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Disciplina: Direitos Humanos Professor: Eduardo Cabral Moraes Monteiro Aula 03: Os Direitos Fundamentais e sua evolução – As liberdades públicas – O modelo: a Declaração de 1789 PLANO DE AULA 1) A Declaração de 1789 - A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, é a mais famosa das declarações; - Por força do preâmbulo da Constituição de 1958, como ocorria em 1946, está ela em vigor na França; - Integra o chamado bloc de constitutionnalité, ou bloco de constitucionalidade, em face do qual opera o controle de constitucionalidade efetuado pelo Conselho Constitucional; - Sua importância decorre de outra causa, qual seja, a de ter sido por um século e meio o modelo por excelência das declarações, e ainda hoje merecer o respeito e a reverência dos que se preocupam com a liberdade e os direitos do Homem; - Sua primazia vem exatamente do fato de haver sido considerada como modelo a ser seguido pelo constitucionalismo liberal. Daí sua influência sobre as declarações que, seguindo essa orientação, se editaram pelo mundo afora até a Primeira Guerra Mundial. 2) As Declarações anteriores

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Disciplina: Direitos Humanos

Professor: Eduardo Cabral Moraes Monteiro

Aula 03: Os Direitos Fundamentais e sua evolução – As liberdades públicas – O modelo: a

Declaração de 1789

PLANO DE AULA

1) A Declaração de 1789

- A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, é a mais

famosa das declarações;

- Por força do preâmbulo da Constituição de 1958, como ocorria em 1946, está ela em

vigor na França;

- Integra o chamado bloc de constitutionnalité, ou bloco de constitucionalidade, em

face do qual opera o controle de constitucionalidade efetuado pelo Conselho

Constitucional;

- Sua importância decorre de outra causa, qual seja, a de ter sido por um século e meio o

modelo por excelência das declarações, e ainda hoje merecer o respeito e a reverência dos

que se preocupam com a liberdade e os direitos do Homem;

- Sua primazia vem exatamente do fato de haver sido considerada como modelo a

ser seguido pelo constitucionalismo liberal. Daí sua influência sobre as declarações que,

seguindo essa orientação, se editaram pelo mundo afora até a Primeira Guerra Mundial.

2) As Declarações anteriores

- A Declaração de 1789 não foi a primeira das declarações, historicamente falando;

- De fato, a primeira foi a Declaração dos Direitos editada pela Virgínia em 12 de junho de

1776, antes mesmo da independência das treze colônias inglesas da América do Norte. Tal

independência somente foi estabelecida pela Declaração de 4 de julho de 1776;

- Em seguida, o exemplo da Virgínia foi observado pelos novéis Estados

independentes, antes mesmo de adotarem suas constituições políticas, da instituição da

Confederação, cujos artigos foram adotados em 15 de novembro de 1777, mas entraram

em vigor depois da ratificação necessária por todos os Estados, em 1º de março de 1781; e

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da Constituição americana, promulgada em 17 de setembro de 1787, contudo em vigor a

partir de 29 de maio de 1790, quando alcançou as ratificações indispensáveis;

- As declarações americanas influenciaram, sem dúvida, o curso dos acontecimentos

franceses (assim como o iluminismo francês traçou o caminho inverso);

- Na verdade, as declarações americanas aproximam-se do modelo inglês,

preocupando-se menos com o Homem e seus direitos do que com os direitos tradicionais

do cidadão inglês (exs: julgamento pelo júri, participação política na assembleia,

consentimento na tributação). Nisso, têm o mérito de armar o indivíduo com instrumentos

de garantia de seus direitos, o que não ocorre na declaração francesa;

- A Declaração francesa, contudo, teve por si o esplendor das fórmulas e da língua,

a generosidade de seu universalismo. Por isso, preferida e copiada, ainda que

frequentemente seus direitos ficassem letra morta.

3) Origem e elaboração da Declaração Francesa

- Atribui-se a La Fayette haver dado ênfase, desde 1783, à ideia de estabelecer uma

declaração francesa dos direitos fundamentais;

- Às vésperas da revolução era generalizada na França a reivindicação de que fossem

solenemente reconhecidos esses direitos;

- Nos cahiers de doléances (caderno de queixas do povo eleitor aos deputados

eleitos) preparados para a Assembleia dos Estados Gerais (clero, nobreza e povo ou

burguesia) convocada para 1789, que se transformaria na Assembleia Nacional

Revolucionária, registra-se com frequência essa postulação;

- Se essa reivindicação era mais comum nos cahiers da burguesia, não faltava nos

da nobreza e, também, conquanto raramente, nos do clero. Vários projetos foram

preparados por figuras ilustres como Sieyés e Condorcet. O próprio rei, em 23 de junho, se

disse pronto a outorgar uma carta das liberdades;

- Foi um Deputado do terceiro estado, Target, quem propôs, a 19 de junho, a elaboração da

declaração de direitos, mas foi La Fayette quem dinamizou os trabalhos, apresentando,

mesmo, um texto a esse respeito. Outros também o fizeram, como Sieyés, mas foram os

colaboradores pessoais de Mirabeau que deram a mão final ao trabalho;

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- Globalmente aprovado em 19 de agosto, com 505 votos a favor do projeto de

Mirabeau contra 245 do projeto de Sieyés e 45 do projeto de La Fayette, seus artigos foram

então votados um a um, os últimos a 26 de agosto, data que se dá à Declaração. A 05 de

outubro, não querendo “aceitar” a declaração, Luís XVI “acedeu” nela, numa vã sutileza.

