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24 Desde o momento da concepção, o homem passa por processos complicados de desenvolvimento. As mudanças ocorrem em aspectos diferentes do eu e, durante os primeiros períodos do ciclo de vida, são mais amplas e aceleradas. Como o homem é uma totalidade, todos os aspectos, físico, Resumo: O artigo apresenta revisão bibliográfica sobre a atuação do psicólogo frente aos transtornos globais do desenvolvimento infantil, especificamente sobre autismo infantil, síndrome de Asperger e síndrome de Rett. Inicialmente, apresenta-se uma noção do desenvolvimento infantil, e, então, abordam-se possíveis transtornos, com suas respectivas definições, etiologias, critérios diagnósticos, diagnóstico diferencial e tratamento. Durante o processo de intervenção e prevenção junto à criança, destacam-se a importância do psicólogo no tratamento e a eficácia dos recursos psicoterápicos para a melhora de qualidade de vida da criança com a síndrome. Palavras-Chave: Autismo infantil, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, atuação do psicólogo. Abstract: The authors review the literature about the psychologist’s performance in relation to the global disruptions of the infantile development, specifically about: infantile autism, Asperger and Rett syndromes. Firstly, this work presents the infantile development view, and then it approaches the possible disruptions with its definitions, etiologies, diagnostic criterions, different diagnostics and treatment. During this intervention and prevention process with the child, stands out the importance of the psychologist action in the treatment and the effectiveness of the psychotherapy methods that might improve the life quality of the child with the syndrome. Key Words: Infantile autism, Asperger syndrome, Rett syndrome, psychologist’s practice. Atuação do Psicólogo Frente aos Transtornos Globais do Desenvolvimento Infantil O desenvolvimento humano sempre inspirou e foi tema de amplos estudos. Atualmente, mesmo com todo o progresso da tecnologia, os estudiosos nem sempre conseguem responder às mais variadas perguntas para a compreensão do ser humano, que é muito complexo (Papalia, 2000). The psychologist’s practice with children facing global development disorders Jupiterimages José Carlos Souza Psiquiatra, Doutor em Saúde Mental (Unicamp). Pós-Doutor e Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa. Professor da Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS. Liliane Leite Fraga, Marlene Rodrigues de Oliveira, Marli dos Santos Buchara, Neusa Carmelina Straliotto, Senir Pereira do Rosário & Tânia Mara Rezende Alunas do curso de Psicologia da UCDB. PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (2), 24-31

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Desde o momento da concepção, o homem passapor processos complicados de desenvolvimento.As mudanças ocorrem em aspectos diferentes doeu e, durante os primeiros períodos do ciclo devida, são mais amplas e aceleradas. Como ohomem é uma totalidade, todos os aspectos, físico,

Resumo: O artigo apresenta revisão bibliográfica sobre a atuação do psicólogo frente aos transtornosglobais do desenvolvimento infantil, especificamente sobre autismo infantil, síndrome de Asperger esíndrome de Rett. Inicialmente, apresenta-se uma noção do desenvolvimento infantil, e, então, abordam-sepossíveis transtornos, com suas respectivas definições, etiologias, critérios diagnósticos, diagnóstico diferenciale tratamento. Durante o processo de intervenção e prevenção junto à criança, destacam-se a importânciado psicólogo no tratamento e a eficácia dos recursos psicoterápicos para a melhora de qualidade de vidada criança com a síndrome.Palavras-Chave: Autismo infantil, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, atuação do psicólogo.

Abstract: The authors review the literature about the psychologist’s performance in relation to the globaldisruptions of the infantile development, specifically about: infantile autism, Asperger and Rett syndromes.Firstly, this work presents the infantile development view, and then it approaches the possible disruptionswith its definitions, etiologies, diagnostic criterions, different diagnostics and treatment. During this interventionand prevention process with the child, stands out the importance of the psychologist action in the treatmentand the effectiveness of the psychotherapy methods that might improve the life quality of the child with thesyndrome.Key Words: Infantile autism, Asperger syndrome, Rett syndrome, psychologist’s practice.

Atuação do PsicólogoFrente aos Transtornos Globais

do Desenvolvimento Infantil

O desenvolvimento humano sempre inspirou e foitema de amplos estudos. Atualmente, mesmo comtodo o progresso da tecnologia, os estudiosos nemsempre conseguem responder às mais variadasperguntas para a compreensão do ser humano,que é muito complexo (Papalia, 2000).

