Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos...

download Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

of 22

Transcript of Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos...

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    1/22

    1 INTRODUÇÃO

    Cada vez mais as pessoas passaram a empregar, no dia-a-dia, as facilidades e recursos que as tecnologias oferecem.Na educação, estão sendo desenvolvidos cursos a distânciaem diferentes abordagens, visando atender demandas de

    1  Mestre em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Contato em: alems99@

    hotmail.com.

    A AUTONOMIA DO ALUNO NO 

    CONTEXTO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

     Alessandra Menezes dos Santos Serafini1

    Resumo

    O presente artigo traz um estudo sobre a autonomia do aluno

    adulto em EaD. A questão a ser discutida é: a partir da práticareal dos atores da EaD, será que o aluno concreto da educaçãoa distância corresponde a essa imagem que é esperada dele? Otrabalho objetiva apresentar esta questão, compreendendo,inicialmente, o sentido epistemológico de autonomia e, emseguida, dialogando com autores que investigam e discorremsobre o ensino a distância. Pretende-se apresentar evidênciasde que a representação do aluno autônomo em EaD está emdesacordo com o perfil dos alunos reais, que se encontramno curso; ainda, contextualizar esta discussão, inserindo-a

    na questão mais ampla das metodologias possíveis emEaD, a partir das potencialidades dos recursos interativosdas novas tecnologias digitais. Com essa reflexão, pre-tendemos contribuir para a discussão sobre o universo daEaD tal como ele se configura hoje, focando, portanto, numelemento que tem sido recorrente nas representações sobreos processos de educação mediatizados por tecnologias: oaluno autônomo.Palavras-chave: autonomia; aluno; ensino a distância; novastecnologias digitais.

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    2/22

    62Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafiniformação profissional e de conhecimentos novos quenavegam no mar de informações do ciberespaço. O presentetrabalho é um recorte da minha dissertação de mestrado, em

    construção, sobre o perfil do aluno e suas necessidades eperspectivas na sua formação no ensino a distância, trazendoum estudo sobre a autonomia do aluno adulto no contextoda Educação a Distância (EaD).

    Ao longo da história da humanidade, mudanças vêmacontecendo em diversos setores da nossa sociedade, inclusiveno educacional. Tais mudanças, intensificadas pelo processode globalização e pelo avanço tecnológico, segundo Belloni,(2009, p. 3) exigem transformações nos sistemas educacionais,os quais vêm sendo confrontados com novas funções e novosdesafios. Com isso, o papel da educação se transforma e suasestratégias se modificam para atender as novas demandaseducativas da sociedade do saber ou da informação.

    Nas sociedades “radicalmente modernas” (GIDDENS,1991 e 1997), as mudanças sociais ocorreram em ritmoacelerado, sendo especialmente visíveis no espantoso avan-ço das tecnologias de informação e comunicação (TIC),

    e provocando, senão mudanças profundas, pelo menosdesequilíbrios estruturais no campo da educação. Nestafase de “modernidade tardia”, a intensificação do processode globalização gera mudanças em todos os níveis e esferasda sociedade (e não apenas nos mercados), criando novosestilos de vida e de consumo, e novas maneiras de ver omundo e de aprender (ibidem).

    Não se pode mais negar o caráter socializador dasmídias, pois, hoje, as tecnologias de informação e comu-

    nicação assumem um perfil de onipresença em todos os se-tores sociais, inclusive, no da educação. Os meios técnicosutilizados pelos sistemas de informação e comunicação sãoos mesmos que encontramos na escola. Porém, não bastaapenas saber manipulá-los: é preciso torná-los objeto deestudo, descobrindo suas potencialidades comunicacionaise pedagógicas de forma que possam promover a autonomiado sujeito em sua maneira de ser e de aprender, como afirma

    Belloni (2002, p. 33-34):

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    3/22

    63Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    A tecnificação é um fenômeno geral típico de nossassociedades contemporâneas, já tendo transformado omundo do trabalho, os sistemas de comunicação e omundo vivido do indivíduo. Vai entrando agora, com aforça da informática e das redes telemáticas, nos sistemasde educação, mais especificamente no espaço escolar.

    Quando pensamos a Educação a Distancia (EaD),mergulhamos em um universo de questionamentos que,embora já tenham sido discutidos por teóricos de diferentesáreas do conhecimento e em diferentes épocas, eles con-tinuam presentes nos grandes debates acadêmicos desta novamodalidade de ensino. Percebe-se que estas inquietações, queparecem inaugurais, próprias dessa nova era da educação dosambientes virtuais de aprendizagem, são similares às de ou-trora, em que grandes clássicos teoricizaram, deixando-nosgrandes legados que se mantiveram atuais, ainda hoje, emnosso contexto educacional, seja ele presencial ou virtual,porém com as especificidades de um mundo informatizadoe midiatizado. A Educação a Distância envolve uma sé-rie de fatores complexos que requer um olhar específico,

    tanto quanto um olhar global, no intuito de entendê-los emprofundidade. São fatores que se referem aos recursos tecno-lógicos e físicos (meio utilizado, materiais, etc.), bem comoaos recursos humanos envolvidos no processo (professores,alunos, tutores, técnicos).

    A proposta deste artigo remete-se a uma breve reflexãoa respeito do aluno num contexto de EaD, particularmente,da autonomia dele esperada, uma visão construída sobre ashabilidades necessárias ao aluno adulto dessa modalidade de

    ensino. Dessa forma, considero mister analisar a concepçãode autonomia a partir de algumas correntes epistemológicasclássicas da filosofia e da sociologia, bem como da apren-dizagem, à luz de grandes pensadores como Rousseau,Durkheim, Piaget e Paulo Freire, representantes desde oiluminismo, positivismo, construtivismo à teoria libertadora,respectivamente.

