Aula - 1 Introdução Fonética

5
FONÉTICA E FONOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA DERMEVAL DA HORA OLIVEIRA 1 Introdução A Lingüística pode ser definida como o estudo científico da estrutura da língua. Ela reúne estudos em diversos campos, dentre eles, a Sintaxe, a Morfologia, a Semântica, que se preocupam como as unidades maiores da língua (frase, palavra, morfema, etc.), e a Fonologia, que se volta para as unidades menores. Ao lado da Fonologia, que visa ao estudo da estrutura sonora, temos a Fonética, que se volta para a produção, propagação e percepção dos sons. Os estudos fonéticos e fonológicos têm sua origem em momentos distintos. Os estudos fonéticos foram preocupação dos estudiosos da língua muito antes do século XX; já a Fonologia tem sua origem com os estudos do Círculo de Praga, no início do século XX. Embora tenham objetos de estudo diferenciados, estes dois campos de estudo são interdependentes. Isso é o que veremos ao explicitar um e outro. FONÉTICA O Domínio da Fonética A Fonética é o estudo sistemático dos sons da fala, isto é, trabalha com os sons propriamente ditos, levando em consideração o modo como eles são produzidos, percebidos e quais aspectos físicos estão envolvidos na sua produção. Uma classificação básica para a Fonética situa-a em três domínios: 1. Fonética Articulatória estuda os sons do ponto de vista fisiológico, descrevendo e classificando-os. Assim, ao descrevermos a realização de um som, por exemplo [p], podemos afirmar que na sua articulação quase não houve vibração das cordas vocais, por isso ele é não-vozeado, que o fluxo do ar seguiu o caminho do trato vocal, não das fossas nasais, caracterizando-o como oral, e que houve obstrução pelos dois lábios, por isso ele é oclusivo e bilabial. Este é o papel da Fonética Articulatória. 2. Fonética Acústica leva em conta as propriedades físicas do som, como os sons da fala chegam ao aparelho auditivo. Quando realizamos qualquer som, a sua propagação se dá através de ondas sonoras até chegar ao ouvido do outro interlocutor. A análise desse som e sua propagação, realizada com o auxílio de programas computacionais específicos, permite avaliar sua altura, sua intensidade etc. 3. Fonética Auditiva centraliza seus estudos na percepção do aparelho auditivo. Muitas vezes, nem sempre percebemos o mesmo som de forma idêntica. Só uma análise mais acurada permitirá identificá-lo. Este tipo de estudo cabe à Fonética Auditiva, campo de pesquisa muito pouco explorado, principalmente no Brasil. Esses três campos de estudos nem sempre são implementados concomitantemente. E um dos motivos para que isso não ocorra é a falta de especialização, principalmente no que concerne aos estudos acústicos e auditivos. Por isso, sempre nos detemos na parte articulatória, considerando ser esta a parte mais fácil

description

Fonética

Transcript of Aula - 1 Introdução Fonética

  • FONTICA E FONOLOGIA DA LNGUA PORTUGUESA

    DERMEVAL DA HORA OLIVEIRA

    1 Introduo

    A Lingstica pode ser definida como o estudo cientfico da estrutura da lngua.

    Ela rene estudos em diversos campos, dentre eles, a Sintaxe, a Morfologia, a

    Semntica, que se preocupam como as unidades maiores da lngua (frase, palavra,

    morfema, etc.), e a Fonologia, que se volta para as unidades menores. Ao lado da

    Fonologia, que visa ao estudo da estrutura sonora, temos a Fontica, que se volta para a

    produo, propagao e percepo dos sons.

    Os estudos fonticos e fonolgicos tm sua origem em momentos distintos. Os

    estudos fonticos foram preocupao dos estudiosos da lngua muito antes do sculo

    XX; j a Fonologia tem sua origem com os estudos do Crculo de Praga, no incio do

    sculo XX. Embora tenham objetos de estudo diferenciados, estes dois campos de

    estudo so interdependentes. Isso o que veremos ao explicitar um e outro.

    FONTICA

    O Domnio da Fontica

    A Fontica o estudo sistemtico dos sons da fala, isto , trabalha com os sons

    propriamente ditos, levando em considerao o modo como eles so produzidos,

    percebidos e quais aspectos fsicos esto envolvidos na sua produo. Uma classificao

    bsica para a Fontica situa-a em trs domnios:

    1. Fontica Articulatria estuda os sons do ponto de vista fisiolgico, descrevendo e classificando-os. Assim, ao descrevermos a realizao de um som, por exemplo [p],

    podemos afirmar que na sua articulao quase no houve vibrao das cordas vocais,

    por isso ele no-vozeado, que o fluxo do ar seguiu o caminho do trato vocal, no das

    fossas nasais, caracterizando-o como oral, e que houve obstruo pelos dois lbios, por

    isso ele oclusivo e bilabial. Este o papel da Fontica Articulatria.

    2. Fontica Acstica leva em conta as propriedades fsicas do som, como os sons da fala chegam ao aparelho auditivo. Quando realizamos qualquer som, a sua propagao

    se d atravs de ondas sonoras at chegar ao ouvido do outro interlocutor. A anlise

    desse som e sua propagao, realizada com o auxlio de programas computacionais

    especficos, permite avaliar sua altura, sua intensidade etc.

    3. Fontica Auditiva centraliza seus estudos na percepo do aparelho auditivo. Muitas vezes, nem sempre percebemos o mesmo som de forma idntica. S uma anlise

    mais acurada permitir identific-lo. Este tipo de estudo cabe Fontica Auditiva,

    campo de pesquisa muito pouco explorado, principalmente no Brasil.

