em cloroplastos)
(SIRQUEIRA e OLIVEIRA-FILHO, 2012). Tendo a capacidade de realizar
fotossntese tanto aerbica como anaerobicamente, e participando do grupo dos
procariontes gram-negativos (LEE, 1991), as cianobactrias so encontradas tanto
em gua doce como salobra e marinha; alm de fontes termais, geleiras e solos de
desertos (CODD et al., 2005; WIEGAND E PFLUGMACHER, 2005). Elas podem
estar organizadas estruturalmente em unicelular, colnias ou filamentos (HAIDER et
al., 2003).
Em ambientes no impactados, normalmente as cianobactrias no causam
problemas, em razo da dinmica dos ecossistemas. Porm, a atividade
antropognica pode promover a chamada eutrofizao artificial, que representa o
aumento das concentraes de nutrientes - principalmente fsforo e nitrognio - nas
bacias hidrogrficas, provocando o crescimento acelerado de cianobactrias,
definido como florao ou bloom (CODD, 2000; WIEGAND E PFLUGMACHER,
2005). A florao se caracteriza pelo intenso crescimento desses microrganismos na
superfcie da gua, formando uma densa camada de clulas com vrios centmetros
de profundidade (FUNASA, 2003).
A durao e o perodo da estao da florao de cianobactrias dependem
muito das condies climticas da regio. Em zonas temperadas, as floraes de
cianobactria so mais proeminentes durante o final do vero e incio do outono, e
pode durar de 2 a 4 meses. Em regies com climas subtropical ou mediterrneo, os
perodos de florao podem iniciar mais cedo e persistir por mais tempo. Na Frana
as floraes podem ocorrer por 4 meses, e no Japo, Portugal, Espanha e frica do
Sul por 6 meses ou mais. Em anos de seca em reas de clima tropical ou subtropical
da China, Brasil e Austrlia, as floraes de cianobactrias podem ocorrer quase o
ano todo (CHORUS E BARTRAM, 2003; VAN APELDOORN et al., 2007). A
toxicidade das floraes de cianobactrias varia principalmente em decorrncia das
-
17
alteraes na proporo de cepas txicas ou no presentes no ecossistema
(FUNASA, 2003).
A constante degradao ambiental nas bacias hidrogrficas de intensa
ocupao antrpica tem alterado significativamente a qualidade de seus corpos
d'gua (AGUJARO e ISAAC, 2002). Alm de problemas que pode trazer ao meio
ambiente como morte de peixes por menor oxigenao da gua, a florao de
cianobactrias em reservatrios de gua pode trazer srios problemas sade
pblica (CODD et al., 2005; BITTENCOUT-OLIVEIRA e MOLICA, 2003; AZEVEDO,
1998; BRANDO E DOMINGOS, 2006), em virtude que algumas cianobactrias
serem produtoras de toxinas, denominadas de cianotoxinas, e assim gerarem as
floraes txicas (SKULBERG, 2000; SINCLAIR et al., 2008).
Entre os principais gneros de cianobactrias produtores de toxinas esto:
Dolichospermum, Aphanizomenon, Cylindrospermopsis, Lyngbya, Microcystis,
Nodularia, Nostoc e Oscillatoria (conhecida tambm como Planktothrix)
(BITTENCOURT-OLIVEIRA et al., 2005; BOTANA, 2007; VASCONCELOS, 2001).
As principais toxinas produzidas por esses gneros so microcistinas (MCs),
cilindrospermopsinas (CYNs), saxitoxina (SAX) e seus anlogos, nodularinas,
anatoxina-a, homoanatoxina-a, anatoxina-a(s) (CARNEIRO E LEITE, 2008).
As cianotoxinas so consideradas produtos do metabolismo secundrio das
cianobactrias e podem permanecer no interior da clula, ficarem aderidas parede
celular externa ou serem liberadas para o meio extracelular. Devido algumas
cianobactrias apresentarem as mesmas caractersticas ecolgicas e fisiolgicas,
elas se agrupam no ecossistema planctnico e desenvolvem as chamadas eco
estratgias (MUR, SKULBERG E UTKILE, 1999). Por isso, alguns autores
acreditam que as cianotoxinas teriam a finalidade de conferir vantagens na
competio (alelopatia) com outras cianobactrias e microalgas (o que explicaria o
domnio das espcies txicas em ambientes eutrofizados), ou na defesa, j que
essas toxinas inibem a predao desses microrganismos pelo zooplncton (LEE,
1991; CARMICHAEL, 2008; CHORUS E BARTRAM, 2003).
As cianotoxinas so classificadas em trs diferentes grupos, de acordo com a
sua estrutura qumica, podendo ser: peptdeos cclicos, alcalides e
lipopolissacardeos (BRANDO E DOMINGOS, 2006). Essas variaes so
determinantes no tipo de mecanismo de ao que so descritos como:
hepatotxicos, neurotxicos e dermatotxicos (QUILLIAM, 1999; HUMPAGE, 2008;
-
18
VASCONCELOS, 2001). Na tabela 1 so apresentados as estruturas qumicas e os
mecanismos de toxicidade das principais cianotoxinas.
Tabela 1- Toxinas de cianobactrias de gua doce ou salobra
Toxinas Estrutura molecular Modo de toxicidade
Hepatotoxinas
Microcistinas
(Heptapeptdeo cclico)
Promotor de tumor, inibidor de fosfatases [Mackintosh et al., 1990].
Nodularinas
(Pentapeptdeo cclico)
Promotor de tumor, inibidor de fosfatases
[Ueno et al., 1996].
Cilindrospermopsinas
(Alcalide)
Inibidor de sntese proteica [Sverck e Smith,
2004]
Neurotoxinas
Saxitoxina e seus anlogos
(Alcalide)
Bloqueiam a gerao e propagao de potenciais de ao dos neurnios e fibras de msculos esqueltico e cardaco. Esse bloqueio da transmisso nervosa induz paralisia muscular [Humpage, 2008].
Anatoxina-a
(Alcalide) Potentes agonistas nicotnico da acetilcolina
[Osswald et al., 2007]
Homoanatoxina
(Alcalide)
Anatoxina-a(s)
(ster metlico)
Organofosforado natural que age como inibidor
irreversvel da acetilcolinesterase (s
de salivao) [Van Apeldoorn et al., 2007]
-
19
Toxinas
Estrutura molecular
Modo de toxicidade
Dermatotoxinas
Aplisiatoxina
(Bilactona fenlica)
Causam dermatite [van Apeldoorn et al., 2007].
Lingbiatoxina-a
(Alcalide indlico)
Causam dermatite e severa inflamao
gastrintestinal [Osborne et al., 2001].
Em todo o mundo, as constantes floraes txicas em reservatrios tem se
tornado um grande problema para animais e seres humanos (AZEVEDO, 1998;
BRANDO E DOMINGOS, 2006). O primeiro relato de morte de animais causada
por florao de cianobactrias ocorreu em 1878, no sul da Austrlia, onde ovelhas,
cavalos e ces foram intoxicados aps beberem gua de um lago contaminado
(SINCLAIR et al., 2008). A partir de ento muitos pases relataram intoxicaes
provocadas pela exposio a estas toxinas (CHORUS E BARTTAN, 1999).
No Brasil, o relato de intoxicao letal atribudo a cianobactria em gua
potvel foi a mundialmente conhecida Sndrome de Caruaru. Aconteceu quando
um foco de insuficincia heptica aguda ocorreu em um centro de hemodilise em
Caruaru, Pernambuco em 1996. Na clnica 116 dos 131 pacientes apresentaram
distrbios visuais, nuseas e vmitos aps rotina de tratamento de hemodilise.
Posteriormente, cerca de 100 pacientes desenvolveram insuficincia heptica
aguda, e, destes, 76 morreram (JOCHIMSEN et al., 1998; POURIA et al., 1998;
CODD et al., 1999; CARMICHAEL et al., 2001; AZEVEDO et al., 2002).