    A partir desta reflexão e da compreensão do conceito

    de autonomia por esses teóricos, será feita uma análise da

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    4/22

    64Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafiniconcepção de autonomia por autores atuais e de como aautonomia do aluno vem se manifestando nos cursos de EaD,questionando-se, a partir da prática real dos atores da EaD,

    se o aluno concreto da educação a distância corresponde aessa imagem que é esperada dele – o aluno autônomo.

    O trabalho objetiva apresentar esta questão, apre-sentando uma discussão com base nos estudos de autoresatuais que investigam a realidade da EaD e, ao final,contextualizar esta discussão, inserindo-a na questão maisampla das metodologias possíveis em Ead, a partir daspotencialidades dos recursos interativos das novas tecnologiasdigitais, como um meio de promoção da autonomia do aluno.

    2 LEGADO DAS CONCEPÇÕES ILUMINISTA, MODERNA E CONTEMPORÂNEA DE AUTONOMIA

    Com relação à educação a distância, é recorrente areferência, em estudos e projetos de cursos, à necessidadede um perfil de um aluno autônomo, capaz de buscar seuspróprios conhecimentos. De acordo com Silva (2003), essa

    autonomia refere-se ao desenvolvimento de competênciasespecíficas como a aprendizagem que ocorre em regime demaior solidão que a do ensino presencial; e, devido à neces-sidade de utilizar de forma racional os meios de comunicaçãoe ao desenvolvimento de estratégias pessoais de acesso aoconhecimento, ocorre também o desenvolvimento de ca-pacidades de leitura, escrita, fala e escuta.

    Sabe-se que, hoje, o público de adultos tem se destinadocada vez mais aos programas de EaD e, portanto, é paraeles que se voltam as atenções e também as recomendaçõespara que possam obter sucesso nesta modalidade de ensino,entre as quais estão relacionadas habilidades essenciais para oaprendiz a distância, tais como autodisciplina, automotivação,responsabilidade e capacidade de gerenciar bem o seu própriotempo. Discute-se também como o leitor pode se tornaresse aprendiz bem sucedido que, em última instância, pode-se traduzir como autônomo, capaz de gerir e regular seu

    processo de aprendizagem.

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    5/22

    65Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    Mas o que vem a ser autonomia no contexto dos pro-cessos de ensino e aprendizagem? Como este conceito eraentendido por teóricos iluministas e da modernidade, e como

    vem sendo ressignificado nos dias de hoje?Se em EaD falamos de uma relativização do tempo e

    espaço, sem fronteiras dessas duas categorias para o aluno nasua formação e construção do conhecimento, então, é justoque relativizemos esse tempo da construção do conhecimentoao logo de sua história, deixando as fronteiras do pas-sado e trazendo, para o presente, pensamentos de grandesteóricos, presentes nas redes de conhecimentos tecidas aolongo desse tempo, que ainda hoje são contemporâneospara a compreensão da natureza humana e da sociedadeatual, habitando não apenas os espaços físicos dos livrosnas prateleiras, mas também preenchendo as diversaspáginas virtuais do ciberespaço, que lhes concede uma certaimortalidade e acessabilidade, que outrora caminhava a pas-sos lentos. Ideias que nasceram em outras épocas, mas quesobreviveram até atualidade, talvez com novas “roupagens”,estabelecendo uma relação de autoria e co-autoria das

    grandes ideias elaboradas por teóricos clássicos e atuais. Eisa razão de buscarmos um entendimento para a autonomiados educandos de hoje à luz de renomados pensadores demomentos históricos diferentes.

    Iniciarei o estudo da autonomia a partir de uma breveanálise do pensamento iluminista de Rousseau (1712-1778).Crítico do absolutismo, cujo pensamento se fundava nadoutrina liberal, possuia uma visão mais democrática depoder de sua época. Com relação à concepção pedagógica

    de Rousseau, esta não é centralizadora, pois não é o pro-fessor que se encontra no centro do processo educativo,mas esse lugar é reservado ao aluno. Naquela época, o pen-samento revolucionário de Rousseau, tal como expresso emsua obra Emílio (1995), dizia que a educação se inicia pelodesenvolvimento das sensações, dos sentimentos, não pre-cisando abafar os instintos, os sentidos, as emoções, os senti-mentos que são anteriores ao próprio pensamento elaborado.Deve-se valorizar a espontaneidade sem dar castigos, pois

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    6/22

    66Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafinié a experiência a melhor conselheira, dessa forma a criançacomeça a pensar por si própria. A educação deveria levar ohomem a agir por interesses naturais e não por imposição de

    regras exteriores artificiais, pois só assim o homem poderiaser dono de si próprio; o que já nos remete a uma busca pelodesenvolvimento da autonomia do sujeito desde a infância.

