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1 Avaliação da Implementação do Prontuário Eletrônico do Paciente e Impactos na Gestão dos Serviços Hospitalares: a experiência do InCor – Instituto do Coração Autoria: Domingos Antonio Jatene, Flávia Luciane Consoni, Roberto Carlos Bernardes RESUMO A ineficiência do sistema de saúde brasileiro tem propiciado novos processos de realização dos mesmos e novos modelos de gestão. Este artigo analisa um destes processos, o Prontuário Eletrônico do Paciente, depositário de informações diversas acerca dos pacientes e do tipo de tratamento a eles ministrado. A pesquisa foi conduzida em 2011 no InCor - Instituto do Coração, hospital pertencente ao complexo do Hospital das Clínicas na cidade de São Paulo (Brasil). Concluímos que, não obstante todos os casos de sucesso relatados e observados, não foi possível evidenciar metas ou indicadores que pudessem demonstrar e comprovar a efetividade desta inovação.

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Avaliação da Implementação do Prontuário Eletrônico do Paciente e Impactos na Gestão

dos Serviços Hospitalares: a experiência do InCor – Instituto do Coração

Autoria: Domingos Antonio Jatene, Flávia Luciane Consoni, Roberto Carlos Bernardes

RESUMO

A ineficiência do sistema de saúde brasileiro tem propiciado novos processos de realização dos mesmos e novos modelos de gestão. Este artigo analisa um destes processos, o Prontuário Eletrônico do Paciente, depositário de informações diversas acerca dos pacientes e do tipo de tratamento a eles ministrado. A pesquisa foi conduzida em 2011 no InCor - Instituto do Coração, hospital pertencente ao complexo do Hospital das Clínicas na cidade de São Paulo (Brasil). Concluímos que, não obstante todos os casos de sucesso relatados e observados, não foi possível evidenciar metas ou indicadores que pudessem demonstrar e comprovar a efetividade desta inovação.

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1. Introdução A busca por inovações em sistema de saúde, que viabilizem a redução de custos, a melhoria

da qualidade e da eficiência do atendimento, assim como o maior acesso à assistência médica, tem se constituído em desafio para as nações, sejam elas desenvolvidas ou não, pouco eficientes em proporem soluções que combinem tecnologia, conhecimento médico e modelos de gestão. É no âmbito desse debate que a Tecnologia da Informação (TI) em Saúde, mais especificamente os Registros Eletrônicos de Saúde, tem sido tratada como uma ferramenta que viabiliza o acesso a inovações na área da saúde. Tal reconhecimento tem inclusive despertando o interesse de autoridades mundiais no estímulo à implantação, por intermédio da TI, de Sistemas de Informações Hospitalares (SIH) (Jha et. al., 2008). Dentre os benefícios mais imediatos, está o apoio a decisões médicas em tempo real, a disponibilização de informações clínicas críticas para os profissionais da saúde, e a melhor gestão dos custos hospitalares.

São várias as funcionalidades dos SIH, com destaque para a Documentação Clínica (histórico dos pacientes, exames físicos, queixas e antecedentes); os Resultados de Exames (inclui textos, sinais e imagens); Ordens Médicas (prescrição, evolução, pedidos de exames e cuidados); e Suporte a Decisão da equipe médica (Gutierrez, 2011).

No contexto dos SIH, o prontuário dos pacientes ou prontuário médico se apresenta como um dos mais importantes registros dos serviços de saúde nos hospitais, considerado como ponto central de todas as atividades de um sistema de informação em saúde (Mota, 2006). Os prontuários médicos foram desenvolvidos ao longo da história por médicos e enfermeiros com o intuito de registrar informações que possibilitassem avaliar a evolução do tratamento médico dispensado aos pacientes, a efetividade dos procedimentos utilizados com relação à solução dos problemas que originaram a busca pelo atendimento, a identificação de eventuais novos problemas e as condutas, diagnósticos e terapêuticas adotadas (Marin, Massad & Neto, 2003). Tradicionalmente elaborado a partir do registro em papel, o prontuário estava associado a várias limitações e problemas, tais como: dificuldades de disponibilização (só pode estar num único lugar ao mesmo tempo); possibilidade de perda; conteúdo ilegível, incompleto ou com informação ambígua; e a necessidade de espaço físico e de pessoal responsável por esta armazenagem.

O prontuário eletrônico do paciente (PEP) é uma inovação que representa uma evolução neste sistema, além de ser um marco no conceito de SIH1. Segundo o Institute of Medicine (IOM, 1997), o PEP consiste em um registro eletrônico que reside em um sistema especificamente projetado para apoiar os usuários (equipe médica e de apoio às atividades hospitalares), fornecendo acesso a um completo conjunto de dados, alertas, sistemas de apoio à decisão e a outros recursos como links para base de conhecimento médico.

Para termos uma dimensão da atual abrangência do PEP e da complexidade de sua implementação, dados relativos a 2010 revelam que entre 5 a 9% dos hospitais no Brasil possuem PEP, porém de forma isolada, isto é, em algum subsistema do hospital, como o faturamento, por exemplo. O estágio mais avançado do PEP, que une em um único sistema diversas informações que circulam em um hospital, tais como dados médicos, materiais e sistema de faturamento, compõe o que chamamos de PEP integrado. Pela maior complexidade da sua implantação, estimativas revelam que menos de 1% dos hospitais brasileiros alcançaram este estágio (InCor, 2011).

Pela sua importância e funcionalidades, o emprego do PEP, especificamente do PEP integrado, é uma meta que tem sido perseguida por vários hospitais, tendo se colocado mesmo como uma política de governo. O caso norte-americano é ilustrativo a este respeito. De acordo com o St. Jude Medical, INC., o governo está investindo cerca de US$ 20 bilhões num projeto

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para que a partir de 2011 seja fomentada a implementação da TI em saúde em todo o território. A relevância do contexto no qual se insere a inovação representada pelo PEP deve-se não só pelos aspectos tecnológicos, afinal, os EUA são um país de tecnologia altamente desenvolvida em TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) e, no entanto, a implementação e disseminação desta inovação é ainda incipiente. Ao contrário, a implementação desta inovação mantém uma relação direta com aspectos relativos à gestão e à cultura de um hospital.