Tabela 1 - Toxinas de cianobactrias de gua doce ou salobra (Continuao) (Continuao da tabela 1 na prxima pgina)
-
20
Como medidas efetivas, geralmente, s so acionadas quando ocorrem
graves incidentes, esse caso fatal levou a criao da portaria que estabelece o limite
mximo de cianotoxinas na gua para o consumo humano (PEREIRA BRASIL E
BRANDO, 2005). A Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), por meio
da portaria no 1469/00 (dezembro/2000), passou a exigir dos rgos competentes e
responsveis pelo tratamento e fornecimento de gua, o monitoramento de
cianobactrias e controle de cianotoxinas, dando o prazo at 2003 para que esses
rgos se adequassem essa portaria. E, em 2004, o Ministrio da Sade (MS), por
meio da portaria n. 518 (25/03/04) reformulou e revogou a portaria no 1469/00 e
passou a exigir procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilncia
da qualidade da gua para consumo humano e seu padro de potabilidade. Tornou-
se obrigatrio o monitoramento de cianobactrias e anlise de MCs e foram
recomendadas as anlises de CYNs e SAX. A tabela 2 mostra os valores mximos
permitidos para toxinas de cianobactrias em gua potvel.
TABELA 2- Valores do limite mximo permitido para toxinas de cianobactrias em
gua potvel estabelecidos pela Portaria n. 2.914 (12/12/11) do MS, para padro de
potabilidade da gua para consumo humano
TOXINAS LIMITE MXIMO
PERMITIDO (g/L)
MICROCISTINAS 1
CILINDROSPERMOPSINAS 1*
SAXITOXINA 3
*H apenas uma recomendao pela Portaria n. 2.914
do MS para a determinao de cilindrospermopsinas,
observando os valores limites.
Com o surgimento da portaria, os setores responsveis pelo abastecimento
de gua pblica devem estar diariamente em alerta para s floraes de
cianobactrias (SANTOS e BRACARENSE, 2008), que para a Funasa (Fundao
Nacional de Sade), dividido em vrios nveis de acordo com o grau de
potabilidade da gua distribudas pelas companhias de tratamento. O nvel de
vigilncia caracteriza-se pela deteco dos estgios iniciais do desenvolvimento
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21
dessas floraes a partir de monitoramento sistemtico do manancial. A confirmao
para o incio do estabelecimento de uma florao de cianobactrias ocorre no nvel
de alerta 1. No Nvel de alerta 2, alm da confirmao de uma florao de
cianobactrias, j so observados problemas na qualidade de gua. Por fim, o nvel
de alerta 3 apresenta florao txica no manancial, o qual traz riscos iminentes para
sade da populao (FUNASA, 2003). Para cada nvel de vigilncia existem alguns
indicativos de confirmao, descritos na tabela 3.
Tabela 3- Nveis e valores indicativos para o grau de potabilidade da gua
distribuda pelas companhias de tratamento
Nvel Valores indicativos
Vigilncia - uma colnia ou cinco filamentos de cianobactrias por mililitro de gua bruta at 10.000 clulas/mL - 0,2 mm3 a 1 mm3/L de biovolume
Nvel 1 - 10.000 a 20.000 clulas de cianobactrias por mililitro - 1 a 2 mm3 /L de biovolume
Nvel 2 - 20.000 a 100.000 clulas de cianobactrias por mililitro - 2 a 10 mm3/L de biovolume
Nvel 3
- nmero de clulas de cianobactrias maior que 100.000/ml; biovolume >10 mm3/L - presena de cianotoxinas confirmada por anlises qumicas - bioensaios de toxicidade
(Adaptada de FUNASA, 2003)
Segundo o Ministrio da Sade (2003), a principal via de exposio que
resulta em intoxicao se d pelo consumo oral da gua contaminada com
cianobactrias. O contato de animais e humanos tambm pode ocorrer em
atividades de recreao no ambiente que apresente cianotoxinas ou ainda pelo
consumo de alimentos e medicamentos contaminados (BRANDO E DOMINGOS,
2006; ESKINAZI-SANTANNA et al., 2006; PEREIRA et al., 2011; RELLAN et al.,
2009).
Em mamferos, o efeito das toxinas depende do modo de ao, podendo
ocasionar efeitos agudos (irritao de pele, gastroenterites e at parada respiratria)
ou crnicos (formao de tumores devido ingesto de gua contaminada com MCs
e CYN) (PANOSS et al., 2007, NOVKOV, BLHA e BABICA, 2012). Para Chorus
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22
e Bratam (2003) em estudo com camundongos, a exposio aguda a cianotoxinas
hepatotxicas ou neurotxicas, acarretaram numa morte rpida do animal por
hemorragia heptica e parada respiratria, respectivamente.
Estudos mostraram a persistncia de MC residual intacta, em gua submetida
ao tratamento convencional de potabilidade (KOMAGAE e HIROOKA, 2000).
Pesquisas revelam que as tecnologias de tratamento de gua usuais, envolvendo a
coagulao qumica, floculao, sedimentao ou flotao, e filtrao, no
apresentam eficincia significativa na remoo de cianotoxinas dissolvidas na gua
(VIANA-VERONEZI et al., 2009), ou seja, a populao est constantemente exposta
a nveis de cianotoxinas que esto abaixo dos valores de referncia determinados
pela legislao Brasileira (Portaria n. 2.914), permitindo que no seja evitado os
efeitos deletrios no organismo. Porm, poucos so os estudos toxicolgicos sobre
os efeitos da exposio subcrnica e crnica a baixas concentraes dessas
cianotoxinas (FUNARI E TESTAI, 2008; SOARES, 2009).
2.1.1 Microcistinas
As microcistinas (MCs) foram primariamente assim chamadas por terem sido
isoladas pela primeira vez da espcie Microcystis aeruginosa (LAWTON e
EDWARDS, 2001), porm, j so conhecidos outros gneros de cianobactrias que
produzem as MCs, como Dolichospermum, Oscillatoria e Nostoc (CHORUS E
BARTRAM, 2003; DAWSON, 1998).
As MCs so formadas por peptdeos produzidos pela via no-ribossomal
(ZILLIGES et al., 2011) e as enzimas envolvidas nessa sntese so classificadas
como modulares, ou seja, em cada mdulo possuem informaes de uma nica
unidade de peptdeo (HAIDER et al., 2003). So classificadas como hepatotoxina
(FALCONER e YEUNG, 1991; FALCONER e HUMPAGE, 2005; MOLICA e
AZEVEDO, 2009) e apresentam estrutura qumica (figura 1) composta por sete
aminocidos unidos por ligaes peptdicas em uma configurao cclica
(ANTONIOU et al., 2008). Sua composio estrutural geral apresenta uma D-alanina
(D-ala) na posio 1, dois L-aminocidos varveis nas posies 2 e 4, o cido
glutmico (D-Glu) na posio 6, e por trs aminocidos incomuns: um cido D-eritro-
-metil-asprtico (D-MeAsp) na posio3, um cido (2S, 3S, 8S, 9S)-3-amino-9-
metoxi-2,6,8-trimetil-10-fenildeca-4,6-dienoco (Adda) na posio 5 e uma N-metil
deidroalanina (Mdha) na posio 7 (APELDOORN et al., 2007; DAWSON, 1998). A
-
23
presena do aminocido Adda essencial para a atividade biolgica das MCs
(DAWSON, 1998; LAKSHMANA RAO et al., 2004) e parece desempenhar papel de
destaque na hepatotoxicidade, j que sua remoo reduz drasticamente a toxicidade
das MCs (KOMAGAE e HIROOKA, 2000).
A nomenclatura das MCs foi proposta por Carmichael et al (1988) e teve
como base a composio dos L-aminocidos das MC (figura 1), como por exemplo a
MC-LR (leucina-arginina), MC-RR (arginina-arginina) e MC-YA (tirosina-alanina). A
combinao das duas variveis L-aminocidos, X e Z, so responsveis pelas
diferenas encontradas entre as MCs (GUPATA et al., 2003). Porm, o grau de
metilao dos aminocidos, bem como as variaes isomricas no aminocido
Adda, tambm so usadas na classificao dessas cianotoxinas (MERILOUTO e
CODD, 2005). A MC mais comumente encontrada a MC-LR (FALCONER e
HUMPAGE, 2005; LAWTON e EDWARDS, 2001), seguida de MC-RR e MC-YA
(JAYARAJ e LAKSHMANA RAO, 2006), porm atualmente j foram descritas mais
de 70 variantes de MCs (VIA-ORDORIKA et al., 2004; CHEN et al., 2011).