    No contexto de sua época, Rousseau revolucionoucom seus princípios educacionais que permanecem até osnossos dias, colocando o aluno no centro do processo daaprendizagem, e não o professor, sendo que a verdadeirafinalidade da educação era ensinar a criança a viver e aprendera exercer a liberdade. Preocupava-se com o objetivo de optarentre formar o homem ou o cidadão, na impossibilidadede haver os dois ao mesmo tempo, já que, a seu ver, seriamantagônicos. Na verdade, o sujeito não seria nem um nemoutro, pois a educação da sociedade não formaria nenhumdeles, mas sim um ser misto. Seria necessário o conhecimentodo homem natural, para se obter a conciliação destes doisseres, e assim, o cidadão somente poderá existir a partir destehomem natural, o qual será originado pela natureza e, para

    percebê-lo, a história individual será o caminho a seguir.Embora tenha sofrido diversas críticas à sua pedagogia,pois alguns a consideravam elitista, uma vez que Emílio éacompanhado por um preceptor, enquanto outros a decla-ravam individualista por afastar o aluno da sociedade, pode-se dizer que as ideias de Rousseau influenciaram diferentescorrentes pedagógicas, principalmente as tendências não-diretivas2, no século XX. Aranha (2006) faz referência àsobras Do contrato social e Emílio ou da educação (1762), nas

    quais se defende a democracia e a formação de um

    cidadão ativo e soberano, capaz de autonomia, na qual aliberdade e a obediência são pólos complementares na vida

    2  Nessa tendência liberal renovada, o papel da escola é mais incidente na forma-ção de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemaspsicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo o esforço deve visara uma mudança dentro do indivíduo, ou seja, a uma adequação pessoal às

    solicitações do ambiente (LIBÂNEO, 1990).

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    7/22

    67Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    do sujeito social e político. E a partir disso, podemos prevera importância que Rousseau depositou na educação, comopreparadora dessa soberania popular (ARANHA, 2006, p.208, grifou-se)

    Tratar do cidadão ativo e soberano, imerso na vida so-cial e política, é falar da autonomia que tanto se espera dosujeito/aluno jovem ou adulto, mas que não se limita ape-nas ao seu campo pessoal de ação e vivência, pois tambémenvolve, no perfil desse sujeito, a construção de uma auto-nomia do pensar, e não apenas do ser. Veremos, mais àfrente, como essa visão de autonomia se transpõe para os

    dias de hoje, quando Paulo Freire (1921-1997) traz umaabordagem atualizada do sujeito autônomo dentro de umnovo contexto social das últimas décadas, em Peda gogia da autonomia (1997).

    Sob uma ótica diferente de Rousseau, já no final doséculo XIX, influenciado pelo positivismo e fazendo partede outro contexto histórico, Emile Durkheim (1858-1917)3,em A educação moral 4, apresenta os elementos da moralidade,apontando como terceiro elemento a autonomia da vontade.

    Propôs uma moral leiga, na qual instrumento para aprendera agir de acordo com as normas sociais era a disciplina moral.Em seus trabalhos, destacou os processos de socialização einternalização individual como responsáveis pela aquisição,por parte dos indivíduos, de valores, crenças e normas so-ciais que mantêm os grupos e as sociedades integrados. Ocontrole social reforça o domínio da sociedade sobre osindivíduos, uma vez que para ele a autonomia moral consis-

    3  Para Durkheim, existem “fatos sociais” que são o assunto da sociologia e queinfluenciam e condicionam as atitudes e os comportamentos dos indivíduosna sociedade. Esses fatos sociais são reais, objetivos, sólidos, sui generis, istoé, não reduzíveis a realidades biológicas, psicológicas, climáticas... Esses fatossociais são relações sociais exteriores aos indivíduos que perduram no tempo,enquanto indivíduos particulares morrem e são substituídos por outros(ARANHA, 2006).

    4  O curso sobre a educação moral é o primeiro curso sobre a Ciência da Educaçãoministrado por Durkheim na Sorbonne, no ano letivo de 1902-1903. Nolivro Educação e Moral, traduzido por Raquel Weiss (2008), são apresentadasdezenove aulas de Durkheim, que as redigia por extenso.

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    8/22

    68Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafinite no reconhecimento pessoal da necessidade de cumprir asnormas morais da sociedade. Pode-se dizer que essa é umavisão que reduz a educação moral a um processo de adaptação,

    que não deixa de priorizar, muitas vezes, o comportamentoheterônomo. Sabe-se que o pertencimento à coletividadepressupõe práticas morais e éticas e, às vezes, torna-se difícilperceber os processos de participação e cooperação, os quaisconstroem e reconstroem a coletividade, permitindo a forma-ção de um sentimento crítico de pertencer a um determinadogrupo social. Portanto, entendemos que a moral requerautonomia da personalidade do sujeito, não apenas comodescoberta ou cumprimento das normas sociais, mas, acimade tudo, supõe consciência e criatividade pessoal e moral.

    Para Durkheim (2008), entretanto, as diferentes cama-das e grupos sociais constituíam um organismo chamadosociedade e, para mantê-la unida, controlada e regulada,era preciso, através da educação, definir os caminhos queesta sociedade deveria seguir e qual papel cada indivíduodeveria ter dentro dela, onde o coletivo prevalecia sobre oindividual. O autor usou a expressão “consciência coletiva”

    para expressar essa solidariedade comum que molda as cons-ciências individuais. A família, o trabalho, os sindicatos, aeducação, a religião, o controle social e até a punição docrime são alguns mecanismos que criam e mantêm viva aintegração e a partilha da consciência coletiva.

    Durkheim julgava que a sociedade industrial, marcadapor uma ampla divisão social do trabalho, precisava, comurgência, de um conjunto de valores comuns a todos os in-divíduos, isto é, de solidariedade para superar seus muitos

    conflitos. Entretanto, Durkheim, sendo um liberal, não pen-sava no uso da força ou de ações repressivas. Alegava que asolidariedade social haveria de surgir da autonomia individualda conduta dos indivíduos, já que a crescente divisão socialdo trabalho criava um saudável individualismo. O conven-cimento pela educação e pela religião de veria ser a funçãoprincipal da família, da escola, das associações e do Estado.