Este relativo consenso evidenciado na literatura que aborda os SIH acerca das vantagens do PEP no ambiente hospitalar, seja como um dos registros eletrônicos de saúde mais importantes, seja pelo seu potencial de melhorar a qualidade da assistência à saúde dos pacientes e da gestão da organização hospitalar, motivou a formulação de duas perguntas de pesquisa. Quais as barreiras para a implementação do PEP em hospitais brasileiros? E, sendo o PEP uma ferramenta tão eficiente no ambiente e na gestão hospitalar, como mensurar a efetividade desta inovação?

Com o desafio de buscar respostas a tais indagações, foi realizada uma pesquisa sobre o processo de implementação do PEP no Instituto do Coração (InCor). Trata-se de um hospital público de alta complexidade2, especializado em cardiologia, pneumologia, e cirurgia cardíaca torácica, pertencente ao complexo do Hospital das Clínicas na cidade de São Paulo (Brasil), e que também é centro de referência no ensino e pesquisa para a faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A justificativa desta escolha deve-se ao fato do InCor ser um dos poucos hospitais no Brasil que possuem o PEP totalmente integrado, estágio somente alcançado em 2011, quase 15 anos após o início de seu desenvolvimento. Ademais, o grande volume de atendimentos do InCor, somado à crença de que os prontuários em papel são bastante limitados para a medicina atual e mais passíveis de erros e de queda na qualidade do atendimento, também corroboram esta escolha. Dados de atendimento do InCor para 2010, colhidos em entrevistas com representantes do hospital, indicam: 260.000 consultas, 14.500 internações e 240.000 prescrições médicas.

Este artigo se propôs a analisar o desenvolvimento e a implementação do PEP no InCor, com o objetivo de entender as dificuldades deste processo, os seus condicionantes e os indicadores da eficácia desta inovação para as partes envolvidas com o PEP no ambiente hospitalar. Esta pesquisa foi complementada por entrevistas em dois outros hospitais, HCor (Hospital do Coração) e AC Camargo, ambos privados e usuários do PEP na sua versão não-integrada. A proposta consistiu em obter uma melhor compreensão acerca deste tipo de inovação em hospitais com características de gestão bastante diferenciadas do InCor.

Além desta Introdução, este artigo traz outras seis seções. A seção 2 apresenta o debate teórico sobre inovação em serviços de saúde, discussão que trouxe grande contribuição para a escolha das nossas categorias de análise do trabalho empírico, conforme é detalhado na seção 3. Nas três seções seguintes são analisados os resultados da pesquisa no InCor, sendo que: a seção 4 discute o processo de implementação do PEP; a seção 5 destaca as condicionantes e dificuldades encontradas; e a seção 6 aborda aspectos da mensuração da efetividade do PEP. Por fim, nas conclusões finais, busca-se articular os principais achados deste estudo.

2. Inovação em serviços da saúde e na gestão hospitalar Os primórdios da abordagem e conceitualização dos modelos de inovação em serviço

mostram que, até o inicio dos anos 1980, tal processo estava relegado a um segundo plano, tendo sido registrado poucas pesquisas nessa área. As atenções estavam focadas nos avanços técnicos e desenvolvimentos de novos equipamentos, máquinas, produtos e processos de manufatura que envolvia sua comercialização. Os serviços, assim como os demais setores considerados de baixa

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tecnologia na época, eram tidos como desinteressados em produzir novas tecnologias, limitando-se em usar aquelas advindas da indústria (Howells & Tether, 2007).

A partir de então, podemos elencar três fases para caracterizar as abordagens sobre o processo de inovação em serviços. A partir dos anos 1980, coincidindo com o aumento da importância dos serviços na economia, começa a fase de pesquisa denominada de “assimilação”, ou “tecnicista” que, como o próprio nome pressupõe, caracterizou-se por tentativas de estudar as inovações em serviços a partir das ferramentas conceituais existentes para a compreensão das inovações tecnológicas da manufatura. No entanto, tal abordagem negligenciava aspectos não tecnológicos das inovações em serviços, acabando por subestimar a intensidade inovativa das atividades de serviços. (Gallouj & Savona, 2009)

A segunda fase recebeu as denominações “demarcação” (Tether, 2005), “distinção” (Howells & Tether, 2007); ou ainda “serviço-orientado” ou “diferenciação” (Gallouj & Savona, 2009). Trata-se de uma abordagem que se contrapõe à centralidade das inovações tecnológicas e à força das funções de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) características da fase anterior (assimilação). Em linhas gerais, tal movimento assume que existem novas teorias e formas de inovações especificas para serviço, destacando as inovações organizacionais e a função desempenhada pelos serviços de negócios, intensivos em conhecimento (KIBS) e pelas TCIs dentro da expansão dos processos de inovação, em especial no “busines-to-busines” (B2B).

Tal abordagem, ao focalizar as especialidades das inovações em serviços, e em resposta à abordagem tecnicista, amplia as suas perspectivas, considerando os aspectos tecnológicos incorporados aos serviços. Características das saídas dos serviços, tais como imaterialidade, interatividade e co-produção, dificultam a tradicional separação das inovações, como sendo de produto, processo e organizacional, bem como a avaliação de sua intensidade e impactos econômicos (Gallouj & Savona, 2009).

A terceira fase emerge no início dos anos 2000, com destaque para pesquisadores como Gallouj, Weinstein, Metcalfe, Drejer e Windrum. Esta abordagem, denominada “síntese” ou “integradora”, busca integrar os conceitos e idéias do ponto de vista “demarcação” ou “diferenciação” com os obtidos nos estudos e aplicações das inovações na área de manufatura, englobando assim dimensões da inovação discutidas por Schumpeter (1985): produto, processo, abertura de novos mercados, novas formas organizacionais e novas fontes de matéria prima.

