AUTOR DESCONHECIDO - O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NA FACILITAÇÃO DA APRENDIZAGEM COMPLETO

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O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NA FACILITAÇÃO DA APRENDIZAGEM Embora possa parecer, de minha parte, impróprio dizê-lo, gosto muito deste capítulo, porque exprime algo das mais profundas convicções que sustento, relativamente aos que trabalham no campo da educação. Sua parte essencial constituiu, de começo, objeto de uma conferência na Universidade de Harvard, mas foi revista e ampliada para esse livro. 1 Quero começar este capítulo com uma afirmação que pode parecer surpreendente a uns e, talvez, ofensiva a outros. É simplesmente esta: ensinar, a meu ver é função exageradamente supervalorizada. Disto isto, corro ao dicionário para ver se realmente tem significado o que afirmei. Ensinar significa “instruir”. Pessoalmente, não estou muito interessado em instruir o outro sobre o que deveria saber ou pensar. “Comunicar conhecimento ou habilidade” - minha reação é: por que não ser mais eficiente, usando um livro ou uma aprendizagem programada? “Fazer saber” - aqui, fico com o cabelo arrepiado; não tenho vontade de fazer ninguém saber coisa nenhuma. “Mostrar, guiar, dirigir” - parece-me que se tem mostrado, guiado a dirigindo a gente demais. Assim, chego à conclusão de que tem significado o que eu disse. Ensinar é, a meu ver, atividade relativamente sem importância e enormemente supervalorizado. Mas há mais do que isso na minha atitude. Reajo negativamente ao ensino. Por quê? Porque, penso eu, ensinar suscita questões, todas elas falsas. Assim que focalizamos o ensino, surge a questão: ensinar o quê? Que é que, do nosso ponto de vista superior, uma outra pessoa precisa saber? Admiro-me de que, ainda hoje, nos justifiquemos com a presunção de que somos uns sábios, em relação ao futuro, ao passo que os jovens são uns tolos. Estamos realmente seguros a respeito do que eles deveriam saber? Aí, aparece o ridículo problema da extensão: que o que é ensinado é aprendido; o que é apresentado é assimilado. Não sei de suposição tão obviamente errada. Para evidenciar sua falsidade, não é preciso pesquisar; basta conversar com uns poucos estudantes. Mas eu me pergunto: “terei tanto preconceito contra o ensino, a ponto de não descobrir situação em que ele valha a pena? “Imediatamente, penso nas minhas experiências na Austrália, não há muito. Interessei-me principalmente pelas indígenas australianos. Trata-se de um grupo que, por mais de 20.000 anos, tem vivido e sobrevivido num ambiente desolado, em que um homem moderno pareceria dentro de poucos dias. O segredo da sobrevivência dos aborígenes tem sido ensinar. Transmitiram-se aos jovens todos os detalhes de conhecimento sobre o modo de obter água, como seguir o rastro da caça, matar o canguru, encontrar o caminho através do deserto sam trilhas. Tal conhecimento é transmitido aos jovens como o meio de comportar-se a qualquer inovação, é desaprovada. Claro que tal ensinamento lhes proporciona o modo de sobreviver, num meio hostil e relativamente imutável. Agora estou mais perto do X do problema que me excita. Ensinar e transmitir conhecimento tem sentido num meio imutável. Eis por que essa tem sido uma função inquestionada durante séculos. Mas, se há uma verdade a respeito do homem moderno, é que ele vive num meio continuamente em mudança uma coisa de que posso ter certeza é que a Física ensinada a um estudante de hoje estará superada dentro de uma década. O ensino da Psicologia estará certamente ultrapassado daqui a 20 anos. Os chamados “fatos da história” dependem, amplamente, da disposição e da índole atuais da cultura. A química, a Biologia, a Genética, a Sociologia passam por um fluxo tal que uma sólida afirmação feita hoje estará quase certamente modificada ao tempo em que o estudante atinja o estágio dentro do qual possa usar o seu conhecimento. 1 Este capítulo é o texto revisto de uma comunicação publicada em Humanizing Education , ed. R. Leeper, ASCD, NEA, 1967. Copyritht by the Association for Supervision and Curriculum Developmente, NEA. 1

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O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NA FACILITAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Embora possa parecer, de minha parte, impróprio dizê-lo, gosto muito deste capítulo, porque exprime algo das mais profundas convicções que sustento, relativamente aos que trabalham no campo da educação. Sua parte essencial constituiu, de começo, objeto de uma conferência na Universidade de Harvard, mas foi revista e ampliada para esse livro.1

Quero começar este capítulo com uma afirmação que pode parecer surpreendente a uns e,

talvez, ofensiva a outros. É simplesmente esta: ensinar, a meu ver é função exageradamente supervalorizada.

Disto isto, corro ao dicionário para ver se realmente tem significado o que afirmei. Ensinar

significa “instruir”. Pessoalmente, não estou muito interessado em instruir o outro sobre o que deveria saber ou pensar. “Comunicar conhecimento ou habilidade” - minha reação é: por que não ser mais eficiente, usando um livro ou uma aprendizagem programada? “Fazer saber” - aqui, fico com o cabelo arrepiado; não tenho vontade de fazer ninguém saber coisa nenhuma. “Mostrar, guiar, dirigir” - parece-me que se tem mostrado, guiado a dirigindo a gente demais. Assim, chego à conclusão de que tem significado o que eu disse. Ensinar é, a meu ver, atividade relativamente sem importância e enormemente supervalorizado.

Mas há mais do que isso na minha atitude. Reajo negativamente ao ensino. Por quê? Porque,

penso eu, ensinar suscita questões, todas elas falsas. Assim que focalizamos o ensino, surge a questão: ensinar o quê? Que é que, do nosso ponto de vista superior, uma outra pessoa precisa saber? Admiro-me de que, ainda hoje, nos justifiquemos com a presunção de que somos uns sábios, em relação ao futuro, ao passo que os jovens são uns tolos. Estamos realmente seguros a respeito do que eles deveriam saber? Aí, aparece o ridículo problema da extensão: que o que é ensinado é aprendido; o que é apresentado é assimilado. Não sei de suposição tão obviamente errada. Para evidenciar sua falsidade, não é preciso pesquisar; basta conversar com uns poucos estudantes.

Mas eu me pergunto: “terei tanto preconceito contra o ensino, a ponto de não descobrir situação

em que ele valha a pena? “Imediatamente, penso nas minhas experiências na Austrália, não há muito. Interessei-me principalmente pelas indígenas australianos. Trata-se de um grupo que, por mais de 20.000 anos, tem vivido e sobrevivido num ambiente desolado, em que um homem moderno pareceria dentro de poucos dias. O segredo da sobrevivência dos aborígenes tem sido ensinar. Transmitiram-se aos jovens todos os detalhes de conhecimento sobre o modo de obter água, como seguir o rastro da caça, matar o canguru, encontrar o caminho através do deserto sam trilhas. Tal conhecimento é transmitido aos jovens como o meio de comportar-se a qualquer inovação, é desaprovada. Claro que tal ensinamento lhes proporciona o modo de sobreviver, num meio hostil e relativamente imutável.

Agora estou mais perto do X do problema que me excita. Ensinar e transmitir conhecimento tem

sentido num meio imutável. Eis por que essa tem sido uma função inquestionada durante séculos. Mas, se há uma verdade a respeito do homem moderno, é que ele vive num meio continuamente em mudança uma coisa de que posso ter certeza é que a Física ensinada a um estudante de hoje estará superada dentro de uma década. O ensino da Psicologia estará certamente ultrapassado daqui a 20 anos. Os chamados “fatos da história” dependem, amplamente, da disposição e da índole atuais da cultura. A química, a Biologia, a Genética, a Sociologia passam por um fluxo tal que uma sólida afirmação feita hoje estará quase certamente modificada ao tempo em que o estudante atinja o estágio dentro do qual possa usar o seu conhecimento.

1 Este capítulo é o texto revisto de uma comunicação publicada em Humanizing Education , ed. R. Leeper, ASCD, NEA, 1967. Copyritht by the Association for Supervision and Curriculum Developmente, NEA.

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Enfrentamos, a meu ver, situação inteiramente nova em matéria de educação, cujo objetivo, se quisermos sobreviver, é o de facilitar a mudança e a aprendizagem. O único homem que se educa é aquele que aprendeu como aprender; que prendeu como se adaptar e mudar; que se capacitou de que nenhum conhecimento é seguro, que somente o processo de buscar conhecimento oferece uma base de segurança. Mutabilidade, dependência de um processo, antes que de um conhecimento estático, eis a única coisa que tem certo sentido como objetivo de educação, no mundo moderno.

Assim, e agora com algum alívio, volto a uma atividade, a um propósito que realmente me

anima - facilitar a aprendizagem. Quando eu fui capaz de transformar um grupo - e aqui me refiro a todos os membros do grupo, incluindo eu - numa comunidade de aprendizes, o estímulo foi quase incrível. Libertar a curiosidade; permitir que as pessoas assumam o encargo de seguir em novas direções ditadas por seus próprios interesses; desencadear o senso de pesquisa; abrir tudo à indagação e à análise; reconhecer que tudo se acha em processo de mudança - eis uma experiência de que nunca me posso esquecer. Nem sempre é isso realizável nos grupos com que tenho tinho contato, mas quando o é, parcial ou amplamente, torna-se, então, experiência de grupo dessas de fato inesquecíveis. De tal contexto emergem verdadeiros estudantes, aprendizes reais, cientistas, eruditos a profissionais com capacidade criadora. Aquela espécie de pessoa que podem viver num delicado mas sempre mutável equilíbrio entre o que hoje se conhece e os fluentes, móveis, alteráveis problemas e fatos do futuro.

Eis aí um objetivo a que me dedicarei com todo o entusiasmo. Vejo a facilitação da

aprendizagem como o fim da educação, o modo pelo qual desenvolveremos o homem entregue ao estudo, o modo pelo qual podemos aprender a viver como pessoas em processo. Vejo-a como a função capaz de sustentar respostas construtivas, experimentadas, mutáveis, em processo, às mais profundas perplexidades que assediam hoje o homem.

Mas sabemos como atingir esse novo objetivo da educação ou isso é um fogo-fátuo que ora

aparece ou não, só nos dando, assim, precária esperança real? Minha resposta é que possuímos conhecimento bem considerável das condições que, em relação à pessoa como um todo, estimulam a aprendizagem auto-iniciada, significativa, experimental, em nível de profundidade. Não é freqüente vermos tais condições levadas a efeito, porque elas importam em verdadeira revolução no nosso modo de acesso à educação, e as revoluções não são para os tímidos. Podemos, entretanto, como o vimos nos capítulos anteriores, encontrar exemplos dessa revolução em ação.

Sabemos - o que se evidenciará na breve descrição que faremos - que a iniciação de tal

aprendizado não se baseia nas habilidades de ensinar que um líder, no seu conhecimento erudito do campo, no planejamento do currículo, no uso de subsídios audiovisuais, na programação do computador utilizado, nas palestras e aulas expositivas na abundância de livros, embora tudo isso possa, uma vez ou outra, ser empregado como recurso importante. Não, a facilitação de aprendizagem significativa baseia-se em certas qualidades de comportamento que ocorrem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o aprendiz.

Chegarmos a tais descobertas, no campo da Psicologia, mas a sua aplicação nas salas de aula

vai se tornando, por igual, cada vez mais evidente. É mais fácil pensar que o relacionamento intensivo entre o terapeuta e o cliente possui aquelas qualidades; vamos, porém, descobrindo que também podem elas existir nas incontáveis interações (cerca de 1.000 por dia, como Jackson mostrou, em 1966) entre a professora e os seus alunos.

QUALIDADES QUE LHE FACILITAM A APRENDIZAGEM

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Quais são essas qualidades, essas atitudes, que facilitaram a aprendizagem? Vamos descrevê-las, muito brevemente, com ilustrações tiradas do campo do ensino. Autenticidade do Facilitador de Aprendizagem Talvez a mais básicas dessas atitudes essenciais seja a condição de autenticidade. Quando o

facilitador é uma pessoa real, se se apresenta tal como é, entra em relação com o aprendiz, sem ostentar certa aparência ou fachada, tem muito mais probabilidade de ser eficiente, isto significa que os sentimentos que experimenta estão a seu alcance, estão disponíveis ao seu conhecimento, que ele é capaz de vivê-los, de fazer deles algo de si, e, eventualmente, de comunicá-los. Significa que se encaminha para um encontro pessoal direto com o aprendiz, encontrando-se com ele na base de pessoa-a-pessoa. Significa que está sendo ele próprio, que não se está negando.

Considerando desse ponto de vista, sugere-se que o professor pode ser uma pessoa real, nos

contatos com seus alunos. Será entusiasta ou entediado, interessado nos alunos ou irritado, será receptivo e simpático. Se aceita tais sentimentos como seus, não precisa impô-los aos alunos. Pode gostar ou não do trabalho do estudante, sem que isso implique ser, objetivamente, bom ou mau professor, ou que o estudante seja bom ou mau. Simplesmente diz o que pensa do trabalho, sentimento que existe no seu interior. É, assim, para seus alunos, uma pessoa, não a corporificação, sem feições reconhecíveis, de uma exigência curricular, ou o canal estéril através do qual o conhecimento passa de uma geração à outra.

É obvio que essa postura atitudinal, eficaz em Psicoterapia, se contraste, nitidamente, com a

tendência da maioria dos professores de se mostrarem aos seus alunos simplesmente como quem exerce uma função. É usual, entre professores, mascararem-se, até conscientemente, adotarem o papel, a fachada de que se faz de professor, e usarem o disfarce todo o dia, só o tirando, à tardinha, quando saem da escola.

Mas nem todos os professores são assim. Veja-se o exemplo de Sylvia Ashton-Warner, que se

encarregou de crianças refratárias, supostamente lentas para aprender, da escola primária de Maori, na Nova Zelândia. Deixou que elas desenvolvessem, por sí mesmas, o vocábulo para leitura. Dia a dia, cada criança podia pedir à professora uma palavra - e ele imprimia num cartão que passava para o aluno. “Beijo”, “fantasma”, “bomba”, “tigre”, “luta”, “amor”, “papai” - eis algumas amostras. Daí a pouco, as crianças estavam redigindo frases, que iam guardando - “ele tomará uma surra”, “o gatinho está assustado”. As crianças simplesmente nunca se esqueciam dessa aprendizagem auto-iniciada. Mas não é meu propósito falar-lhe dos métodos daquela professora. Quero apenas dar-lhes um vislumbre da sua atitude, da apaixonante autenticidade que deve ter sido tão evidente para seu pequenos alunos como para seus leitores. Um jornalista fez-lhe algumas perguntas, a que respondeu: “Você me pede que lhe dê notícia de alguns fatos indiferentes, ... Não sei de nada indiferente para mim, ou de indiferente nessa matéria, sobre esse assunto particular. Só deparei com fatos apaixonantes no que toca ao Ensino Criativo, ardentes tanto para os alunos quanto para mim.” (Ashton-Warner, 1963, p.26).

