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AVALIAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE AMBIENTAL DE UM SÍTIO CONTAMINADO POR PESTICIDAS: Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. OGENIS MAGNO BRILHANTE e ROSÁLIA MARIA DE OLIVEIRA Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA) Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 Manguinhos - 21041-210 Rio de Janeiro, RJ; Brasil Fax: : (021) 280 81 94 e (021) 270 7352 Email: [email protected] Resumo Uma fábrica para a produção do pesticida hexaclorociclohexano (HCH) grau técnico (mistura dos isômeros α , β , γ e δ ), pertencente ao antigo Instituto de Malariologia, então Ministério da Educação e Cultura, localizada na Cidade dos Meninos, Duque de Caxias, RJ, Brasil, foi desativada em 1955. Parte da sua produção e de seus rejeitos, em muitas toneladas desta mistura, foram abandonadas no local. O produto foi usado na época para matar baratas, piolhos e na luta contra o mosquito responsável pela transmissão da malária. O diagnóstico ambiental realizado no sítio mostrou que as maiores concentrações, milhares de ppb dos isômeros de HCH foram encontradas em amostras de solo e pasto coletadas em um raio de 100m a partir das ruínas da antiga fábrica. Amostras de sangue de 31 adultos e aproximadamente 25 % das crianças vivendo em um orfanato localizado a 1,5 km das ruínas da fabrica acusaram a presença dos isômeros α , γ e β . Em 1997 o Ministério da Saúde autorizou a colocação de cal na área foco para remediar o problema. Resultados recentes indicam que este tratamento além de não resolver o problema acelerou a produção de produtos oriundos da degradação do HCH e de outros pesticidas também presentes na área, Um estudo de avaliação da saúde ambiental, atualmente sendo executado na área contaminada e no seu entorno, objetiva determinar os níveis de perigo que o sítio oferece, as vias de exposição e estimar a população receptora. Palavras-chave: Gestão; Saúde Ambiental; Avaliação ; Risco; Pesticidas

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AVALIAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE AMBIENTAL DE UM SÍTIOCONTAMINADO POR PESTICIDAS: Duque de Caxias, Estado do Rio deJaneiro, Brasil.

OGENIS MAGNO BRILHANTE e ROSÁLIA MARIA DE OLIVEIRADepartamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA)Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo CruzRua Leopoldo Bulhões, 1480Manguinhos - 21041-210 Rio de Janeiro, RJ; BrasilFax: : (021) 280 81 94 e (021) 270 7352Email: [email protected]

Resumo

Uma fábrica para a produção do pesticida hexaclorociclohexano (HCH) grautécnico (mistura dos isômeros α, β, γ e δ), pertencente ao antigo Instituto deMalariologia, então Ministério da Educação e Cultura, localizada na Cidade dosMeninos, Duque de Caxias, RJ, Brasil, foi desativada em 1955. Parte da suaprodução e de seus rejeitos, em muitas toneladas desta mistura, foramabandonadas no local. O produto foi usado na época para matar baratas, piolhos ena luta contra o mosquito responsável pela transmissão da malária.O diagnóstico ambiental realizado no sítio mostrou que as maiores concentrações,milhares de ppb dos isômeros de HCH foram encontradas em amostras de solo epasto coletadas em um raio de 100m a partir das ruínas da antiga fábrica.Amostras de sangue de 31 adultos e aproximadamente 25 % das crianças vivendoem um orfanato localizado a 1,5 km das ruínas da fabrica acusaram a presençados isômeros α, γ e β.Em 1997 o Ministério da Saúde autorizou a colocação de cal na área foco pararemediar o problema. Resultados recentes indicam que este tratamento além denão resolver o problema acelerou a produção de produtos oriundos dadegradação do HCH e de outros pesticidas também presentes na área,Um estudo de avaliação da saúde ambiental, atualmente sendo executado na áreacontaminada e no seu entorno, objetiva determinar os níveis de perigo que o sítiooferece, as vias de exposição e estimar a população receptora.