    Falar de autonomia perpassa pelo campo da moral,conforme visto anteriormente com Durkheim. Taille (1992)

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    9/22

    69Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    mostra em que ponto Piaget (1896-1980), da corrente cons-trutivista, contrapõe-se às idéias de Durkheim:

    Antes de mais nada é preciso frisar que Piaget concordacom Durkheim num ponto essencial: a moral é um fatosocial, e, portanto, uma consciência puramente individualnão seria capaz de elaborar e respeitar regras morais.Todavia, Piaget recusa-se a considerar, sem mais, como ofaz Durkheim, a sociedade como um “ser” (“ser coletivo”).Para ele, assim como não existe O Indivíduo, pensandocomo unidade isolada, também não há A Sociedade,pensada como um todo ou um ente ao qual uma só palavrapode remeter. Existem, isto sim, relações interindividuais,que podem ser diferentes entre si e, decorrentemente,produzir efeitos psicológicos diversos (TAILLE, et al,1992, p. 58).

    Taille (ibidem) afirma que, em relação ao aspecto mo-ral, segundo Piaget, a criança passa por uma fase pré-moral,caracterizada pela anomia, coincidindo com o “egocentrismo”infantil e que vai até aproximadamente 4 ou 5 anos. Depois,ela vai entrando na fase da moral heterônoma, gradualmente,

    e da mesma forma caminha para a fase autônoma. Piagettambém afirma que essas fases se sucedem sem constituirestágios propriamente ditos. Podemos encontrar adultos emplena fase de anomia e muitos ainda na fase de heteronomia.Poucos conseguem pensar e agir pela sua própria cabeça, se-guindo sua consciência interior.

    Contrapõe-se ainda a ideia positivista de educação navisão de Durkheim à pedagogia de Paulo Freire (1921-1997),que traz uma abordagem atualizada do sujeito autônomo

    dentro de um novo contexto social das últimas décadas, emPedagogia da autonomia (1997). A pedagogia libertadorafreireana supõe um ensino voltado ao diálogo, à liberdade e auma busca constante do conhecimento participativo e trans-formador, em que o ser humano é entendido como sujeito desua própria aprendizagem, e não como mero objeto passivoe heterônomo diante do saber. Devem ser levadas em contaa experiência e a forma de ver o mundo do educando paraque esta aprendizagem seja efetiva. A educação, hoje, não se

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    10/22

    70Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafinicaracteriza por mero dever de transmitir informação, mas visafomentar e resgatar as potencialidades individuais do sujeitoaprendente, objetivando a construção de um conhecimento

    coletivo, onde a experiência de um se correlaciona com avivência de outro.

    É conhecido de uma grande maioria de educadores,que, diante dessa nova sociedade do conhecimento que vemse formando nos últimos tempos, emergem novas práticaspara uma educação popular moderna, no sentido de atual.Faz-se necessário, então, construir e talvez recons truir osnovos rumos dessa educação cidadã, dinâmica, libertadora,autônoma, consciente e popular, respaldando o aprendizadopara a vida, procurando orientar o aluno para uma via de pro-dução coletiva, mas desenvolvendo a autonomia em cada um.Autonomia de saber escolher para tomar decisões, ser capazde criar e co-criar, respeitando a ética em meio à coletividade.Autonomia que não se percebe na concepção “bancária” daeducação, mas que exerce papel essencial na concepção pro-blematizadora, na qual o ato de aprender não é passivo, e nemo ato de ensinar se resume em depositar informações, mas

    um processo que acontece no contato do educando com omundo vivido, o qual está em constante transformação.Analisando mais profundamente as reiteradas refe-

    rências, em textos sobre EaD, à necessidade de uma posturaespecífica própria ao aluno da educação a distância, na qual seanseia por uma autonomia do aluno, própria dessa modalidade,tem-se verificado, ao contrário, uma heteronomia presenteem algumas situações como, por exemplo, numa (inter)dependência do aluno com o professor/tutor, na espera de

    instruções para a realização das atividades, e numa ausênciade autonomia intelectual que o permita ser mais criativo eparticipativo no ambiente virtual de aprendizagem (AVA).

    Uma vez elucidadas tais concepções epistemológicasde autonomia, parte-se para a análise desse conceito nessanova realidade da educação a distância, hoje em crescenteevidência. Visto que a literatura atual sobre EaD costumaapresentar a necessidade de um perfil de um aluno autônomo,capaz de buscar os conhecimentos dos quais necessita e

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    11/22

    71Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    conhecer o que os teóricos atuais discutem a respeito daautonomia nesse contexto educacional.

    3 A AUTONOMIA  DO  ALUNO  NO  CONTEXTO  DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

    A questão que nos mobiliza a ser discutida é: a partirda prática real dos atores da EaD, será que o aluno concretoda educação a distância corresponde a essa imagem que éesperada dele – um aluno autônomo? A educação, em sen-tido geral, vem buscando um desenvolvimento pedagógicoao longo do tempo, saindo dos moldes tecnicistas parachegar ao sociointeracionismo5  de hoje. E, no entanto, aeducação a distância chega nesse cenário atual da educaçãocom parâmetros tecnicistas de massificação, criando, dessaforma, uma contradição com a realidade da educação atual,gerando “conflitos pedagógicos”. Diante disso, torna-secomplexo compreender o sentido de autonomia no ensinoa distância, uma vez que é o que já se espera, a priori: umaluno autônomo. E essa ideia preconcebida da autonomia

    própria do aluno em EaD pode existir para justificar, dentreoutros fatores, a ausência do papel mediador do professor,característica dos projetos de cursos mais massificadores ouindustriais (BELLONI, 2009, p. 17).