The psychologist’s practice with children facing global development disorders

Jupi

terim

ages

José Carlos Souza

Psiquiatra, Doutor emSaúde Mental

(Unicamp). Pós-Doutor eProfessor da Faculdadede Medicina de Lisboa.

Professor daUniversidade Católica

Dom Bosco, CampoGrande, MS.

Liliane Leite Fraga,Marlene Rodrigues

de Oliveira,Marli dos Santos

Buchara,Neusa Carmelina

Straliotto,Senir Pereira do

Rosário &Tânia Mara

Rezende

Alunas do curso dePsicologia da UCDB.

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (2), 24-31

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cognitivo e psicossocial, de seu desenvolvimento,estão entrelaçados, até mesmo no útero, e reagemàs muitas influências internas e externas. Odesenvolvimento infantil dá-se normalmentequando é sistemático, coerente e organizado. Ascrianças, em geral, passam pela mesma seqüênciade desenvolvimento (Papalia, 2000).

A partir do século XIX, várias tendênciasimportantes prepararam o caminho para o estudocientífico do desenvolvimento infantil. Os cientistasdesvendaram o mistério da concepção ecomeçaram a argumentar sobre a importânciarelativa da hereditariedade e do meio (Papalia,2000).

A compreensão dos transtornos dodesenvolvimento infantil dar-se-á mediante oconhecimento do desenvolvimento infantilconsiderado normal. Segue-se, assim, uma visãodo desenvolvimento do ciclo de vida, segundo amaioria das sociedades ocidentais modernas,analisadas por Papalia (2000) mediante estágios.O estágio pré–natal abrange o período daconcepção até o nascimento. Nesse estágio, ocorrea formação da estrutura e dos órgãos corporaisbásicos. O crescimento físico é o mais rápido detodos os períodos, e a criança encontra-sevulnerável às influências ambientais.

A primeira infância compreende o nascimento atéos três anos. O recém-nascido é dependente,porém competente. Todos os sentidos estãoativados desde o nascimento. O crescimento físicoe o desenvolvimento das habilidades motoras sãorápidos. A capacidade de aprender e lembrar estãopresentes até mesmo nas primeiras semanas devida. Quanto à compreensão e à fala, tambémdesenvolvem-se rapidamente. A autoconsciênciadesenvolve-se no segundo ano de vida.Aproximadamente no final do primeiro ano, é quese define o apego aos pais e a outros; no entanto,o vínculo, principalmente materno, já se dá desdeo nascimento.

A segunda infância é o período de três a seis anos.A força e as habilidades motoras simples ecomplexas aumentam. O comportamento épredominantemente egocêntrico, e a maturidadecognitiva leva a muitas idéias ilógicas acerca domundo. A criatividade e a imaginação expressasnas brincadeiras tornam-se mais elaboradas. Aindependência e o autocontrole aumentam, e afamília continua sendo o núcleo da vida.

A terceira infância é considerada o período de seisa doze anos. Nessa fase, o crescimento físico e oegocentrismo diminuem, enquanto a memória eas habilidades de linguagem aumentam. A auto-imagem desenvolve-se, afetando a auto-estima, eos amigos assumem importância fundamental.

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Conhecido esse desenvolvimento da criança, épossível, então, observar quando ocorre um desvio.É nos primeiros anos de vida que os transtornosinvasivos do desenvolvimento se manifestam,transtornos esses freqüentemente associados aalgum grau de retardo mental (Ellis, 1996).

Transtornos Invasivos doDesenvolvimento

Os transtornos invasivos do Desenvolvimento,classificados no Manual Diagnóstico Estatístico deTranstornos Mentais (DSM-IV), da AssociaçãoAmericana de Psiquiatria (APA, 1995), caracterizam-se por prejuízo severo e invasivo em diversas áreas dodesenvolvimento: habilidades de interação socialrecíproca, de comunicação e atividadesestereotipadas.

Em geral, os transtornos incidem sobre múltiplas áreasdo desenvolvimento, aparecem precocemente eprovocam disfunção persistente.