Palavras-chave:Gestão; Saúde Ambiental; Avaliação ; Risco; Pesticidas

Abstract

Environmental health risk assessment of a site contaminated by pesticides:Duque de Caxias, State of Rio de Janeiro, Brazil

A plant which belonged to the Ministry of Health produced hexachlorocyclohexane(HCH) in a mixture of the isomers α, β, γ and δ. Of the isomers produced, only the γisomer was used to fight the malaria mosquito, head lice and cockroaches. Whenthe plant was closed down in 1955 it was abandoned with its production and wasteexposed, which ended up being swept by rain, wind, or taken by local people.A preliminary environmental study showed that very high levels of soil and grasscontamination (order of hundereds of mg/kg) was found in the area up to 100mfrom the old plant. High HCH isomer concentrations (α, β and γ ) were found inblood samples of all 31 adults living in the area and in 25 % of the children living inan asylum for orphans located about 1,5 km from the old plant.In 1997 the Ministry of Health tried to solve the problem by allowing the addition ofcalcium hydroxide to the soil of the focus area. Recent results have shown that thissolution has not solved the problem but instead has accellerated the degradationprocess of HCH and other pesticides that are present, forming several differentcompounds.An environmental health study actually being executed at the site and on its outskirtsaims to identify the existing hazard levels in the area and to estimate the routes ofexpositon and the size of the population affected.

Key words:Management, Environmental Health, Assessment, Risk, Pesticides

Introdução

Em 1989, após uma denúncia de comercialização ilegal de um pesticidaconhecido como pó de broca, nome popular do hexaclorociclohexano (HCH), emuma feira livre no Município de Duque de Caxias, RJ, descobriu-se que o mesmoprovinha de uma área denominada Cidade dos Meninos, localizada no citadoMunicípio. Nessa localidade existia uma fábrica de HCH grau técnico constituídode uma mistura contendo vários isômeros,: α, β, γ e δ, etc em diferentespercentagens e cujo isômero γ (Lindano) era o único que possuía propriedadesinseticidas. Esta fábrica pertencia ao Instituto de Malariologia e funcionou de 1950a 1955, sendo então desativada. Com essa desativação, parte de sua produção erejeitos foram abandonados no local, sem nenhuma proteção, sendo dispersa eposteriormente utilizada por seus habitantes e invasores. Moradores da árearelatam que a estrada que atravessa a região foi aterrada com rejeito de HCH aliabandonado.Até a presente data o sítio em questão tem sido alvo de vários estudos dediferentes grupos de instituições privadas e públicas, sem conexão entre eles.

Cada grupo de pesquisa tem estudado segmentos ambientais ou sociais queinteressam a suas instituições sem realmente prover uma visão integrada doconjunto do problema.Procurando avaliar o problema da Cidade dos Meninos de uma forma integrada eadotando uma metodologia científica que pudesse integrar esses estudos, tivemosaprovado pela FIOCRUZ em 1996 um projeto de pesquisa que visa fazer umestudo de avaliação de risco em saúde ambiental nesta região em questão. Aomesmo tempo, desenvolver um protótipo de manual de avaliação em saúdeambiental para sítios contaminados que possa contribuir para uma melhoria dagestão ambiental no país. O manual de avaliação de risco em saúde pelaexposição a resíduos perigosos ( ATSDR, 1992) é utilizado como basemetodológica. A situação da saúde dos ecossistemas do sítio também seráestudada.Este estudo tem três objetivos: primeiro introduzir e divulgar, mesmo de formasucinta, os conceitos e o escopo deste importante instrumento de gestãoambiental que é um estudo de avaliação de risco em saúde ambiental para sítiocontaminado; segundo, apresentar os resultados da fase 1 do projeto e terceiro,relatar as medidas tomadas pelo poder público até a presente data e os próximosestudos a serem realizados.