    Marco Silva (2010), em Sala de aula interativa, trata daconstrução da autonomia do sujeito no processo de socia-lização que ocorre presencial e a distância, questionando:como socializar o sujeito em nosso tempo e prepará-lopara ocupar o velho e o novo espaço público? E ainda, como

    prepará-lo para se comunicar e conhecer nesses espaços? Se-gundo o autor, isso acontecerá ao proporcionar uma confron-

    5  Um processo interpessoal transforma-se num processo intrapessoal. Nodesenvolvimento da criança, todas as funções aparecem duas vezes no ciclodo desenvolvimento humano: primeiro, no nível social, e, depois, no nívelindividual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interiorda criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção volun-tária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Segundo Vygotsky(1998, p. 75), todas as estruturas mentais superiores originam-se das relações

    reais entre indivíduos humanos.

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    12/22

    72Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafinitação coletiva ao “faça você mesmo”, num ambiente baseado naliberdade, na diversidade e na cooperação. Para tanto, discordado pensamento de Durkheim, que trata de uma socialização

    cultivada pela escola-fábrica baseada no falar-ditar do mestre enas lições-padrão que deveriam formar o “ser social” capaz deacatar normas e regras comuns a todos, sacrificando interes-ses individuais e subordinando-os a outros mais elevados. Aocontrário, Silva (2010, p. 201) acredita em algo diferente disso,“é a socialização baseada na comunicação e no conhecimentoem confrontação coletiva. É a possibilidade do sujeito, diluídona subjetividade de suas escolhas, descobrir-se como ser socialna confrontação coletiva e não a partir de lições-padrão”. Echama atenção ao cuidado que se deve ter com essas lições-padrão, que podem levar a uma socialização em massa.

    Silva (ibidem) esclarece que a confrontação coletivaprópria da sala de aula interativa socializa “quando há liberdadee diversidade fundamentando a atitude do comunicar e conhe-cer, garantidas pelo professor que promove o diálogo criativoentre as competências individuais”. Assim, o sujeito aprende arespeitar e acatar normas comuns a todos, a considerar outros

    interesses além dos seus e a ser tolerante com o diferente,confrontando outras subjetividades no ambiente presencial e adistância. E dessa forma, a promoção da autonomia do sujeito,bem como a sua formação, se dá à medida que participa naconstrução coletiva do conhecimento e da comunicação.

    Monique Linard6  (2000), ao escrever sobre a auto-nomia do aluno, retrata as diversas “distâncias” que ocorremem EaD mediatizada pelas TIC, compreendendo a distânciageográfica, a socioeconômica e uma terceira, que ela revela ser

    mais sutil, a distância do tipo cognitivo. Essa última a autorajulga ser paradoxal:

    6  Monique Linard é professora de Ciências da Educação na UniversidadePARIS X – Nanterre. Refere-se a palestra apresentada no IIº RencontresRéseaux Humains/Réseaux Technologiques, organizado pelo Centroaudiovisual da Universidade de Poitiers, França. In. Réseaux Humains/Réseaux Technologiques: présence à distance. Paris, Centre National deDoccumentation Pédagpgique, 2000. Tradução de Maria Luiza Belloni.Revisão: Grupo Comunic.

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    13/22

    73Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    (...) mais que distância é uma ausência de capacidade de sedistanciar. Ela é muitas vezes uma consequência da distânciasocioeconômica, mas ela pode também vir de característicasestritamente individuais (forma e nível de inteligência).Esta ausência de capacidade mental de distanciamentoem relação a si mesmo impede de distanciar-se da própriaação, ou seja, de tomar consciência dos mecanismos de seupróprio pensamento e, pois, de melhorá-los e de pilotá-losde modo autônomo.

    Todas as atividades que hoje envolvem as tecnologiasexigem uma capacidade de autonomia dos indivíduos, in-cluindo, nesse contexto, as diversas formações, como a

    educação a distância, que pressupõem essa autonomia: “saberdar conta sozinho de situações complexas, mas tambémcolaborar, orientar-se nos deveres e necessidades múltiplas,distinguir o essencial do acessório, não naufragar na profusãodas informações, fazer as boas escolhas segundo boas es-tratégias, gerir corretamente seu tempo e sua agenda...”(LINARD, 2000)

    Segundo Wissmannd et al . (2006), de acordo comLittle (1994, p. 431 apud WISSMANND, 2006), a autonomia

    pressupõe três elementos que enfatizam a individualidade doaprendiz: agenda pessoal, iniciativa e autoavaliação. O apren-diz autônomo precisa criar uma agenda pessoal que orientee organize seus estudos; tomar iniciativas “moldando” suaprópria aprendizagem e ter a capacidade de autoavaliar esteprocesso, verificando se obteve realmente sucesso no mes-mo. Dessa forma, Wissmannd (ibidem) também afirma que“a autonomia do aprendiz requer não só a aprendizagem, masaprender a aprender.” Entretanto, a concepção de autonomia,segundo o autor, pode ser entendida como produto de umprocesso interativo definido pela essência interdependente decada indivíduo como ser social que é.

    Deve-se, portanto, reconhecer que a autonomia doaprendiz é muito mais um produto da interdependência doque da independência. Sendo assim, os aprendizes em EaDtambém devem ser ajudados a adquirir autonomia por meio deum processo de interação semelhante à aprendizagem formal.

    Isto nos traz à tona a importância do papel do professor/tutor,

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    14/22

    74Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafinicomo mediador desse processo, desmitificando a ideia de que,em EaD, o aluno autônomo aprende sozinho e independe doprofessor. Esse “aprender a aprender” não está somente para

    o aluno, mas também para o professor, principalmente emtempos de uma educação mediatizada, imersa no mundo dasTIC, cujos atores envolvidos estão em constante contato. EPaulo Freire, ao nos apresentar uma pedagogia da autonomia,de forma tão contemporânea, já nos levava a repensar o papeldo educador, principalmente, hoje, como parte desse novocontexto que emerge com o avanço acelerado das tecnologias

    ... vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes

    entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quemé formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentidoque ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdosnem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma,estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. (...)Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensinaao aprender (FREIRE, 1997, p. 25).