-
24
R1 R2
MC-LR Leucina Arginina
MC-RR Arginina Arginina
MC-YA Tirosina Alanina
MC-LA Leucina Alanina
MC-RA Arginina Alanina
MC-AR Alanina Arginina
MC-FR Fenilalanina Arginina
MC-FA Fenilalanina Alanina
FIGURA 1- Estrutura qumica geral das MCs, onde R1 e R2 representam duas
posies variveis
A dose letal (DL50) da MC pode variar de 50 -11.000 g/kg dependendo do
anlogo de MC, a espcie afetada e a via de administrao (PUSCHENER e
HUMBERT, 2007). A menor dose sem apresentao de efeitos txicos (No
Observable Adverse Effect Level - NOAEL) foi estipulada para MC-LR aps
resultados de um nico experimento com camundongos tratados por via oral (v.o.)
com 40 g de MC-LR/kg de peso corpreo/dia, durante 13 semanas (FAWEEL et al.,
1994).
2.1.1.1 Absoro
Aps a ingesto de gua contaminada com Microcystis, o ambiente cido
estomacal gera lise celular fazendo com que as MCs sejam liberadas para o meio
extracelular (PUSCHENER e HUMBERT, 2007), no entanto, a liberao no s
-
25
ocorre no estmago, mas tambm pode ocorrer no leo (SANTOS e BRACARENSE,
2008). A MC-LR, e a maioria dos seus congneres, so hidroflicas e geralmente
no so capazes de penetrar na membrana celular (ZEGURA, STRASER e FILIPIC,
2011), requerendo uma via de transporte dependente de trifosfato de adenosina
(ATP), que at agora foi descrito como sendo o mesmo transporte de cidos biliares
(APELDOORN et al., 2007). Como resultado disso, a ao txica dessa cianotoxina
se concentra nos rgos que apresentam esse tipo de transporte de membrana,
como o caso do fgado que tem ao txica nos hepatcitos (HAIDER et al., 2003;
ZEGURA, STRASER e FILIPIC, 2011). As clulas do intestino delgado tambm
expressam estes receptores e so estes os responsveis pela entrada das MCs
para corrente sangunea (APELDOORN et al., 2007). Uma vez absorvida, a MC
rapidamente chega ao fgado pela circulao sangunea portal (SANTOS e
BRACARENSE, 2008).
2.1.1.2 Mecanismo txico das MCs
A toxicodinmica das MCs est relacionada a disfunes hepticas agudas e
crnicas, com hemorragia e morte (FERRO FILHO, 2009). Uma vez dentro do
hepatcito, as MCs inibem as protenas fosfatases 1 (PP-1) e 2A (PP-2A), causando
hiperfosforilao das protenas do citoesqueleto, resultando na deformao dos
hepatcitos (APELDOORN et al., 2007; MORODER e BOHNER, 1998). A ruptura
dos componentes do citoesqueleto e o rearranjo da actina filamentosa
(PUSCHENER e HUMBERT, 2007) so mecanismos importantes, pois levam
retrao dos hepatcitos, provocando a perda do contato entre eles e os capilares
sinusides, fazendo com que o fgado perca sua arquitetura e desenvolva leses
(PAPAIORDANOU, FONTEBELLE E SAAD, 2009).
Nas intoxicaes agudas por MCs, as leses hepticas causam perda de
sangue intra-heptico e pode evoluir para o choque hemorrgico (FALCONE e
HUMPAGE, 2005). Os efeitos txicos das MCs no ocorrem somente nos
hepatcitos (SANTOS e BRACARENSE, 2008), tm sido observados danos severos
tambm em clulas renais, pulmonares e cardacas em animais tratados com MCs
(FUNASA, 2003).
As substncias que inibem as PP so consideradas promotores de tumor, as
quais tm funo reguladora importante na homeostase celular (APELDOORN et al.,
2007), em conjunto com as quinases proteicas, a PP-1 e a PP-2 regulam o
-
26
mecanismo de fosforilao e desfosforilao das protenas no processo de diviso
celular (SANTOS e BRACARENSE, 2008). Por isso, alguns autores j afirmam que a
MC-LR possui propriedade genotxica e carcinognica, porm, essas publicaes
ainda so contraditrias, pois alguns trabalhos mostram que a MC-LR no
mutagnica (ABRAMSSON-ZETTERBERG, SUNDH e MATTSSON, 2010).
Recentemente alguns trabalhos tm sido desenvolvidos tambm para esclarecer se
As cianotoxinas so capazes de causar embriofetotoxicidade e/ou alterao no
desempenho reprodutivo de mamferos (BU et al., 2006). Este interesse se d por
existir relativamente poucos dados sobre seu potencial em induzir toxicidade no
desenvolvimento fetal (CHERNOFF et al., 2002).
2.2 REPRODUO DE MAMFEROS
A reproduo o mecanismo essencial para perpetuao e diversidade das
espcies, assim como para a continuidade da vida (ARAJO et al., 2007). Em
mamferos um processo cclico que apresenta vrias fases: maturao sexual;
produo e liberao de gametas; fertilizao; transporte; implantao;
embriognese; desenvolvimento fetal; parto; lactao e desenvolvimento ps-natal;
crescimento e desenvolvimento e novamente a maturao sexual fechando o ciclo
(LEMONICA, 2008). Neste ciclo, a produo de gametas (gametognese) o nico
ponto que diverge para os indivduos de sexo feminino e masculino, os quais sero
discutidos no item 2.2.1.
O hipotlamo sintetiza o hormnio liberador de gonadotrofinas (GnRH),
enquanto trs hormnios produzidos pela hipfise anterior so importantes para o
processo reprodutivo da fmea: hormnio folculo estimulante (FSH), hormnio
luteinizante (LH) e prolactina (PRL) (MENDONA et al., 2007). Todavia, a partir de
resultados obtidos com roedores, observou-se que estressores fsicos ou
emocionais atuam sobre o hipotlamo alterando a secreo de fatores liberadores
ou inibidores de hormnios hipofisrios (MOREIRA et al., 2005) resultando em
alterao em todo o sistema reprodutivo.
Os distrbios que afetam o sistema reprodutor incluem reduo na fertilidade,
impotncia, distrbios menstruais, abortos espontneos, menor peso no nascimento
entre outros efeitos sobre o desenvolvimento (EPA, 1996). A gametognese e a
fertilizao, envolvidos no processo de reproduo, tambm podem sofrer aes que
levam a distrbios na reproduo. De acordo com Rogers e Kavlock (2008), essas
-
27
fases so vulnerveis s aes de substncias txicas durante o processo de
imprinting genmico. Esse processo consiste em um mecanismo regulado
epigeneticamente segundo o qual os genes se expressam de acordo com sua
origem parental - paterna ou materna e pode estar sujeito ao de toxinas por
envolver o processo de metilao da citosina e mudana da conformao da
cromatina (MURPHY E JIRTLE 2000).
Os erros mais comuns so mutaes em um gene que sofre imprinting. Se a
mutao incidir no alelo silenciado, nenhum efeito pode ser obviamente esperado,
mas se ocorrer no alelo ativo, haver ausncia de produo de uma determinada
protena (CITRIN, 2012). A localizao do erro tambm pode variar. Portanto, o erro
pode ser no centro de imprinting, no qual acometer um nmero maior de genes
devido sua abrangncia ou, ainda, pode ser por dissomia uniparental (LEE et al.,
2002).
2.2.1 Produo de gametas
O processo de produo das clulas germinativas difere no macho e na
fmea. O nmero de clulas germinativas no macho grandemente aumentado
durante a espermatognese atravs da mitose e o suprimento das clulas
reabastecido durante a vida enquanto que na fmea a mitose cessa ao nascimento e
a ovognese envolve o desenvolvimento de um nmero limitado de clulas
germinativas pr-formadas tendo o nmero de clulas continuamente diminudo
durante a vida reprodutiva (SWENSON e REECE, 1996).