SAÚDE AMBIENTAL: bases conceituais

É fato hoje reconhecido, que cada aspecto do meio ambiente potencialmente afetaa saúde para melhor ou pior. Isto se aplica não somente para agentes específicos(microorganismos ou outros agentes biológicos, físicos ou químicos) mas tambémpara elementos de ambientes urbanos e rurais: casa, ambientes de trabalho,facilidades de lazer, infra-estruturas e os principais componentes do meio naturalcomo a atmosfera, o solo, a água e outras partes da biosfera.Até bem pouco tempo quando se falava em saúde entendia-se como sendoapenas a saúde do homem. Hoje reconhecemos que se o meio ambiente adoeceo homem também é afetado. Assim é mais lógico e efetivo procurarmosdesenvolver procedimentos que relacione os efeitos na saúde do homem àdependência dos fatores sócios/econômicos e ambientais (WHO, 1990 e 1994),ou ainda que, estudemos conjuntamente os efeitos na saúde do homem e dosecossistemas (Saúde Ambiental).Nas nossas atividades diárias, cada um de nós entra em contato com poluentes,seja respirando, bebendo água, consumindo alimentos, tocando solos e poeiras.Este contato entre pessoas e poluente, chamado ‘exposição’, requer a ocorrênciasimultânea de dois eventos: a presença de um poluente em um compartimentoambiental (por exemplo, água, ar, solo e alimento) e o contato entre a pessoa e umou mais de um destes compartimentos. Exposição ambiental é definida entãocomo o contato entre a fronteira externa do corpo humano (por exemplo, pele, narize garganta) e um poluente ou uma mistura de poluentes. Ela é quantificada atravésdo cálculo da concentração do poluente e do tempo de contato.

A exposição é um elemento chave na cadeia de eventos que leva ao aparecimentode efeitos na saúde. Esta cadeia de eventos pode ser descrita como: Fonte(s) deemissão (ôes); Concentração ambiental (água, ar, solo, biota); Exposição (dosehumana/animal) e Efeitos na saúde (doenças e sintomas ). Segundo Sexton et al1992, esta cadeia de eventos pode ser usada como uma base conceitual para oentendimento e avaliação da saúde ambiental .Ações tomadas pela sociedade para proteger seus membros de conseqüênciasprejudiciais da poluição são estabelecidas ou postuladas levando em conta asrelações das fontes de poluição com a exposição humana e os efeitos adversosna saúde.A estimativa do risco à saúde associado com poluentes ambientais é compostode duas atividades primárias: 1 - avaliação da exposição e 2 - avaliação dosefeitos. Durante a avaliação da exposição, na fase inicial da cadeia de eventoscitada acima, avaliam-se: as fontes de emissões, as concentrações nos diversoscompartimentos ambientais, os níveis de exposição, e a dose. O objetivo maiornesta fase é estimar o(s) nível(s) e o número de pessoas expostas.Adicionalmente, se determinam as contribuições relativas de todas as fontesimportantes e as rotas de exposição associadas a dose alvo.A avaliação dos efeitos à saúde, última fase da cadeia de eventos citada acima,inclui a avaliação da exposição, da dose, e dos efeitos adversos. Os objetivos sãodois: 1 - determinação dos perigos intrínsecos à saúde associados compoluentes, incluído efeitos cancerígenos e não cancerígenos; e 2 - quantificação darelação entre a dose alvo ou exposição e efeitos à saúde (por exemplo, dose-resposta) em populações humanas.

Avaliação de Saúde Ambiental na Cidade dos Meninos

A ATSDR (Agência para Substâncias Tóxicas e Registros de Doenças) defineavaliação de saúde como uma avaliação dinâmica e repetitiva de dados einformações sobre a contaminação de substâncias perigosas no meio ambiente afim de se estimar os impactos atuais ou futuros sobre a saúde pública, determinaronde e para quem devam ser implementadas ações de saúde, caracterizar o graudo perigo e identificar e quantificar as comunidades expostas. Proporrecomendações para avaliar, mitigar e prevenir efeitos negativos para a saúdehumana.Ela está baseada na informação da caracterização ambiental, nas preocupaçõesda comunidade com a saúde, e nos resultados dos efeitos à saúde. Devido anatureza destes bancos de dados, as avaliações de saúde usam informaçõestanto qualitativas quanto quantitativas, enfocando-se as perspectivas toxicológicase de saúde pública associadas com a exposição no sítio.Quando falamos de avaliação de saúde ambiental incluímos o estudo da saúdedos ecossistemas ou dos recursos ecológicos. Este tipo de estudo integradoainda está praticamente ausente da maioria dos estudos de avaliação de impactoe risco. O projeto em curso na Fundação Oswaldo Cruz é baseado na metodologia

adotada pela ATSDR dos Estados Unidos cujo alvo é a saúde humana. Naconcepção do projeto em curso , vamos tentar abordar os efeitos na saúdehumana integrados com os efeitos na saúde dos ecossistemas. A questão dosecossistemas será tratada a partir da metodologia de avaliação ecológicaproposta por Maughan, 1993.