    Percebe-se, então, que a autonomia não dependesomente do aluno e de suas características individuais. Ela se

    mostra muito mais complexa, a autonomia depende tambémda metodologia adotada, do material didático e do professore das tecnologias de comunicação e informação empregadas.Cabe, portanto, uma breve a reflexão sobre o papel que cadaum desses elementos exerce no processo de ensino e deaprendizagem, e de que forma contribuem para que a au-tonomia possa ser viabilizada.

    3.1 A VIABILIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO

    Mas, fundamentalmente, quem são esses aprendizes queestão cada vez mais aderindo a essa modalidade do ensino adistância? Supõe-se, para uma grande maioria dos projetos decursos em Ead, dos seus sistemas “ensinantes”, um estudanteatualizado e autônomo, crítico, com idade adulta, capaz de au-todirigir e autorregular o próprio processo de aprendizagem,

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    15/22

    75Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    detentor de habilidades e conhecimentos que lhe permitamlidar com as tecnologias, conhecedor e usuário da internet,especificamente, dos ambientes virtuais de aprendizagem.

    Alguns autores, ao investigarem o perfil desse aluno,apontam para essa autonomia tão esperada, reportando-a aodesenvolvimento de competências específicas como a apren-dizagem que ocorre em regime de maior isolamento e solidãoque a do ensino presencial. E, de fato, isso vem aconte-cendo em diferentes contextos. Walker (1993, p. 23  apud BELLONI, 2009, p. 40) descreve bem essas característicasem sua pesquisa com estudantes australianos:

    Uma imagem dominante é a do silêncio, tranquilidade esolidão. Um tema recorrente é o tempo de estudo: tardeda noite, quando as crianças estão acomodadas, o maridovendo televisão na sala (muitos estudantes são mulheres),está escuro lá fora, pode haver um cão ou um gato por perto,a cozinha está limpa ou arrumada, os lanches para o diaseguinte estão prontos na geladeira, e a estudante arranja umespaço na ponta da mesa, desarrumando o mínimo possívela mesa posta para o café da manhã. Os livros estão abertose o estudo pode começar.

    A imagem que se tem feito do estudante típico de EaD,segundo Belloni (2009, p. 40), não parece corresponder aeste ideal de aluno autônomo. A autora alega que “estudosrealizados com estudantes de vários tipos de experiências deEaD têm mostrado que muitos estudantes a distância ten-dem a realizar uma aprendizagem passiva, digerindo pacotes“instrucionais” e ‘regurgitando” os conhecimentos assimi-lados nos momentos de avaliação”. Segundo a autora,

    A aplicação de modelos industriais e behavioristas àEaD não significa apenas o caráter passivo do estudanteconsiderado como objeto e como um público de massa,mas envolve também o professor: “Proletarização,desqualificação, divisão do trabalho, democratizaçãodo espaço de trabalho e produção nova são aspectos daeducação industrializada que implicam igualmente oprofessor e o estudante” (RENNER, 1995, p. 292  apud BELLONI, 2009, p. 17).

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    16/22

    76Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos SerafiniCabe aos envolvidos nos cursos de EaD (professor,

    tutor, técnicos e toda equipe pedagógica) proporcionaremmeios que despertem, no aluno, a curiosidade e as po-

    tencialidades de criar e construir o próprio saber, de formaque ele consiga se desvencilhar de todos os mecanismos depassividade envolvidos no processo de aprendizagem quelhe foram impregnados por uma educação behaviorista,mecanicista, instrucional, ou nos moldes industriais do for-dismo, como ainda se vê, em alguns cursos a distância, umaforma de automatização do conhecimento. Essa imagemde uma aprendizagem passiva, que o sujeito só recebe e semostra individualizada, reforçando o sentimento de solidãodo aluno, é um desafio para a criatividade dos gestores decursos, professores e tutores em EaD.

    Entretanto, com relação ao perfil do aluno da mo-dalidade a distância, nasce um fio de esperança quandoPerriault (1996, p. 67 apud BELLONI, 2009, p. 47), emsuas pesquisas, observa sinais de mudança no compor-tamento dos estudantes, os quais vêm rejeitando métodosescolares; exigindo retorno imediato de informação, o que

    exprime receptividade às mídias interativas; mostrando de-sejo de se relacionar com outros estudantes; demonstrandoa necessidade de encontros presenciais com tutores; bus-cando encontrar cursos que atendam às suas necessidades;e demonstrando ansiedade com relação à avaliação e auto-avaliação. Segundo este autor, é uma mudança significativaquanto à posição relativa dos atores no campo da educaçãoe da formação:

    Vemos emergir o usuário, o estudante, o cliente, comoquisermos, em sua unidade própria. Ele trabalha, ele aprendetrabalhando, mas ele quer que o serviço (de formação) noqual está inscrito (ou do qual é assinante?) lhe transmitainformações e o socorra em caso de pane. Desempregado,numa ótica de reconversão, ele quer saber o que vale emtermos de conhecimentos e competências (ibidem, p. 68).