    Esses trs campos de estudos nem sempre so implementados

    concomitantemente. E um dos motivos para que isso no ocorra a falta de

    especializao, principalmente no que concerne aos estudos acsticos e auditivos. Por

    isso, sempre nos detemos na parte articulatria, considerando ser esta a parte mais fcil

  • de ser verificada, j que diz respeito produo dos sons. Vale salientar, entretanto,

    que, para fazermos um estudo mais detalhado da produo de alguns sons, temos

    necessidade de recorrer a estudos acsticos. Tais estudos, no passado, necessitavam de

    aparelhos bem sofisticados, e, muitas vezes, de difcil acesso. Hoje, com um

    computador bem equipado, e com softwares especficos, podemos realizar excelentes anlises acsticas.

    Considerando as dificuldades apontadas, aqui nos deteremos na parte

    articulatria dos sons, ou seja, na Fontica Articulatria, aquela que, como afirmamos

    anteriormente, est voltada para a produo dos sons, levando em conta seu modo de

    articulao, seu ponto de articulao, seu carter vozeado ou no e ainda sua

    configurao nasal ou oral.

    APARELHO FONADOR

    O ser humano no possui um rgo, ou sistema, que tenha como funo primria a

    produo dos sons da fala. Utiliza-se de partes do corpo, como pulmes, traquia, laringe

    (epiglote, cordas vocais etc.), faringe, palato duro (ou cu da boca), palato mole (ou vu

    palatino), lngua, dente, mandbula, lbios e cavidades nasal, cujas funes primrias so de

    alimentao, respirao e proteo de vias reas inferiores, ou seja, vitais ao ser humano.

    Como se realiza o som? Para respondermos a essa pergunta, temos que entender o caminho

    que o fluxo de ar segue na respirao. Importante lembrarmos que os sons geralmente no

    se realizam no momento da inspirao, mas na expirao. O oxignio, vital ao ser humano, chega at os pulmes pelos brnquios. Em seu caminho de volta, ainda ar, ele

    sofre a primeira deformao ao chegar laringe. na laringe que definimos dois tipos de

    sons.

    O ar expelido pelos pulmes chega laringe e atravessa a glote, que fica na altura

    do chamado pomo-de-ado ou gog. O ar, ento, chega abertura entre as duas pregas

    musculares das paredes superiores da laringe, conhecidas pelo nome de cordas vocais (ou

    pregas vocais). O fluxo de ar pode encontr-las fechadas ou abertas, em virtude de estarem

    aproximadas ou afastadas. Caso estejam fechadas, o ar fora sua passagem, fazendo-as

    vibrar e produzir os sons chamados de vozeados ou sonoros. No segundo caso, quando

    relaxadas, o ar escapa, com pouca vibrao das cordas, produzindo sons chamados de no-

    vozeados ou surdos.

    Fig. 1: Cordas vocais

    Todos os sons da fala humana, sejam vogais, consoantes ou semivogais (tambm

    denominadas de glides), so produzidos no trato vocal. Este pode ser considerado como um

    aparelho constitudo de cmaras, tubos e vlvulas, cuja funo pr o ar em movimento e

    controlar seu fluxo.

  • OBSERVAO

    A distino entre sonora e surda pode ser claramente percebida na pronncia de pares de

    consoantes como [p] ~ [b], [t] ~ [d], [k] ~ [g], dentre outras, que se opem apenas pelo

    trao de vozeamento. Enquanto [p, t, k] so classificadas como no-vozeadas, por terem

    pouca vibrao das cordas vocais, [b, d, g] so classificadas como vozeadas, por terem

    maior vibrao das cordas vocais.

    ATIVIDADE

    Tape seus ouvidos com as mos e realize os sons mencionados no quadro anterior.

    Identifique pela ressonncia os vozeados e os no-vozeados.

    Veja na figura abaixo, os rgos envolvidos na realizao dos sons:

    Figura 2. rgos envolvidos no processo de realizao dos sons

    Vamos seguir o fluxo de ar depois de passar pela glote, que onde ficam as cordas

    vocais, definidoras da sonoridade ou no dos sons. Quando sai da laringe, o ar vai para a

    faringe. A o fluxo de ar, j no mais ar, mas som, pode tomar duas direes: o trato vocal

  • ou o nasal. Entre estes dois canais fica a vula, rgo dotado de mobilidade capaz de

    obstruir, ou no, a passagem do ar na cavidade nasal e, conseqentemente, determinar a

    natureza oral ou nasal de um som.

    Quando levantada, a vula impede o fluxo de ar pelas fossas nasais, resultando, assim, na produo de sons orais, a exemplo de [p], [b], [a].

    Quando a vula est abaixada, temos a realizaes de sons nasais, isto porque o ar passa tanto pelo trato vocal como pelas fossas nasais. o que acontece com a

    realizao de sons como [m], [n].

    OBSERVAO

    Como estamos tratando da Fontica, veja que os sons mencionados esto sempre entre

    colchetes [ ]. Isto no aconteceria se estivssemos tratando da Fonologia. Nesse caso,

    utilizaramos barras / /.

    Na Figura 3, podemos verificar como se realizam os sons orais e nasais.

    Figura 3: Cavidade oral e cavidade nasal

    Depois da faringe, local onde o fluxo do ar vai definir sons orais e nasais, passemos

    agora ao trato vocal. No trato vocal, temos o conjunto de articuladores. Tais articuladores,

    como vistos na Figura 4, podem ser classificados como ativos ou passivos.

    Articuladores ativos so denominados aqueles articuladores como lbio inferior,

    lngua, palato mole, que, na realizao dos sons, se movimentam. Ao contrrio, o lbio

    superior e o palato duro so denominados de articuladores passivos.

  • Figura 4: Articuladores ativos e passivos

    Depois de conhecer o aparelho fonador, podemos discutir como os sons so

    articulados, tpico da nossa prxima seo.