Eis o contrário de uma fachada estéril. Eis uma pessoa viva, com convicção, com sentimentos.

Foi sua transparente autenticidade, estou certo, um dos elementos que dela fizeram uma facilitadora de aprendizagem. Não se adaptou a um puro formalismo educacional. Ela é, e ou alunos progrediram porque estavam em contato com alguém que, real e abertamente, é.

Veja-se outra pessoa, muito diferente, Barbara Shiel, cujo trabalho fascinante para facilitar a

aprendizagem numa turma de sexta série descrevemos anteriormente. Proporcionou a sus alunos grande dose de liberdade responsável e mencionarei mais tarde alguns aspectos das rações de seus alunos. Eis aqui, entretanto, um exemplo do modo como seus alunos, partilhando com eles não apenas sentimentos de doçura e suavidade mas também de irritação e de frustração. Pôs-lhes à

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disposição, livremente, material de arte, e os estudantes dele se utilizaram, muitas vezes, de forma criativa, mas a sala de aula, não raro, parecia uma imagem do caos. Assim descreve ela os sentimentos que experimentava e como se havia com eles:

Era de enlouquecer o trato com a bagunça - com “B” maiúsculo! Ninguém, exceto

eu, parecia preocupar-se com isso. Finalmente, certo dia, disse às crianças... que eu era, por natureza, uma pessoa asseada e organizada, e que a confusão da sala vinha desviando a minha atenção. Teriam eles uma solução? Sugeriu-se que alguns voluntários poderiam encarregar-se da faxina... Disse-lhes que não me era agradável ver sempre as mesmas pessoas tratando de arrumas as coisas para os outros - mas seria uma solução para mim. “Bem, alguns de nós gostaríamos de arrumar”, responderam eles. Assim, não havia outro jeito. (Shiel, 1966).

Espero que este exemplo dê algum significado claro a expressões que usei antes, quando

afirmei que o facilitador “é capaz de viver tais sentimentos, de fazer deles algo de si, e, eventualmente, de comunicá-los”. Escolhi um exemplo de sentimentos negativos, porque entendo que é mais difícil para a maioria de nós visualizar a significação de tudo isso. No caso, a senhorita Shiel assumiu o risco de exibir as suas frustrações em face de desordem. E que aconteceu? A mesma coisa que, segundo a minha experiência, quase sempre acontece. Aqueles jovens compreenderam e respeitaram os sentimentos dela, levaram-nos em conta, propuseram uma solução nova que a nenhum de nós, creio, teria ocorrido. A senhora Shiel sabiamente comenta: “Costumava exaltar-me e me sentia culpada quando me irritava. Capacitei-me, finalmente, de que as crianças poderiam aceitar bastante os meus sentimentos. E era importante para eles saberem quando me “pressionavam”. Tenho também os meus limites” (Shiel, 1966).

Exatamente para mostrar que os sentimentos positivos, quando reais, são igualmente eficazes,

citemos, em resumo, a reação de um universitário, num curso diferente: ...O seu senso de humor na classe foi estimulante; todos nos sentimos descontraídos porque o senhor mostrou o seu modo de ser humano, não a imagem mecânica do professor. Sinto-me como quem tem mais compreensão e confiança nos professores, agora... Também me sinto mais próximo dos colegas.

...O senhor levou a classe a um nível pessoal e, portanto, pude formular, no

espírito, um retrato seu, como pessoa, não como um mero livro-de-texto ambulante.

Outro, no mesmo curso:

...Não era como se houvesse um professor na sala de aula, mas, antes, alguém em quem podíamos confiar e quem identificar como um “participante”. O senhor era tão compreensivo e sensível a nossas idéias que tudo se passava de modo mais “autêntico” para mim. A impressão era uma experiência autêntica, não exatamente de uma aula. (Bull, 1966).

Confio em que estou evidenciando que ser autêntico nem sempre é fácil, nem atingível de uma só vez, mas é básico para a pessoa que quer se tornar aquele indivíduo revolucionário - um facilitador de aprendizagem.

Apreço, Aceitação, Confiança Há outra atitude a realçar nos que empreendem, com êxito, a facilitação de aprendizagem.

Observei-a. Experimentei-a. Como, porém, é difícil saber que termo a designa, usarei diversos. Penso

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num como apreço ao aprendiz, a seus sentimentos, suas opiniões, sua pessoa. É um interessar-se pelo aprendiz, mas um interesse não possessivo. É a aceitação de um outro indivíduo como pessoa separada, cujo valor próprio é um direito seu. É uma confiança básica - a convicção de que essa outra pessoa é fundamental merecedora de crédito. Designada como apreço, aceitação, confiança, ou algum outro termo, essa atitude se manifesta de vários modos observáveis. O facilitador que a possui em grau elevado pode aceitar, inteiramente, o temor e a hesitação do aluno, quando este se acerca de um novo problema, tanto quanto a sua satisfação ao ter êxito. Tal professor pode aceitar a ocasional apatia do estudante, suas aspirações caprichosas de atingir, por atalhos, o conhecimento, tanto quanto os seus disciplinados esforços de realizar os mais altos objetivos. Pose aceitar sentimentos pessoais que, a um tempo, perturbam ou promovem a aprendizagem - rivalidade com um companheiro, aversão à autoridade, interesse por sua própria adaptação. O que estamos descrevendo é o apreço; pelo aprendiz como ser humano imperfeito, dotado de muitos sentimentos, muitas potencialidades. O apreço ou aceitação do facilitador em relação ao aprendiz é uma expressão operacional da sua essencial confiança e crédito na capacidade do homem como ser vivo.

Gostaria de dar alguns exemplos dessa atitude, tendo em vista a situação numa sala de aula.

Declarações de um professor, a respeito, poderiam ter certa suspeição, pois muitos de nós gostaríamos de sentir que mantemos tais atitudes, e poderíamos ter uma percepção tendenciosa das nossas qualidades. Vejamos, porém, como essa atitude de apreço, de confiança é considerada por um aluno que teve a sorte de experimentá-la.

Eis o que diz um estudante universitário, num curso conduzido pelo Dr. Morey Appell:

O seu modo de lidar conosco foi para mim uma revelação. Na sua aula, sinto-me importante, maduro, capas de fazer as coisas por mim mesmo. Quero pensar por minha conta e tal necessidade não pode ser atendida por meio de livros de texto e de aulas expositivas apenas, mas através de situações vividas. Penso que o senhor me vê como quem tem sentimentos e necessidades reais, como pessoa. O que eu digo e faço são expressões significativas do que eu sou e o senhor reconhece isto. (Appell, 1959).

Uma aluna de sexto ano da Senhorita Shiel exprime muito mais resumidamente sua mal

articulada apreciação dessa atitude: “A senhorita é uma professora maravilhosa, na aula!!!” Universitários de uma turma dirigida pela Dra. Patrícia Bull descrevem não só atitudes de

apreço e confiança como seus efeitos em outras interações:

...Sinto que posso dizer-lhe coisas que não diria a outros professores... Nunca me tinha dado conta, antes, dos outros alunos e de sua personalidade, Jamais tivera tanta interação numa sala de aula da Universidade, com meus colegas. O clima dessa sala exerceu profundo efeito sobre mim... a livre atmosfera de discussão afetou-me... a atmosfera geral de certa reunião nossa tocou-me. Muitas vezes levei a discussão comigo, para fora da sala de aula, e ela constituiu, durante muito tempo, objeto de minhas reflexões.

...Ainda me sinto ligado a você, como se houvesse um entendimento tácito entre

nós, quase uma conspiração. Isso ajuda a participação na sala de aula, de minha parte, pois sinto que pelo menos uma pessoa do grupo reagirá, mesmo quando não estou muito certo quando aos outros. Pouco importa, na realidade, se a reação é positiva ou negativa: ela existe. Obrigado!

Aprecio o respeito e o interesse que você tem pelos outros, entre os quais eu

próprio. ...De minha experiência na aula, e, mais, da influência de minhas leituras resultou a minha sincera convicção de que o método de ensino centrado no aluno proporciona

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uma estrutura ideal de aprendizagem; não exatamente pela acumulação de fatos, mas - o que é mais importante - pela aprendizagem sobre nós mesmos em relação aos outros... Quando me lembro de meus conhecimentos superficiais em setembro, comparados com a profundidade de meus “insights”, agora, vejo que este corso me ofereceu uma experiência de aprendizagem altamente valiosa, que eu não teria podido adquirir de outra maneira.

Pouquíssimos professores tentariam esse método, por imaginarem que perderiam

o respeito do aluno. Ao contrário. A senhora conquistou nosso respeito, por sua habilidade em falar-nos, no nosso nível, em vez de se colocar a dez milhas acima de nós. Ante a completa falta de comunicação que vemos nesta escola, foi maravilhosa a experiência de verificar as pessoas ouvirem umas às outras e realmente se comunicarem num nível adulto, inteligente. Outros cursos deveriam permitir-nos essa experiência. (Bull, 1966).

Como era de esperar, certos universitários não raro suspeitavam que tais atitudes não

passavam de disfarces. Um dos alunos da Dra. Bull escreve: Em vez de observar os meus colegas, durante as primeiras semanas, concentrei

minha atenção sobre a senhora, Dra. Bull. Tentei figurar-me suas motivações e propósitos. Convenci-me de que a senhora era uma hipócrita... Entretanto, mudei minha opinião. A senhora não é, de modo algum, uma hipócrita. ...Gostaria muito se o curso continuasse. “Deixe-se cada um vir a ser tudo que é capas de ser.” (Bull, 1966).

Estou certo de esses exemplos são mais do que suficientes para mostrar que o facilitador que

cuida, que preza, que confia no aprendiz, cria um clima de aprendizagem tão diferente do que uma sala de aula usual, que qualquer semelhança é “mera coincidência”.

Compreensão Empática

Elemento ulterior, que estabelece clima de aprendizagem auto-iniciada, experiencial, é a

compreensão empática. Quando o professor tem a habilidade de compreender as reações íntimas do aluno, quando tem a percepção sensível do modo como o aluno vê o processo de aprendizagem significativa.

Essa espécie de compreensão é nitidamente diferente de que se verifica na compreensão

avaliativa usual segundo o modelo: “compreendendo o que há de errado com você ”. Quando há empatia sensível, ao contrário, a reação do aprendiz obedece a um padrão que se exprimiria assim: “até que enfim alguém compreende o que eu sou e o que pareço ser sem querer analisar-me ou julgar-me. Agora, posso desabrochar, crescer e aprender.

A atitude de estar na situação do outro, de ver pelos olhos do aluno, quase não se encontra

numa sala de aula. Pode-se dar atenção a centenas de interações que usualmente ocorrem numa sala de aula, sem deparar com uma instância de compreensão empática, claramente comunicada, sensivelmente exata. Mas quando essa ocorre, verifica-se um enorme efeito de libertação.

Vejamos um esclarecimento de Virginia Axline, no trato com um aluno do segundo ano. Jay, de

7 anos de idade, era agressivo, turbulento, preguiçoso para falar e para aprender. Por conta das suas “diabruras”, foi levado ao diretor, que o castigou, sim o conhecimento da senhorita Axline. Durante um período de trabalho livre, Jay fez um boneco de barro, com todo o cuidado, pôs-lhe um chapéu na cabeça e um lenço no bolse. “Quem é este?” perguntou-lhe a senhorita Axline. “Não sei”, retrucou o menino. “Parece-se com o diretor. Ele usa um lenço no bolso igual a esse.” Jay olhou com raiva para o boneco: “Sim”, disse. E começou a esmigalhar-lhe a cabeça, observando-o e sorrindo. A senhorita Axline disse: “Você se sente como se estivesse torcendo o pescoço dele, não é? Você está furioso com ele.” Jay arrancou um braço do boneco, depois o outro, depois bateu nele com a mão fechada,

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até reduzi-lo a uma massa disforme. Outro garoto, com sua percepção de criança, explicou: “Jay está furioso como senhor X, porque apanhou dele, esta tarde.” “Então agora, você vai sentir-se muito melhor, não é?” comentou a senhorita Axline. Jay deu um sorriso largo e começou a “reconstruir” o Sr. X. (Adaptado de V. Axline, 1944).

Outros exemplos citados mostram como os alunos ficam profundamente reconhecidos ao

serem compreendidos - não avaliados, nem julgados, compreendidos simplesmente do seu, não do ponto de vista do professor. Se qualquer professor tomar para si a tarefa de empenhar-se em dar uma resposta empática, não-avaliativa, mas de aceitação, por dia, aos sentimentos demonstrados ou verbalizados pelos alunos, creio que descobriria o potencial desse tipo de compreensão, de ordinário, quase inexistente.

QUAIS AS BASES DAS ATITUDES DE FACILITAÇÃO?

Uma Perplexidade É natural que nem sempre se assumam as atitudes que acabamos de descrever. Alguns

professores levantam o problema: “Mas se não me sinto empático, se, em dado momento, não tenho apreço, nem receptividade ou estima pelos meus alunos! Que ocorrerá?” Respondendo que a autenticidade é a mais importante das atitudes que mencionei e não foi por acaso que comecei a minha exposição por essa atitude. Assim, se alguém tem escassa compreensão do mundo interior do aluno, não gosta dele ou do seu comportamento, é quase certamente mais construtivo ser real do que pseudo-empático ou do que exibir a máscara de quem se interessa por ele.

Mas isso não é tão simples quanto parece. Ser autêntico, ou honesto, ou congruente, ou real,

significa ser dessa maneira em relação a si próprio. Não posso ser real para com o outro, porque não sei o que é real para ele. Só posso dizer - se quero ser verdadeiramente honesto - o que se passa em relação a mim.

Vejamos um exemplo. Antes, nesse capítulo, referi-me aos sentimentos da senhorita Shiel

sobre a “confusão” criada pelo trabalho de arte. Essencialmente, disse ela: “É de enlouquecer ficar aqui nessa bagunça! Sou uma pessoa asseada e organizada e isso me está desviando a atenção”. Mas suponhamos que ela houvesse exprimido seus sentimentos de modo diverso, como aqueles disfarces tão comuns nas salas de aula de todos os níveis. Diria ela: “Vocês são as crianças mais bagunceiras que eu já vi. Não se preocupam com a ordem ou a limpeza. Vocês são horrorosos!” Definitivamente, não estaríamos em face de um exemplo de autenticidade, de ser verdadeiro, no sentido em emprego estas palavras. Há uma profunda distinção entro os dois modos de falar que eu gostaria de explicar pormenorizadamente.