O DMS-IV (1995) inclui os seguintes transtornos nacategoria de transtornos invasivos dodesenvolvimento: autismo infantil, síndrome deAsperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativoda infância e transtorno invasivo do desenvolvimentosem outra especificação. No entanto, este trabalhodeter-se-á nos mais comuns e de maior importânciapara a prática clínica.

Autismo Infantil

O autismo infantil apresenta grandes dificuldadesno diagnóstico, uma vez que engloba, dentro dosconceitos atuais, várias doenças com diferentesquadros clínicos que têm como fator comum osintoma autístico. Segundo Gillberg (1990, apudSchwartzman, 1995), o autismo é consideradouma síndrome comportamental, com etiologias ecurso de um distúrbio de desenvolvimento,caracterizado por um déficit social visualizado pelainabilidade em relacionar-se com o outro,usualmente combinado com déficit de linguageme alterações de comportamento.

Historicamente, em 1906, Plouller (apud Gauderer,1997), introduziu o adjetivo autista na literaturapsiquiátrica.

Em 1943, Leo Kanner, um psiquiatra infantil daJonh Hopkins University (E.U.A.), descreveu umgrupo de crianças gravemente lesadas, que tinhamcomo característica comum a incapacidade derelacionar-se com as pessoas. Posteriormente, elepassa a chamar a síndrome de autismo infantil.

A etiologia no autismo associa-se a vários fatores:lesões neurológicas, rubéola congênita,

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fenilcetonúria, esclerose tuberosa e síndrome deRett. As crianças apresentam, ainda, evidências decomplicações perinatais. Alguns dos indivíduosautistas têm convulsões em algum momento davida.

A incompatibilidade imunológica entre a mãe e oembrião ou feto pode contribuir para o autismo.Irmãos de indivíduos autistas podem ser afetadospor transtorno autista. Outros achados incluem umnúmero diminuído de células de Purkinje nocerebelo, resultando em anormalidades daatenção, excitação e processos sensoriais (Kaplan,1997).

O diagnóstico do autismo infantil, baseado noDSM-IV (1995), é caracterizado por umcomprometimento acentuado no uso de múltiploscomportamentos não-verbais, tais como: contatovisual direto, expressão facial, posturas corporais egestos para regular a interação social e acentuadofracasso em desenvolver habilidades, com os pares,apropriadas ao seu nível de desenvolvimento. Existeuma falta de tentativa espontânea de compartilharprazer, interesses ou realizações com outras pessoas,e não há reciprocidade social ou emocional. Ocomprometimento qualitativo na comunicação éacentuado pelo atraso ou ausência total dedesenvolvimento da linguagem falada. Nos casosem que a fala é adequada, existe um acentuadocomprometimento da capacidade de iniciar oumanter uma conversação. É comum o usoestereotipado e repetitivo da linguagem oulinguagem idiossincrásica.

“O surpreendente vocabulário daqueles que falam,sua excelente memória, que lhes permite recordarsucessos de vários anos antes, sua fantástica memóriamecânica para as poesias e nomes e sua facilidadepara recordar minuciosamente formas completas eseus derivados indicam que há uma clara inteligência,no sentido corrente do vocábulo” (Kanner, 1976).

As brincadeiras ou jogos de imitação social variadose espontâneos, apropriados ao nível dedesenvolvimento da criança autista, encontram-seausentes.

Normalmente, existe uma adesão aparenteinflexível a rotinas ou rituais específicos e não-funcionais. Outra característica acentuada é omaneirismo e as estereotipias motoras repetitivas.Essas crianças demonstram uma preocupaçãopersistente com partes de objetos (DSM-IV, 1995).

Pode ocorrer um atraso ou funcionamentoanormal, com início antes dos 3 anos de idade,nas áreas de interação social, linguagem para finsde comunicação social ou de jogos imaginativosou simbólicos (DSM-IV, 1995).

Os principais diagnósticos diferenciais do autismosão: esquizofrenia de início na infância, retardomental com sintomas comportamentais, transtornomisto de linguagem receptivo/expressiva, surdezcongênita ou transtorno severo da audição,privação psicossocial e psicoses desintegrativas(Kaplan, 1997).

Prevenção e Tratamento

Segundo Bereohff (apud Gauderer,1997), acomplexidade do quadro de autismo e asdificuldades encontradas para se desenvolver umaestrutura em sua abordagem enfatizam cada vezmais a necessidade da multidisciplinaridade dosprofissionais envolvidos nesse processo.