A efetividade dos processos de inovação na área de serviços depende das causas ou fatores que as influenciam e que, em combinação, determinam a capacidade do novo serviço em atender seus propósitos, geralmente associados com a solução de problemas com o uso ou a entrega dos mesmos. Essas causas estão associadas às forças internas e externas que dirigem as inovações e à forma como as organizações solucionam seus problemas. Dentre tais formas, considere que: as organizações utilizam a tecnologia e assim evoluem tecnicamente (trajetória tecnológica); definem sua cultura e provocam a interação entre as pessoas (trajetória institucional); gerenciam métodos, regras de comportamento, e conhecimentos gerais próprios dos diversos tipos de profissionais da área de serviços (trajetória de serviços profissionais); introduzem novas formas de gestão (trajetória administrativa ou gerencial); enxerga e respeita as questões sócio-ambientais (trajetória social). A combinação entre tais trajetórias definem um padrão típico de inovação que é próprio do processo de inovação de cada organização (Sundbo & Gallouj, 1998). Além dessas trajetórias, mais dois tipos de causas influenciam o sucesso das inovações em serviços: os atores do processo (consumidores/clientes, competidores, e fornecedores) e a estrutura existente para as inovações (departamento de Marketing, área de P&D, etc), que incluem a forma como a inovação se insere na visão e no planejamento estratégico das organizações, e o grau de envolvimento dos seus funcionários nesta busca (Sundbo & Gallouj, 1998).

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O debate teórico sobre inovação em serviços traz importantes insumos para pensarmos especificamente na inovação nos serviços de saúde, evidenciadas pela introdução de um novo conceito, idéia, serviço, processo, produto, ou modelo de negócio, caracterizadas pelo aumento de agregação de valor a uma ou mais partes interessadas. Como objetivo perseguido, está a satisfação das necessidades de seus pacientes, das agências regulatórias, da própria direção da organização e dos médicos e demais profissionais dos serviços de saúde. Para isso, tais inovações têm buscado a melhoria do tratamento, do diagnóstico, da prevenção e, ao longo do tempo, em melhorar a qualidade, a segurança, os resultados, a eficiência, e a efetividade em termos dos custos do sistema de saúde (Omachonu & Einspruch, 2010).

Uma abordagem complementar acerca dos objetivos das inovações nos serviços de saúde é feita por Christensen e Hwang (2008), quando colocam que a maioria das inovações tem por proposta atender as necessidades de melhoria do desempenho dos hospitais e de solucionar os problemas complexos dos médicos. São definidas como inovações sustentáveis, caracterizadas tanto por pequenas melhorias incrementais, como por “processos dramáticos”, assim chamados por sustentarem as melhorias de desempenho e permitirem gerar melhores produtos que podem ser vendidos com maiores lucros para clientes com maior poder aquisitivo.

Para que os objetivos das inovações nos serviços de saúde sejam alcançados a gestão da qualidade, dos custos, da eficiência, da segurança e dos resultados da organização são fatores fundamentais, assim como a utilização de novas informações tecnológicas confiáveis e a competência dos médicos e demais profissionais dos serviços de saúde. A efetividade das inovações depende de como o paciente é visto, ouvido e de como suas necessidades são atendidas (Omachonu & Einspruch, 2010).

No que se refere à inovação em Hospitais, Djellal e Gallouj (2007) mostram sua evolução segundo quatro grupos. O primeiro grupo, baseado na teoria econômica clássica, faz uma analogia entre hospitais e uma fábrica de automóveis, na qual o produto, a “saúde”; é função de uma série de fatores de produção, os quais no caso dos serviços de saúde são os cuidados médicos. Dessa forma um aumento nos cuidados médicos (conjunto de atividades que visam recuperar ou aumentar o “capital” saúde) provocaria melhores possibilidades de recuperação da saúde. O segundo grupo focaliza o hospital como um centro de desenvolvimento ou introdução de inovações médicas, tangíveis e/ou intangíveis, e de caráter tecnológico. São caracterizadas por novas drogas, novas substâncias químicas ou farmacêuticas (biotecnologia/ biofarmacologia), introdução de novos sistemas técnicos em apoio às técnicas terapêuticas ou de diagnóstico (inovações tangíveis), e novos protocolos de tratamento, de diagnóstico e novas estratégias de tratamento (inovações intangíveis). O terceiro grupo enfatiza a inovação baseada em novas TICs tanto na área administrativa como principalmente na área de cuidados com os pacientes, a qual traz consigo, entre outras necessidades e adequações, o treinamento para a área administrativa e para enfermeiras e médicos, em novas técnicas para utilizar equipamentos computadorizados. Esses três grupos apresentam duas inadequações: a ênfase exagerada em ciência e tecnologia e a concentração em atividades de cuidado à saúde em detrimento de outros serviços de apoio.

Já o quarto grupo assume o hospital como dentro de um sistema de inovação, capaz de articular diversos tipos de inovação dentro do espírito neoschumpeteriano: tecnológicas (biotecnologia, por exemplo), novos materiais, informática, novas atividades correspondentes à evolução da sua própria missão, e inovações organizacionais (reorganizações administrativas, avaliação da qualidade do cuidado, desenvolvimento de protocolos, inovações sociais e culturais) (Djellal & Gallouj, 2007). Portanto, uma abordagem mais holística e adequada para a investigação dos condicionantes da implementação e da efetividade do PEP no InCor.

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3. Estratégia da Pesquisa Além de uma vasta pesquisa teórica, este estudo contou com um estudo de caso em hospitais

da cidade de São Paulo, no ano de 2011, com entrevistas em profundidade no InCor, e entrevistas exploratórias nos hospitais HCor (Hospital do Coração) e AC Camargo.

No InCor, foi conduzida uma investigação em todas as áreas envolvidas com as funcionalidades do PEP integrado. No total, foram realizadas doze entrevistas com: Diretoria Executiva; Assessor da Diretoria Executiva; Diretor de TI; Diretor Sistema de Informação; Assessora da Diretoria de Telesaúde; Diretor da Emergência; Diretora da Enfermagem; Diretora do Laboratório; Analista Chefe do Laboratório; Responsável pela Farmácia; Administrador da Hemodinâmica; e com o Arquiteto Chefe do InCor. Com uma duração média de 01h30min, as entrevistas foram gravadas e transcritas para posterior análise. Com o apoio de um roteiro pré-estruturado, foram investigados os seguintes temas: fato-gerador da inovação; implementação; impactos dentro e fora do ambiente hospitalar; benefícios; dificuldades; indicadores e metas vinculados ao PEP; perspectivas de disseminação do PEP para outros hospitais brasileiros; e desenvolvimentos futuros. Estes temas foram elaborados em função das categorias de análise, definidas em função da literatura, a saber: Hospital enquanto um sistema de inovação capaz de articular os agentes; Dimensões da Inovação, organizacional e tecnológica; e Fatores externos e internos que moldam esta inovação. Além das entrevistas houve diversos contatos por e-mail e visitas a todas as áreas do hospital usuárias do PEP, para observações e coleta de dados.