Na segunda afirmação, a senhorita Shiel nada diz sobre si mesma, nada está participando

sobre os seus sentimentos. Sem dúvida, as crianças sentirão que ela está zangada, mas como são vivas para perceber as coisas, ficarão sem saber se ela está irritada com eles ou porque andou discutindo com diretora. Nada existe, aqui, da honestidade da primeira afirmação, onde ela fala da sua indisposição de estar ela mesma sentido que desvia a sua atenção.

Outro aspecto da segunda afirmação é que é toda feita de julgamentos ou avaliações que,

como a maior parte dos julgamentos, são todos discutíveis. Aquelas crianças são desleixadas ou simplesmente se acham excitadas e envolvidas com o que estão fazendo? São todas “bagunceiras” ou haverá algumas que se sentem tão incomodadas com a confusão quanto a professora? Não se preocupam, de jeito nenhum com ordem, ou simplesmente, nem todo dia tem tal preocupação? Se um grupo de visitantes estivesse para chegar, sua atitude seria diferente? São horrorosos ou simplesmente crianças? Creio ser evidente que, quando formulamos juízos, estes quase nunca dão

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interiramente exatos, donde causarem ressentimento e irritação, tanto quanto sentimento de culpa e apreensão. Se a senhorita Shiel houvesse feito a segunda afirmativa, a resposta da classe teria sido inteiramente diversa.

Alonguei-me um pouco no esclarecimento desse ponto, porque sei, por experiência, que

acentuar o valor de ser real, de viver cada um dos seus sentimentos, muitas vezes se torna como licença para formular juízos sobre os outros, para projetar nos outros todos os sentimentos tidos como “próprios”. Nada poderia ser tão oposto ao que quero dizer.

Na verdade, atingir a qualidade de real é, as mais das vezes, difícil, e, mesmo quando se quer

ser, de fato, autêntico, isto só raramente ocorre. Não é, certamente, mera questão de palavras e não ajudará muito alguém considerar judicioso o uso de uma fórmula verbal, que soa como participação de sentimentos. Tratar-se-á, exatamente, de outro aspecto de disfarce, de falta de autenticidade. Só aos poucos em relação aos nossos sentimentos, capazes de ter consciência deles. Então, demo, não os disfarçando, nem atribuindo-os a outras pessoas. Eis por que admiro tanto a maneira como a senhorita Shiel expôs sua zanga e frustração, sem, de modo algum, disfarça-la.

Confiança no organismo humano Seria de todo improvável pudesse alguém assumir as três atitudes descritas ou aventurar-se a

ser um facilitador de aprendizagem se não começasse por ter uma profunda confiança no organismo humano e nas suas potencialidades. Se desconfio do ser humano, antes devo empanziná-lo de informações da minha própria escolha, a fim de que não tome um caminho errado. Mas se acredito na capacidade de cada um desenvolver sua potencialidade individual, proporcionar-lhe-ei todas as oportunidades e lhe permitirei a escolha de vias próprias e sua direção pessoal na aprendizagem.

É claro, acredito eu, que os três professores cujo trabalho descrevi nos capítulos anteriores

contavam com a tendência, nos seus alunos, de se atualizarem, de se completarem. Basearam-se na hipótese de que os estudantes, em contato real com problemas para eles relevantes, querem aprender, aspiram a progredir, procuram descobrir, empenham-se em dominar, desejam criar, encaminhar-se para a autodisciplina. O professor trata de estabelecer certo clima na sala de aula, certa qualidade de relacionamento pessoal com seus alunos, que lhes permita desfrutar dessas tendências naturais.

Viver a Incerteza da Descoberta

Creio ser preciso dizer que essa visão do homem, basicamente confiante, assim como as

mencionadas atitudes em relação aos alunos, não surgem subitamente, de algum modo miraculoso, no facilitador de aprendizagem. Ao contrário, dependem de riscos a assumir, da ação a exercer sobre hipóteses experimentais. Isto está bem claro no capítulo em que descrevemos o trabalho da senhorita Shiel; atuando sob hipóteses de que não estava segura, arriscando-se incertamente por novas vias de relacionamento com seus alunos, acabou descobrindo que os novos processos se confirmavam através do que ocorreu na sua sala de aula. Estou convencido de que o Professor Faw passou por idêntico tipo de incerteza. Quando a mim, só posso afirmar que iniciei a minha carreira com a firme convicção de que os indivíduos devem ser motivados pelo seu próprio bem; se assumi as atitudes descritas, com a confiança nos indivíduos nelas implícitas, foi apenas porque as considerei, mais que outras quaisquer, capazes de gerar aprendizagem e produzir mudanças construtivas. Daí a minha crença de que só correndo o risco de novos caminhos pode o professor descobrir por si mesmo, se é ou não eficiente, se aqueles novos caminhos lhe convêm ou não.

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Chegarei, assim, a uma conclusão, com fundamento nas experiências dos diversos facilitadores e de seus alunos até esta altura mencionados. Quando um facilitador cria, mesmo em grau modesto, um clima de sala de aula caracterizado por tudo que pode empreender de autenticidade, apreço e empatia; quando confia na tendência construtiva do indivíduo e do grupo; descobre, então, que inaugurou uma revolução educacional. Ocorre uma aprendizagem de qualidade diferente, um processo de ritmo diverso, com maior grau de penetração. Sentimentos - positivos, negativos, difusos - tronam-se uma parte da experiência de uma sala de aula. Aprendizagem transforma-se em vida, e vida mais existencial. Dessa forma, o aluno, com entusiasmo, às vezes, relutantemente, em outros casos, comporta-se com alguém que está passando por uma aprendizagem, por uma certa mudança.

A Evidência Já estou a ouvir certos murmúrios: “Belo quadro - muito tocante. Onde, porém, a sólida

evidência? Que sabe disso o senhor?” Gostaria de voltar-me para essa evidência. Não é esmagadora, mas consistente. Não é perfeita, mas sugestiva.

Em primeiro lugar, no campo da Psicoterapia, Barrett-Lennard (1962) deu impulso a um

instrumento pelo qual se poderiam medir qualidades atitudinais como estas: genuidade ou congruência, apreço ou consideração positiva, empatia ou compreensão. Tal instrumento foi aplicado tanto ao cliente quanto ao terapeuta, de modo a termos a percepção do relacionamento tanto por parte do terapeuta quanto do cliente a quem aquele tenta ajudar. Para dar notícia, muito resumidamente, de alguns achados, pode-se dizer que os clientes que, eventualmente, mostraram ter passado por maior mudança terapêutica, enquanto medida por vários instrumentos, perceberam mais essas qualidades no seu relacionamento com o terapeuta do que aqueles que, eventualmente, mostraram menos mudança. Significativo, por igual, é que essa diferença na percepção do relacionamento evidenciava-se logo após a quinta entrevista, com a previsão de mudança posterior ou de ausência de mudança em terapia. Ademais, verificou-se que a percepção e a experiência do relacionamento, por parte do cliente, prestavam-se melhor à previsão do resultado final do que a percepção por parte do terapeuta. O estudo original de Barrett-Lennard foi-se ampliando e veio a ser confirmado, no geral, por outras pesquisas.

Assim, podemos citar, prudentemente e com ressalvas que seriam inapropriadas para o

presente volume, que se, em terapia, o cliente percebe o seu terapeuta como alguém real e genuíno, que o estima e tem apreço por ele, e empaticamente o compreende, então, a auto-aprendizagem e a mudança terapêutica são facilitadas.

Agora, outra linha de evidência, desta vez intimamente relacionada com a educação. Emmerling

(1961) observou que, quando se pediu a professora de segundo grau que identificassem os problemas que lhes pareciam mais urgentes, podia-se dividi-los em dois grupos. Primeiro, os que consideram os seus problemas mais sérios sob a forma, por exemplo, de: “fazer com que os alunos participem”; “aprender novos métodos de ajudar os alunos a desenvolverem o seu potencial máximo”; “levá-los a exprimirem suas necessidades e interesses individuais”; este se incluem no que Emmerling chamou o grupo “aberto” ou “orientado positivamente”. Quando se aplicou aos alunos de tais professores o inventário de Relacionamento de Barrett-Lennard, verificou-se que eles eram tidos como mais significativamente reais, mais receptivos, mais empáticos do que o outro grupo de professores a que nos vamos referir.

A segunda categoria de professores incluiu aqueles que tendiam a ver seus mais urgentes

problemas em termos negativos, um termos de deficiências e inaptidão dos alunos. Para eles, os problemas urgentes eram tais como estes: “tentar ensinar a crianças incapazes até mesmo de seguir instrução”; “ensinar a crianças que não querem aprender”; “a alunos incapazes de fazer o trabalho exigido para a sua aprovação”; “conseguir fazer com que as crianças ouçam”. Não surpreenderia provavelmente o fato de que, quando os alunos de tais professores preencheram o inventário de

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Relacionamento, viram os seus mestres demonstrando relativamente pouca autenticidade, receptividade, confiança, compreensão empática.

Daí podemos dizer que o professor cuja orientação o leva a libertar a potencialidade do aluno

exibe, em alto grau, aquelas qualidades de atitude que facilitam a aprendizagem. Os que orientam no sentido dos defeitos dos seus alunos demonstram menos tais qualidades.

Pequeno estudo experimental de Bills (1966) amplia o significado dessas verificações.

Selecionou-se um grupo de oito professores, quatro dos quais tidos como bem adaptados e eficientes por seus superiores, e que mostravam uma orientação mais positiva para com seus problemas. Os outros quatro, considerados desadaptados e, também, com orientação mais negativa, tal como ficou exposto acima. Os alunos de uns e de outros foram convidados a preencher o Inventário de Relacionamento de Barrett-Lennard, registrando a sua percepção quanto ao relacionamento do professor para com eles. Isso fez com que os alunos ficassem satisfeitos. Os que viam o seu relacionamento com o professor como bom, sentiram-se felizes por descrevê-lo. Os que o consideravam desfavorável gostaram de ter tido, pela primeira vez, a oportunidade de especificar as razões por que o relacionamento não era satisfatório.

Os professores mais eficientes obtiveram o mais alto cômputo nas várias atitudes medidas pelo

Inventário; foram considerados mais autênticos, de nível mais elevado quanto à estima a seus alunos, de maior compreensão empática, menos condicionais e julgadores em suas atividades. Sem descer a pormenores do estudo, pode ser ilustrativo mencionar que os escores obtidos quanto àquelas atitudes variaram nitidamente. Por exemplo, as relações de um grupo de clientes com respectivos terapeutas, percebidas pelos clientes, receberam um escore médio de 108. O relacionamento com os quatro professores mais adaptados, visto por parte dos alunos, teve um escore de 60. Foi de 34 o escore do relacionamento com os quatro outros professores. Destes, o que recebeu mais baixa classificação teve escore médio de 2, por parte do seus alunos.

Esse breve estudo sugere, certamente, que o professor considerado mais eficiente revela, nas

suas atitudes, aquelas qualidades que descrevi como capazes de facilitar a aprendizagem, ao passo que o professor menos adaptado mostre possuí-las em menor escala.

Estudo mais abrangente, de MacDonald e Zaret, focalizou o registro de interações de nove

professores com seus alunos. Os autores verificaram que os comportamentos tanto de professores como de alunos poderiam ser explicitados de modo fidedigno. Quando os comportamentos do professor tendiam a ser “abertos” - esclarecedores, estimulantes, receptivos, capazes de facilitar - as respostas dos alunos tendiam a ser “produtivas” - inventivas, prontas para a análise, a experiência, a síntese, a derivação de implicações. Quando tendiam a ser “fechados” - julgadores, diretivos, reprovadores, indiferentes, controladores, autoritários - as respostas dos alunos tendiam a ser “reprodutivas” - imitativas, adivinhativas, reproduzindo fatos, argumentando com base em dados postos à sua disposição, ou memorizados. Os pares desses dois conjuntos de comportamento mestre-aluno estavam relacionados de modo significativo (MacDonald e Zaret, 1966). Embora os autores fossem cautelosos na qualificação dos seus achados, poder-se-ia evidenciar que os professores interessados no processo, e que eram facilitadores nas suas interações, obtiveram respostas de auto-iniciativa e criadoras, por parte do seus alunos. Os interessados na avaliação dos alunos tiveram destes respostas passivas, dadas “para agradar o professor”: tal evidência ajusta-se à tese que tenho sustentado.

Considerando o problema de um outro ângulo, Schmuck (1963) mostrou que, nas salas de aula

em que os alunos percebem que os professores os compreendem, há a probabilidade de que, entre os primeiros, se verifique uma estrutura mais difusa de apreciação. Isto quer dizer que, quando há empatia por parte do professor, não ocorre a presença do alguns alunos muito estimados e outros pouco estimados mas o apreço e o afeto são mais uniformemente difundidos por todo o grupo. Em

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estudo posterior, Schmuck mostrou que, entre estudantes altamente envolvidos num grupo igual, “existem significativas relações entre o status atual de apreço, de um laço, e, de outro, a utilização de aptidões, de atitudes para consigo mesmo e para com a escola.” (1966, pp. 357-358). Isso parece confirmar outra evidência, indicativa de que, num clima de compreensão, quando o professor é mais empático, cada aluno tendo a se sentir amado pelos outros, a ter atitude mais positiva em relação a se mesmo e em relação à escola. Se, em grau elevado, se deixa envolver no seu grupo (o que parece provável em tal clima de sala de aula), tende a utilizar suas aptidões, de modo mais amplo, no desempenho da atividade escolar.

Pode-se, entretanto, indagar, ainda, se os alunos realmente aprendem mais quando ocorrem

tais atitudes. Aqui, interessante estudo feito por Aspy (1965), em relação a alunos do terceiro ano do primeiro grau, ajuda-nos a aproximar-nos de evidência sugestiva. O autor trabalhou com seis classes do terceiro ano. Os professores durante duas semanas fizeram fitas de gravações de suas interações com os alunos nos períodos destinados ao ensino da leitura. As gravações foram feitas com o intervalo de dois messes, a fim de obter amostra adequada das interações professor-aluno. Finalmente, foram selecionados segmentos de quatro minutos, para exame acurado. Três avaliadores, trabalhando independente e “às chegas”, avaliaram cada segmento em relação ao grau de congruência ou autenticidade demonstrado pelo professor, ao grau de seu apreço ou consideração positiva incondicional e ao da sua compreensão empática.

Usaram-se como critério os testes de Realização em leitura (Stanford Achievement). Omitindo,

ainda uma vez, pormenores de um estudo cuidadoso e rigorosamente controlado, pode-se dizer que as crianças, em três classes com o mais elevado grau das atitudes acima descritas, demonstraram progresso de maior significado em leitura do que as de três classes de grau inferior relativamente àquelas qualificações.