Descrição do sítio de estudo

O sítio estudado se localiza geograficamente no 4 o Distrito do Município deDuque de Caxias , Estado do Rio de Janeiro, Brasil, tendo as seguintescoordenadas : 22 o 41’00” S e 43 o 17’30” O . A área de estudo está situada emuma bacia hidrográfica secundária, estando enquadrada geograficamente entre osRios Capivari, Iguaçu e Canal do Pilar. A área encontra-se em um campoinundável de várzea, com ocorrência sazonal de acumulação de água. Nas áreasabaciadas de maior acumulação de água , a vegetação é típica de campo hidrófilode várzea. Nas partes mais altas, de melhor drenagem, a vegetação dominanteatual antrópica é formada por gramíneas forrageiras, destacando-se, pelaocorrência, o Paspalum sp (grama pernambuco) e o Imperata brasiliensis L(sapê). Próximo às residências localizadas ao longo da estrada principal, nascotas mais altas e com solos mais bem drenados, ocorrem fruteiras arbóreas,como mangueiras, abacateiros, goiabeiras, laranjeiras e outras, e ainda, espéciesarbóreas para sombras, como amendoeiras, sombreiras entre outras.Análises físicas e químicas realizadas com amostras locais de solo obtidas apartir de perfis verticais da região estudada, mostraram que o mesmo é dominadopor sedimentos de baixada, aluvionais, onde ocorrem classes de solo tipoCambissolo, Plintic, Gley Húmico, Podzólicos Vermelho-Amarelo e Planossolos. Atopografia é plana, o pH do solo encontrado foi ácido, variando de 4,6 a 4,8 e aconcentração de matéria orgânica encontrada na camada superficial variou de0,24 % a 10,27 %, com uma média de 2,80 %. A região é relativamente úmidacom uma pluviometria média de 1350 mm e a temperatura variando de 16 a 40 °C.O bairro Cidade dos Meninos, constituído de uma área urbana, pertence aomunicípio de Duque de Caxias , tem de acordo com o censo demográfico de1991: 399 casas: 258 abastecidas por água da CEDAE o restante por poços,nascentes ou outra forma; 282 tem instalação sanitária, 227 tem o lixo coletadoindiretamente, 162 enterrado ou jogado em terreno baldio ou rio, o restante nãoespecificado. Cento e vinte e sete dessas casas estão situadas ao longo daestrada que corta a área de estudo e três, são vizinhas da área foco. Todas ascasas situadas dentro da área de estudo são abastecidas por água da CEDAE.A população total ainda de acordo com o IBGE (1991) é de 1403 pessoas, sendo732 homens e 671 mulheres. A renda média nominal dos chefes de família é de2,5 salários mínimos.A pecuária é a mais importante atividade econômica. Hortas e cultivo de aipimtambém são realizados.

Desenho Metodológico:

O projeto em execução tem as seguintes fases:

Quadro 1Fases do projeto de Avaliação da Saúde Ambiental na Cidade dos Meninos

Fase 1: Descrição do sítioColeta de informações : geologia, localização das residências, geografia política,informação sobre produtos/emissões perigosas, descrição qualitativa da ecologiado sitio; definição dos pontos de inferência ecológicos (estabelecer acaracterística futura do sítio);---------------------------------------------------------------------------------------------------------Fase 2: Historia do sítioColeta de dados sobre o início do problema, descrição da ocorrência dos eventossignificativos ocorridos no sitio, das medidas anteriores tomadas para remediar oproblema e de barreiras físicas que possam interferir no transporte doscontaminantes;---------------------------------------------------------------------------------------------------------Fase 3: Preocupações da comunidade com relação à sua saúdeColeta de informações sobre os registros de queixas da população local sobresaúde e meio ambiente relacionado com o sítio. Realização de reuniões com acomunidade;