2.2.1.1 Produo de gametas femininos
A ovognese caracterizada pela produo de ovcitos pelas clulas
germinativas primordiais (ovogonias) e pela proliferao mittica de clulas epiteliais
internas originadas de uma interao de diversos tipos celulares (DERRUSI e
LOPES, 2009). A produo de gametas femininos muito precoce e comea ainda
na vida intrauterina, no interior dos folculos ovarianos (ARAJO et al., 2007;
BEIGUELMAN, 2008). Quando a ovognia sofre vrias divises mitticas, algumas
continuam a se dividir por mitose e outras param na prfase da meiose 1 e do
origem aos ovcitos primrios (SADLER, 2010). Aps o nascimento nenhum ovcito
primrio formado (MOORE, 2008) e caso ocorra destruio de gametas o animal
ser infrtil (SWENSON e REECE, 1996).
-
28
To logo o ovcito primrio formado ele circundado por uma nica
camada de clulas foliculares achatadas e passa a ser chamado de folculo
primordial (MOORE, 2008). Quando as clulas foliculares comeam a se proliferar e
a mudar sua forma achatada para uma cuboide estabelecido o folculo primrio
(HYTTLE, SINOWTZ e VEJLSTED, 2010).
A meiose iniciada durante a vida intrauterina interrompida e no recomea
antes da puberdade (SADLER, 2010; SWENSON e REECE, 1996). Acredita-se que
as clulas foliculares que circulam o ovcito primrio secretam uma substncia
inibidora de maturao do ovcito, o que permite a parada no estgio meitico
(MOORE, 2008). S na puberdade que os ovcitos primrios do origem aos
ovcitos secundrios com a concluso da primeira meitica (BRITO, 1998). Na
ovulao o ncleo do ovcito secundrio inicia a segunda diviso meitica, progride
at a metfase, onde novamente interrompida e s ser completado se ocorrer a
fecundao (MOORE, 2008).
Todo o processo de formao dos ovcitos maduros ocorre nos folculos ovarianos
que so as unidades funcionais e fundamentais dos ovrios (ARAJO et al., 2007).
O ovrio um rgo composto por vrios tipos celulares diferenciados e pode ser
dividido em duas regies: uma medular, que, na maioria das espcies, consiste na
poro interna do ovrio e constituda por tecido conjuntivo, nervos, artrias e
veias; e uma regio cortical, que contm corpos lteos e folculos ovarianos em
diferentes estgios de desenvolvimento (LEITO et al., 2009). No sistema reprodutor
feminino o ovrio o rgo sexual primrio e secretor dos hormnios sexuais
femininos (i.e. progesterona, estrgenos), onde se encontram os folculos que
contm em seu interior os ovcitos (gameta feminino) (FONSECA, 2005). Esse
rgo responsvel tanto pela produo dos gametas quanto pela manuteno da
fertilidade (HASSUM FILHO, SILVA e VERRESCH, 2001).
2.2.1.2 Produo de gametas masculinos
O testculo apresenta similaridades para quase todos os mamferos, sendo
mais comum a variao da proporo volumtrica de seus componentes (SOARES
et al., 2005). Por ser um rgo de funes endcrinas e excrinas, tem como
estrutura uma cpsula conjuntiva que o envolve e emite septos para seu interior
dividindo-o em compartimentos tubulares e intertubulares (BANKS, 1992). No
primeiro, localizam-se as clulas germinativas e as clulas de Sertoli e, no segundo,
-
29
est todo o aporte de vasos sangneos e linfticos, clulas de Leydig, fibroblastos,
macrfagos e mastcitos (MASCARENHAS et al., 2006).
Durante os estgios iniciais da organognese no testculo de ratos, as clulas
de Sertoli so as primeiras a sofrerem diferenciao no primrdio gonodal. Isso
ocorre entre 13,5 e 14,5 dias aps a concepo, e depois da formao dos cordes
testiculares ocorre um rpido aumento dessas clulas (ANGELOPOULOU et al.,
2007). Apesar de essa proliferao ser mais intensa no perodo pr-natal, ela
tambm est presente nos primeiros momentos ps-natal (PETERSEN et al., 2001).
A proliferao de clulas de Sertoli durante o desenvolvimento pr-natal crtico
para estabelecer o tamanho final dessas clulas, necessrias para uma quantidade
normal de espermatozoides (ANGELOPOULOU et al., 2007).
As clulas de Sertoli revestem os tbulos seminferos e geram uma barreira
sangue-testculo que atuam na proteo das clulas germinativas, alm de
desempenharem interaes de transporte de nutrientes e de molculas reguladores
para as clulas germinativas (HYTTEL, SINOWATZ e VEJLSTED, 2010; SYED e
HECHT, 2002; SWENSON e REECE, 1993). Tambm atribudo a essas clulas
funo de regulao da espermatognese (RUSSEL e GRISWOLD, 1993).
A espermatognese, na maioria dos mamferos, tem uma durao de 40 a 60
dias (FRANA e RUSSELL, 1998). No rato esse ciclo tem durao de 52 dias
(HILSCHER, 1964). A espermatognese uma sequncia de eventos celulares que
resultam na formao do espermatozoide maduro a partir de clulas precursoras
(OSHIO A GUERRA, 2009), ou seja, uma espermatognia tronco gradativamente
diferenciada numa clula haplide altamente especializada (COSTA e PAULA,
2003). um processo que ocorre com diferenciao celular continua e que pode ser
divido em trs fases principais: renovao das espermatognias e proliferao,
meiose e espermiognese (LIU et al., 2007).
Esse processo ocorre nos tbulos seminferos onde as espermatognias
sero transformadas em espermatcitos primrios (MOORE, 2008). Cada
espermatcito primrio ao sofrer a primeira diviso da meiose d origem a dois
espermatcitos secundrios (ARAJO et al., 2007). A meiose um tipo especial de
diviso celular que produz os gametas haploides a partir de clulas diploides
parentais (LIU et al., 2007), ou seja, na primeira diviso da meiose reducional,
assim os espermatcitos secundrios passam a ter metade do nmero de
cromossomos (ARAJO et al., 2007). Em seguida os espermatcitos secundrios
-
30
sofrem a segunda diviso meitica formando quatro espermtides com cerca da
metade do tamanho dos espermatcitos secundrios (MOORE, 2008).
As espermtides se diferenciam em espermatozoides atravs de uma srie de
modificaes morfolgicas progressivas, em um processo conhecido como
espermiognese que parte da espermatognese e ocorre, predominantemente, no
interior de cistos germinativos, envolvidos por clulas de Sertoli, onde se localizam
as espermtides (AIRES, STEFANINI e ORSI, 2000; COSTA e PAULA, 2003). Uma
vez formados, os espermatozoides so transportados dos tbulos seminferos para o
epiddimo onde se tornam funcionalmente maduros (MOORE, 2008). No mamifro, a
maturao das clulas germinativas para formao dos espermatozoides ocorre at
o final da vida do indivduo em que cada espermatognia tronco dar origem a
quatro espermatozoides (ARAJO et al., 2007).
A ateno para os mecanismos de toxicidade afetando o controle da
espermatognese tem demonstrado que existe uma vasta gama de compostos que
relacionada com aes txicas a alguma clula envolvida nesse processo
(MANTOVANI e MARGANGHI, 2005). A infertilidade pode ocorrer por vrias causas
relacionadas ao meio ambiente (DIB et al., 2007). Alteraes afetando as clulas de
Sertoli, durante o perodo crtico de multiplicao, pode levar a uma potencial
reduo no nmero final dessas clulas (PETERSEN et al., 2001). Alm do calor,
agentes citotxicos e doenas podem conduzir a um colapso na espermatognese e
levar a infertilidade (SYED e HECHT, 2002). As substncias podem agir por efeito
citotxico direto nas clulas germinativas masculinas, no entanto, existe uma
crescente preocupao com as substncias que atuam por efeitos mais sutis
(PETRELLI e MANTOVANI, 2002). So muitas as substncias que podem atuar
promovendo essas alteraes citotxicas, tais como: metais pesados,
antimetablicos, praguicidas, herbicidas, antibiticos, anticancergenos
(STEINBERGE e KLINEFELTER, 1993). Para as toxinas, a avaliao de danos
testiculares pode ser realizada por anlises de parmetros tais como a fertilidade,
ndice de prenhez, morfologia celular testicular e mortalidade do espermatozoide
(SUTER et al., 1997).