Podemos, assim, dizer, com certo grau de segurança, que as atitudes que tentei descrever são

eficazes não apenas na facilitação de uma aprendizagem e compreensão profundas do eu num relacionamento tal como a Psicoterapia, mas que as atitudes mencionadas caracterizaram professores tidos como eficientes, e que alunos de semelhantes professores aprendem mais, mesmo num currículo convencional, do que os professores que faltam aquelas atitudes.

A Evidência Por Parte dos Alunos Satisfaz-me que essa evidência se acumula. Pose ela ajudar-nos a justificar a revolução em

educação que obviamente espero. Contudo, as mais notáveis aprendizagens de estudantes, verificadas em tal clima, não se restringem, de modo algum, à maior realização nos estudos básicos (ler, escrever, e contar). Aprendizagens significativas são as de caráter mais pessoal - independência, auto-iniciativa, e responsabilidade; libertação de criatividade; tendência para se tornar, mais, uma pessoa. Só posso ilustrar isso colhendo aqui e ali, quase ao acaso, declarações de estudantes, cujos professores se empenham em criar um clima de confiança, de apreço, de autenticidade, de compreensão e, acima de tudo, de liberdade.

Devo, ainda uma vez, citar Sylvia Ashton-Warner, que nos menciona um dos resultados centrais

de tal clima: “...A direção não é mais do professor, mas das próprias crianças... o professor está, afinal, com a corrente e não contra ela, a corrente de inexorável criatividade dos alunos.” (Ashton-Warner, p.93)

Se se quer uma verificação disso, eis algumas afirmações feitas por alunos de um curso sobre

poesia, orientado (não proferido) pelo Dr. Samuel Moon.

Num retrospecto, acho que o curso realmente me agradou, tanto como aula quanto como experiência, embora me deixasse, às vezes, indeciso. Isto, em si mesmo, fez com

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que o curso valesse a pena, pois a maioria dos outros, deste semestre, apenas me aborreceram, como todo o processo de “educação superior”. Devido mais a esse curso do que a outra coisa qualquer, vi-me a dedicar mais tempo a escrever poesia do que histórias curtas, o que, durante certo tempo, interferiu nas minhas aulas de composição...

...Gostaria de acentuar algo muito definido que obtive desse curso: trata-se de uma crescente disposição para ouvir e para considerar, com seriedade, as opiniões dos meus colegas. Tendo em vista a minha atitude, no passado, só isso deu valor ao curso. Suponho que o resultado real de um curso pode ser expresso na resposta à pergunta “Você o faria de novo?” Minha resposta seria um “sim” incondicional. (Moon, 1966, p.227)

A esse posso acrescentar vários comentários de alunos da Dra. Bull, numa aula do segundo

ano, sobre Psicologia do Adolescente. Os primeiros referem-se à metade do semestre:

Este curso tem demostrado ser, para mim, uma vital e profunda experiência... Esse tipo singular de aprendizagem dá-me uma nova concepção global do que realmente é uma aprendizagem... Experimento verdadeiro progresso nesta atmosfera de liberdade construtiva... A experiência é, toda ela, estimulante.

Sinto que o curso tem sido de grande valor para mim... Estou satisfeito por ter tido

essa experiência, porque ela me fez pensar... Nunca me tinha acontecido, antes, empenhar-me tão pessoalmente num curso, especialmente fora da sala de aula. Tem sido frustrante, compensador, agradável e cansativo.

Os outros comentários referem-se ao final do curso:

...O curso não terminou, para mim, com o fim do semestre, mas continua. Não sei

de vantagem maior que se possa obter de um curso do que esse desejo de conhecimento posterior.

...Sinto como se esse tipo de situação, em aula, me houvesse estimulado mais,

capacitando-me a saber onde se acham as minhas responsabilidades, especialmente enquanto faço um trabalho de minha própria iniciativa. Já não sinto que o prazo de um teste é o critério para se ler o livro. Sinto que o meu trabalho futuro será feito em função do que eu possa obter dele, não da nota que tive no teste.

Gostei da experiência de estar nesse curso. Desconfio que, se alguma coisa não

me satisfez, foi o desaponto comigo mesmo, por não haver tirado todas as vantagens das oportunidades que o curso me ofereceu.

Penso que, agora, estou vivamente cônscio do colapso, em matéria de

comunicações, que existe, de fato, em nossa sociedade, depois de ver o que aconteceu em nossa classe. ...Progredi enormemente. Sei que sou uma pessoa diferente da que era, antes de haver passado por essa classe. ...Ela me ajudou muito a me compreender melhor. ...Obrigado, pelo que contribuiu para o meu progresso.

Minha idéia sobre educação era a de obter informação do professor, assistindo às

suas exposições. A ênfase e o foco achavam-se no professor. ...Uma das maiores mudanças que experimentei verificou-se na minha perspectiva sobre educação. Aprendizagem é algo mais do que uma nota numa ficha de relatório. Ninguém pode medir o que se aprendeu, porque isto é algo pessoal. Eu confundia muito aprendizagem com memorização. Poderia memorizar muito bem, mas duvido que houvesse aprendido tanto quanto aprendi. Creio que a minha atitude, a respeito de aprendizagem, passou de uma perspectiva centrada na nota obtida para uma outra mais pessoal.

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Aprendi muito mais a respeito de mim mesmo e dos adolescentes em geral.

...Adquiri, também, mais confiança em mim mesmo e nos meus hábitos de estudo, verificando que posso sozinho, aprender sem que um professor me conduza pela mão. Aprendi muito, também, ouvindo os meus colegas e apreciando suas opiniões e idéias. ...Esse curso constituiu uma experiência das mais significativas e válidas... (Bull, 1966).

Se se quer ter uma idéia do que um curso desse tipo parece a alunos do sexto ano do primeiro

grau, vejamos amostras das reações dos garotos orientados pela senhorita Shiel, mal expressas e tudo mais:

Sinto que estou aprendendo auto-abilidade (sic). Não estou aprendendo só o

trabalho da escola, estou aprendendo que a gente pode aprender tão bem por sua conta própria quanto a gente aprende quando é um professor que ensina a gente.

Sinto u pouco de confusão nos Estudos Sociais (sic), descobrindo coisas para

fazer. Passo muito tempo trabalhando o tempo todo. Às vezes, fico falando demais. ...Meus pais não entendem o programa. Minha mãe fala que ela vai me dar mais

responsabilidade e me deixará ir andando com a minha própria velocidade. Gosto deste plano porque há uma porção de liberdade. Aprendo mais deste jeito

do que do outro jeito, quando (sic.) tem que esperar os outros, aqui a gente pode andar com a velocidade da gente mesmo, e a gente fica com muito mais responsabilidade. (Shiel, 1966).

Vejamos mais dois exemplos do curso de pós-graduação do Dr. Appell:

...Tenho pensado sobre o que me aconteceu por meio dessa experiência. A única conclusão a que chego é que, se tento medir o que se passou, ou o que eu era no começo, consigo saber como eu era ao começar - e não sei... são tantas coisas que eu senti se terem perdido... Se revolveram dentro de mim... Não parecem ter vindo à tona sob uma forma ou tantas coisas inexprimíveis. Sei que apenas lhes toquei a superfície, imagino. Posso sentir tantas coisas quase prontas para subirem á tona... talvez seja isso o bastante. Parece que toda sorte de coisas tem agora muito mais significado do que antes... Essa experiência teve significação, produziu algo em mim, não estou certo de quanto nem de como, exatamente. Penso que estou apto a ser melhor eu mesmo, no final das contas. Isto é algo que eu penso, de que estou certo. (Appell, 1963)

...O senhor não seguiu um plano, mas eu estou aprendendo. Desde que o ano

letivo, começou, sinto-me mais vivo, mais real em relação a mim mesmo. Agrada-me tanto estar só, como em companhia de outros. O meu relacionamento com as crianças e com os outros adultos torna-se mais sensível, mais envolvente. Ao chupar uma laranja, a semana passada, descasquei-a, gomo a gomo, e ela me pareceu melhor, assim sem a película transparente. Mais suculenta e de sabor mais natural. Comecei a pensar que é assim que me sinto algumas vezes, sem a parede transparente que me envolve, apto a comunicar, de fato, os meus sentimentos. Sinto que estou progredindo, só não sei quanto. Eis-me a pensar, a considerar, a ponderar, a aprender. (Appell, 1959)

Não posso ler esses testemunhos de estudantes - do primeiro grau, da universidade, do nível

de pós-graduação - sem me emocionar profundamente. Eis professores que se arriscam, que procuram ser eles próprios, confiam nos seus alunos, aventuram-se pelo desconhecido existencial, enfrentam uma transição subjetiva. E que acontece? Fatos humanos, excitantes, inacreditáveis.

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Sentimentos que pessoas estão sendo criadas, aprendizes estão sendo iniciadas, futuros cidadãos emergem para enfrentar o desafio de mundos desconhecidos. Se apenas um professor em cem ousa arriscar, ousa ser, ousa confiar, ousa compreender, assistiremos a uma infusão de espírito vivo, em educação, a qual será, a meu ver, inestimável.

O Efeito Sobre o Professor

Voltar-me-ei, agora, para uma outra dimensão que me estimula. Tenho falado do efeito sobre o

aluno de um clima que encoraja a aprendizagem significativa, autoconfiante, pessoal. Mas nada disse do efeito recíproco sobre o professor. Quando este se tornar agente da libertação de tal aprendizagem auto-iniciada, verifica que ele próprio mudou, tanto quanto o aluno. Diz um deles:

Afirmar que me vi dominado pelo que aconteceu reflete, apenas superficialmente,

o que senti. Ensinei durante muitos anos, mas jamais experimentei algo que remotamente se pareça com o que aconteceu. Eu, de minha parte, jamais encontrei uma classe em que toda gente se manifesta tanto, tão profundamente se envolve, tão profundamente se estimula. Pergunto-me, além disso, se, numa organização tradicional em que o que se realça são a matéria a ser dada, as provas, as notas, há ou pode haver lugar para uma pessoa “em transformação”, com suas múltiplas e profundas necessidades, enquanto luta para se realizar a si própria. Mas não é disso propriamente que se trata. Quero apenas contar-lhe o que aconteceu e dizer que estou grato e também humilde perante a experiência. Gostaria de que você soubesse que ela enriqueceu a minha vida e o meu ser. (Tenembaum, in Rogers, 1961, p.313)

Outro professor conta o seguinte:

Rogers disse que conduzir os relacionamentos com tais pressupostos significa “vivar a educação, tal como se apresenta hoje, de pernas para o ar”. Verifiquei que isso é verdade, quando tentei dar efetividade a tal método de tratar com os estudantes. A experiência que fiz mergulhou-me em relacionamentos que têm significado e são desafiantes, fora de qualquer termo de comparação, para mim. Inspiraram-me, estimularam-me e me deixaram, às vezes, chocado e temeroso de suas conseqüência , tanto para mim quanto para os alunos. Levaram-me ao conhecimento de um fato a que só posso chamar... a tragédia da educação em nossa época - um aluno após o outro a afirmarem que foi essa a sua primeira experiência de coerente, no sentido de realçar e de manter o núcleo de dignidade que sobreviveu, de algum modo, à humilhação, à distorção e ao cinismo corrosivo. (Appell, 1959)

Idealista Demais? Alguns leitores podem achar que o modo global de encarar o tema deste capítulo - a convicção

de que os professores podem relacionar-se, como pessoas, com os seus alunos - é irremediavelmente irrealista e idealista. Podem ver que, em essência, se trata de encorajar tanto professores quanto alunos a serem criativos no seu relacionamento uns com os outros e com a matéria em estudo e podem achar que atingir tal objetivo é praticamente impossível. Nesse modo de ver não estão sozinhos. Já ouvi especialista de importantes escolar de ciência e eruditos de importantes universidades argumentarem que é um absurdo tentar estimular todos os estudantes a serem criativos - precisamos é de uma multidão de técnicos e de trabalhadores medíocres e, se uns poucos cientistas, artistas e líderes criativos emergem, isto já será o bastante. Pode ser o bastante para eles. Pode ser o bastante para mim. Quando me capacito do inacreditável potencial do estudante comum, quero tentar a sua libertação. Estamos trabalhando, duramente, para libertar a

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incrível energia do átomo e do núcleo do átomo. Se não dedicarmos igual esforço - sim, e igual dinheiro - à libertação do potencial de cada indivíduo, então, a enorme discrepância entre o nosso nível de recursos de energia física e dos recursos da energia humana fadar-nos-á uma universal e merecida destruição.

Lamento não poder ser friamente científico a esse respeito. O problema é urgente demais. Só

posso ser apaixonado na minha afirmação de que a pessoa humana tem de ser levada em conta, que relações interpessoais importam muito, que sabemos algo sobre a libertação do potencial humano, que podemos aprender muito mais, e que, se não dermos atenção intensamente positiva ao lado humano interpessoal do nosso dilema educacional, a nossa civilização estará a caminho da exaustão. Melhores cursos, melhores currículos, abrangência mais ampla, melhores máquinas de ensino jamais resolverão o nosso dilema, na sua base. Somente as pessoas atuando como pessoas, no seu relacionamento com os alunos, podem eventualmente começar a produzir certa abertura no mais urgente problema da moderna educação.

Sumário Tentemos expor, um tanto mais calma e sobriamente, o que dissemos com tal emoção e

arrebatamento. Afirmei que é mais infeliz a maneira como os educadores e o público pensam e focalizam o ato

de ensinar. Isto os leva a uma multidão de questões, irrelevantes umas, absurdas outras, no que se refere à educação real.

Disse que, se focalizarmos a facilitação de aprendizagem - como, porque e quando os alunos

aprendem, e como a aprendizagem parece ser e é sentida como vinda de dentro - poderíamos estar no caminho certo.

Sustentei que possuímos algum conhecimento e poderíamos obter ainda mais sobre as

condições que facilitam a aprendizagem, e que uma das mais importantes dessas condições é a qualidade de atitude assumida no relacionamento interpessoal do facilitador e do aprendiz. (Há outras condições, a mais, que tentarei evidenciar posteriormente.)

Tais atitudes, que se afiguram eficazes no promover aprendizagens, podem ser descritas. Antes

de tudo, a transparente autenticidade do facilitador, a disposição de ser uma pessoa de ter e de viver os sentimentos e as idéias do momento. Quando essa autenticidade inclui um apreço, uma solicitude, uma confiança e um respeito pelo aprendiz, o clima favorável à aprendizagem se intensifica. Quando inclui uma sensível, cuidadosa, empática capacidade de ouvir, então, existe, na verdade, um clima de liberdade, uma aprendizagem e um progresso estimulantes e auto-iniciados. Confia-se no desenvolvimento do aluno.