Os dois outros hospitais investigados, HCor e AC Camargo, são privados e referências em suas especialidades, respectivamente, cardiologia, e cirurgias cardiovasculares e oncologia. A escolha destes hospitais para pesquisa justifica-se por serem ambos usuários do PEP, ainda que não na sua versão integrada, e por apresentarem características e filosofias de gestão diferentes do InCor. A proposta foi estabelecer um contraponto quanto ao cenário relativo ao tema PEP e assim, melhor subsidiar nossas conclusões, em especial quando à medição da efetividade da inovação. Com base na mesma técnica de entrevista e metodologia, foram entrevistados apenas os responsáveis pela implementação do PEP nestes hospitais. A figura que se segue ilustra as orientações seguidas para a condução deste estudo.

 Perguntas de Pesquisa Metodologia Referencial Teórico

Categorias de Análise

Quais as barreiras para a implementação do PEP em hospitais?

Como mensurar a efetividade do PEP?

Pesquisa Qualitativa Estudo de caso único - caráter descritivo exploratório Plano Operacional - análise de dados primários e secundários Plano de Análise - definição das categorias de análise; - descrição dos resultados e aplicabilidade do modelo conceitual de inovação de serviços; - considerações finais.

Inovação em Serviços Howells e Tether (2007) Sundbo e Gallouj (1998) Gallouj e Savona (2009) Inovação em Serviços Hospitalares Djellal e Gallouj (2007) Hwang e Christensen (2008; 2011) Omachinu e Eispruch (2010) Inovação – PEP no Brasil Bohrer (2010) Vargas (2006) Marin, Massad e Neto (2003)

Hospital enquanto um sistema de inovação - capaz de articular os agentes Dimensões da Inovação: organizacional e tecnológica Fatores externos e internos que moldam a inovação

Figura 1: Plano de análise da pesquisa Fonte: Autor

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4. A implantação do PEP: uma trajetória de aprendizado e interação A implementação dos Prontuários Eletrônicos dos Pacientes é uma necessidade cada vez

mais presente na gestão dos serviços hospitalares, face às necessidades de melhorar o atendimento e a segurança dos pacientes e proporcionar benefícios no desempenho das atividades administrativas e na gestão do hospital como um todo.

O desenvolvimento e a implementação do PEP integrado no InCor objetivaram fornecer suporte e apoio a decisões médicas visando a qualidade do tratamento dispensado aos pacientes e propiciar o controle, a integração, a manutenção, o acesso e a disponibilização do enorme volume de informações hospitalares necessárias aos diversos processos que se desenrolam dentro de um hospital, incluindo a necessidade de coleta e controle das inúmeras variáveis acerca dos pacientes. Serviu como estímulo a crença de que para obter padrão de excelência no atendimento, convergente com uma medicina moderna, o prontuário em papel traz muitas limitações uma vez que não permite o uso de informações simultâneas por médicos, enfermeiros e pessoal de TI.

O início dos registros eletrônicos referente à saúde dentro do InCor começou com a captação de sinais e imagens dos laboratórios onde eram registrados, e posteriormente enviados das áreas técnicas para os leitos. A partir daí a direção executiva vislumbrou a possibilidade de acrescentar a esses registros digitais as informações das prescrições e evolução dos pacientes e dos demais profissionais de saúde que interagiam com os pacientes.

Desta perspectiva, os objetivos iniciais que motivaram este desenvolvimento buscaram: melhorar os processos internos (qualidade, agilidade); melhorar a qualidade da informação em saúde; aumentar a segurança dos pacientes (por exemplo, impedir adulteração de dados e erros de interpretação motivados pela falta de legibilidade, erros de administração da enfermagem, erros de superdosagem de medicamentos); reduzir as queixas quanto à falta de prontuário em tempo hábil seja no pronto socorro, seja no ambulatório; falta de localização da informação requerida no prontuário em papel; falta de organização da informação arquivada; dificuldade de localização e no tempo de resposta para elaboração de laudos; fontes de conflitos constantes e decorrentes das dificuldades de administrar o prontuário em papel (grande volume de informações manuscritas, nem sempre legíveis, dificuldades de indexação, armazenamto, falta de espaço para armazenamento local, entre outras) e propiciar uma análise ampla e compartilhamento das informações no sentido de melhorar os serviços prestados dentro da cadeia produtiva e também para os pacientes.

Um aspecto diferencial do desenvolvimento do PEP, e que tem relação com sua característica de hospital público, é que ele partiu das necessidades assistenciais para as necessidades da área de faturamento. São conhecidos casos de hospitais que fracassaram ao comprar um software no mercado para implementar o PEP, pois tiveram que fazer muitas e caras customizações para adequarem os mesmos às suas necessidades, sem sucesso prático.

Valendo-se das TICs, do conhecimento dos médicos, dos demais profissionais da saúde envolvidos, e dos profissionais da TI, as soluções não só para os problemas gerados pelos prontuários em papel, como também soluções inovadoras para aperfeiçoamento do prontuário, foram se tornando viáveis. Diversas tecnologias foram utilizadas para armazenamento e distribuição dos registros, tendo sido decisivo a proposta de um software próprio que integrasse todas as áreas. Tal definição começou nos anos 1990, mas somente a partir de 2003 o SI (Sistema de Informações), sistema até então utilizado, dá lugar ao SI3 (Sistema Integrado de Informações Institucionais). A partir de então, tornou possível a todas as áreas do hospital inserir suas informações diretamente no sistema, gerando, disponibilizando e atualizando automaticamente o PEP. Este foi o início do PEP integrado, que gradualmente foi integrando as diversas áreas do hospital no sistema, processo este que foi finalizado apenas em 2011.

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O software SI3 é um aplicativo tipo ERP (Enterprises Resources Planning) desenvolvido para ambiente Web e com capacidade para troca de informações com outros sistemas, utilizando para tal padrões internacionais como HL7 e DICOM. É um patrimônio público, com patente pela FZ (Fundação Zerbini) e inscrição no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).