-
31
2.2.2 O ciclo estral
Estro ou cio, comumente referido como dia zero do ciclo estral, o perodo da
fase reprodutiva do animal no qual a fmea apresenta sinais de receptividade
sexual, seguida de ovulao (VALLE, 1991). Nas ratas, normalmente esse ciclo
ocorre a cada 4 ou 5 dias (ADLER E BELL, 1968; ANDRADE, PINTO e OLIVEIRA,
2002; BERTAN et al., 2006) e divido em quatro fases ou perodos: proestro, estro,
diestro I ou metaestro e diestro II (ANDRADE, PINTO e OLIVEIRA, 2002).
Essas fases do ciclo estral podem ser caracterizadas pela presena
diferenciada de clulas que cada fase apresenta. No proestro predominam-se as
clulas nucleadas; no estro, as clulas cornificadas com intensa descamao e
anucleadas; no metaestro poucas clulas nucleadas, moderadas clulas anucleadas
e grande quantidade de leuccitos e no diestro excesso de leuccitos (ARAUJO et
al., 2009). Alm da diferenciao celular, essas fases apresentam atividade
hormonal diferente para o estrgeno e a progesterona. So observados que as fases
de atuao do estrgeno so proestro e estro, enquanto que a progesterona atua no
metaestro e diestro (CONCEIO et al., 2005). As variaes nos nveis hormonais
esto intimamente ligadas ao comportamento sexual da rata.
As fases do ciclo estral proestro e estro tm durao de 12 horas, enquanto
metaestro e diestro tem durao de 15 e 57 horas, respectivamente (ANDRADE,
PINTO e OLIVEIRA, 2002; ARAUJO et al., 2009). O ciclo estral vulnervel s
influncias externas que levam ao seu desregulamento. Segundo Santos et al.
(2003), a ausncia de luz influncia diretamente na frequncia das fases do ciclo
estral de ratas, provocando reduo na incidncia da fase de estro, fazendo com
que ocorra o alongamento do ciclo estral nesses animais.
Para Beach (1976), trs conceitos representam as caractersticas das fmeas
quando esto na fase estro: atratividade, proceptividade e receptividade. no
perodo da receptividade que as fmeas aceitam os machos para a cpula. Existem
diferentes opinies quanto ao perodo de maior receptividade das ratas. Para alguns
autores, na noite do proestro que a fmea apresenta a receptividade e, portanto,
est pronta para o coito (ARANDA, 2011). J para Lucion et al. (2003), o perodo
mais receptivo das ratas ocorre durante a fase estro, concordando assim com Beach
(1976). A regulao hormonal da receptividade tambm um ponto de divergncias
entre os pesquisadores. Para Powers (1970), em resultados de experimentos
-
32
durante o ciclo estral de ratas, o comeo do comportamento sexual requer a
facilitao da ao da progesterona, porm esse hormnio no atua na
determinao da receptividade. Seguindo a mesma linha, em 1976 Powers e
Moreines publicaram que a durao da receptividade determinada pela quantidade
e durao de secreo de estrgeno, e no pela ao inibitria da progesterona.
Porm, para Luttge e Hughes (1976), a progesterona modula influncias na
receptividade sexual.
O perodo em que a rata est pronta para o coito denomina-se de estro
comportamental. nessa fase que a rata apresenta a lordose, uma curvatura
espinhal assumida como postura para a cpula e a caracterstica mais
proeminente da receptividade da fmea (SAGAE, 2010). A apresentao da lordose
muito importante para o sucesso reprodutivo em ratos, pois ela que permite a
insero peniana pelo macho (GOMES, 2005). A identificao e reconhecimento do
indivduo ocorrem pelo cheiro inato de cada espcie, resultante da liberao de
substncias qumicas denominadas de feromnios (MATTARAIA et al., 2009).
Geralmente nos roedores so secretados por glndulas localizadas em diferentes
locais do corpo, principalmente na regio anogenital (MOURA e XAVIER, 2010).
A ovulao no ciclo estral ocorre durante o estro ou logo aps seu final
(FONSECA, 2005) e nesta fase que a progesterona encontra-se em seu nvel
mximo (ARAUJO et al., 2009). Imediatamente aps a ovulao, o corpo lteo, uma
estrutura glandular transitria, inicia seu desenvolvimento no ovrio com a
capacidade de sintetizar vrios hormnios, sendo a progesterona o principal
(BERTAN et al., 2006). A principal funo da progesterona nessa fase do ciclo de
impedir a maturao de novos folculos e assim permitir a manuteno da gestao
(WEBB, WOAR e ARMSTRONG, 2002). Caso no ocorra fertilizao, o corpo lteo
entra em regresso, cessa-se a produo de progesterona e o ciclo estral
retomado (SANTOS, 2002).
2.3 TOXICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
A teratologia uma cincia que estuda as anormalidades do desenvolvimento
durante o perodo gestacional e as malformaes resultantes (LEME, MARTINS e
PORTUGAL, 2003). No entanto, o conceito de teratognese no se restringe apenas
s malformaes estruturais logo aps o nascimento, tambm so consideradas
alteraes funcionais (DIPE, 2009). A palavra teratologia vem do termo grego
-
33
terato, que etimologicamente significa estudo de monstros. Aristteles
recomendava que as mulheres grvidas olhassem para bonitas esttuas para que a
beleza dos seus filhos fosse aumentada (ROGERS E KAVLOCK, 2008). Atualmente
o sentido original da palavra, que referencia somente a malformaes anatmicas
macroscpicas, vem sendo expandido para uma definio que engloba anomalias
mais sutis (LIMA, FRAGA e BARREIRO, 2001).
A toxicologia do desenvolvimento estuda os efeitos adversos sobre o
organismo em desenvolvimento, ocorrendo em qualquer momento do ciclo de vida
do organismo, que pode resultar da exposio a agentes qumicos ou fsicos, antes
da concepo (atravs do comprometimento de gametas dos pais), durante o
desenvolvimento pr-natal ou no perodo ps-natal at o perodo de puberdade
(NIHI E LOURENO, 2011).
Muitos fatores contriburam para o atraso no estudo da toxicologia do
desenvolvimento, um deles est relacionado ideia de que o embrio/feto estaria
protegido das agresses pelas membranas extraembrionria e fetais (WEIS, 2007).
Hoje j se sabe que a membrana placentria trata-se de uma bicamada de
molculas fosfolipdicas ordenadamente dispostas. Ela impermevel a
determinados elementos, mas promove a difuso para outros (BROLIO et al., 2010).
O transporte atravs da placenta envolve o movimento de molculas entre trs
compartimentos: sangue materno, citoplasma do sinciciotrofoblasto e sangue fetal, e
esse movimento pode ocorrer pelos mecanismos de difuso simples, difuso
facilitada, transporte ativo, alm de outras formas de transporte (CAVALLI, BARALDI
e CUNHA, 2006).
Todos os atrasos relacionados s pesquisas nessa rea da toxicologia foram
questionados na tragdia mundial do frmaco talidomida. S aps desse episdio
que a toxicologia do desenvolvimento avanou (SILVA, 2000). A talidomida foi
sintetizada em 1954 na Alemanha ocidental pelos pesquisadores da Chemi
Gruenhenthal (H. Wirth e N. Mueckler) e introduzida no mercado deste pas em 1956
(SALDANHA, 1994). O frmaco foi utilizado como um seguro sedativo e sendo
verificada que ela poderia ser tambm usada como anti-emtico durante a gravidez,
resultou no uso generalizado na Europa (RADOMSKY E LEVINE, 2001). Entre 1958
e 1962, foi observado, principalmente na Alemanha e Inglaterra, o nascimento de
milhares de crianas que apresentavam graves deformidades congnitas,
caracterizadas pelo encurtamento dos ossos longos dos membros superiores e/ou
-
34
inferiores, com ausncia total ou parcial das mos, ps e/ou dos dedos (OLIVEIRA,
BERMUDEZ e SOUZA,1999).