Tentei deixar claro que as pessoas que assumem tais atitudes e têm coragem suficiente para

agir com fidelidade a elas, não modificam, simplesmente, os métodos de ensinar - na verdade os revolucionam. Quase não exercem as funções de professores. Já não conviria mais chamar-lhes de professores. São catalisadores, facilitadores que proporcionam, aos alunos, liberdade, vida, oportunidade de aprender.

Evidenciei, através de sucessivas pesquisas, a sugestão de que as pessoas que assumem tais

atitudes são consideradas mais eficientes, na sala de aula; que os problemas que lhes dizem respeito são os de fazer com que se liberte a potencialidade dos seus alunos, não os que se referem às deficiências destes; que eles parecem criar situações, nas salas de aula, nas quais não há crianças a quem se admire e crianças de quem se desgoste, mas em que a afeição e a estima constituam uma

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parte da vida de cada criança; que, nas classes em que vigora tal clima psicológico, as crianças aprendem mais das matérias convencionais.

Mas, intencionalmente, fui além dos achados empíricos, para tentar fazer com que se entre na

vida íntima do aluno - dos cursos de primeiro grau, universitários ou de pós-graduação - que tem a sorte de viver e de aprender em tal relacionamento interpessoal com facilitadores, a fim de que se veja como a aprendizagem e sentida, quando ela é livre, auto-iniciada e espontânea. Tentei mostrar como se modifica até mesmo a relação para com aluno - tornando-se mais consciente, mais cuidadosa, mais sensível, ao mesmo tempo em que se expande a aprendizagem auto-relacionada da matéria provida de significação. Referi-me à mudança que também se processa no professor.

Em síntese, tentei indicar que, se queremos ter cidadãos capazes de viver, construtivamente,

no presente mundo em mudança caleidoscópica, só os teremos se nos dispusermos a fazer deles aprendizes auto-estimulados e auto-iniciados. Finalmente, foi o meu propósito mostrar que essa espécie de aprendiz se desenvolve melhor, tanto quanto o sabemos, num relacionamento pessoa a pessoa que promova, que facilite o crescimento.

SOBRE A APRENDIZAGEM E SUA FACILITAÇÃO

De que modo uma pessoa aprende? Como facilitar aprendizagens de importância? Quais os pressupostos teóricos, básicos, envolvidos? Nesse Capítulo, tento responder a essas perguntas sob uma forma desataviada, expondo, simplesmente, o essencial dos meus pontos de vista sobre tais questões.

Costuma-se iniciar um exposição mencionando os princípios teóricos e gerais para indicar,

depois, a maneira como poderão ser postos em prática. Neste livro, tenho seguido o curso oposto. Empenhei-me em apresentar uma profusão de experiências práticas e descrições de métodos usados, todos com o fim de tornar livres os alunos para a aprendizagem auto-iniciada e autoconfiante. Agora, gostaria de fazer uma exposição sucinta e geral de alguns dos princípios (ou hipóteses) que podem ser razoavelmente abstraídos, a meu ver, dessas e de outras experiências semelhantes. Induzi-os da minha própria experiência, do trabalho de muitos outros facilitadores de aprendizagem, que me davam conta do que fizeram e do que obtiveram, além de pesquisas relevantes, muitas das quais relatadas nos capítulos anteriores.

Aprendizagem Eis certo número de princípios que podem, creio, ser abstraídos da experiência usual e de

pesquisas relacionadas com a mais recente maneira de encarar o assunto. 1. Os Seres Humanos têm natural potencialidade de aprender. São curiosos a respeito do

mundo em que vivem, até que, e a menos que, tal curiosidade seja entorpecida por nosso sistema educacional. São ambivalentemente ansiosos de desenvolver-se e de aprender. A razão da ambivalência está em que toda aprendizagem significa envolve certa quantidade de dor - sofrimento ligado à própria aprendizagem ou angústia associada a certas aprendizagens preliminares por que se passou. O primeiro tipo de ambivalência pode ser exemplificado pela situação da criança que aprende a andar. Tropeça, cai, machuca-se. É um processo penoso. No entanto, as alegrias de estar desenvolvendo o seu potencial compensam, de muito, as pancadas e contusões. O segundo tipo de ambivalência evidencia-se quando um estudante, que tinha sido absolutamente o melhor, sob todos os aspectos, no segundo grau, na sua cidadezinha, verifica, depois de se matricular em estabelecimento de ensino superior ou numa Universidade, que não passa de um, entre vários alunos

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brilhantes. Haverá, para ele, penosa aprendizagem a assimilar, ainda que, na maioria dos casos, o consiga e siga adiante.

Esta potencialidade e desejo de aprender , descobrir, ampliar conhecimento e experiência, podem ser liberados sob as condições apropriadas. Trata-se de tendência em que se pode confiar, e todas as vias de acesso à educação que temos descrito fundamentam-se sobre e em trono do natural desejo de aprender do aluno.

2. A aprendizagem significativa verifica-se quando o estudante percebe que a matéria a estudar

se relaciona com os seus próprios objetivos. De maneira um tanto mais formal, dir-se-á que uma pessoa só aprende significativamente aquelas coisas que percebe implicarem na manutenção ou na elevação de si mesma. Pense-se, por um momento, em dois estudantes que fazem um curso de Estatística. Um trabalha num projeto de pesquisa, para o qual necessita, claramente, do material constante do curso, a fim de completar suas investigações e progredir na sua carreira profissional. O outro faz o curso porque é obrigatório. A única relação com os seus objetivos ou seu progresso individual é, simplesmente, a de que lhe é preciso completá-lo a fim de continuar na Universidade. Não há como pôr em dúvida as diferenças de aprendizagem que daí decorrem. O primeiro aluno adquire uma aprendizagem funcional da matéria; o segundo, aprende como há de “conseguir passar”.

Outro elemento relacionado com esse princípio refere-se à rapidez da aprendizagem. Quando

uma pessoa tem algum objetivo a alcançar e vê que dispõe de um marterial relevante à obtenção do que quer, a aprendizagem se faz com grande rapidez. Lembremo-nos, apenas, o breve espaço de tempo necessário a um adolescente para aprender a dirigir um carro. É evidente que o tempo de aprendizagem de vários assuntos se reduziria a uma fração do que ordinariamente é empregado, se o aprendiz percebe que a matéria se relaciona com os seus objetivos pessoais. Provavelmente, bastaria um terço ou um quinto do tempo atualmente dispendido.

3. A aprendizagem que envolve mudança na organização de cada um - na percepção de si

mesmo - é ameaçadora e tende a suscitar reações. Por que tem havido tanto furor, até mesmo, não raro, ações judiciais, por causa de um jovem adolescente que vai à escola de cabelos compridos? De certo, o comprimento dos cabelos faz pouca diferença objetiva. A razão parece estar em que, se eu, como professor ou administrador, aceito o valor com que o “cabeludo” não se conforma, então, há ameaça contra o valor com que eu me conformo, em relação às exigências sociais. Se eu permito que essa contradição exista, poderei também mudar, porque serei forçado a reapreciar alguns dos meus valores. O mesmo se aplica ao antigo interesse pelos “beatniks” e ao atual interesse pelos “hippies”. Se lhes é permitido manter a rejeição de quase todos os valores da classe média, então, a aceitação de tais valores por uma pessoa que os tem como parte de si mesma é profundamente ameaçada, uma vez que à maioria das pessoas afigura-se que, na medida em que os outros estão certos, elas estão erradas.

Não raro, essas penosas e ameaçadoras aprendizagens têm algo a ver com certas

contradições no interior de cada um. Veja-se o exemplo de alguém que acredita “terem os cidadãos, neste país, igual direito, a toda espécie de oportunidade, seja qual for”. Mas descobre também ter convicção de que “não quero que um negro more nas minhas vizinhanças”. Toda aprendizagem que se origine desse dilema é penosa e ameaçadora, pois as duas crenças não podem abertamente coexistir, e qualquer aprendizagem que emerja da contradição envolve mudança nítida na estrutura do ser.

4. As aprendizagens que ameaçam o próprio ser são mais facilmente percebidas e assimiladas

quando as ameaças externas se reduzem a um mínimo. O jovem atrasado em leitura já se sente ameaçado e desajustado por causa dessa deficiência. Quando é forçado a tentar ler em voz alta na frente do grupo, quando é ridicularizado pelo esforço que faz, quando as notas obtidas refletem, nitidamente, o seu malogro, não é surpreendente que possa passar muitos anos na escola, sem

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qualquer progresso perceptível na sua aptidão para a leitura. Pelo contrário, um ambiente de apoio e compreensão, a falta de notas, ou um estímulo à auto-avaliação, removem as ameaças externas e lhe permitem fazer progressos, porque já não se acha paralisado pelo temor. É essa também uma das grandes vantagens da “máquina de ensinar” quando usada convenientemente. Aqui, o mau leitor começa no seu próprio nível de realização e cada passo que dá, praticamente de minuto a minuto, é marcado por alguma recompensa e por um sentimento de triunfo.

Espanta-me a circunstância de tendermos a desconsiderar, por completo, a evidência que

nitidamente corrobora esse princípio. Aproximadamente há uns quarenta anos, Herbert Williams2, à época um professor, recebeu o encargo de uma classe, na qual todos os mais sérios “delinqüentes” dentro de um amplo sistema escolar foram reunidos, Eram os “piores elementos” de uma comunidade de 300.000. Não lhe seria possível levar a efeito instrução muito individualizada, e os jovens se encontravam em todos os níveis de escolaridade. Como seria fácil imaginar, tratava-se de retardados intelectualmente (Q.I. médio, 82), mesmo quanto ao desempenho escolar. Era muito exíguo o equipamento especial. Além das carteiras e quadros negros usuais, havia, na sala, uma grande mesa, na qual ele colocou livros ilustrados, de leituras, de histórias, e manuais sobre várias matérias, apropriadas a todos os níveis de alfabetização. Dispunha, também, de material de arte. Só havia duas regras: o aluno tinha de estar ocupado a fazer alguma coisa e a nenhum se permitia aborrecer ou perturbar o outro. A cada um se dava notícia, sem qualquer crítica, dos resultados obtidos em seu trabalho. Só se ofereciam estímulos e sugestões à atividade desenvolvida por iniciativa própria. Assim, se o aluno se ocupasse num ramo de atividade artística, receberia assistência para ingressar numa classe especial de Arte. Se o seu interesse fosse por Matemática ou Mecânica, tomar-se-ia providência para que pudesse seguir cursos dessas matérias. O aumento foi quatro vezes superior ao que normalmente se espera de um grupo em tal grau de retardamento, e isso a despeito do fato de serem abundantes as inaptidões quanto à leitura e outras matérias. O incrível progresso decorreu da atividade informal, autodirigida. Estou convencido de que não se dá o devido apreço a estudos desse tipo, fundamentalmente, porque eles constituem certa ameaça aos professores. Aqui se evidencia que a maior parte dos alunos não-promissores aprendem rapidamente quando simplesmente se lhes dá oportunidade para isso e quando não se tenta ensinar-lhes. Daí, parecer a muitos professores que seriam privados das duas funções, motivo por que não assimilam informações a respeito.

A razão do êxito dessa aventura eminentemente heterodoxa e pouca dispendiosa estará na

atitude do próprio professor Williams. Partiu do pressuposto de que o seu interesse pelas condições do lar, do meio ambiente, da saúde, da situação pessoal de cada aluno terá servido de estímulo aos jovens. Afirma que pretendeu entrar em contato com cada um deles e preferiu empregar o seu tempo antes nessa atividade do que na de lecionar. A prova de que demonstrou profundo e simpático interesse além de confiança nos delinqüentes juvenis é que acabou por se tornar superintendente de uma instituição especializada, altamente progressista.

5. Quando é fraca a ameaça ao “eu” pode-se perceber a experiência sob formas diversas, e a

aprendizagem ser levada a afeito. Em certo sentido, esta é apenas uma extensão, ou uma elucidação, do princípio anterior. Um bom exemplo do que ele implica é o caso do fraco em leitura. Quando é chamado para ler em aula, deixa-se tomar de um pânico interior e as palavras, na página aberta, transformam-se em símbolos menos inteligíveis do que quando se encontra assentado, na sua carteira, antes de ouvir o seu nome. Quando se acha num ambiente em que está certo de sua segurança pessoal e quando se convence de que não há ameaça ao seu eu, vê-se, uma vez mais, livre para perceber os símbolos , na página, diferenciando uns dos outros, reconhecendo os diversos elementos de palavras semelhantes, percebendo significados parciais e tentando reuni-los - em suma, progride no processo de aprendizagem. Toda sorte de aprendizagem envolve crescente diferenciação do campo de experiência e a assimilação dos significados dessas diferenciações. Tais diferenciações, a meu ver, são mais eficazmente efetuadas sob duas espécies de condições

2 H. D. Williams, Experiment in Self-directed Education, “School and Society", 1930-31, 715-718.

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nitidamente diversas. Podem ocorrer quando a ameaça ou organismo é intensa, mas ameaças dessa espécie diferem muito das que atingem o próprio ser, quando são percebidas como tais. O soldado em luta, por exemplo, aprende muito rapidamente a distinguir o silvo da granada que passa acima de sua cabeça, do ruído de que está vindo em sua direção. Aprende logo a descriminar uma trilha normal daquela cuja superfície está revolvida, pois esta pode ser um campo minado. Reage, em tais casos, a ameaças de natureza muito grave, mas que atingem o seu organismo, não o seu próprio ser intimamente considerado. De fato, quando mais rapidamente aprende a fazer tais discriminações, mais se engrandece o seu eu. Na situação educacional ordinária, entretanto, ameaças reais de vida ou de morte são raras e, quando ocorrem, os alunos reagem bem. As crianças aprendem, por exemplo, as regras do tráfego, rápida e satisfatoriamente. Mas humilhações, ridículo, depreciações, menosprezo e desrespeito - essas são ameaças à própria pessoa, à percepção que se tem de si mesmo e, como tal, interferem duramente na aprendizagem. Por outro lado, como ficou exposto antes, quando a ameaça ao eu é reduzida ao mínimo, o indivíduo utiliza-se das oportunidades para aprender, a fim de se engrandecer.

6. É por meio de atos que se adquire aprendizagem mais significativa. Um dos modos mais

eficazes de promover a aprendizagem consiste em colocar o estudante em confronto experiencial direto com problemas práticos - de natureza social, ética e filosófica ou pessoal - e com problemas de pesquisa. Os exemplos podem variar, desde a situação de grupos de alunos empenhados numa produção teatral, escolhendo a peça e o elenco, desenhando os atores, vendendo ingressos, até confrontações mais sutis. Sempre me impressionou o fato de que cursos intensivos, breves, para pessoas que enfrentam problemas imediatos na “linha de fogo” - professores, médicos, fazendeiros, conselheiros - são especialistas eficazes, porque tais pessoas tentam superar problemas que experimentam diariamente.