O psicólogo, com sua formação específica e bemdefinida, deve estar inserido nesse contexto, sendotambém um conhecedor do desenvolvimentohumano normal para ter condições de detectar asáreas defasadas e comprometidas. Ele precisa estarmuito sensível às observações e relatos da família.

É fundamental que o psicólogo esteja atualizadocom os trabalhos e pesquisas recentes relativos àsua especificidade para orientar a família. A suasensibilidade diante da criança e do nível decomprometimento desta é importante para queele saiba adequar propostas terapêuticas querealmente a beneficiem (Ellis, 1996).

É importante ressaltar que a profissão do psicólogoapresenta muitos desafios profissionais e pessoaisfrente aos portadores de deficiência e suas famílias.Nadja Costa (apud Gauderer, 1997), observou, emsua revisão bibliográfica, que o psicólogo podedesenvolver emoções e sentimentos face àsdoenças crônicas ou doenças fatais e que essessentimentos influenciam no diagnóstico.

Em sua atuação, diz Bereohff (apud Gauderer,1997), o psicólogo pode influir em vários níveis edesenvolver vários papéis, tais como: investigadore pesquisador, em uma equipe diagnóstica e deavaliação; psicoterapeuta, em uma abordagemindividual; psicoterapeuta, em uma abordageminstitucional; consultor institucional e orientadorfamiliar.

De acordo com Windholz (apud Schwartzman,1995), nos últimos 30 anos, vários tratamentosforam baseados em orientações teóricas diversas ede níveis de abrangência diferentes (terapiasindividual, psicanalítica, orientação cognitiva eoutras). Esses tratamentos foram aplicados natentativa de ajudar a pessoa com autismo a adquirirum repertório mais funcional, diminuindo, assim,os vários distúrbios de conduta. Para Windholz,atualmente, a terapia comportamental é

José Carlos Souza, Liliane Leite Fraga, Marlene Rodrigues de Oliveira,Marli dos Santos Buchara, Neusa Carmelina Straliotto, Senir Pereira do Rosário & Tânia Mara Rezende

“O surpreendentevocabulário daqueles

que falam, suaexcelente memória,

que lhes permiterecordar sucessos devários anos antes, sua

fantástica memóriamecânica para as

poesias e nomes e suafacilidade para

recordarminuciosamente

formas completas eseus derivados

indicam que há umaclara inteligência, no

sentido corrente dovocábulo”

Kanner

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considerada a mais bem desenvolvida, confiável eeficaz no atendimento da pessoa com autismo.Ornitz (apud Gauderer, 1997) diz que a melhorintervenção é uma abordagem flexível, adaptávelàs mudanças que ocorrem no nível dedesenvolvimento.

Gauderer (1997), comentando sobre a diferençaentre psicoterapia, psicanálise e orientação,salienta que todas as técnicas visam a ajudar oindivíduo. Todas têm suas vantagens e limitações.É importante que o psicólogo, em sua atuação,desenvolva uma terapia diferenciada para atendernecessidades específicas, pois cada pessoa, apesarde semelhante, é única.

O uso de medicamentos faz-se necessário, emboranenhuma droga se tenha mostrado específica parao transtorno autista. “Estudos do tratamentofarmacológico são complicados, pois esta síndromeinclui uma expressão multifatorial, falta um padrãode desordem” (Volkmar, 2001).

De acordo com Gauderer (1997), os pais que têmfilhos com problemas sofrem. Isso é inevitável esem exceção, e sofrem tanto mais quanto maiorfor a problemática do filho, a dificuldade detratamento, a cronicidade do processo e tambémquanto maior for seu nível de sensibilidade. Opsicólogo ajuda os pais a compreenderem,discutirem, entenderem, além de trazer à tonasentimentos universalmente presentes em todosaqueles que têm filhos com problemas, ou seja,negação, culpa, frustração, impotência,ressentimento, raiva, rejeição, além de fantasiasdiversas.