Quando o uso da talidomida foi aprovado, no existiam testes em animais
para saber os efeitos teratognicos (MCBRIDE, 1961). A partir de ento que ocorreu
a padronizao de protocolos para os testes sobre a reproduo. Os novos
protocolos propostos vieram normatizar e dar nfase a aspectos referentes ao
perodo da exposio, s espcies utilizadas nos estudos, s doses a serem
testadas e, principalmente, aos parmetros que devem ser avaliados na
interpretao dos dados (LEMONICA, 2008).
Os estudos de toxicidade no desenvolvimento so usualmente realizados
expondo a progenitora a substncias durante o desenvolvimento fetal para certificar
se a substncia tem a capacidade de gerar toxicidade para a prole (CHAHOUD et
al., 1999). Porm, em muitos casos, as doses muito altas geram alta mortalidade
materna ou abortos prejudicando a avaliao do estudo e necessitando que seja
repetido com doses mais baixas (GIAVINI e MENEGOLA, 2012).
Entre os mamferos, a reproduo constitui um processo complexo,
prolongado e que envolve vrias etapas e dessa forma, est vulnervel a
interferncias ambientes e/ou a vrios agentes qumicos (LEMONICA, 2008). Como
consequncia dessa vulnerabilidade, muitos dos resultados gestacionais terminam
em alteraes nos conceptos que pode ser resultante de fatores genticos ou
ambientais. Para Rogers e Kavlock (2008), o resultado da gestao bem sucedida
na populao em geral, supreendentemente, ocorre com baixa frequncia. A
etiologia de aproximadamente 65% das malformaes espontneas desconhecida,
existindo uma discusso sobre a contribuio de agentes ambientais como
causadores dessas malformaes (BRENT E BECKMAN, 1990).
Quando comparados aos indivduos adultos, os organismos em
desenvolvimento sofrem rpidas e complexas mudanas dentro de um perodo de
tempo relativamente curto (SPINOSA e BERNARDI, 2008). Por causa das
mudanas rpidas que ocorrem durante o desenvolvimento fetal, o alvo para a
toxicidade no embrio/feto muda constantemente (ROGERS E KAVLOCK, 2008).
Isso ocorre porque cada fase relacionada ao desenvolvimento est relacionada
tambm a vrios eventos e cada uma delas pode ser modificada pela exposio de
diferentes agentes qumicos (LEMONICA, 2008). Porm, no s a exposio a
agentes qumicos ou ambientais que podem levar s alteraes do concepto em
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35
desenvolvimento, outros fatores tambm so relacionados. Por exemplo, os efeitos
da desnutrio intrauterina que segundo Medeiros et al (2005), dependem da fase
de desenvolvimento em que est o feto, sendo os efeitos tanto mais intensos e
permanentes quanto mais precocemente ocorrer desnutrio e mais tarde for
iniciada a recuperao nutricional.
Nos trabalhos de toxicidade fetal, muitas vezes as doses escolhidas so
capazes de gerar toxicidade sistmica generalizada na me, denominada de
toxicidade materna, na qual significante a reduo da ingesto de alimento e/ou
gua, reduo no ganho de peso, letalidade e outros sinais durante a gestao
(CHERNOFF et al., 1989; NEUBERT e CHAHOUD, 1995). Para Chahouda et al.
(1999), a reduo no ganho de peso materno deve ser associado com a mdia do
peso fetal, nmeros de implantaes, taxa de reabsores e nmero de anomalias
nos fetos. No entanto, o achado de malformaes concomitantemente com a
toxicidade materna pode induzir a realizao de mais experimentos para esclarecer
os resultados, levando um gasto de tempo, dinheiro e sacrifcio de mais animais
(GIAVINI e MENEGOLA, 2001).
A exposio materna e paterna a agentes que podem afetar os processos
reprodutivos visa avaliao de problemas de fertilidade, sendo fundamental a
exposio durante os perodos crticos de desenvolvimento embriolgico e fetal, que
compreendem o perodo de implantao, organognese e desenvolvimento fetal
(HOLLENBACH et al., 2010). Portanto importante saber que o perodo que cada
fase corresponde dentro do perodo de gestao. A pr-implantao corresponde do
dia da concepo at o 5 dia, implantao do 5 e 6 dia, organognese do 6 ao
15 dia e desenvolvimento fetal do 16 ao 21 dia (BERNARDI, 1999). Existe uma
grande discusso na descrio temporal da organognese, uma vez que muitos
autores adotam diferentes perodos de incio e termino para essa que uma das
mais importantes fases do desenvolvimento embriolgico. Em pesquisa, Carmo,
Peter e Guerra (2004), observaram que a organognese pode ter incio entre o sexto
e oitavo dia e trmino entre o dcimo quinto e o dcimo oitavo dia, de acordo com
diferentes autores, o que dificulta a comparao dos dados relacionados data
exata em que determinados rgos esto se desenvolvendo.
A toxicidade para o desenvolvimento em fetos observada com a ocorrncia
de morte, teratologia, reduo do peso fetal, alterao no crescimento e deficincias
funcionais (EPA, 1996). Cada efeito depende muito da fase do desenvolvimento que
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36
o concepto foi exposto aos fatores capazes de gerar a alteraes no
desenvolvimento. Para a OMS (WHO, 1984), as exposies que acontecem entre a
concepo e a implantao (pr-implantao e implantao) podem, em ambos,
resultar em nenhum efeito ou morte do embrio. Os efeitos teratognicos so
observveis particularmente no perodo de organognese (CARMO; PETER;
GUERRA, 2004).
Os efeitos teratognicos podem ser vistos com diferentes graus de alteraes
estruturais. So descritos quatro tipos de anomalias estruturais: malformao
(defeitos morfolgicos de um rgo ou parte de um corpo resultante de um processo
de desempenho intrinsicamente anormal), ruptura (defeito morfolgico de um rgo,
parte do corpo, ou regio maior do corpo resultante do desarranjo de um
desenvolvimento originalmente normal ou de uma interferncia sobre ele),
deformao (forma ou posio anormal de uma parte do corpo) e displasia
(anormalidade de organizao das clulas ou formarem tecidos, um processo de
desistognese) (BRUNONI, 2002; COSTA, 2005). As alteraes que ocorrem em
perodos mais tardios do desenvolvimento so determinadas de alteraes
toxicolgicas e so caracterizadas por degeneraes, retardo no crescimento ou no
desenvolvimento de determinados rgos (BERNARDI, 1996).
A exposio xenobiticos durante a gravidez pode afetar adversamente o
desenvolvimento normal dos fetos (CHAHOUD et al., 1999). O baixo peso molecular
de algumas substncias facilita a ultrapassarem a barreira placentria, invalidando o
seu conceito (STOCKTON e PALLER, 1990). Os ensaios realizados em animais
podem ter resultados significantes para predizer os potenciais riscos para a sade
dos fetos humanos (JELOVSEK, MATTISON e CHEN, 1989). Nos mamferos esses
ensaios so realizados em roedores e neles so investigados os resultados
reprodutivos do acasalamento de machos e fmeas (FALCONER, 2007).
2.4 EFEITOS DAS CIANOTOXINAS NO DESENVOLVIMENTO REPRODUTIVO E
EMBRIOFETOTOXICIDADE
Alguns trabalhos tm sido desenvolvidos visando avaliar os efeitos de
cianotoxinas sobre o desempenho reprodutivo de mamferos e/ou a prole de animais
expostos (BU et al., 2006).
Segundo a OMS (WHO, 1998), nenhum efeito sobre a fertilidade, peso ou
distribuio do sexo dos fetos foi observado para o ensaio em que camundongos
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37
machos e fmeas foram expostos ao extrato de M. aeruginosa por v.o. na
concentrao de 750 g de MC/kg, do desmame at o acasalamento e durante toda
a gestao para as fmeas. No ano seguinte, um grupo de pesquisadores publicou
que tambm no foi constatado nenhum efeito de embrioletalidade,
teratogenicidade, alterao na taxa de perda pr-implanao ou distribuio do sexo
para os fetos cujas progenitoras foram expostas por v.o MC-LR purificada (200,
600 ou 2000 g/kg) entre os dias 6-15 de gestao (FAWELL et al.,1999). Chernorff
e colaboradores (2002) tambm no constataram nenhum efeito sobre a toxicidade
do desenvolvimento na prole de camundongos quando expostos a MC-LR
purificada. A exposio ocorreu tanto por via i.p. como por via subcutneo em doses
que variaram de 16-160 g/kg e 128 g/kg, respectivamente, entre os dias 7 e 12 da
gestao.