7. A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa responsavelmente do seu processo. A

aprendizagem significativa aumenta ao máximo, quando o aluno escolhe suas próprias direções, ajuda a descobrir recursos de aprendizado próprio, formula problemas que lhe dizem respeito, decide quanto ao curso de ação a seguir, vive as conseqüências de cada uma dessas escolhas. É evidente, tanto no campo da indústria quanto no da educação, que a aprendizagem participada é muito mais eficaz que a aprendizagem passiva.

8. A aprendizagem auto-iniciada que envolve toda a pessoa do aprendiz - sues sentimentos

tanto quanto sua inteligência - é a mais durável e impregnante. Descobrimos isso em Psicoterapia, onde a aprendizagem mais eficaz é a da pessoa que se deixa envolver, totalmente, por si mesma. Não de trata de aprendizagem “só do pescoço para cima”. É um tipo de aprendizagem “em nível visceral”, profunda e impreganante. Pode ocorrer, também, na descoberta experimental de uma nova idéia autogerada ou na aprendizagem de uma habilidade difícil ou no ato de criação artística - um quadro, um poema, uma escultura. É toda a pessoa que se vê empenhada nessas aprendizagens criativas. Elemento importante em tais situações é que o abandonar em face de aprendizagem mais profunda, sem ter de apelar para alguma autoridade que lhe corrobore o julgamento a respeito.

9. A independência, a criatividade e a autoconfiança são facilitadores, quando a autocrítica e a

auto-apreciação são básicas e a avaliação feita por outros tem importância secundária. As melhores organizações de pesquisa, tanto na indústria quanto no mundo acadêmico, chegaram à conclusão de que a criatividade desabrocha numa atmosfera de liberdade. A avaliação externa é totalmente infrutífera se a finalidade é um trabalho de criação. Os pais sensatos aprenderam essa mesma lição. Se uma criança deve crescer e tornar-se independente e autoconfiante, é preciso proporcionar-lhe oportunidades, desde os primeiros anos de vida, tanto de fazer os seus próprios juízos e escolhas. Os pais podem oferecer informação e modelos de comportamento, mas é a criança em desenvolvimento e o adolescente que devem avaliar seus próprios comportamentos, chegar a conclusões próprias, decidir quanto aos padrões que lhes sejam apropriados. A crença ou o adolescente que, tanto nas escola quanto no lar, vivem na dependência das avaliações dos outros,

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ficarão, é provável, permanentemente dependentes e imaturos, ou se rebelarão, explosivamente, contra todas as apreciações e juízos externos.

10. A aprendizagem socialmente mais útil, no mundo moderno, é a do próprio processo de

aprendizagem, uma contínua abertura à experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mudança. Acentuamos, nos capítulos anteriores, que uma espécie de aprendizagem estática, de informação, foi bem adequada em épocas anteriores. Se a nossa cultura atual sobrevive é porque fomos capazes de desenvolver pessoas para as quais a mudança é o fato central da vida, e que têm podido conviver, satisfatoriamente, com esse fato central. Quer dizer que tais pessoas, não se preocuparão, como tantas hoje se preocupam, com o fato de que a aprendizagem que receberam é inadequada para habilitá-las a superar situações correntes. Achar-se-ão, ao contrário, na tranqüila expectativa de que será continuamente necessário incorporar novas e desafiadoras aprendizagens sobre situações em mutação incessante.

Expusemos, suficientemente, nos capítulos anteriores, vários métodos de facilitar a

aprendizagem e várias qualidades de que se deve revestir o facilitador, donde não ser necessário apresentar aqui mais que um brevíssimo sumário do que se pode abstrair do tema em pauta.

1. O facilitador tem muito a ver com o estabelecimento da disposição inicial ou o clima do grupo

ou da experiência em aula. Se a sua filosofia básica é a da confiança no grupo e nos indivíduos que o compõem, esse ponto de vista será comunicado de muitas maneiras sutis.

2. O facilitador ajuda a trazer à tona e a elucidar tanto os propósitos individuais, na classe,

quanto os mais gerais do grupo. Se não teme aceitar intenções contraditórias e metas em conflito, se se capacita a permitir que os indivíduos, com senso de liberdade, afirmem o que estariam dispostos a fazer, ajudará a criar um clima para a aprendizagem. Não lhe é necessário tentar a manufatura de um propósito unificado, no grupo, se neste não existe objetivo único. Pose permitir a existência de diversidade de propósitos, contraditórios e complementares, no relacionamento de uns com os outros.

3. Conta com o desejo do aluno de realizar os propósitos que têm sentido, para cada um, como

força de motivação subjacente à aprendizagem significativa. Mesmo se o aluno quer ser guiado e conduzido por outra pessoa, o facilitador pode aceitar tal necessidade e motivo e, ou serve ele próprio de guia, se o desejo for esse, ou estabelece uma linha de estudo, para o aluno cuja aspiração maior seja a de permanecer em situação de dependência. E, quanto à maioria dos alunos, pode ajudá-los a utilizar-se dos seus próprios impulsos e propósitos como força que os impele à aprendizagem.

4. Empenha-se em organizar e tornar facilmente disponíveis recursos, para a aprendizagem, de

mais ampla ordem possível. Esforça-se por que os que os alunos disponham de textos, materiais, subsídios psicológicos, pessoas, equipamentos, viagens, técnicas audiovisuais - todo o recurso concebível de que possam querer utilizar-se para o seu progresso pessoal e para a consecução dos seus objetivos.

5. Considera-se a si mesmo como recurso flexível a ser utilizado pelo grupo. Não se degrada

por se fazer de recurso. Coloca-se à disposição dos alunos como conselheiro, lente, informante, como alguém que tem experiência no campo do estudo. Quer ser usado pelos alunos, individualmente, ou pelo grupo, do modo que lhe pareça mais significativo, ao mesmo tempo em que se lhe afigurará satisfatório agir da maneira como eles queiram.

6. Correspondendo às expressões do grupo, na aula, aceita, a um tempo, o conteúdo intelectual

e as atitudes emotivas, e se esforça por dar a cada aspecto o grau de realce que lhe é emprestado pelo grupo ou pelo indivíduo. Na medida em que for autêntico, procedendo dessa forma, aceita racionalizações e intelectualizações, tanto quanto sentimentos profundos e realmente pessoais.

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7. Quando se estabelece o clima de receptividade, em aula, o facilitador está apto a se tornar,

progressivamente, um aprendiz participante, um membro do grupo, exprimindo suas opiniões como as de um entre outros indivíduos.

8. Toma a iniciativa de compartilhar como o grupo, tanto seus sentimentos quanto suas idéias,

de modo a não exigir nem impor, mas simplesmente a representar uma participação pessoal que os alunos podem acolher ou recusar. Fica, assim, livre para exprimir os próprios sentimentos, proporcionando feedback aos alunos, na sua reação a eles como indivíduos, e partilhando suas próprias satisfações ou desapontamentos. Em tais expressões, são as suas atitudes peculiares que entram em co-participação, não os juízos ou as apreciações de outrem.

9. Através da experiência, em aula, permanece atento às expressões de sentimentos profundos

ou fortes. Podem ser sentimentos de conflito, de dor e outros semelhantes, que, fundamentalmente, se encontram no interior dos indivíduos. Aqui se esforça por compreendê-los do ponto de vista da pessoa e por indivíduos comunicar sua receptividade empática. Por outro lado, podem ocorrer sentimentos de raiva, menosprezo, afeição, rivalidade e outros semelhantes - atitudes interpessoais dos membros do grupo. Mais uma vez ele está tão alerta para essas atitudes quanto para as idéias que estão sendo expressas e, através da sua receptividade a tais tensões ou limitações, ele ajuda a explicitá-las, para que o grupo as compreenda e utilize de maneira construtiva.

10. No exercício das suas funções de facilitador de aprendizagem, o líder procura reconhecer e

aceitar suas próprias limitações. Dá-se contar de que só pode proporcionar liberdade a seus alunos na medida em que deseja realmente entrar em comunhão com o mundo interior dos seus alunos. Pode “partilhar-se” apenas na medida em que se sente relativamente em condições de corres este risco. Só se integra, no grupo, como membro, quando sente, de fato, que ele e seus alunos se acham em situação de igualdade, como aprendizes. Manifesta confiança no desejo de aprender, por parte, do aluno, apenas quando sente tal confiança. Ocorrerá, muitos vezes, que suas atitudes não serão de molde a facilitar a aprendizagem, Ele mesmo suspeitará dos seus alunos. Considerará impossível a aceitação de atitudes que diferem intensamente das suas próprias. Mostrar-se-á incapaz de compreender alguns dos sentimentos dos alunos nitidamente diversos dos seus. Ficará irritado e ressentido com atitudes do aluno para com ele e se zangará diante de certos comportamentos. Verificará que se sente duramente crítico e avaliador. Quando tiver a experiência de atitudes que não levem a facilitar a aprendizagem, fará um esforço para captá-las, para se tornar nitidamente cônscio de que elas ocorrem e as exprimirá tais como existem no seu interior. Se der expressão e tais irritações, tais juízos, tais desconfianças, tais dúvidas sobre os outros e sobre si mesmo, como algo que lhe vem do íntimo, não como fatos objetivos de realidade exterior, irá deparar com a atmosfera purificada para um intercâmbio significativo entre si e seus alunos. Tal intercâmbio abrirá um longo caminho para a determinação das verdadeiras atitudes que tem assumido e experimentado, possibilitando-lhe vir a ser um melhor facilitador de aprendizagem.

Conclusão Espero que o presente capítulo tenha proporcionado uma visão do esboço de hipóteses e

princípios subjacentes às práticas e aos métodos das pessoas e dos grupos cuja experiência foi exposta nos primeiros capítulos. CONSTRUIR O SABER

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No passado, impérios se construíram sustentados por uma educação universal. No futuro, países vão se atolar por falta dela. O Brasil de ontem e hoje não conserta sua educação porque faz escola para empreiteiros, não para o aluno. Cuidado, diz o físico carioca. Neste fim de século XX, depois de perder todas a oportunidades históricas anteriores, o Brasil

precisa mais do que nunca tratar a educação básica como investimento indispensável a qualquer país que pretenda um lugar no mundo moderno. Porque nunca a educação foi tão decisiva para construir uma economia próspera e uma democracia participativa, fundada no pacto dos cidadãos. A informática e a automação criaram um cenário de competição internacional em que, tanto para os produtores de tecnologia como para seus consumidores, se exige cada vez mais competência cognitiva de nações inteiras. Elas sepultaram o axioma marxista de que o avanço da tecnologia desqualificaria a mão-de-obra.

Aconteceu o contrário. As formas de produção pedem trabalhadores com habilidades técnicas

superiores à medida que, promovida a fator essencial da competitividade, a inovação tecnológica sai dos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento para o chão das fábricas.

Também a velocidade na mudança de produtos e na maneira de fazê-los ameaça a supremacia

das grandes empresas em favor das pequenas, ágeis e versáteis. Cai o valor das matérias-primas e da energia. Aumenta o do trabalho. Esfarelam-se as vantagens dos países de modelos econômicos baseados no uso intensivo de mão-de-obra barata e não qualificada, no uso predatório de matérias-primas abundantes.

Neste mundo novo, a sobrevivência econômica está ligada, como jamais esteve, à competência

da mão-de-obra e até dos consumidores - portanto, de populações inteiras. A educação fundamental - quer dizer, o ensino universalizado e eficaz do idioma, da matemática, das ciências - virou condição prevalente do desenvolvimento econômico.

Mudou o paradigma produtivo no planeta. Contra ele, táticas puramente defensivas, como as

reservas de mercado, seja para produtos industrializados, seja para a mão-de-obra nacional, só iriam atrasar ainda mais, pelo isolamento, as possibilidades de inserção na economia mundial, em que o capital vai se internacionalizando rapidamente. A tentação de desenvolvimento endógeno não faz mais o menor sentido.

Deixar-se ficar para trás não é opção razoável. Com o capital internacionalizado, a escolha de

onde aplicá-lo dependerá mais do perfil educacional de um povo do que dos velhos fatores geo-políticos. A desqualificação educacional servirá apenas para habilitar u país a trair empreendimentos vorazes no consumo de energia e de matéria-prima, poluidores, poucos exigentes e avarentos com a mão-de-obra.

Nesse inédito ambiente de competição internacional, países do Primeiro Mundo começam a se preocupar mais e mais com seus sistemas educacionais. Avaliações de desempenho entre estudantes de diferentes origens vão ficando freqüentes. Fracassos nesses torneiros provocam reações que acabam servindo para o planejamento de políticas educacionais nos Estados Unidos e na Europa. Há restrições a esse tipo de avaliação. Mas é interessante notar que as crianças com os melhores resultados em matemática geralmente vêm de países com alto crescimento do produto interno bruto.

Pode-se explicar essa correlação com um exemplo que o historiador Christopher Hill

desentranhou de uma antiga e bem estudada revolução ocidental - a inglesa, de 1640. Durou pouco, mas acabou influindo com séculos de antecedência na formação do futuro Império Britânico, aquele em que o sol nunca se punha, através de duas providências quase sempre pouco consideradas: a universalização do ensino e a secularização do conhecimento científico.

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Os revolucionários ingleses pregaram, o que era inédito, a educação para todos até os 10 anos

de idade, inclusive as mulheres. Para os alunos mais dotados, abria-se o acesso aos estudos superiores. Para ensinar, preferiam o vernáculo ao latim. A ciência eles libertaram da clausura livresca, popularizando a “mecânica” - isto é, a matemática e a física. Não foi por coincidência que Isaac Newton viveu, produzindo sua obra e foi por ela amplamente celebrado naquele tempo. O fato é que as ciências naturais - e mais tarde as ciências sociais - entraram então para sempre nas universidades inglesas.

A educação, esteve, portanto, nos alicerces das nações modernas desde as primeiras

revoluções antifeudais do século XVI. Na Inglaterra, a energia que lançaria na História seu imenso império - além da Revolução Industrial - veio desses impulsos remotos, que exorcizaram a fatalidade como explicação para os infortúnios da vida, fizeram o domínio da natureza parecer possível e desejável, transformaram a ampla cidadania numa fonte e vitalidade nacional.

Nisso, não foi exceção. Foi regra histórica. Um século e meio depois dos ingleses, as

revoluções francesa e prussiana retomariam a universalização da educação como chave do igualitarismo e também para multiplicar cidadãos formados em ofícios mais práticos do que a cultura de nobres letrados. Também essas revoluções, não por acaso, produziram impérios políticos e econômicos.