4) Finalidade e o objetivo da Declaração

- Do ângulo doutrinário, a Declaração é a renovação do pacto social;

- O seu preâmbulo aponta como finalidade última a de proteger os direitos do Homem

contra os atos do Governo, sendo expressa a menção ao Poder Legislativo e ao Poder

Executivo;

- O objetivo imediato é de caráter pedagógico: instruir os indivíduos de seus direitos

fundamentais, “recordando-os” deles.

5) Natureza da Declaração

- Trata-se de uma declaração. Os direitos enunciados não são aí instituídos, criados, mas,

ao contrário, são “declarados”, para serem “recordados”;

- São direitos do Homem, enquanto direitos naturais ao mesmo. Não são propriamente

direitos do cidadão, porque o termo “cidadão” pressupõe ordenação política e esta não

existe previamente ao pacto social. Contudo, para os redatores da Declaração, os direitos

do cidadão são corolários dos direitos do homem (ou naturais), que os subsumem, e, por

isso, restou o nome: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

6) Caracteres dos direitos declarados

- Declaração presume preexistência. Esses direitos declarados são os que derivam da

natureza humana, são naturais, portanto;

- Vinculados à natureza, necessariamente são abstratos, pois são do Homem, e não apenas

de franceses, de ingleses e etc.;

- São imprescritíveis, pois não se perdem com o passar do tempo, se prendendo à natureza

imutável do ser humano;

- São inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da sua própria natureza;

- São individuais, porque cada ser humano é um ente perfeito e completo, mesmo se

considerado isoladamente, independentemente da comunidade (não é um ser social que só

se completa na vida em sociedade), (o ser humano é o único fim em si mesmo);

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- Por essas razões, são eles universais, pois pertencem a todos os homens, estendendo-se

por todo o campo aberto ao ser humano, potencialmente ao universo.

7) As preocupações concretas subjacentes

- Condenar práticas arbitrárias por conta do governante, declarando limites à ação dos

mesmos, bem como direitos dos indivíduos perante o Estado;

- Segundo Rivero, “cada um dos direitos proclamados aparece como a condenação

de uma prática arbitrária a que importa por termo”.

8) As duas grandes categorias de direitos

- As liberdades

- A primeira é a dos direitos do Homem, as liberdades. Ou seja, poderes de agir,

não agir, independentemente da ingerência do Estado;

- Aqui se incluem: a liberdade em geral (arts. 1º, 2º e 4º), a segurança (art. 2º), a

liberdade de locomoção (art. 7º), a liberdade de opinião (art. 10), a liberdade de expressão

(art. 11) e a propriedade, que é a liberdade de usar e dispor dos bens (arts. 2º e 17). E seus

corolários: a presunção de inocência (art. 9º), a legalidade criminal (art. 8º), a legalidade

processual, a liberdade de resistir à opressão (art. 2º), e esta última já se aproxima dos

direitos do cidadão;

- A liberdade econômica, que à época da declaração importaria a extinção

das corporações de ofício que impediam a livre concorrência, só veio a ser

determinada por uma lei, de junho de 1791 (Le Chapelier);

- A liberdade do comércio, indústria e profissão, também não inscrita na

declaração de 1789, foi estabelecida por uma lei de março de 1791, posteriormente

adotada, em nível constitucional, pela Declaração de 1793 (art. 17) e pela

Constituição do ano III (art. 335).

- Os poderes

- Os direitos do cidadão são poderes, a expressão moderna da “liberdade dos

antigos”, e constituem meios de participação no exercício do Poder Político;

- Incluem-se: direitos de participar da “vontade geral” (art. 6º), ou de

escolher representantes que o façam (art. 6º), de consentir no tributo (art. 14), de controlar

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o dispêndio do dinheiro público (art. 14), de pedir contas da atuação do agente público (art.

15).

9) Os princípios de organização política

- Igualdade (art. 1º);

- A finalidade do Estado, enquanto associação política, para conservação dos direitos

naturais e imprescritíveis do Homem, que são a liberdade, a propriedade, a segurança e a

resistência à opressão (art. 2º);

- A soberania investida na Nação (art. 3º);

- A destinação da força pública para a garantia dos direitos do Homem e do Cidadão (art.

12);

- A caracterização da verdadeira Constituição, enquanto aquela que limita externamente o

exercício do poder ao assegurar a garantia dos direitos, e internamente ao estabelecer a

separação dos poderes (art. 16).

10) A lei e seu papel

- O exercício dos direitos fundamentais por todos e por cada um dos homens exige uma

coordenação, uma regulamentação que impeça colisões. Assim, o estado social demanda

um mínimo de disciplina no gozo desses direitos;

- Art. 4º da Declaração;

- Esta regulamentação, para ser legítima, não pode ser arbitrária, deve ser justa. Por

isso, apenas a lei pode estabelecê-la, somente a lei pode limitar o exercício da liberdade;

- Isto se dá por duas razões (art. 6º): 1) Ser a lei necessariamente a

expressão da justiça, com os corolários de que é geral e abstrata, com aplicação uniforme e

igual para todos os casos e todos os indivíduos; 2) Pensamento de Rousseau: ser a lei

expressão da vontade geral, pois que ela há de ter a participação de todos (diretamente ou

por meio de representantes), que devem na sua definição levar em consideração o interesse

geral, para legitimar a criação da lei (diferença entre vontade de todos e vontade geral).

11) A isonomia

- É elemento essencial da Declaração a igualdade perante a lei, a isonomia;

- Arts. 1º e 6º;

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- Com isso, a Declaração ratifica a abolição dos privilégios e estabelece a uniformidade do

Direito aplicável a todos os homens.