O método TEACCH, que em inglês significatratamento e educação para criança autista ou comproblemas relacionados à comunicação, foidesenvolvido em 1996, sob a coordenação de EriSchopler, na Universidade da Carolina do Norte.Através desse método, o psicólogo preocupa-seem envolver os pais como co-terapeutas e colocá-los como grandes agentes no desenvolvimento dosfilhos, realizando um trabalho individual para cadacriança, nos níveis de diagnóstico, atividadesdomiciliares e educação especial em escolas egrupos. O psicólogo solicita dos pais colaboraçãoreferente à troca de apoio emocional terapeuta/pais, e também atuação mútua na defesa dosdireitos sociais das crianças autistas, entre eles acriação de serviços de qualidade a preços acessíveis(Gauderer, 1997).

A Criança Autista em Escola Regular

Ellis (1996), em seu trabalho sobre autismo, abordaa questão da criança autista e o período em que amesma se encontra em idade escolar. Destaca

que é improvável que haja um atendimentoespecializado disponível em cada jurisdição escolarpara atender as necessidades das crianças autistase que nem sempre o atendimento especializado éa opção preferida; crianças que são levementeautistas ou que são intelectualmente capazespodem ter mais a ganhar em um estabelecimentointegrado, desde que suas necessidades especiaissejam reconhecidas e acomodadas. Mesmo ascrianças menos capazes podem beneficiar-se,ficando junto de crianças sociáveis, com outrasdificuldades de aprendizado, desde que, uma vezmais, métodos bem elaborados e explícitos deensino as habilitem a obter benefícios.

Infelizmente, muitas crianças autistas com severasdificuldades de aprendizado estão emestabelecimentos em que suas necessidades nãosão reconhecidas e onde elas causamconsideráveis problemas de manejo ao professore à sala. Nestes casos, a melhor solução é oencaminhamento para um atendimentoespecializado (Ellis, 1996).

Síndrome de Asperger

A síndrome de Asperger “caracteriza-se pelo mesmotipo de anormalidades qualitativas de interaçãosocial recíproca que tipifica o autismo, junto comrepertório de interesses e atividades restrito,estereotipado e repetitivo” (OMS,1992).

É considerada como o transtorno mais evoluídosobre o continuum autístico. Essa síndrome foidescrita pelo médico austríaco Hans Asperger em1944, nomeando-a “psicopatia autista”. SegundoKaplan (1997), a descrição original inclui pessoascom inteligência normal e sem atraso nodesenvolvimento da linguagem, porém comcomprometimento da interação social e estranhezade comportamento.

A causa desta síndrome é desconhecida, masestudos familiares sugerem uma possível relaçãocom o transtorno autista, o qual considerahipóteses genéticas, metabólicas e perinatais(Kaplan, 1997).

Nas anormalidades qualitativas de interação social,percebem-se peculiaridades no comportamentonão-verbal, falha no desenvolvimento de relaçõescom seus pares em idade, falta de interesseespontâneo com outros, falta de reciprocidadeemocional ou social (Kaplan, 1997).

As crianças apresentam comportamentos repetitivose estereotipados e reagem de forma inflexível amudanças de rotina. De acordo com o DSM-IV(1995), não existe um atraso significativo nalinguagem. O bom desempenho na fala é, em geral,

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apenas aparente, uma vez que utilizam as palavrase frases de forma estereotipada e repetitiva. Alinguagem é automática e pouco espontânea.

Quanto ao diagnóstico diferencial, o DSM-IV(1995) inclui o transtorno autista, o transtornoinvasivo do desenvolvimento sem outraespecificação e, em pacientes que se aproximamda idade adulta, transtorno da personalidadeesquizóide.

Prevenção e Tratamento

Sendo a síndrome de Asperger considerada comoum transtorno mais evoluído do que o autismoinfantil, tendem a ser benéficas para o tratamentoalgumas das mesmas técnicas usadas para otranstorno autista.

Além da intervenção que o psicólogo faz junto àcriança e à família, já citada no autismo infantil, otrabalho de orientação e acompanhamento éessencial aos professores e profissionais queatendem as crianças nos casos de problemas deaprendizagem, onde são indicadas salas derecuperação para fornecer explicação e revisãoindividualizadas.

Amiralian (1986) aborda a atuação do psicólogonos casos de excepcionalidade e enfatiza que,nesse campo, o psicólogo deve ter conhecimentoe compreensão do desenvolvimento eaprendizagem da criança, ser conhecedor dosefeitos produzidos pela incapacidade nodesenvolvimento afetivo, perceptivo, motor ecognitivo. “Uma outra tarefa a que o psicólogopode ser chamado é para a avaliação diagnósticada criança” (Amiralian, 1986, p.66).