No Japão, a revolução educacional Meiji, que praticamente acabou com o analfabetismo,

aconteceu em 1860. Por quê? Pela necessidade que naquela época tinha o Japão de enfrentar, com população menor, as guerras com a China e a ameaça da Armada americana, cercando a Baía de Tóquio. Mas é ingênuo supor que haja apenas coincidência entre os esforços de educação universal, as conquistas territoriais e o sucesso econômico dessas nações - ou que a direção de causalidade entre o processo de universalização do ensino e êxito posterior desses países não esteja claramente determinada. Assim como parece claro que a empreitada educacional pode ter sido moldada em ideais religiosos ou na pregação igualitária, mas para que acontecesse foi preciso que interesses políticos, militares e econômicos se sobrepusessem aos velhos hábitos de manter o povo ignorante, como instrumento de controle.

Se é assim, o Brasil está neste momento jogando o futuro ou a sobrevivência no desafio de

fazer sua revolução pedagógica. Até hoje, ele sempre contornou o problema. Por sua origem colonial portuguesa, não sofreu a influência das revoluções liberais do século XVIII. A educação que chegou aqui, trazida pelos jesuítas, impregnada de Contra-Reforma, não pretendeu sequer se ocupar da competência da população em geral. Faltava a necessidade de formar exércitos competentes para defesa ou para a conquista, a colônia dispensava um burocracia ampla e capaz, o modelo econômico extrativo, latifundiário e escravocrata não pedia mão-de-obra qualificada.

Ruim com os jesuítas, pior sem eles. A educação brasileira acabou sofrendo um rude golpe

com as reformas do marquês de Pombal, o secretário português de Negócios Estrangeiros que substituiu na colônia os jesuítas por leigos mal remunerados e completamente despreparados. Nossos problemas educacionais começaram nos séculos XVIII e XIX a ficar ainda mais parecidos com os de hoje.

Nunca, até hoje, houve no Brasil uma tentativa séria de promover um acordo político e social

que complementasse a formação do Estado nacional. Por isso, nunca se pensou na educação como complemento a um projeto desses. Na década de 50, o programa acelerado de substituição de importações trouxe tecnologias já prontas. Logo, dispensou a educação das massas. No golpe militar de 1964, havia planos, metas e projetos de modernização de país. Mas a idéia era construir uma nação com grandes obras de infra-estrutura, que exigiam competência gerencial e tecnológica da

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elite. A conseqüência fia a fantástica expansão do ensino superior, em contraste com o descaso pela qualidade do ensino básico.

O ensino superior acabou atrofiando graus anteriores de ensino. Gasta-se com a escola básica,

que atinge 28 milhões de alunos, 0,8% do PIB, em todas as esferas administrativas. Com as instituições federais de ensino superior. Com as instituições federais de ensino superior, para 300.000 alunos, gasta-se 0,6% do PIB. Pode-se ate considerar aceitável que a educação superior custe atualmente 8.000 dólares por aluno. Inaceitável é que a escola básica custe setenta vezes menos.

Essas contas mostram ao mesmo tempo a irracionalidade da política educacional e a sua

lógica, compatível com o modelo de sociedade que temos. É incontestável que o desinteresse pela educação básica vem da falta de um projeto de país em que os cidadãos adquirissem, na escola fundamental, os requisitos para a democracia. Se pudesse ficar indefinidamente fechada em si mesmo, essa situação poderia continuar torta, mas em equilíbrio. Porém os novos paradigmas mundiais de produção tornam isso impraticável.

O Brasil já está em enorme desvantagem em relação ao Primeiro Mundo. Ao ritmo atual, o país

só chegaria por volta do ano 2100 a dar o 1.º grau completo a 95% da sua juventude. O 2.º grau completo para 90% de uma geração ficaria para 3080 - da era cristã, presume-se. E esses já são, agora, os índices do Primeiro Mundo e dos Tigres Asiáticos.

Há sessenta anos o Brasil apóia sua política em estatísticas equivocadas. Difundidas pelo

governo e aceitas até pelos especialistas em educação no meio acadêmico, elas se tronaram um importante argumento político para justificar prioridades totalmente desvirtuadas das necessidades reais do sistema escolar, ajudando a transformar o problema da educação em moeda de barganha eleitoreira. Além disso, escondem sintomas importantes de nosso autoritarismo social e endossam um processo que faz da criança e de sua família verdadeiras vítimas do aparato escolar.

Os primeiros dados relativamente confiáveis sobre a escola brasileira datam do censo

educacional de 1931, um ano depois da criação do Ministério da Educação. Sobre eles, aplicam0se métodos de análise totalmente inapropriados, copiados de algum país europeu - provavelmente a Inglaterra. Nessa metodologia, compara-se a matrícula total da 1.ª série, num certo ano, com a matrícula total da 2.ª série, no ano seguinte, e deduz-se que isso mostre a evolução escolar de uma geração de alunos. Fatal equívoco. A matrícula 1.ª série não contém apenas alunos novos, mas inclui repetentes. Há uma repetência brutal: mais de 50% dos alunos da 1.ª série chegam a ser repetentes. A conta produz resultados inconsistentes com a realidade demográfica do país que o número de alunos na 1.ª série chega a ultrapassar em 70% o número de brasileiros com 7 anos de idade. Nas séries seguintes, a proporção de repetentes diminui gradativamente, mas o fenômeno permanece. Vem dessa ilusão estatística o mito de que entre a 1.ª e a 2.ª série da escola fundamental ocorre uma evasão de metade dos alunos.

É uma tolice inaceitável, mesmo para os padrões da estatística da época. Mas continua a ser

repetida por governos até hoje. Com uma persistência que denota existirem por trás dela interesses políticos, alienação acadêmica e mercantilismo educacional. A primeira reação contra essa falsa estatística veio, ainda na década de 40, do então diretor do Serviço de Estatística do Ministério da Educação e Cultura, Mário Augusto Teixeira de Freitas, fundador de IBGE. Em seu último trabalho, Teixeira de Freitas concluiu que 60% dos jovens, já na década de 30, tinham acesso à escola, que as taxas de repetência na 1.ª série eram de 60% e que, para uma escolaridade obrigatória de três séries, as crianças permaneciam em média 3,7 anos freqüentados a escola, em vez de aumentar o número de escolas, o governo melhorasse as existentes. Foi demitido.

Em meados da década de 70, o MEC, por sugestão da UNESCO, adota um modelo correto de

fluxo escolar. Mas, aplicado aos dados do censo educacional, ele ainda produz deformações, por

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desconsiderar os alunos que, para evitar a reprovação formal, são afastados da escola durante o ano e voltam, no ano seguinte, para a série anterior. O fato é que, mais de quarenta anos depois das descobertas Teixeira de Freitas, basta retificar as estatísticas para constatar que 96% dos brasileiros em idade escolar se matriculam, que eles freqüentam em média durante quase nove anos uma escola de 1.º grau que tem a extensão obrigatória de oito séries e que, apesar disso, apenas a metade completa a 6.ª série. A taxa de repetência continua exterminadora: 55% em média na 1.ª série, na década de 80. De Teixeira de Freitas para cá, houve uma queda de 5 pontos percentuais.

Pensar que este é um problema da escola dos pobres é outro mito. No Brasil, para os 10% mais

pobres da população, a taxa de repetência na 1.ª série é de 75%. Para os 10% mais ricos é ainda extremamente alta, 40%. Estes dados demonstram que existe na cultura escolar brasileira uma “pedagogia de repetência” em todos os estratos da sociedade. Ela convém a políticos e empreiteiros. Não existe evasão precoce da escola. O que há são tremendas taxas de repetência que deformam as estatísticas fazendo as autoridades enxergar alunos novos onde o que há é repetentes em excesso. Isso esvazia as séries mais altas e cria alunos demais para as mais baixas. O brasileiro faz o possível para se educar. A escola, na sua incompetência, é que não o ajuda.

Por outro lado, com 96% de crianças matriculadas, o acesso à escola está virtualmente

universalizado. A informação de que existem milhões de crianças sem vagas ou que se evadem da escola precocemente não se sustenta em números. Pelos dados das pesquisas nacionais por amostra domiciliar, do IBGE, 90% das crianças de 9 a 10 anos de idade estão freqüentando escola e, mesmo aos 17 anos, 22% ainda estão no 1.º grau, numa idade em que deveriam ter completado o 2.º grau.

Construir escolas deixou de ser uma prioridade para políticas educacionais no Brasil. Aliás, teria

deixado, se não houvesse interesses políticos em jogo que não se quer contrair. Eles mantêm a educação pública como um negócio e inspiram grandes programas assistencialistas, como o da merenda escolar, feito para remediar uma evasão escolar que só existe por deformação estatística. Universalizar o acesso à escola foi uma proeza, numa população em crescimento acelerado, que, neste século, passou de 17,3 milhões de habitantes para 150 milhões. Chegou a hora de universalizar a educação, melhorando a qualidade do ensino nas escolas com a infra-estrutura existente - mesmo porque a taxa de crescimento demográfico diminuiu nesta década. Para isso, só é preciso decidir que tipo de cidadão o Brasil quer ter.

EDUCAÇÃO: O QUE É ISSO?

Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza (Guimarães Rosa)

Já disse um filósofo que nós, os seres humanos, fomos condenados à liberdade. Aí está:

condenação e libertação como partes inseparáveis do ser individual e social que é o homem. Não é que estejamos ora condenados e ora livres. Mas é que somos, ao mesmo tempo, as duas coisas, constantemente, em cada momento, escravos e livres.

Apenas para exemplificar de maneira simples: podemos estar livres em relação aos pais - até

que ponto? - e escravos no tocante à escola; livres quanto a esta última, mas escravos quanto ao trabalho, e assim por diante. Todavia, tudo isso é muito relativo: mesmo separados da família, conservamos as influências do tempo de convivência; longe da escola, carregamos as marcas que ela nos imprimiu.

Com a educação acontece o mesmo: trata-se de um processo que escraviza e liberta

simultaneamente, mas do qual ninguém consegue escapar, do nascimento à morte. A educação é,

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em suma, um processo universal. E, na definição do processo educacional, não podemos fugir das influencias que sofremos em nossa própria formação. Assim é que, ao procurar definir o que entendo por educação, não deixo de refletir, em parte, o processo educacional ao qual fui submetido, E como esse processo teve uma presença marcante da Filosofia, minha definição buscará ser globalizante, interdisciplinar, na tentativa de compreender a perspectiva da qual as diversas disciplinas procuram explicar a educação.

E a primeira observação que faço é a de que parece existir algo de comum entre as várias

perspectivas, que é uma espécie de definição dicotômica da educação, na qual esta é sempre classificada em dois termos opostos.

Vejamos: do ponto de vista meramente descritivo - geográfico? - o processo educacional é

classificado em formal e informal; a Didática fala-nos seguidamente da educação como processo e como produto; na Moral vamos encontrar a ênfase na distinção educacional entre o certo e o errado, o bom e o mau etc., já a Filosofia tem se esmerado em separar os fins dos meios no processo educacional; o estudo da educação como prática individual, em oposição à prática coletiva, parece ser um ponto recorrente em Psicologia.

Quando a perspectiva é a da Política, torna-se comum a dostinção entre educação autoritária e

educação democrática; historicamente, a oposição verifica-se entre a educação opressora e a educação libertadora; finalmente, talvez possamos identificar como predominatemente sociológica a perspectiva que coloca em campos opostos a educação reprodutiva e a educação crítica.

A segunda observação diz respeito a uma definição geral de educação, que seria, digamos,

aplicável a qualquer uma das distinções anteriores. Trata-se da educação vista como a influência que as gerações consideradas adultas exercem sobre as gerações mais jovens com o objetivo de levá-las a desenvolver-se - física, intelectual e moralmente - de acordo com as expectativas da sociedade ou, por outra, dos grupos sociais dominantes.

Então, a educação, sendo universal, varia de sociedade para sociedade, de um grupo social a

outro, segundo as concepções que cada sociedade e cada grupo social tenham de mundo, de homem, de vida social e do próprio processo educativo. Ressalta, desta observação, a enorme importância que tem o estudo da história da educação, pois nos permitem avaliar como foi entendida e praticada a educação, em épocas e sociedades diferentes. Possibilita-nos, ainda, entender a educação como um processo dinâmico, histórico, e por isso mesmo mutável, e cuja compreensão exige a superação das dicotomias acima citadas.

Educação Formal x Educação Informal Desde o nascimento, não importa nossa condição sócio-econômica ou o regime político sob o

qual vivemos, o processo educacional atinge-nos por todos os meios e cerca-nos de todos os lados: somos conduzidos a comportarmo-nos de determinadas maneiras, a assumir posições consideradas adequadas (aspecto físico); a mantermos relações de respeito com pessoas adultas (afetividade); a convivermos satisfatoriamente com nossos iguais, comprindo nossos deveres sociais (socialização); a compreendermos o mundo em que vivemos (cognição); a agirmos de acordo com princípios e regras morais; e assim por diante.

É preciso notar, entretanto, que grande partes das aprendizagens ocorrem informalmente, isto

é, não existe um processo sistemático, intencional, que nos conduza a elas. O desenvolvimento de tais processos resulta muito mais da convivência social, da vida em comum que temos com nosso semelhantes - sejam eles pais, irmãos, amigos, colegas e outros - do que do ensino direto e explícito dos mesmos. A tais influências que recebemos constantemente, em qualquer lugar em que nos

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encontramos - em casa, na rua, no trabalho, no bar etc. - e ás mudanças a que nos levam, é que se dá o nome de educação informal.

Vejamos um exemplo concreto e simples: a mãe esforça-se por todos os meios para ensinar á

criança que não deve falar “palavrão”, e chega até a castigá-las quando os fala, mas, ao mesmo tempo, vive pronunciando “palavrões” de toda a espécie. Naturalmente, a criança tenderá a imitar a mãe, apesar dos castigos.

Temos, neste exemplo, o ensino informal do “palavrão”, que a criança aprende mediante a

convivência com a mãe, embora esta insista em ensinar a criança anão imitá-la. Mas, temos também a chamada educação formal, que consiste na insistência sistemática para que a criança não fale “palavrões”. Não é preciso dizer que, ao menos neste caso e em outros semelhantes, a educação informal é mais eficiente que a educação formal.

A educação formal ocorre, portanto, sempre que se desenvolve sistematicamente, segundo

planos que incluem objetivos, conteúdos e meios previamente traçados. Diz-se, a partir da definição anterior, que a escola é a agência por excelência da educação formal. No entanto, esta ocorre também na família, na igreja e em outras instituições, sempre que se utilizam meios considerados adequados para atingir intencionalmente determinados fins, que são os fins do processo educacional em questão.