Fase 4: Coleta de dados sobre os efeitos na saúde da comunidadePesquisar os registros e estudos sobre à saúde da comunidade, que por venturaexistam, em órgãos públicos e privados. Aplicação de um questionário.Levantamento de dados da população potencialmente afetada e potencialmentesensível;---------------------------------------------------------------------------------------------------------Fase 5: Uso de solo e dos recursos naturaisLevantamento e descrição das atividades existentes no sitio: No de pessoas poratividade, mapeamento da localização e do uso de poços e mananciais hídricos,levantamento de atividades agrícolas, pesca, caça, descrição dos recursosecológicos e do potencial do sítio;---------------------------------------------------------------------------------------------------------Fase 6: Informação sobre a contaminação ambientalIdentificação dos produtos químicos com seus descritivos. Estudo sobre osfenômenos mecânicos, meteorológicos e outros que possam afetar o transportedos contaminantes. Determinação da concentração dos contaminantes nosdiferentes compartimentos ambientais (água, solo, ar, biota), determinar a naturezae a extensão do dano ecológico;

Fase 7 Identificação das rotas ambientais de exposição

Identificar os elementos de cada rota de exposição: fonte de contaminação,compartimentos e mecanismos de transporte, ponto de exposição, via deexposição e população receptora. Estabelecer as relações entre contaminantes eefeitos nos ecossistemas;---------------------------------------------------------------------------------------------------------Fase 8: Analisar as implicações para a saúde ambientalAvaliar o potencial de exposição humano que tem o sítio ; determinar os riscospara os recursos ecológicos; associar o potencial de exposição humano do sitiocom os efeitos que as condições existentes podem causar na saúde ambiental;---------------------------------------------------------------------------------------------------------Fase 9: Conclusão e recomendaçõesIdentificar o nível de perigo que o sitio representa para a saúde ambiental,responder às preocupações de saúde da comunidade; propor medidas queprotejam a saúde ambiental.

Metodologia de coleta e análise do HCH

Os dados sócio-econômicos, geográficos, de saúde e outros necessários aexecução das fases 1, 2, 3, 4 e 5 foram obtidos junto aos órgãos nacionais,estaduais e municipais. Os dados ligados às preocupações da população comsua saúde, hábitos alimentares, atendimento médico e etc, foram obtidos atravésda aplicação de questionários nos setores censitários delimitados pelo IBGE. Ametodologia empregada foi a utilizada pelo IBGE.

Plano de coleta e preparo das amostras ambientais para o diagnóstico ambiental

Na Figura 1 é apresentado o plano geral utilizado para a amostragem de solo,pasto e água do lençol freático superficial do sítio estudado.

FIGURA 1Plano de amostragem para a Cidade dos Meninos

As amostras superficiais de solo, identificadas como P1...P27, foram coletadas auma profundidade média de 10cm, em distâncias variando de 15 m a 2,5 Kmmedidas a partir das ruínas da antiga fábrica. A zona circular (100 m de raio)imediatamente próxima as ruínas da fábrica é chamada neste estudo de área foco.Os métodos de coleta e preparo das amostras para a extração dos pesticidasseguiram as normas utilizadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(EMBRAPA, 1979).As amostras de pasto, identificadas como V1...V5, constituídas de grama do tipopernambuco (Paspalum sp), foram coletadas também de acordo com as citadasnormas.

As amostras foram tratadas com n-hexano grau resíduo de pesticida para aextração dos isômeros do HCH da matriz em questão. O método de extraçãoutilizado foi por Soxhlet, em seguida os extratos foram concentrados à vácuo e nofinal, avolumados a 1 ml com hexano em corrente de nitrogênio.Os extratos foram analisados por cromatografia gasosa de alta resolução usandoum detector de captura de elétrons e uma coluna de sílica fundida, faseestacionária HP-5 (5 % fenil/95 % metilpolisiloxano), com 25 m de comprimento x0,25 mm de diâmetro interno x 0,11 µm de espessura do filme da faseestacionária. Os seguintes parâmetros foram utilizados na análise cromatográfica:temperatura do forno, 100 °C (2 min.), 8 °C/min. 150 °C(6 min.) 3 °C/min., 160 °C,12 °C/min., 280 °C(10 min.); temperatura do injetor, 250 °C; temperatura dodetector, 290 C; gás de arraste, hidrogênio ultra puro a um fluxo de 1 ml/min.; gásde make up do detector, nitrogênio ultra puro a um fluxo de 60 ml/min.; volumeinjetado de 1 µL e técnica de injeção com divisão de amostra de 1:10 (Oliveira etal, 1994).