    Embora esses dados da pesquisa nos apontempara algumas mudanças, não se pode perder de vista aresponsabilidade da EaD em promover esta autonomia,

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    17/22

    77Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    condicionada a sua existência, de forma que ela ajude osalunos a desenvolvê-la no decorrer do curso. É importanteque se criem meios, estratégias de ensino, com atividades que

    levem a essa autonomia. Pensar uma metodologia e materiaisdidáticos que viabilizem esse aprendizado autônomo, tendoo cuidado de não reproduzirmos as velhas pedagogias comnovas tecnologias (BELLONI, 2009). Como ressalta Linard(2000), “não iremos criar “propedêuticas” em autonomiapara a EaD (educação a distância). Não temos tempo e nãoé produtivo. A única solução é integrar a aprendizagem daautonomia no próprio processo, invertendo as prioridades”.Retomamos, então, ao princípio de que antes de implantara técnica ou definir os currículos e programas, deve-se aterprimeiramente à responsabilidade e à estratégia pedagógicados meios de aprender. Na realidade, o que ocorre é o inversoe nos deparamos com estudantes desestimulados e sem in-teresse, com taxa de evasão crescente.

    O que muito se tem visto nos cursos de EaD são prá-ticas pedagógicas presas a modelos industriais de produção,com uso de materiais didáticos prontos para o aluno, em

    forma de apostilas e um ambiente virtual sofisticado prontopara envolver o estudante. Por outro lado, alguns cursos jávêm modificando sua estrutura, sistematizando suas práticascom base em uma pedagogia (inter)ativa, baseada no sócio-construtivismo, e em pesquisas do tipo sócio-cognitivo emtorno da aprendizagem escolar, a qual promove esforços paraacompanhar a transição da ação ao conceito, o que contribuirápara a construção da autonomia. Quanto a esses métodoscapazes de promover a interação7, Linard (2000) esclarece que:

    Os métodos (inter)ativos são eficazes porque se baseiamem mecanismos elementares inatos disponíveis (maisou menos) em todos. Eles são os únicos a integrar ainterdependência entre as dimensões individual e coletiva,psicológica e social do ato de aprender. Eles também são osúnicos a propor modelos e meios explícitos para sustentar a

    7  Segundo Primo, (2005, p. 2), “ao contrário do que possa transparecer, a pa-lavra “interação”, segundo os estudos em lingüística histórica de Starobinski(2002), não apresenta antecedentes da língua latina clássica. O autor relata

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    18/22

    78Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafini

    transição, sempre difícil para os não-especialistas, do pen-samento natural ao pensamento conceitual (Vigotski), daabstração empírica à abstração formal (Piaget).

    Entre os atores desse processo de construção daautonomia do aluno, encontramos a figura do professor“interativo”, que se dedica cada vez menos em expor osconhecimentos e doar mais o seu tempo a criar condiçõesque permitam aos alunos desenvolver formas de adquirir taisconhecimentos, ou seja, proporcionar-lhes condições parase alcançar uma autonomia cognitiva. Piaget (1973, p. 167,apud Primo, 2005, p. 12) diz que

    por sua vez, ao estudar a própria construção da inteligência,deixa claro que o fato primitivo não é nem o indivíduo nemo conjunto de indivíduos, mas a relação entre indivíduos, euma relação modificando ininterruptamente as consciênciasindividuais elas mesmas (grifos do autor).

    Podemos entender, então, que, através das relaçõesestabelecidas entre professor e aluno, abrir-se-ão caminhospara a conquista da autonomia pelo próprio aluno.

    No contexto da EaD, convém compreender a relaçãoentre os atores, as informações e os conhecimentos institucio-nalmente construídos que transitam pela re de nos ambientesvirtuais de aprendizagem. É importante perceber como asTIC podem colaborar para a construção da aprendizageme da promoção da autonomia do aluno, como os atores en-volvidos se posicionam nesse processo e quais as concepçõesque circulam nesses ambientes, de modo a otimizar espaços

    de construção de saberes, através de práticas autônomas depesquisa tendo em vista os processos educacionais.A tecnologia nos propicia interações mais amplas,

    combinando o presencial e o virtual. O educador precisa estaratento para utilizar a tecnologia como integração, e não como

    que o substantivo interaction  figurou pela primeira vez no Oxford EnglishDictionary em 1832 (apresentado na época como um neologismo), e o verboto interact, no sentido de agir reciprocamente, em 1839. Já na França, a palavra“interação” surgiu apenas depois de outro neologismo: “interdependência”(que figurou em dicionário apenas em 1867)”.

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    19/22

    79Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    distração ou fuga (MORAN, 2000). Complementando comValente (2004), em uma de suas abordagens para a práticapedagógica no ensino a distância – Estar junto virtualmente

    – é importante que ocorram a interação e a interatividade ,proporcionando ao aprendiz a construção de novos conhe-cimentos, de forma que a mediação seja mais efetiva.

    A interatividade, as possibilidades de navegação na redee o diálogo que pode ser efetivado são condições mínimaspara se estabelecer a autonomia. Percebe-se que, no to-cante à educação a distância, precisa-se repensar o processoensino-aprendizagem, partindo-se da relação entre os pares

    e a mediação do professor, considerando as interfaces queviabilizam a comunicação e a aquisição do conhecimento,com o foco na autonomia dos sujeitos aprendentes.

    4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Não se pode falar de autonomia do aluno, sem nosdebruçarmos nas reflexões que já se fizeram no passado eque, de certa forma, ainda se mostram contemporâneas emnossa sociedade atual. A concepção de autonomia veio seressignificando ao longo dos anos, atendendo às necessidadesdos novos tempos impregnados pelos avanços tecnológicos.Entretanto, embora o progresso seja inerente ao ser humano,é necessário que ele não seja um fim em si mesmo, mas ummeio que possibilite a criação de uma sociedade mais justa, maishumana e igualitária, promovendo um cidadão cada vez maisautônomo nos seus modos de ser e de aprender. Talvez ainda

    utópico, mas isso só será possível a partir de uma educaçãointegral, numa política consciente para a utilização dos recursostecnológicos, beneficiando a todos, sem exceção, superando ascontradições sociais e a opressão. Deixo aqui uma questão, aEaD seria um dos caminhos para tais conquistas?