Os resultados encontrados por Zhang e colaboradores (2002) discordam com
aqueles j relatados. Estes pesquisadores relataram a presena de hemorragia
petequial e degenerao hidrpica grave no fgado, alm de malformaes nos
glomrulos e medula renal de fetos cujas progenitoras foram expostas a MC-LR por
via i.p. durante 10 dias da gestao em dose diria de 62 g/kg. Os resultados
encontrados foram to significativos que eles propuseram que a MC-LR teria ao
danosa direta na barreira placentria e no feto, afetando a sua formao e
desenvolvimento. No entanto, Zhang e colaboradores (2002) no esto sozinhos
para os achados no desenvolvimento fetal de camundongos. Em resultado publicado
tambm em 2002, Wei e colaboradores sugeriam que em doses elevadas de MC foi
possvel visualizar ao txica materna e fetal (apud Bu et al., 2006). Quanto s
anlises realizadas em ratos fmeas, Bu et al. (2006) relataram alteraes nos
filhotes das progenitoras expostas a MCs, por via i.p, nas concentraes de 3, 6 ou
12 g/kg/dia.
Tambm j foi relatado ao txica das MCs no sistema reprodutivo de
camundongos machos. Ding et al. (2006) observaram alteraes no testculo e no
epiddimo de animais tratos com extrato de M. aeruginosa (3,33 ou 6,67 g de
MCs/kg p.c/dia), i.p., durante 14 dias. J Chen e colaboradores (2011), observaram
que o tratamento crnico, por v.o., utilizando doses baixas (1, 3,2 ou 10 g) de MC-
LR /kg/dia) resultou em toxicidade reprodutiva, causando declnio na qualidade do
espermatozoide, queda nos nveis de testosterona no soro e danos no testculos.
-
38
Para a avaliao do desenvolvimento reprodutivo de animais quando
expostos a outras cianotoxinas, que no as MCs, podem ser citados os resultados
dos ensaios de Rogers e colaboradores (2005), que observaram intoxicao
materna e nenhum efeito significativo na vitalidade e peso para os filhotes. Nos
experimentos foram utilizados camundongos fmeas e administrados anatoxina-a
(125 ou 200 g/kg, via i.p.) entre os dias 8-12 e 13-17 do perodo gestacional. O
resultado foi semelhante para exposio de CYN que apresentou ausncia de
toxicidade fetal ou teratogenicidade. A exposio ocorreu no estgio inicial da
gestao em camundongos fmeas por via i.p. com doses que variaram de 8-128
g/kg de CYN. Os filhotes apresentaram normalidade no peso corpreo, viabilidade,
morfologia (externa e de tecidos internos) e esqueleto, porm as doses
administradas por via i.p. causaram letalidade nas fmeas prenhas. Numa recente
investigao envolvendo a mesma cianotoxina (CYN), Chernoff e colaboradores
(2011) observaram que a toxicidade materna foi maior nos camundongos que se
encontravam nos estgios iniciais da gestao (8-12), com significativa reduo no
ganho de peso, sangramento vaginal e mortalidade, quando comparados com os
animais do estgio tardio (13-17).
Por existir relativamente poucos dados sobre os efeitos das cianotoxinas na
reproduo de mamferos (PEGRAM et al., 2012), o presente trabalho foi proposto e
os resultados apresentados aqui mostram os efeitos de uma florao de
cianobactrias contendo MCs sobre o desempenho reprodutivo de ratos, expostos
por v.o., e um estudo de embriofetotoxicidade da prole.
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39
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo geral desse trabalho foi estudar a ao da exposio oral a um
extrato bruto de cianobactrias contendo MCs no desempenho reprodutivo de ratos
machos e fmeas e na prole.
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
Realizar coletas de gua nos reservatrios do Rio Grande do Norte com
floraes de cianobactrias;
Identificar e quantificar as cianotoxinas (MCs, ANA, CYN, SAX e seus
congneres, como tambm cianotoxinas inditas) das amostras coletadas por
LC-MS/MS e HILIC-FD;
Estudar os efeitos da exposio pr-natal, por v.o., a uma soluo de extrato
bruto de cianobactrias contendo MCs na reproduo, nos progenitores e na
prole originada:
Avaliao do desempenho reprodutivo de ratos fmeas e de
embriofetotoxicidade da sua prole;
Avaliao da fertilidade de ratos machos (Ensaio do Dominate Letal);
Avaliao diria do consumo de gua, rao e mensurao do peso
corpreo dos progenitores e do peso relativo de seus rgos;
Avaliao hematolgica (somente ratos machos), histopatolgica e de
dosagens bioqumicas dos progenitores.
-
40
4 MATERIAL E MTODOS
4.1 SELEO DO EXTRATO DE FLORAO DE CIANOBACTRIAS
4.1.1 Coleta das amostras de gua e identificao de cianobactrias e
cianotoxinas
Entre julho de 2009 e setembro de 2010 foram coletadas 37 amostras de
gua pelo grupo de pesquisa da Profa. Dra. Ivaneide Alves Soares da Costa (Centro
de Biocincias/UFRN) nos seguintes reservatrios do Rio Grande do Norte:
Armando Ribeiro Gonalves (Itaj), So Rafael (So Rafael), Passagem das Traras
(entre Caic, So Jos do Serid e Jardim do Serid) e Gargalheiras (Acari). Foram
realizadas anlises microscpicas para a identificao das espcies de
cianobactrias presentes em cada amostra e anlises de deteco de cianotoxinas
(SAX, CYN, MCs) por ensaios imunoenzimticos (ELISA) foram realizadas conforme
especificaes do fabricante dos kits (Abraxis). As 13 amostras que apresentaram
positividade para cianotoxinas no ELISA foram encaminhadas ao laboratrio do
Professor Dr. Ernani Pinto (Faculdade de Cincias Farmacuticas/USP) onde as
cianotoxinas foram identificadas e quantificadas por mtodos cromatogrficos
(Cromatografia Lquida acoplada Espectrmetria de Massas em Tandem (LC-
MS/MS) e Cromatografia Lquida de Alta Eficincia de Interao Hidroflica com
Detector de Fluorescncia (HILIC-FD)).
Foi utilizada a tcnica de HILIC-FD para isolar e quantificar SAX e seus
anlogos. Essas anlises foram realizadas com a formao de gradiente de fases
mveis, sendo os eluentes compostos por cido octanossulfnico, fosfato de amnio
e tetrahidrofurano em gua e acetonitrila, e o fluxo foi de 1 mL/min. Aps oxidao
ps-coluna com um gradiente de tampo de par inico, o qual foi composto de uma
soluo de cido peridico e fosfato de amnia em gua pH 6,9 em uma
derivatizao aquecida a 50C, os produtos resultantes foram detectados com um
detector de fluorescncia (EX 330 nm e EM 395 nm). A SAX e seus anlogos foram
identificados por comparao dos cromatogramas obtidos dos extratos das amostras
com aqueles resultantes aps injeo de solues dos padres. A quantificao
dessas toxinas foi realizada com o fator de resposta (rea do pico/ concentrao da
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41
toxina) obtida com a injeo de quantidades certificadas dos padres das toxinas
(GALVO et al., 2009).
J para a anlise de microcistinas (MC-LR, -RR, -LA, -LF, -LW e -YR),
nodularina (NOD), anatoxina-a (ANA) e cilindrospermopsinas (CYN), foi utilizado um
sistema de LC-MS/MS triplo quadrupolo equipado com uma coluna Phenomenex
Synergi Polar RP 80A, 250 x 4,60 mm, 4 m. Para a eluio de gradiente da fase
mvel foram considerados dois eluentes. O eluente A foi o tampo de formiato de
amnio 53 mM preparado em gua deionizada e o eluente B foi uma mistura de
acetonitrila com tampo formiato de amnio 53 mM (10:90). Ambos eluentes
incluram cido frmico 5 mM. O fluxo foi na razo de 1 mL/min (split 0,3 ml/min em
MS; 0,7 ml/min descarte). A quantificao dessas toxinas foi feita com o fator de
resposta (rea do pico/ concentrao da toxina) obtida com a injeo de quantidades
certificadas dos padres das toxinas (ANJOS et al., 2006; FRIAS et al., 2006).
4.1.2 Preparo das solues de extrato de cianobactria
Foi selecionada para o preparo das solues de extrato de cianobactrias a
amostra que apresentou maior concentrao de cianotoxinas coletadas no
reservatrio de Gargalheiras (amostra n 5). O extrato foi obtido conforme Galvo et
al. (2009). A amostra foi agitada em vrtex (Logen, LSM56-II-VM) por 20 s e
submetida ao banho de ultrassom (Unique,USC-1800A) durante 15 min. Em
seguida a amostra foi separada em fraes de 15 mL e as clulas foram rompidas
com o auxlio de um sonicador ultrassnico (Heat systems, XL2020) por um perodo
de 5 min. Aps o processo de extrao, foram preparadas as solues do extrato
bruto de cianobactrias contendo MCs utilizando gua destilada como veculo. As
diluies foram realizadas semanalmente, estocadas em recipiente de vidro mbar,
sendo a soluo estoque armazenada em freezer (- 20 C) e as solues de uso em
refrigerador (2 C a 8 C).
4.2 ANIMAIS
Foram utilizados ratos albinos Wistar, fmeas e machos, com idade mdia
entre 90 e 100 dias, portanto na fase adulta, e massa corporal inicial de 180 20g.
provenientes do biotrio do Centro de Cincias da Sade da UFRN. Os animais
foram alojados em gaiolas de polipropileno, com tampa de metal medindo 40 x 50 x
-
42
20 cm, por um perodo no inferior a cinco dias antes de serem colocados nas
diferentes situaes experimentais, mantidos em sala com temperatura ambiente
variando entre (23 26 C), num ciclo de 12 horas de claro/escuro, sendo a luz
acesa s 6:00 horas da manh. Os animais receberam rao comercial (Labina) e
gua ad libitum durante todo o procedimento experimental. Os procedimentos
experimentais obedeceram s normas do Conselho Brasileiro de Experimentao
Animal (COBEA) e da Lei n 11794 referente tica no uso cientfico de animais em
experimentos. Cabe ressaltar que esse projeto foi aprovado pela Comisso de tica
no Uso de Animais (CEUA) da UFRN (Protocolo n 028/2010, ANEXO I).
Foram utilizados 40 ratos Wistar fmeas para o estudo de desempenho
reprodutivo e embriofetotoxicidade e os machos utilizados para o acasalamento
foram do estoque do biotrio. No estudo de dominante letal foram utilizados 36 ratos
Wistar machos, no quais foram tratados, e 36 ratos fmeas para o acasalamento.
4.3 DESEMPENHO REPRODUTIVO E EMBRIOFETOTOXICIDADE
As fmeas foram divididas em quatro grupos, compostos por 10 animais cada
um. Os procedimentos adotados foram: acasalamento, administrao de gua
destilada ou do extrato bruto de cianobactrias contendo MCs (40, 100 ou 250
ng/kg/dia), eutansia e cesariana das progenitoras, coleta de sangue, avaliao dos
fetos, avaliao de desempenho reprodutivo e de embriofetotoxicidade da prole.
4.3.1 Acasalamento
O perodo de cpula ocorreu entre 10 e 12 horas do ciclo escuro (duas ratas
fmeas com um rato macho em cada caixa). O sucesso do acasalamento foi
avaliado nas primeiras horas do ciclo claro, quando as fmeas foram removidas das
caixas dos machos e o lavado vaginal foi realizado utilizando soluo salina 0,9 %
(figura 2).
-
43
FIGURA 2- Coleta de lavado vaginal de rata Wistar, aps o animal ter ficado durante
uma noite na mesma caixa com um rato macho para acasalamento, para obteno
de esfregao em lmina de microscopia
Para avaliao da presena de espermatozoides (figura 3) na vagina das
ratas, esfregaos vaginais foram analisados por microscopia ptica (Olympus
CX21, CX21FS1) em objetiva de 40x. Outro fator positivo para o sucesso do
acasalamento foi a visualizao do tampo copulatrio na vagina da fmea. Esse
tampo uma estrutura formada a partir dos lquidos seminais que pode ser visto
macroscopicamente entre 3 e 24 horas aps a copula (SANTOS, 2002).
FIGURA 3- Anlise de microscopia ptica (40x) de esfregao vaginal de ratas
Wistar, aps noite de acasalamento. As setas indicam os enovelados de
espermatozoides
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O esfregao positivo para a presena de espermatozoides ou a visualizao
do tampo copulatrio indicaram que a fmea estava prenha sendo esta separada
em caixa individual e considerado, este dia, como o dia 0 da gestao (DG 0). As
fmeas que apresentavam esfregao negativo retornavam para o acasalamento,
durante o ciclo escuro, at que fosse suficiente o nmero de fmeas prenhas por
grupo.
4.3.2 Administrao de extrato bruto de cianobactrias contendo MCs
As ratas prenhes foram distribudas, de forma randomizada, em 4 diferentes
grupos (10 animais/grupo). No DG 0 as ratas foram tratadas com 1 mL de gua
destilada (grupo controle) ou com extrato de cianobactrias contendo as seguintes
concentraes de MCs: 40, 100 ou 250 ng/kg de peso corpreo (p.c.)/dia. Os
tratamentos foram realizados por gavage, ou seja, por via oral (v.o.) (Figura 4) com
auxlio de sonda flexvel n6 (Embramed). A cada 2 dias, do DG 0 ao DG 20, o peso
corpreo de cada animal foi mensurado e avaliados os sinais de toxicidade materna
e o consumo de gua e de rao.
FIGURA 4- Administrao de gua destilada ou extrato de cianobactrias contendo
MCs (40, 100 ou 250 ng de MCs/kg de p.c./dia) por gavage em ratos Wistar
4.3.3 Eutansia e cesariana das progenitoras
As fmeas prenhes de ambos os grupos, testes e controle, foram submetidas
eutansia no DG 20. A massa corprea de cada animal foi mensurada e o
anestsico Tiopental sdico (Thiopentase) foi administrado por via i.p. (70 mg/kg de
p.c.). Quando o animal apresentou total ausncia de estmulos fsicos foi coletada
amostra de sangue por puno cardaca para as anlises bioqumicas (item 4.3.4).
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Aps a realizao de destroncamento cervical, os cornos uterinos e os ovrios foram
exteriorizados e seus pesos mensurados. Dando continuidade, o nmero de corpos
lteos referente a cada ovrio foi contado. Com uma inciso lateral em toda sua
extenso, o tero foi aberto e os fetos foram removidos, individualmente. Com a
remoo de toda a prole do tero, os cornos uterinos, direito e esquerdo, foram
expostos e os stios de implantaes e de reabsores foram contados (Figura 5).
Das progenitoras foram retirados os seguintes rgos: rim esquerdo, corao,
pncreas, fgado e bao. Todos foram pesados individualmente. Somente o rim
esquerdo e o fgado foram submersos em soluo de formaldedo a 10 % para
posterior anlise histopatolgica.
FIGURA 5- tero grvido aps a remoo de todos os fetos. A seta da esquerda
indica a presena de uma reabsoro. A seta da direita mostra a presena de um
stio de implantao
4.3.4 Coleta de sangue
No incio da cesariana, foi realizado um corte na regio torcica at que o
corao fosse visualizado e em seguida a puno cardaca foi conduzida com
seringa de 5 mL. Aps a coleta, o sangue foi cuidadosamente transferido para um
tubo tipo falcon de 15 mL (sem adio de anticoagulante) e centrifugado (Quimis,
Q222T216) por 10 min. a 15.000 rpm para obteno do soro e realizao das