Atualização em Esclerose Lateral Amiotrófica

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Artigo de Atualização sobre Esclerose Lateral Amiotrófica, publicado na Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba.

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Page 1: Atualização em Esclerose Lateral Amiotrófica

ATUALIZAÇÃO / UPDATE

ATUALIZAÇÕES EM ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICALATERAL AMYOTROPHIC SCLEROSIS: AN UPDATE

David Gonçalves Nordon , Sandro Blasi Espósito1 2

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Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 11, n. 2, p. 1 -3, 20091 - Acadêmico do curso de Medicina - CCMB/PUC-SP2 - Professor do Depto. de Medicina - CCMB/PUC-SP

Contato: [email protected] em 6/10/2008. Aceito para publicação em 18/3/2009.

Doença do neurônio motor, cursa com atrofia muscularprogressiva, de evolução rápida (até cinco anos, em média) einexorável. Há diversas teorias a respeito de sua etiologia, quese acredita ser multifatorial; seu quadro clínico é variável deacordo com o paciente no que concerne sinais, sintomas,gravidade e evolução. O tratamento atual é multidisciplinar ebasicamente paliativo, com média ampliação da sobrevida.As perspectivas futuras para o tratamento se depositam nascélulas-tronco e fatores decrescimento.Descritores: esclerose amiotrófica lateral, doença dosneurônios motores.

A disease of the motor neuron, the Lateral AmyotrophicSclerosis causes a fast (up to mean five years), progressiveand inexorable muscular atrophy. There are several theoriesregarding its etiology, which is believed to be multifactorial;it's clinical presentation differs according to the patient,concerning to signs, symptoms, severity and course. