Autotradução e Bilinguismo - Breves Considerações

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Autotradução e Bilinguismo: breves reflexões Leandro Moura 1 Antunes (2010), ao apresentar um breve percurso acerca da história da autotradução à luz dos casos de André Brink e João Ubaldo Ribeiro, comenta que como não há uma historiografia da tradução, a solução seria fazer um registro de fatos, isto é, um estudo dos casos. Tanto a obra de André Brink como a do autor brasileiro foram autotraduzidas, ainda que por motivos diferentes: o escritor sul-africano foi influenciado pelo contexto histórico, pois sua obra havia sido proibida na África por denunciar o apartheid, enquanto Ribeiro motivou-se por não encontrar um tradutor que aceitasse realizar o trabalho devido ao “sergipês” usado em seus textos. Todavia, apesar de não compartilharem das mesmas razões, ambos os autores tinha um objetivo comum: atingir um número maior de leitores fora de seus países de origem. Sabljo (2011) escreve um artigo sobre a autotradução do autor bilíngue irlandês Samuel Beckett. A autora nos diz que o bilinguismo de Beckett fora involuntário, pois ele havia nascido na Irlanda e, posteriormente, migrado para a França. Beckett escrevia em inglês e em seguida ou às vezes ao mesmo tempo traduzia para o francês, revisando, durante esse processo, seu próprio texto. Emergem aqui algumas questões: o que seria esse novo texto? Algo inédito, paralelo ou uma continuação da obra original? O produto da autotradução seria diferente daquele da tradução? Se Beckett foi um autor bilíngue, seus leitores, críticos e tradutores precisariam, também, ser bilíngues? Seria interessante, no entanto, retomarmos o comentário de Brian Fitch, citado por Sabljo (2011): a autotradução pode ser vista como uma espécie de comentário crítico criativo em relação ao texto original. A autotradução remete-nos, sem dúvida alguma, às questões outrora levantadas por Venuti (1998). Em Escândalos da Tradução, o autor nos guia em direção à problemática envolvida, entre outras questões, no que tange às definições de autoria em tradução. Neste sentido, volta-se a discussões que envolvem a melhor maneira de definir uma tradução e se um texto traduzido seria algo superior, inferior ou estaria em um mesmo nível em relação ao texto original. Ora, as discussões do autor nos conduzem a pensar que, grosso modo, a tradução não seria simplesmente uma prática, pois lida com 1 Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto. Contato: [email protected]

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Resenha sobre autotradução e bilinguismo.

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Autotradução e Bilinguismo: breves reflexões

Leandro Moura1

Antunes (2010), ao apresentar um breve percurso acerca da história da

autotradução à luz dos casos de André Brink e João Ubaldo Ribeiro, comenta que como

não há uma historiografia da tradução, a solução seria fazer um registro de fatos, isto é,

um estudo dos casos. Tanto a obra de André Brink como a do autor brasileiro foram

autotraduzidas, ainda que por motivos diferentes: o escritor sul-africano foi influenciado

pelo contexto histórico, pois sua obra havia sido proibida na África por denunciar o

apartheid, enquanto Ribeiro motivou-se por não encontrar um tradutor que aceitasse

realizar o trabalho devido ao “sergipês” usado em seus textos. Todavia, apesar de não

compartilharem das mesmas razões, ambos os autores tinha um objetivo comum: atingir

um número maior de leitores fora de seus países de origem.

Sabljo (2011) escreve um artigo sobre a autotradução do autor bilíngue irlandês

Samuel Beckett. A autora nos diz que o bilinguismo de Beckett fora involuntário, pois

ele havia nascido na Irlanda e, posteriormente, migrado para a França. Beckett escrevia

em inglês e em seguida – ou às vezes ao mesmo tempo – traduzia para o francês,

revisando, durante esse processo, seu próprio texto. Emergem aqui algumas questões: o

que seria esse novo texto? Algo inédito, paralelo ou uma continuação da obra original?

O produto da autotradução seria diferente daquele da tradução? Se Beckett foi um

autor bilíngue, seus leitores, críticos e tradutores precisariam, também, ser bilíngues?

Seria interessante, no entanto, retomarmos o comentário de Brian Fitch, citado por

Sabljo (2011): a autotradução pode ser vista como uma espécie de comentário crítico

criativo em relação ao texto original.

A autotradução remete-nos, sem dúvida alguma, às questões outrora levantadas

por Venuti (1998). Em Escândalos da Tradução, o autor nos guia em direção à

problemática envolvida, entre outras questões, no que tange às definições de autoria em

tradução. Neste sentido, volta-se a discussões que envolvem a melhor maneira de definir

uma tradução e se um texto traduzido seria algo superior, inferior ou estaria em um

mesmo nível em relação ao texto original. Ora, as discussões do autor nos conduzem a

pensar que, grosso modo, a tradução não seria simplesmente uma prática, pois lida com

1 Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto. Contato: [email protected]

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questões amplas, além de ser, não obstante, crucial para a definição de certos

parâmetros em uma determinada cultura. Autoria estaria, portanto, condicionada à

originalidade e autoexpressão em um texto único, associada ao conceito de erudição.

Pensando nesses conceitos, qual seria, então, o lugar ocupado pela autotradução? Como

ela se insere dentro dos Estudos de Tradução?

À guisa de conclusão, parece-nos que motivações diferentes levam o escritor a

optar por essa prática: contexto sócio-histórico, falta de confiança, por parte dos autores,

nos tradutores etc. É interessante observarmos que um dos objetivos dessas

autotraduções é compartilhado, ainda que as razões não sejam as mesmas: aumentar o

número de leitores de determinada obra em culturas estrangeiras. Deste modo, a

autotradução, assim como a tradução, é capaz de perpetuar uma obra, difundindo-a por

essas diversas culturas, nas quais os textos circulam.

Referências Bibliográficas

ANTUNES, M. A. G. Breve história da autotradução: os casos de André Brink e João Ubaldo

Ribeiro. In Tradução em Revista,1, 2010, 1-11.

SABLJO, M. S. Beckett’s bilingualism, self-transtion and the translation of his texts into the

Croatian language. (disponível em:

http://www.uab.ro/cercetare/ciel/jolie/JoLIE%202011/pdfs/12.sindicic_sabljo.pdf).