Não podemos esquecer, entretanto, que ambos os processos a educação formal e a informal -

ocorrem simultaneamente, na maioria das situações educacionais. Na própria escola, considerada a principal responsável pela educação formal, os alunos geralmente aprendem muito mais da convivência com os colegas e professores - de suas atitudes, de sua maneira de falar, de seus gestos, da forma com que encaram o homem e o mundo e que transmitem mediante seus atos - do que por influência do ensino direto, formal, que o professor faz das matérias escolares. Aí está o ponto: não há momentos em que só aprendemos formalmente e outros em que só aprendemos informalmente.

As duas formas de educação coexistem na escola e fora dela. E, para que a própria educação

escolar se torne mais eficaz, é necessário que professores e alunos tomem consciência do grande alcance dos processos informais de educação, que são permanentes na escola, e que os levem em consideração ao desenvolverem suas atividades, buscando a coerência entre o dizer e o fazer, entre o pensar e o agir, entre o sentir e o falar.

Educação Como Produto x Educação Como Processo Trata-se de uma distinção freqüente em didática. E a didática moderna enfatiza a superioridade

do processo, em termos educacionais. Isto é: para que a educação seja eficaz, produza resultados duradouros, é necessário que o aluno aprenda a auto-educar-se e não a receber a educação e o conhecimento como produtos prontos e acabados, que deve absorver e reproduzir da mesma forma.

A distinção é real: uma coisa é memorizar uma fórmula matemática e aplica-la automaticamente

ao problema e outra, bem diferente, é aprender o processo de dedução da mesma fórmula; uma coisa é aprender a data da independência do Brasil e outra, bem diferente, é entender o processo desse acontecimento e todas as suas implicações. A assimilação do produto encerra-se em si mesma, é isso e acabou; o entendimento do processo capacita-nos a enfrentar outras situações, a resolver outros problemas, a analisar outros fatos históricos.

Mas a coisa não é tão simples como pode parecer. O próprio professor de Didática, muitas

vezes, ensina formalmente que a educação deve ser encarada como, processo, mas o faz transmitindo tal informação como um produto pronto e acabado. Isto é: informalmente ensina, em sua

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prática escolar, que a educação é um produto, pois é esta a forma como a encara em seu exercício profissional. É precioso, portanto, que haja coerência e que a própria superioridade de educação como processo, e tudo o mais que se ensina na escola, não seja fornecida como um produto pronto, mas que o aluno seja a ela conduzido mediante o próprio processo educacional, na prática cotidiana da sala de aula.

Contudo, se todo produto resulta de um processo, e se o domínio desde é de alto valor

educativo, não é menos verdade que todo processo deve levar a um produto. Ou seja: o processo de dedução de uma fórmula conduz a um produto, que é a própria fórmula; o processo de independência leva a um produto, que é a própria independência. A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o processo e o produto de conhecimento coexistem na educação, um não existe sobre o outro e ambos são importantes.

Educação Certa X Educação Errada Guimarães Rosa expressou magistralmente esta característica da educação brasileira - o

maniqueísmo - que divide o mundo em doas partes: a certa e a errada, a boa e ruim: “Que isso foi o que sempre invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza. Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado...” (ROSA, J. Guimarães. Grande sertão: veredas. 16. Ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 207.)

Trata-se de um moralismo autoritário que continua impregnando nossa educação, agora sim de

maneira formal e informal e como conteúdo e processo. Mas é um moralismo com endereço certo, que identifica o bom com os valores burgueses, que contribuem para preservar o poder da burguesia: o poder econômico camuflado em mérito e capacidade; o espírito pacífico e ordeiro encobrindo a violência como única alternativa dos marginalizados; a ascensão social como sonho a entorpecer a luta dos trabalhadores; a crença na felicidade eterna como meio a estimular a renúncia a esta vida; a pobreza como sendo em estado de espírito, pois “o dinheiro não traz a felicidade”; e assim por diante.

Mais do que nunca é preciso recuperar a noção de homem como ser integral, espírito e corpo

formando uma unidade individual, um ser em formação permanente, que engloba as contradições deste mundo. Somos todos feitos do mesmo pó e caminhamos todos para o mesmo fim, sujeitos aos tropeços que atingem habitável, cabe à educação papel importante na disseminação da idéia de que esse mundo só será possível mediante o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, em qualquer circunstância em que ela se encontre.

A escola pode não prestar-se à classificação dos indivíduos bons e maus, sábios e ignorantes,

e outros rótulos. Cabe-lhe, isto sim, servir à sua realização humana, individual e social. Educação Como Meio X Educação Como Fim Há educadores que atribuem exclusiva ou exagerada predominância aos meios. Cheiros de

cuidados em relação aos recursos - materiais e humanos - e aos métodos de ensino, esquecem-se da finalidade para a qual, consciente ou inconscientemente, estão conduzindo os educandos. Preocupados com os mínimos detalhes exteriores do processo - maneira de falar e de escrever, limpeza, ordem, preocupação e a concepção de educação e de homem que por trás dela se esconde.

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Na verdade, todo e qualquer processo educacional leva a um fim, conduz à formação de um ser humano que tem uma teoria e uma prática social determinada, tenha ou não o educador consciência disso.

Outros enfatizam os fins. Frases do tipo “utilizado por um bom educador qualquer método

funciona” e “o bom educador não precisa de recursos, basta-se a si mesmo” são ouvidas freqüentemente. Entre os que privilegiam os fins há ainda aqueles que são avessos a qualquer planejamento, descambando muitas vezes para o doutrinação pura e simples, procurando inculcar seus próprios conceitos e preconceitos e inibindo todo e qualquer pluralismo, que é essencial ao processo educativo. Existem, também, os que se perdem em intermináveis e abstratas discussões acerca da educação e de suas finalidades, sim que as mesmas tenham qualquer repercussão em seu exercício profissional como educadores.

A discussão em foco não tem fim. Acredito mais: a excessiva importância que a ela se dá é

prejudicial ao próprio processo educacional e ao entendimento do que ele seja. Importa, isto sim, darmos mais atenção a outra questão, esta de caráter verdadeiramente fundamental: como integrar os meios e os fins na atividade educativa? Pois, desta integração, não meramente teórica e abstrata, mas ao mesmo tempo prática e concreta, é que depende o sucesso da educação. Não o sucesso em temos de se atingirem, simplesmente, os objetivos previamente traçados. Mas o sucesso quanto à possibilidade , inclusive, de se analisarem estes mesmos objetivos, com vistas à realização humana, individual e social, de educadores e educandos.

É preciso tomar consciência de que determinados meios levam a certos fins, que nem sempre

são os que o educador tem em mente, e que certos fins pressupõem determinados meios. Assim sendo, não conseguiremos construir uma escola democrática utilizando meios antidemocráticos; não podemos preparar o educando para “o exercício consciente de cidadania”, se não criarmos na escola oportunidades concretas para tanto.

Educação Como Prática Individual X Educação Como Prática Coletiva

A oposição entre prática individual e prática coletiva no processo educacional é outra das tantas falácias que desviam os educadores de seu verdadeiro trabalho, que é a educação. Não há com supervalorizar o indivíduo ou a sociedade, em prejuízo de um ou de outro pólo da dicotomia. Os que assim procedem estão descaracterizando o processo educativo, que só se realiza mediante a composição dos mesmos, pois há uma intercomplementariedade entre ambos: o social não existe sem o individual e vice-versa.

O homem é um ser social, é o social que lhe fornece a especificidade, já escreveu Aristóteles

há cerca de 2500 anos. E Piaget, no século XX, diria que a reflexão é uma discussão que se tem condigo mesmo, “uma conduta social de discussão interiorizada”, ao passo que a “discussão socializada é apenas uma reflexão exteriorizada”.

O processo educacional pode ter início tanto no indivíduo - a curiosidade acerca de um

fenômeno, por exemplo - quanto na sociedade acerca de um fenômeno, por exemplo - quanto na sociedade, como seria no caso da transmissão de alguma informação por iniciativa de alguém ou de alguma instituição. Mas, seja qual for o ponto de partida, o processo só se completa no outro pólo: quando se inicia o indivíduo vai completar-se no sociedade que fornecerá ou não os elementos para a satisfação da curiosidade; quando se inicia fora do indivíduo, é nele que vai concluir, na medida em que aprenderá ou não a informação oferecida.

Melhor dizendo, o processo não tem fim, é constante, pois uma curiosidade satisfeita produz a

busca de novos conhecimentos, sempre mais completos, e a informação aprendida leva à necessidade de novas informações.

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É na itegração equilibrada entre o individual e o social - que busca a superação tanto do

individualismo exacerbado, que desconhece o social, quanto do aniquilamento das potencialidades individuais por imposição externa - que se realizam a autêntica educação e própria vida humana em sua verdadeiro sentido.

Por extensão, as instituições educativas - a família, a escola e outras - não podem fechar-se em

si mesmas, sob pena de prejudicarem a educação e o desenvolvimento do indivíduo, mas devem abre-se ao mundo circundante, estabelecendo com ele uma comunicação permanente. Somente dessa maneira poderão tais instituições acompanhar criticamente a evolução da sociedade, adaptando-se a suas mudanças, influindo, ao mesmo tempo, na orientação das mesmas. Indivíduo e escola e escola e sociedade não são entidades estanques que se desconhecem, mas dinâmicas, cujo desenvolvimento depende das relações que mantêm entre si.

Educação Autoritária X Educação Democrática Há que distinguir entre autoridade e autoritarismo. A primeira não deixa de ser fundamental ao

processo educacional, pois é sobre a autoridade do mestre - fundada em sua experiência, em seu conhecimento e em sua competência - que o mesmo repousa. Já o seu grupo trata-se de uma excrescência, de uma usurpação arbitrária do poder, que pretende fundar o processo educativo na imposição pura e simples de um ponto de vista, mais do que uma “verdade” científica, de um estereótipo comportamental, mais do que de uma orientação aberta e pluralista.

A democracia, por seu turno, não exclui a autoridade. Antes pelo contrário: só existe

democracia quando coexistem autoridade e liberdade, pois a verdadeira autoridade e liberdade, pois a verdadeira autoridade assenta na liberdade que têm os indivíduos de, em face de várias opções, escolherem o caminho que lhes parece, no momento, o mais acertado, que lhes permita, no seu entender, a realização pessoal e social que buscam concretizar.

A democracia é uma conquista de humanidade, que importa conservarmos e aperfeiçoarmos

constantemente. É o único sistema que permite nosso desenvolvimento como pessoas autônomas, em todos os sentidos, isto é, como sueltos de nossa própria história.

Cabe a escola contribuir com sua parcela de responsabilidade nessa tarefa comum. Não

apenas como preleções sobre a democracia e sua importância para a humanidade, mas, sobretudo, com a implementação de práticas democráticas no cotidiano escolar. Tanto na administração externa e interna da escola quanto no trabalho especificamente pedagógico, que é a atividade docente desenvolvida em sala de aula. É aqui que parece estar o fulcro da questão: muitas vezes não há dificuldades em ser democrata no atacado, no abstrato das tardes discussões, nas questões meramente teóricas; o difícil está em praticar a democracia no varejo da sala de aula, no concreto da relação professor-aluno, no ensino propriamente dito.

E á para a prática da democracia que os professores devem preparar-se constantemente, pois

é nela que se conhecem os verdadeiros educadores. De que maneira? Não há melhor método que o exercício permanente da democracia. Tratar-se, aqui também, de um processo que vai se construindo aos poucos, na exata medida em que vai sendo vivenciando pela população escolar.

Educação Opressora X Educação Libertadora Toda educação é, em si mesma, opressora. A passagem do ser individual ao ser social não se

fez sem um preço. E este preço é o controle sobre tendências egoístas e individuais exacerbadas. Controle que, de predominantemente externo, torna-se cada vez mais interno, com o decorre do processo educacional. E que exige uma grande força de vontade, capaz de conduzir o indivíduo a

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maneiras de sentir, pensar e agir que se coadunem com uma percepção global da sociedade, que, por sua vez, ultrapassa percepções meramente particularistas.

É exatamente nesse processo que se pode dar o salto para a libertação. Pois não é apenas da

opressão externa, e em busca de si mesmo, que o indivíduo precisa libertar-se. Deve libertar-se também de si mesmo, de suas tendências egocêntricas, para integrar-se na realidade social e nela atuar. E a escola cumprirá tanto mais a sua função quanto mais favorecer essa dupla libertação, sendo cada vez menos instrumento da opressão externa sobre o indivíduo e estimulando cada vez mais seu crescimento rumo à participação social consciente.

Diria, portanto, que a opressão antecede a libertação, é uma etapa da própria libertação, nesse

jogo dialético que constitui a vida e a própria educação. Se não, libertar-se de quê? Trata-se, no caso, de uma visão parcial do processo de desenvolvimento e de educação. Quando vistas globalmente, entretanto, no mesmo processo, opressão e libertação coexistem, podendo predominar ora a primeira, ora a segunda, ou, mesmo, equilibrar-se momentaneamente.

Cabe ao educador trabalhar pela libertação, tendo, porém, consciência permanente de que o

processo será contínuo, que algum grau de opressão sempre existirá e que nunca alcançaremos a libertação total. Mas é exatamente essa busca constante que dá sentido à vida.

Educação reprodutivista X Educação Crítica Reprodução, crítica e criação são processos inerentes ao desenvolvimento pessoal e social e,

portanto, sempre presentes, em maior ou menor grau, na atividade educacional. Trata-se, certamente, de uma atitude antieducativa aquela que se limita a reproduzir o passado, mas esta reprodução não deixa de ser a base da crítica e da criação.

Condenável é a reprodução pura e simples, que impede o desenvolvimento da crítica e da

criação. Mas também condenáveis são a crítica vazia e a criação a partir do nada. A primeira, por não ter consistência, e a segunda, por ser alienada; ambas, por distanciarem-se da realidade em que vivemos.

O processo educacional é dinâmico. Cabe-lhe estimular as novas gerações a construir um

futuro melhor com base no conhecimento crítico da história. E, nesta construção, quantidade e qualidade, conteúdo e forma, são processos interdependentes, em que o predomínio exagerado de um ou de outro traz prejuízos ao desenvolvimento global.

Não é que não existam dicotomias e contradições, pois a educação é um processo dialético.

Mas não podemos esquecer que o desenvolvimento dialético exige a superação provisória das contradições, mediante a formulação de sínteses também provisórias, que constituem novos pólos contraditórios, mas que orientam nosso pensamento e nossa ação em um dado momento. É esse movimento constante que torna a educação um processo vivo e palpitante, que não cessa de se renovar.

O Que é Educação Há muitos anos, nos Estado Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz com os

índios das seis nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque, alguns anos mais tarde, Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho que nos interessa:

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...Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e

agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.

...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam

toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.

Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para

mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobre senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.

(In: Brandão, Carlos R. O que é educação. 5. Ed. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 8-9)

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