“A avaliação diagnóstica de uma pessoa incapacitadadeve ser centralizada nas suas possibilidades, isto é,na sua capacidade de realização,independentemente de sua limitação física, intelectualou socioemocional” (Amiralian, 1986, p.68).

Síndrome de Rett

A síndrome de Rett é uma condição clínica descritainicialmente por Andréas Rett, em 1966, que afetapacientes do sexo feminino, instalando-se umquadro de deterioração global e progressiva.

No Brasil, os primeiros casos foram identificadospor Rosemberg e colaboradores, que publicaramsuas observações em 1986 e 1987 (apudSchwartzman, 1994).

A Síndrome de Rett, ao menos na sua forma típica,afeta exclusivamente meninas, sendo que os poucos

relatos sobre o acometimento em meninosreferem-se a casos atípicos com manifestaçõesparciais, que não representam, necessariamente,a mesma condição. O primeiro caso de criançado sexo masculino com cariótipo XY com sinais esintomas considerados típicos da síndrome de Rettfoi atendido em 1995, no Brasil (Schwartzman;Souza; Faiwichow; Hercowitz, 1998). Apesar deesse menino atender aos critérios utilizados para odiagnóstico, não foi possível fechar o diagnósticode síndrome de Rett, uma vez que o diagnósticodefinitivo dessa condição dá-se apósacompanhamento de alguns anos. Mesmo queesse diagnóstico não venha a ser confirmado, ocaso continua sendo de grande interesse.

A razão pela qual o sexo feminino é mais afetadonão foi esclarecida. No que diz respeito aosaspectos genéticos, a concordância entre gêmeasmonozigóticas é de 100%. O mecanismo detransmissão também não é conhecido.

A causa do transtorno de Rett é desconhecida. Odesenvolvimento inicial, aparentemente normal ouquase normal, é seguido por um curso deteriorante,por perda total ou parcial das habilidades manuaisadquiridas e da fala e com uma desaceleração docrescimento do crânio (Kaplan, 1997).

Muitos estudos têm sido desenvolvidos parainvestigar a etiologia da síndrome de Rett, sendovários deles voltados para a etiologia genética,embasados em três hipóteses principais: “mutaçãoligada ao “X”, onde o cromossomo X alteradopoderia ser de origem paterna ou materna; mutaçãono zigoto, sendo que, nesse caso, os genitores nãoapresentariam qualquer alteração cromossômica;inativação completa do cromossomo X , o quecomplicaria o fato de as mães de meninos com asíndrome serem assintomáticas” (Zoghbi ; Percy ;Schultz ; Fill, 1990).

Considerando os critérios do diagnóstico, segundoo DSM-IV (1995), o desenvolvimento pré-natal eperinatal nos primeiros 5 meses é aparentementenormal.

Na maioria dos casos, o início é entre 7 e 24 mesesde idade, quando se percebe uma desaceleraçãodo crescimento craniano, perda do envolvimentosocial, aparecimento de marcha ou movimentosdo tronco fracamente coordenados e gravecomprometimento do desenvolvimento dalinguagem expressiva ou receptiva, com severoretardo motor. O aspecto mais característico é umaperda de movimentos propositais das mãos e dashabilidades motoras manipulativas finas adquiridas.As características associadas incluem crisesepilépticas, respiração irregular com episódios dehiperventilação e escoliose. Mais tarde, com a

“A avaliaçãodiagnóstica de uma

pessoa incapacitadadeve ser centralizada

nas suaspossibilidades, isto é,na sua capacidade

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de sua limitaçãofísica, intelectual ou

socioemocional”

Amiralian

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progressão do transtorno, uma espasticidade rígidapode se manifestar (DSM-IV, 1995).

As crianças com esse transtorno podem viver pormais de uma década, porém, após 10 anos dotranstorno, muitas pacientes estão em cadeiras derodas.

Inicialmente, as crianças com síndrome de Rettsão diagnosticadas como autistas, devido àdeficiência acentuada nas interações sociais emambas as síndromes. Porém, existem algumasdiferenças previsíveis que se desenvolvem noprocesso da síndrome, como a perda das aptidõesverbais, problemas respiratórios e desaceleraçãodo desenvolvimento craniano, ausentes noautismo (DSM-IV, 1995).