Do ponto de vista das abordagens teóricas de inovações em serviços, o início de desenvolvimento do sistema de informações do InCor na década de 1970, assemelha-se ao cenário definido pela abordagem tecnicista, no qual não se observa a interação entre nova tecnologia e seus usuários com o intuito de elaborar novas formas de executar os serviços. Com o desenvolvimento dos sistemas de informação, especificamente ao longo da década de 1990, e mais especificamente o do prontuário eletrônico, não somente o uso da tecnologia mostrou-se importante, como também foram importantes as novas idéias e o conhecimento das equipes multifuncionais, tornando o software específico para atender às necessidades administrativas e técnicas do InCor.

Houve preocupação em desenvolver um novo produto, o PEP, por meio da melhoria e integração dos processos, e que também propiciasse melhores controles e formas de gestão das áreas e do Hospital. Dessa perspectiva é possível também identificar conceitos defendidos por Gallouj e Savona (2009) com relação às abordagens integradora e diferenciação.

Na Figura 1, há uma representação gráfica do modelo de inovação PEP implementado no InCor, com destaque para as partes e áreas mais diretamente envolvidas, incluindo as dimensões ambiente interno (AI) e externo, as quais constituíram o ponto focal desta investigação. Necessidades do Paciente, Qualidade e Produtividade, Gestão dos Processos e Metodologias de Melhoria dos Processos estão vinculados à análise de efetividade, à forma como medi-la e aos impactos na gestão do hospital. Já os elementos TIC, Gestão do Hospital e Competências Técnicas e Humanas e para uso das TIC, estão vinculados à analise da implementação da inovação. No caso específico do InCor, a implementação e a busca pela efetividade do PEP contou ainda com o apoio dos fornecedores, também representados no modelo, a partir dos quais ocorreu a aquisição de novos materiais e equipamentos relativos às TIC.

Figura 1: Elementos que integram o processo de inovação PEP no InCor Fonte: Autor

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A partir de uma análise centrada no modelo de inovação PEP, e nos seus elementos constituintes e áreas envolvidas, as próximas duas seções investigam as principais dificuldades encontradas na implementação deste processo; nos seus condicionantes e nos fatores que garantiram a sua efetividade.

5. Condicionantes e Dificuldades na implantação do PEP

Entre os principais condicionantes da efetiva implementação do PEP integrado no InCor, destacam-se os seguintes aspectos: cultura de TI; equipes multifuncionais; competências técnicas e humanas; fornecedores de equipamentos; e recursos financeiros. Esta seção explora a influência e a importância de cada um deles.

O desenvolvimento do PEP no InCor foi influenciado pelo seu envolvimento com os Sistemas de Informação desde sua criação, no final dos anos 1970, configurando uma “cultura de TI” bastante particular. Na época, para fazer o controle dos pacientes, o InCor importou dos Estados Unidos computadores e softwares, necessitando criar o departamento de informática e contratar engenheiros eletrônicos para adaptar os produtos para a realidade local. O fato de ter um departamento de informática atuando no desenvolvimento direto do PEP denota um traço cultural que valoriza o desenvolvimento e o papel da tecnologia da informatização na gestão do hospital.

Desde o início do processo de desenvolvimento do PEP, tanto a direção do hospital, quanto a equipe de TI, trabalharam conjuntamente na conscientização dos usuários do sistema acerca dos benefícios do PEP. Este fato reforça outra característica forte deste processo, que evidencia a presença de uma equipe multifuncional que desde o início participou deste desenvolvimento, com o propósito de implementar essa inovação. Foi e ainda é um trabalho sistemático feito por profissionais da saúde e de TI na identificação das necessidades e melhorias no PEP, que surgiam na medida em que o mesmo se tornava mais integrado entre as áreas.

Na composição desta equipe, estiveram presentes representantes de cada uma das áreas do InCor: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, administração e informática. Ademais, pelas características do InCor enquanto hospital público e de pesquisa, os médicos estão em tempo integral no hospital desenvolvendo seu trabalho e sua pesquisa, fato que facilita a interação entre eles, a TI, enfermeiros e demais profissionais da saúde.

Depois de alcançado o estágio de total integração entre as áreas do InCor, no PEP, as unidades passaram a ter acessos a dados corporativos e a dados personalizados de acordo com o perfil do doente de cada uma das especialidades. Isso possibilitou, por exemplo, à unidade de hipertensão melhorar o tratamento de alguns de seus pacientes pelo aumento de conhecimento sobre seu histórico em outras áreas médicas (acesso a dados de exames diversos e a consultas realizadas em outras unidades com impacto potencial no tratamento do paciente). Os ganhos desta integração foram significativos, provenientes desta visão mais ampla que o acesso a diversas informações proporcionou.

Na dimensão competências técnicas e comportamentais (existentes e desenvolvidas), vale enfatizar o conhecimento técnico dos profissionais de saúde sobre todas as rotinas hospitalares, aliado ao conhecimento dos profissionais da TI em operacionalizá-las em meio eletrônico. Esta combinação de expertises ocorreu em todas as etapas do projeto de desenvolvimento do PEP, possibilitando o redesenho de processos, a solução de problemas e consequentes melhorias do software que se utiliza para gerar o PEP. O conhecimento médico também permitiu o crivo no software quanto aos benefícios do PEP, e a própria credibilidade dos sistemas integrados que o apóiam e formam, e que foram desenvolvidas pelo grupo de pesquisa e desenvolvimento ligado à divisão de informática. Um ponto importante no desenvolvimento de competências foi o treinamento em todas as áreas no sentido de, não somente vencer a resistência de médicos e

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enfermeiros ao uso dos computadores ao invés do papel, como também para mantê-los atualizados com as novas tecnologias. Essas observações estão em sintonia com o que Mintzberg (2009) afirma sobre a importância de fatores como o treinamento e a permanência de funcionários especializados, nas burocracias mecanizadas (aqui exemplificada pelo Hospital)no alcance dos objetivos propostos; e com Djellal e Gallouj (2007), quando abordam o treinamento nas TICs como fator de sucesso em inovações que as utilizam

Podemos destacar ainda o papel dos fornecedores de equipamentos, que estimularam as equipes de desenvolvimento do PEP a criar e viabilizar alternativas inovadoras para seu uso, interagindo com os sistemas de informação e contribuindo para a modelagem do próprio PEP. Um exemplo consiste na aquisição de equipamentos médicos, tecnologicamente modernos, que possibilitaram incorporar ao PEP o registro de imagens dinâmicas e digitais resultantes de exames e filmes (por exemplo, cateterismos). Este tipo de registro, impossível de ser armazenado no prontuário em papel, tem propiciado maior beneficio para a qualidade e agilidade da informação e do seu uso.