Resultados e Discussão

Todas as informações relativas às fases 1 a 5 já foram efetuadas. A informaçãosobre a contaminação ambiental (Fase 6) foi iniciada. Esta fase se divide em duasetapas. Na primeira, foi efetuado um diagnóstico da contaminação por HCH ealguns outros compostos como DDT e seus produtos de degradação, a segundafase, compreende a extensão das análises ambientais para o entorno do sítio. Oestudo inicial incluiu análises de amostras ambientais dentro da área foco (área de100 m de raio em torno das ruínas da antiga fábrica) e de uma área de raio de 2,4km medidos a partir das ruínas da antiga fábrica. Este estudo foi concluído em1996. Depois disto o Ministério da Saúde autorizou a demolição e remoção dosescombros da antiga fábrica e a colocação de cal (CaO) em toda a área foco.Os resultados da poluição superficial do solo por HCH, apresentado na Figura 2mostram que para distâncias inferiores a 100 m, medidas a partir das ruínas dafábrica, as concentrações dos isômeros do HCH são muitos elevadas, da ordemde milhares de ppb. Para distâncias superiores a 100 m a maioria dos pontosamostrados apresentaram concentrações inferiores a 100 ppb.

Figura 2Concentração dos isômeros de HCH no solo versus distância das ruínas daantiga fábrica.

As concentrações elevadas, encontradas nos pontos P26 e P27, situados sobre aestrada que corta o sítio, confirmariam as afirmações de moradores da região quematerial contaminado proveniente da área foco, teria sido utilizado naterraplanagem da estrada.Os resultados obtidos com amostras de água do lençol freático superficial (Quadro1), conduzido em período seco, não apresentaram altas concentrações de HCH. Oisômero β foi o que apresentou maior concentração residual de HCH (0,96 µg/L),medido no perfil 3. Diferentes fatores podem ter influenciado os resultadosobservados. Entre estes, a presença de matéria orgânica usada para fins agrícola,e a própria textura do solo, que podem ter retido o HCH impedindo o mesmo deatingir o lenço freático.

Quadro 1Teor residual de HCH no lençol freático da Cidade dos Meninos (ppb)

Isômeros do HCH------------------------------

Perfil α β γ δ Profundidade da coleta (m)---------------------------------------------------------------------------------------------------------P1 0,07 1,30 0,03 0,04 1,80P2 0,19 0,50 0,02 0,03 0,40P3 0,96 0,20 0,24 0,13 2,20P4 0,04 0,05 <0,01 0,05 1,80

Os altos níveis de HCH (da ordem de milhares de µg/kg), observado em amostrasde pastos (Figura 3), não são surpreendentes, uma vez que 4 destas amostraforam coletadas dentro da área foco.

Figura 3Concentração de isômeros de HCH em amostras de pasto versus distânciadas ruínas da antiga fábrica

