Autóctone, o papel do indígena na construção da identidade da música popular brasileira

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Autóctone O papel do indígena na construção da identidade da música popular brasileira outro dia estava lendo um artigo sobre as raízes e a formação da dita "música popular brasileira", o que me fez refletir bastante sobre o tema. O autor do texto contava que, comparado com a influência negra e europeia, o índio teve papel irrisório no processo de construção de nossa música popular. Bem, na hora que eu li, parei um pouco e comecei a pensar que essa visão é uma visão limitada, ou seja, que ao meu ver ele está considerando música popular brasileira a música criada no eixo Rio-São Paulo. Depois parei mais ainda pra pensar ... vivendo há alguns anos no nordeste brasileiro, na cidade movimentada que é Salvador, fui alimentando meus ouvidos com sonoridades marcantes que tem suas raízes na música indígena. E consigo perceber claramente essas raízes, mas muitas vezes os próprio nordestinos não admitem esse fato e como o autor do artigo citado acima, apenas ressaltam as influências dos brancos e dos negros na criação das manifestações musicais de seus lugares de origem. É que para mim esses ritmos e estilos que tem maior influência indígena AINDA ESTÃO POR SER DESCOBERTOS no Brasil pelos próprios brasileiros. Sim, o samba - ritmo nacional por excelência - foi concebido nas batucadas do meio rural baiano, sendo chamado "samba de roda" e ganhou dos negros a cadência sincopada e a maneira de cantar no formato de "pergunta e reposta", com forte presença do canto coral e da circularidade (aqui cabe ressaltar que tanto a questão do coletivismo, ou seja, a ausência de canto solista e a circularidade também estão presentes na música indígena). Levado pelos baianos para o Rio de Janeiro, por lá o samba se urbanizou, se enluxou, se "enbranqueceu", se refinou em melodias, na incorporação de novos instrumentos musicais, se reinventou tantas vezes, samba choro, chorinho, até virou bossa nova! Sim, até agora só falamos dos negros e dos brancos. Mas será que a nossa música começa em samba e aí se acaba? Não e muito menos, menos ainda se nos aprofundarmos e entramos pra dentro desse Brasil, tão grande, que tantos segredos e ritmos tem guardados...

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artigo escrito por Mo Maiê sobre o papel do indígena na construção da identidade da música popular brasileira

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Autóctone O papel do indígena na construção da identidade da música popular brasileira outro dia estava lendo um artigo sobre as raízes e a formação da dita "música popular brasileira", o que me fez refletir bastante sobre o tema. O autor do texto contava que, comparado com a influência negra e europeia, o índio teve papel irrisório no processo de construção de nossa música popular. Bem, na hora que eu li, parei um pouco e comecei a pensar que essa visão é uma visão limitada, ou seja, que ao meu ver ele está considerando música popular brasileira a música criada no eixo Rio-São Paulo. Depois parei mais ainda pra pensar ... vivendo há alguns anos no nordeste brasileiro, na cidade movimentada que é Salvador, fui alimentando meus ouvidos com sonoridades marcantes que tem suas raízes na música indígena. E consigo perceber claramente essas raízes, mas muitas vezes os próprio nordestinos não admitem esse fato e como o autor do artigo citado acima, apenas ressaltam as influências dos brancos e dos negros na criação das manifestações musicais de seus lugares de origem. É que para mim esses ritmos e estilos que tem maior influência indígena AINDA ESTÃO POR SER DESCOBERTOS no Brasil pelos próprios brasileiros. Sim, o samba - ritmo nacional por excelência - foi concebido nas batucadas do meio rural baiano, sendo chamado "samba de roda" e ganhou dos negros a cadência sincopada e a maneira de cantar no formato de "pergunta e reposta", com forte presença do canto coral e da circularidade (aqui cabe ressaltar que tanto a questão do coletivismo, ou seja, a ausência de canto solista e a circularidade também estão presentes na música indígena). Levado pelos baianos para o Rio de Janeiro, por lá o samba se urbanizou, se enluxou, se "enbranqueceu", se refinou em melodias, na incorporação de novos instrumentos musicais, se reinventou tantas vezes, samba choro, chorinho, até virou bossa nova! Sim, até agora só falamos dos negros e dos brancos. Mas será que a nossa música começa em samba e aí se acaba?

Não e muito menos, menos ainda se nos aprofundarmos e entramos pra dentro desse Brasil, tão grande, que tantos segredos e ritmos tem guardados...

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Apesar de que a colonização europeia praticamente destruiu a população indígena ao longo da costa e adentrando pelo interior do Brasil, a influência indígena foi de suma importância para a criação da identidade de nossa música. E os primeiros brancos que pisaram em terras tupiniquins sentiram a força da musicalidade indígena quando aqui chegaram, tanto que foi através da música que conseguiram catequizar muitos índios, sobretudo os mais jovens. E muitas nuances do fazer musical indígena desde então foram incorporados pelos jesuítas e assim vai, nas festas e cerimônias católicas.E sobre isso nem falamos. Com os pés batendo, os chocalhos de sementes sonoras, os tambores e flautas, feitos a partir de elementos da natureza, os índios tiveram que engolir o colonizadores e seus costumes, impostos a ferro e fogo, se entranhando em sua cultura, fazendo com que muitas tribos indígenas se disseminassem e junto com elas todo o canto e toda a glória dos antepassados. No entanto, os índios que resistiram mantiveram vivos rituais, escalas musicais, melodias e tradições orais, que, ora foram mantidas escondidas, ora tiveram que se misturar com os costumes dos colonizadores para se perpetuar. Associada ao universo transcendente e mágico, a música para a maioria dos povos indígenas brasileiros é utilizada em rituais religiosos, socialização, ligação com ancestrais, magia e cura. Está presente em festas comemorativas, sazonais, guerreiras, ritos de passagem e congraçamento entre as tribos. Quando se misturou com a musicalidade negra e europeia, daí vieram muitos ritmos e muitas danças. vou terminar esse texto citando apenas algumas, porque quero escrever mais sobre o tema, e mais profundamente sobre cada um desses ritmos e estilos musicais. Aqui começa essa lista: samba de caboclo, cavalo marinho, côco, as bandas de pife, os bumba boi, o carimbó, caboclinho, lelê do Maranhão, que aqui não termina, assim como não termina por aqui minha pesquisa.........