    É notório que a utilização das tecnologias de infor-mação e comunicação pode e deve colaborar para o bem co-mum e a construção de uma educação mais humanizadora etransformadora, promovendo a autonomia do sujeito para gerir

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    20/22

    80Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafinie construir sua aprendizagem, o que lhe proporcionará tambémmaior autonomia política, econômica e social para o exercícioda cidadania. Entretanto, estando a EaD nesse contexto, é

    importante que se tenha clareza das metodologias e políticaspúblicas que são implementadas nesse campo da educação,conhecendo a realidade em que estão sendo disponibilizadasessas tecnologias e a serviço de quem, para que não continuemse tornando armadilhas de dominação e exclusão social.

    Pensarmos numa nova visão de educação constitui umimperativo hoje, ressignificando sua dimensão cultural e éticae reafirmando a importância de sua permanência ao longoda vida. Diante dessa nova conjectura social, marcada peladiversidade, complexidade e flexibilidade, torna-se fundamentaluma educação que prepare o indivíduo para as alterações davida profissional, para um novo mercado de trabalho, numaconstrução contínua dos seus saberes e aptidões, propor-cionando-lhe meios para alcançar uma autonomia pessoal eintelectual; e, assim, adquirir uma consciência de si próprio edo seu papel a desempenhar enquanto sujeito social e cidadão.

    Com as reflexões expostas até o momento sobre um

    elemento que tem sido recorrente nas representações sobre osprocessos de educação mediatizados por tecnologias, o alunoautônomo, pretende-se, com este trabalho, contribuir para a dis-cussão sobre o universo da EaD tal como ele se configura hoje.

    REFERÊNCIAS

    ARANHA, M. L. de A. Filosofia da educação. 3. ed. rev. SãoPaulo: Moderna, 2006.

    BELLONI, M. L.  Educação a distância. 5.ed. São Paulo:Autores Associados, 2009.

    ______.  A formação na sociedade do espetáculo. São Paulo:Loyola, 2002.

    DURKHEIM, É.  A educação moral . Tradução de Raquel Weiss. Petrópolis: Vozes, 2008.

    FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    21/22

    81Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     A autonomia do aluno

    no contexto da Educação

    a Distância

    prática educativa. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

    LIBÂNEO, J. C.  Democratização da Escola Pública. SãoPaulo: Loyola, 1990.

    LINARD, M. A autonomia do aprendente e as TIC. Traduçãode Maria Luiza Belloni, 2000. Disponível em: . Último acessoem 16/Jul/2010.

    MORAN, J. M.; MASETTO, M.; BEHRENS, M. No vas tec-nologias e mediação pedagógica. São Paulo: Papirus, 2000.

    PRIMO, A.  Enfoques e desfoques no estudo da inte ração

    mediada por computador. 04NotFound, n. 45, 2005. Dis-ponívelem:. Útimo acesso: 17/Jul/2010.

    ROUSSEAU, J. J.  Emílio ou Da Educação. R. T. BertrandBrasil, 1995.

    SILVA, M. (Org). Educação online: teorias, práticas, legis-lação e formação corporativa. São Paulo: Loyola, 2003.

    ______. Sala de aula interativa: educação, comunicação, mídiaclássica... 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

    TAILLE, I. de La; OLIVEIRA, M. K. de; DANTAS, H. Piaget,Vygotsky, Wallon – Teorias psicogenéticas em discussão. 13.ed. São Paulo: Summus. 1992.

    VALENTE, J. A. Educação a distância: diferentes abordagenspedagógicas, 2004. Disponível em: . Acesso em

    23/Set/2010.VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo:Martins Fontes, 1998.

     WISSMANN, L. D. M. Autonomia em EaD – uma construçãocoletiva. In: POMMER, A.; SILVA, E. W. da, WIELEWICKI,H. de G.; WISSMANN, L. D. M. W.; VERZA, S. Educação su- perior na modalidade a distância – construindo novas relaçõesprofessor-aluno. Série Textos Didáticos. Ijuí: Editora Unijuí,

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/

  • 8/17/2019 Autonomia do aluno no contexto da educação a distância - Alessandra Menezes dos Santos Serafini.pdf

    22/22

    82Educ. foco, Juiz de Fora,

     v. 17, n. 2, p. 61-82

    jul. / out. 2012

     Alessandra Menezes

    dos Santos Serafini2006. Disponível em: . Último acesso em16/Jul/2010.

    Abstract

    This paper presents a study on adult learner autonomy in

    Distance Education. The question is: from the actual practiceof the actors of Distance Education will be specific to thestudent of distance education corresponds to this imagethat is expected of him? The study presents the question,comprising initially the epistemological sense of autonomy,and then talking to authors who investigate and writeabout distance learning. It is intended present evidencethat the representation of autonomous student in distanceeducation is at odds with the profile of real students whoare in the course. And yet, to contextualize this discussion,inserting it into the broader question of the possiblemethodologies in Distance Education from the potentialof the interactive features of the new digital technologies.

     With this thought, we intend to contribute to the discussionon the world of distance education as it is configured today,focusing, therefore, an element which has been recurrentin the representation of processes mediated by technologyeducation: the autonomous student.keywords: autonomy; student, distance learning, new digitaltechnologies

    Data de recebimento: agosto 2011Data de aceite: setembro 2012

    EARNER AUTONOMY IN THE CONTEXT OF DISTANCE EDUCATION

    http://www.pdfxviewer.com/http://www.pdfxviewer.com/