Durante o seu funcionamento a fábrica além de produzir o HCH também executavatestes e pesquisas com outros tipos de compostos para o combate a insetos evetores. Assim, não foi inesperado que se encontrasse nas amostra analisadas apresença de DDT e metabólitos, além de chumbo e aceto- meta-arsenito decobre. O primeiro, provavelmente oriundo do material das cubas de preparo doHCH e de impurezas da matéria prima e o segundo, era utilizado no combate amoluscos.Análises preliminares realizadas após a adição de cal ao solo da área foco(Bastos et al, 1997) mostram que as concentrações dos isômeros α, β, γ e δcontinuam da mesma ordem de grandeza que antes da colocação de cal, porémagora mais uniformemente distribuída dentro da área foco. Elas mostram tambéma presença de DDT e Hexaclorobenzeno no sítio e parece indicar que a adição decal pode ter acelerado a produção de metabólitos do DDT e compostos oriundosda degradação do HCH, como os triclorofenóis .Exames toxicológicos realizados em amostras de sangue de 31 adultos (17 dosexo feminino com idade entre 12 e 59 anos e 14 do sexo masculino com idadeentre 5 e 62 anos) morando dentro da área foco apresentaram concentrações dosisômeros alfa e beta variando entre 0,16 µg/L a 15,67 µg/L e de 1,05 a 207,3 µg/Lrespectivamente. O isômero γ foi encontrado somente em dois dos 31 moradores.Em média, as concentrações de HCH encontradas nos moradores foram 63vezes maiores do que as observadas no grupo controle, (Braga, A. M. C. B.,1995).Análises efetuadas no sangue de 180 crianças e adolescentes, com idadesvariando de 5 a 18 anos, residentes no Abrigo Cristo Redentor situado dentro daárea contaminada, revelou que 25 das amostras de sangue analisadasapresentaram-se contaminadas com um ou mais dos quatros isômeros dos HCH(Braga, A. M. C. B.,1995).As preocupações da comunidade com a sua saúde, bem como seus hábitosalimentares, condições de atendimento médico, lazer, percepção do problemaentre outras, foram avaliadas através da aplicação de questionários dirigidosaplicados segundo a metodologia utilizada pelo IBGE. Estes questionáriostambém tiveram o objetivo de identificar os pontos de exposição existentes no sítioe ajudar na determinação das rotas ambientais de contaminação (Fase 7 doprojeto).Os resultados mostraram que a maioria da população carente procura o Posto deSaúde do Pilar, bairro vizinho e em segundo lugar, o Posto de Saúde do Lote 15de Belfort Roxo. Grande parte da população associa sintomas de dor de cabeça,irritação nos olhos e na pele, falta de ar , fraqueza e dor abdominal com apresença do HCH. Três casos de neoplasia em paciente jovens que habitavam olocal, foram relatados. 17,4 % das casas cultivam verduras e legumes,principalmente hortaliças e aipim para consumo próprio, 82,6 % cultivam fruteiras,95,2 % da população do sítio consome água potável oriunda do sistema dedistribuição do Estado, 4,8 % no entanto responderam consumir água de poço eusá-la para irrigação e sedentação de animais. Diversas famílias criam animais decorte, como gado, porcos, galinhas e etc... O leite produzido por estes animais éconsumido e vendido.

Muito embora já estivesse claro que o problema de contaminação da Cidade dosMeninos não estaria restrito somente a este sítio, os resultados dos questionáriosevidenciam claramente a necessidade de extensão da pesquisa às comunidadesvizinhas. Resultados preliminares dos mesmos questionários aplicados no bairrovizinho do Pilar mostram que 23,8 % da população consome água de poço.Os resultados conseguidos até aqui indicam que o solo e a biota são importantespontos de exposição no sítio da Cidade dos Meninos.

Conclusão

As fases até agora executadas mostraram a necessidade de se extender aavaliação de saúde para o entorno da Cidade dos Meninos. Assim, está nomomento procedendo-se a aplicação de questionários nos bairros do Pilar,Amapá e Filgueiras, sendo que os dois últimos estão situados na direção dosventos dominantes. Os resultados dos questionários fornecerão indicações sobreos pontos prováveis de exposição, onde amostras serão coletadas e análises deHCH e metais serão realizadas.Os resultados referentes às análises realizadas na Cidade dos Meninos,isoladamente, obtidos até agora, mostraram que embora a poluição do HCH tenhase espalhado por uma grande extensão, três micro-áreas distintas podem seridentificadas: a área constituída pelos arredores da antiga fábrica, com um raio de100 m, a estrada que atravessa a região de estudo e a área restante. Acontaminação do lençol freático a princípio não representa risco para a maioria dapopulação local, porque consome água distribuída pela companhia estadual(CEDAE). Mas pode ser um ponto de exposição importante em outros bairros doentorno onde cerca de 23 % da população consome água de poço. As altasconcentrações residuais de HCH encontradas no pasto evidenciam um riscoconsiderável de exposição humana via cadeia alimentar. A distância entrealgumas residências e as ruínas da antiga fábrica parece ser um importante fatorna determinação dos níveis dos isômeros de HCH no sangue humano e depossíveis implicações para a sua saúde. As ações remediadoras tomadas peloMinistério da Saúde com a adição de cal no solo, não resolveu o problema. Háindícios de que essa ação acelerou o processo de degradação dosorganoclorados alí presentes. Este fato pode ter dado origem a compostos aindamais tóxicos que os anteriomente encontrados. O abrigo que recebia crianças e adolescentes carentes foi desativado e ogoverno estadual tem um plano de construir um conjunto habitacional popular nolocal. Pretendemos no final deste projeto classificar o nível de perigo do sítio,estimar a população exposta e potencialmente exposta, e recomendar, com basenestes resultados, um uso futuro para o sítio.

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