Prevenção e Tratamento

A prevenção da síndrome de Rett é difícil, uma vezque, na maioria dos casos, a criança apresenta umquadro normal no nascimento, não evidenciandonenhuma característica que revele um transtorno.

O tratamento que pode ser oferecido é sintomáticoe visa a minimizar os prejuízos, prevenir alguns emelhorar a qualidade de vida, segundoSchwartzman (apud Gauderer,1997).Dentro dessetratamento, é fundamental a atuação do psicólogo.

A indicação da terapia comportamental tem sidocitada por Kaplan (1997), pois esta ajuda nocontrole de comportamento autodestrutivopresente na síndrome de Rett.

Para possibilitar melhor qualidade de vida à criançaque se encontra num processo deteriorante, faz-se necessário o trabalho do psicólogo junto àfamília e aos professores que atendem as crianças,acompanhando-os e esclarecendo-os sobre odesenvolvimento da síndrome. Esse tratamentopoderá ser mais eficaz quando realizado com umaequipe multidisciplinar.

Proporcionar acolhida à família, no sentido deminimizar as angústias e sofrimentos, e orientá-lano tratamento com a criança, é papel do psicólogo,o qual pode fazê-lo individualmente ou em grupos,no caso de instituições. Quando se trata doatendimento institucional, o trabalho do psicólogovem somar-se ao da equipe multidisciplinar.

Conclusão

Os transtornos do desenvolvimento infantil sãoextremamente debilitantes, como se podeperceber, exigindo uma dedicação especial equase total da família e de todos os envolvidos.

O comprometimento dos indivíduos é tãocomplexo que fica difícil um tratamento que sejasatisfatório e que funcione em todos os casos.

O conhecimento humano é limitado, desde aetiologia da doença até a intervenção, paraassegurar à criança uma qualidade de vida.

O que se nota é a necessidade de destacar aatuação do psicólogo na equipe multidisciplinar,priorizando uma intervenção que vise aproporcionar às crianças excepcionais e a seusfamiliares uma vida mais digna, mais amena eproveitosa, considerando excepcional “o

indivíduo que se desvia, em grau arbitrário danorma, em uma determinada variável, de modo anecessitar de recursos especiais para desenvolver asua capacidade máxima” (Kaplan, 1997).

Nesse contexto, segundo Amiralian (1978), opsicólogo também poderá fazer esclarecimentos aoutros técnicos sobre as formas e condições deaprendizagem e ajustamento do indivíduo. É partefundamental do processo de reabilitação aavaliação diagnóstica; é o ponto de partida para oestabelecimento dos programas e metas a serematingidos.

Um trabalho de socialização é essencial, no sentidode evitar o preconceito e a discriminação aindaexistentes, proporcionando uma prevençãoprimária, através de elucidações junto às escolas epessoas afins. Deixar esses indivíduos viverem no

Proporcionaracolhida à família, nosentido de minimizaras angústias esofrimentos, e orientá-la no tratamento coma criança, é papeldo psicólogo, o qualpode fazê-loindividualmente ouem grupos, no casode instituições.

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seu mundo particular é muito cômodo e pareceser uma maneira de negar responsabilidade paracom esses seres humanos e suas famíliasangustiadas, necessitadas de esperança.

O trabalho do psicólogo e da equipemultidisciplinar, com a família, resulta em melhor

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qualidade de vida para a pessoa portadora dasíndrome. Todos podem ajudar a construir essecaminho e, em especial, o psicólogo, que poderáatuar diretamente com os sentimentos, expectativase desejos de uma vida menos dolorosa e maissuave.

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Recebido 31/07/02 Aprovado 08/08/04

José Carlos Souza, Liliane Leite Fraga,Marlene Rodrigues de Oliveira,Marli dos

Santos Buchara, NeusaCarmelinaStraliotto, Senir Pereira do Rosário

& Tânia Mara Rezende Rua Theotônio Rosa Pires, 88, Vila Rosa

Pires, CEP 79004-340, Campo Grande, MS.Tele/fax: (67) 325-0990

E-mail:[email protected]/docentes/josecarlos

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Referências