Por fim, está o aspecto recursos financeiros, condição para um desenvolvimento desse porte, sobretudo pela dependência que este processo teve quanto a aquisição de equipamentos, desenvolvimento de softwares e treinamento de pessoal. Neste aspecto, o comprometimento de longo prazo da direção do InCor, que direcionou recursos para este projeto, foi fundamental. A busca por recursos foi outra variável identificada, sendo que parcela considerável dos recursos financeiros necessários para implementar o SI3, módulo do SI que gera o PEP, foi obtida junto a órgãos de fomento à pesquisa como o Fundo de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Parte dos recursos humanos envolvidos também é composto por bolsistas financiados pelos órgãos de fomento nacionais.

Com relação às dificuldades encontradas, concluímos que as maiores referem-se à resistência dos profissionais de saúde, em especial da classe médica e de enfermagem, causadas inicialmente pela resistência em se adaptar à nova ferramenta que inclui etapas como entrar no sistema com user code, senha, adaptar-se à padronização de medicamentos entre outras exigências. Trata-se de um esforço de aprendizagem adicional, se comparado com as facilidades provocadas pelos registros feitos em papel, atividade por eles consideradas como mais rápidas e, portanto, mais condizentes com o imediatismo com que focam o atendimento dos pacientes. De forma a minimizar tais resistências, algumas ações foram decisivas, tais como um intenso processo de divulgação, treinamento e comprovação dos benefícios provocados pelo PEP associadas às melhorias no software e no hardware, que permitiram maior facilidade de uso pelos profissionais de saúde, incluindo o acesso ao programa a partir de áreas externas ao hospital e a qualquer momento.

No que se refere à categoria da enfermagem, a adaptação ao prontuário eletrônico também foi motivo de forte resistência. Muitos enfermeiros, especialmente os mais antigos, por insegurança e dificuldade com relação ao uso dos equipamentos computadorizados, insistiam em manter os registros em papel. Embora os registros eletrônicos no InCor datem de 1998, ele só foi implementado na área de enfermagem em 2003. O procedimento padrão incluía coleta de dados junto aos pacientes pelos enfermeiros e a inserção das informações no sistema (computador) sediado no posto de enfermagem. Em 2005, o procedimento foi novamente alterado, sendo que a coleta e registro dos dados no prontuário passou a ocorrer na frente do paciente, por intermédio de um equipamento móvel. À resistência anterior, se somaram dois novos problemas: insegurança e dificuldade de manuseio por parte do enfermeiro quanto à operação; e a percepção

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do paciente, que passou a se sentir em segundo plano, por considerar que o enfermeiro dava mais atenção ao equipamento do que a ele próprio. Dentre os temas abordados, os treinamentos incluem tanto uma abordagem técnica, sobre o manuseio dessa tecnologia e a alimentação do sistema, como comportamental, com procedimentos sobre como abordar o paciente antes de colher os dados, e detalhes sobre a utilização e importância das informações que irão compor o PEP.

6. Mensurando os benefícios e a efetividade do PEP no InCor

6.1-Benefícios do PEP Foi observado certa unanimidade, em todas as entrevistas, que os benefícios relatados e

associados à implementação do PEP referem-se: à melhoria da qualidade do tratamento e diagnóstico paciente; melhoria em seu atendimento; ganhos operacionais e de produtividade nos processos; reduções de custos; aumento da segurança dos pacientes; e melhor controle de custos do hospital. Nesta seção, buscamos fazer uma breve análise acerca da implementação do PEP e dos principais benefícios apurados nas seis principais áreas que se utilizam do PEP,

a) Sistema de Informações hospitalares: Os maiores benefícios estão por vir, pois com a certificação digital, a enorme área de armazenagem dos prontuários em papel (aproximadamente 1500 metros quadrados) e o pessoal que controla os arquivos (vinte pessoas) não serão mais necessários, assim como serão eliminados o tempo de busca (em média de 20 a 30 minutos) e a possibilidade de sinistros que podem destruir o arquivo, como um incêndio por exemplo. Isto por que a certificação digital permitirá que cada profissional de saúde envolvido no processo do PEP faça uma liberação ou uma assinatura eletrônica baseada no seu “E-CPF” a qual terá validade jurídica podendo até mesmo substituir o prontuário médico em papel numa eventual demanda judicial.

b) Laboratório: Melhorou a leitura e interpretação dos pedidos de exames, agilizou o cadastro, agilizou a conduta do médico, reduziu o número de ligações telefônicas entre médicos e laboratoristas para esclarecer dúvidas e houve redução de papel. Antes do PEP havia dificuldades de leitura dos pedidos do médico e dúvidas e demora em cadastrar manualmente e impressão de grande volume de papel. Notou-se redução do tempo de cadastro dos pedidos vindos das áreas que já tem o PEP implantado devido ao fato destes virem com código de barras emitido pelo sistema informatizado (exceto do ambulatório, ainda sem código de barras associado ao pedido).

c) Farmácia: Tornou mais rápida a leitura da prescrição e a entrega dos medicamentos. Antes do PEP havia falhas provocadas pela interpretação errônea da prescrição dos medicamentos escrita pelos médicos, e posteriormente pela prescrição eletrônica ainda não ligada ao SI3, na qual os medicamentos não eram ainda padronizados. Com a padronização, a atividade de dispensação de medicamentos tornou-se mais rápida e menos suscetível a erros. O grande ganho, no entanto, ocorreu a partir de 2005, quando por intermédio do PEP, não mais foi necessária a digitação das entradas e saídas de medicamentos do estoque atrelada ao SAM-Sistema de Administração de Materiais, pois o SI3 faz isso automaticamente.

d) Enfermagem: Com o PEP implantado desde 2003, a enfermagem tem como principais benefícios a facilidade de coletar e registrar dados dos pacientes, muitas vezes utilizando-se de um dispositivo móvel desenvolvido para que a atividade pudesse ser realizada na frente dos pacientes; facilidade e redução do tempo de interpretação das prescrições que antes eram por escrito dificultando a leitura e interpretação e ocasionando demora no preenchimento ou erros na administração da medicação; e facilidade e redução no tempo de busca das informações contidas

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nos “livros pretos” (contém os registros diários da área) para pesquisas e estratificações dos acontecimentos com pacientes e dados técnicos e administrativos dos plantões.

e) Emergência-Pronto Socorro: Permite o acesso completo e em segundos à história do paciente provocando ganho de tempo do profissional e melhor atendimento ao paciente, como por exemplo, na análise de cateterismo e tomada de decisão. Para analisar um cateterismo em CD o médico dirigia-se do térreo para a Hemodinâmica no 3°andar, onde acessava um computador, que nem sempre estava disponível, e fazia a análise. Com a implementação do PEP, o qual também contém as informações deste CD, a análise é feita na frente do paciente, fato que proporciona a tomada de a decisão na hora. Outra situação relatada é com relação aos exames de laboratório. A sequência de atividades antes do PEP era: 1° Exame sai da máquina pronto; 2° transcrição por alguém para o papel; 3° impressão; 4° Envio para o prontuário; 5° Busca no prontuário para fazer consulta. Considere que todas estas etapas têm potencial de falha. Com o PEP, os resultados dos exames estão "on line" e não mais no papel e há possibilidade de acesso rápido e decisão também rápida. A economia de horas que este sistema possibilitou pode vir a salvar a vida do paciente atendido.

f) Ambulatório: Melhora no tratamento nas unidades clínicas quando da administração de medicamentos e pedidos de exame no ambulatório. Antes do PEP e em alguns casos, não se enxergavam necessidades de pedidos de exames e administração de medicação em função de dados de outras unidades. Após o PEP é possível enxergar tudo ao mesmo tempo (compartilhamento de informações) e isso possibilita melhor tratamento do paciente.

6-2 Indicadores e medição da efetividade do PEP Embora o PEP seja uma inovação recente em termos de integração total (apenas ocorreu no

InCor em meados de 2011), em raras situações ou áreas verificamos a existência de metas e/ou indicadores formalmente estabelecidos durante as etapas de planejamento ou mesmo em um período anterior à introdução do PEP em cada área que, após sua implementação, pudessem servir de referência comparativa em termos de efetividade. A exceção ocorre com a área de Enfermagem, única área que possui indicadores ligados aos benefícios da implementação do PEP e que possui ações documentadas sobre os mesmos. Os indicadores, conforme ressalta Bittar (2001), são importantes para avaliar o impacto dos serviços na saúde dos pacientes e também para avaliar e estimular melhorias na cadeia interna produtiva de qualquer organização e são normalmente associados a uma taxa, um índice, um número absoluto ou a um fato. Nembhard et al. (2009) também ressaltam a importância do controle da performance dentro das organizações de serviços de saúde como um dos fatores fundamentais que estão associados às causas das falhas de implementação das inovações.

Com relação à efetividade das inovações, e em especial no âmbito das inovações organizacionais, Kubota (2009), Gurgel Junior e Vieira (2002) e Omachonu e Einspruch (2010) consideram que a gestão por processos, inserida dentro dos princípios de gestão da qualidade, é um fator crítico de sucesso na implementação das mesmas nos serviços de saúde. Influi no aumento da qualidade (satisfação de todas as partes interessadas e impactadas pelos serviços, interna e externamente), redução dos custos, melhora o desempenho dos processos (identificação dos clientes dos processos estabelece indicadores e provoca seu gerenciamento e desenvolvimento de melhorias ao longo do tempo). Em síntese, melhora a eficácia e a eficiência da gestão das organizações.

Embora quase não tenha sido observada a existência de indicadores formalmente estabelecidos ou adotados (exceção à área da Enfermagem), identificamos a possibilidade de existência dos mesmos em diversas áreas e situações, os quais poderiam ter sido adotados.

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Destacam-se as seguintes possibilidades: taxas de satisfação dos pacientes com os serviços prestados; número de reclamações procedentes cujas causas têm vínculo com o PEP; tempo de atendimento aos pacientes em todas as áreas (atendimento); índice de extravio ou adulteração de prontuários; número de complicações pós-cirúrgicas ou tratamentos (segurança); tempo de busca dos prontuários; redução do consumo de papel; redução do espaço de armazenagem (produtividade); taxa de erros de administração da enfermagem; percentual de erros de interpretação pela falta de legibilidade das prescrições escritas na farmácia e enfermagem (qualidade dos processos); custo de pessoal com arquivo; custo com demandas judiciais; satisfação dos pacientes com o atendimento do hospital ou das áreas em que foi atendido; retorno sobre os investimentos em inovação (gestão do hospital); entre outros.

Não obstante esta ausência, os entrevistados, ainda que sem o suporte de indicadores objetivos, foram unânimes ao dizer que houve melhorias, e esperam melhorias futuras, com base em suas próprias percepções e vivência no InCor. Algumas áreas citaram que algumas melhorias são óbvias, fato que embora possamos concordar a princípio, denota que aspectos de gestão como analise de custos versus benefícios de investimentos, produtividade, qualidade, valorização das inovações organizacionais, entre outros aspectos, ficaram relegados a segundo plano.

A situação com relação aos indicadores e impactos na gestão nos hospitais AC Camargo e HCor, assemelha-se muito à do InCor. Não há indicadores que tenham sido definidos antes da implementação do PEP e que possam servir de base para avaliar sua efetividade e retorno de investimento por exemplo. O AC Camargo ainda passa por uma experiência de tentar implementar o PEP integrado, ainda sem pleno êxito, via aquisição de um software padrão de mercado, com muitas dificuldades e customizações para atender suas necessidades.O HCor por sua vez está trabalhando em conjunto com um importante fornecedor de softwares para viabilizar a integração do PEP. Esses hospitais ainda estão, entretanto, em estágio não tão avançado como o InCor com relação à integração de todas as áreas no PEP.

A literatura sobre os indicadores hospitalares revela que, mesmo em países desenvolvidos como os EUA, por exemplo, há uma grande dificuldade quanto ao seu estabelecimento e medição, prejudicando seu uso como instrumento de gerenciamento e melhoria dos processos e da própria organização hospitalar como um todo (Ramos e Miyake 2010).

7. Considerações finais Os resultados desta pesquisa nos permitem concluir que o PEP, desenvolvido no InCor,

configura uma inovação de caráter organizacional que, conforme abordado por Gallouj e Savona (2009), Tether (2005), Gallouj e Windrum (2009) e Howells e Tether (2007), não decorre apenas da incorporação ou utilização de inovações tecnológicas desenvolvidas internamente e/ou adquiridas a partir de fontes externas, mas também por novas formas de gestão e uso do conhecimento que focalizam as necessidades de solução dos problemas dos processos produtivos.

Adicionalmente, este estudo mostrou que o PEP é ilustrativo de uma inovação que apresenta um caráter multidimensional, em convergência com o referencial neoschumpeteriano. Trata-se de um produto novo, resultante de inovações em seus processos de geração, consequência de um trabalho conjunto e permanente entre as equipes de informática e equipes de saúde, em uma iniciativa que combina conhecimento médico com recursos e meios viabilizados pelo departamento de TI do hospital. Podemos concluir que os fatores acima destacados, aliado a uma cultura no uso das TICs (que vem desde a fundação do InCor e à existência de uma equipe de TI própria) foram as condicionantes que tornaram o primeiro grande objetivo do InCor, o PEP integrado, algo factível. O processo de construção e aperfeiçoamento do PEP é contínuo, pois

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mesmo após sua implementação e utilização, abre possibilidades para que novas formas de gestão aplicadas aos serviços hospitalares possam ser efetivadas.

Além de já ter o modelo do PEP implementado sob sua responsabilidade no Hospital Emílio Ribas, e no CRT AIDS, o Incor iniciou em dezembro de 2011 a implementação do PEP no Hospital da Polícia Militar de São Paulo e está, desde janeiro de 2012, iniciando a implementação de seu modelo de PEP no Hospital do Servidor do Estado de São Paulo. Esses fatos atestam a consolidação e difusão da inovação desenvolvida pelo InCor.

Por todas essas características podemos afirmar que ficam evidenciadas as várias dimensões de inovação, na linha discutida por Schumpeter (produto, processo, organizacional, novo mercado, novas fontes de matéria prima ou equipamentos).

Outras conclusões foram possíveis em função dos dados colhidos e analisados em nossa pesquisa. Referem-se inicialmente aos diversos benefícios que foram proporcionados pela implementação do PEP, integrando, mantendo e disponibilizando eletronicamente, registros, informações e resultados obtidos pelas diversas áreas do hospital no que se refere à prestação dos serviços hospitalares. A percepção geral, por todas as entrevistas que realizamos e investigações feitas, mostram que o PEP consiste em uma inovação bem sucedida, essencialmente se levarmos em consideração os objetivos de desenvolvimento de um software capaz de coletar, integrar, armazenar e disponibilizar as informações hospitalares de todas as áreas e compartilhá-las com todos os profissionais de saúde envolvidos; da proposta de melhoria da qualidade da informação, e da possibilidade de implementar esta inovação em outros hospitais. Do ponto de vista formal, entretanto, não há como afirmarmos o quanto a implementação do PEP proporcionou em vantagens para a administração do hospital, pacientes, médicos e para todos os profissionais de saúde do hospital. Tal fato deve-se ao não estabelecimento de indicadores que pudessem mostrar o quão efetiva foi esta inovação. A existência de indicadores poderia, inclusive, mostrar o quanto os processos do hospital como um todo foram impactados pela implementação do PEP. A ausência de uma gestão por processos dentro do hospital também favorece a informalidade na abordagem sobre a mensuração da efetividade do PEP. Não encontramos no InCor evidências objetivas e formais de gestão por processos, nem nos processos geradores do PEP especificamente e de seus resultados, nem de forma geral nos outros processos do hospital.

A Gestão por Processos é um fator considerado crítico na implementação de inovações por vários autores investigados neste trabalho, tais como Ramos e Miyake (2010), Bittar (2001) e Hwang e Christensen (2008). Foi possível observar que alguns monitoramentos de fato existem no Incor, mas indicadores e metas não. Como consequência, um dos principais objetivos do PEP, que consiste na melhoria dos processos ligados ao atendimento e à segurança dos pacientes, não pode ser comprovado formal e efetivamente. Alguns benefícios que o PEP pode provocar não foram vislumbrados, como por exemplo, os custos que seriam evitados e a receita que poderia ser obtida e revertida em melhor atendimento, quando se analisa a digitalização e a substituição de arquivo físico por meio eletrônico.

A falta de indicadores para mensuração de resultados não consiste em um problema localizado do InCor, mas sim de sistemas hospitalares como um todo. Como ilustração, as entrevistas de caráter exploratório realizadas no HCor e no AC Camargo mostraram um cenário similar ao do InCor quanto à mensuração da efetividade e ao uso de indicadores de desempenho vinculados ao PEP, os quais sustentam o sistema de apoio às decisões médicas e atividades técnico-administrativas das áreas apoiando a gestão do Hospital como um todo. Esse fato sugere, como conclusão, indícios de uma grande dificuldade dentro dos hospitais para que a gestão das inovações dos serviços hospitalares sejam efetivadas e tratadas sistematicamente como meio para alavancar os resultados desejados pelas partes interessadas nos mesmos. Ter indicadores

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estabelecidos e que possibilitem avaliar a efetividade da inovação, bem como seus impactos para os processos e partes interessadas na mesma, e que também sirvam de base para definir novas soluções ou melhorias de desempenho para os processos virem a ser uma importante ferramenta, consiste em uma atividade que se mostra essencial no sentido de legitimar e expandir o uso do PEP em outras instituições hospitalares. A esse respeito, a experiência do InCor pode servir de referência neste processo.

Notas 1. O PEP foi reconhecido em 2002 pelo Conselho Federal de Medicina, por meio das resoluções, 1638/2002 e 1639/2002 que estabelecem rigorosos critérios para legalização e uso dos mesmos como parte integrante dos Sistemas de Informação Hospitalar (SIH). 2. O sistema de saúde é dividido em hierarquias, primário, secundário e terciário, de acordo com a complexidade dos casos. Primário é aquele serviço posto de saúde que dá vacina, faz puericultura, pré-natal, trata dor de garganta, gripe, dor de ouvido entre outras atividades. O secundário é um hospital que tem as grandes áreas da saúde, pediatria, ginecologia e obstetrícia, clínica médica e clínica cirúrgica. O terciário é um hospital de especialidades, tais como ginecologia, mastologia, reprodução humana, cardiologia, que é o caso do InCor, entre outras.

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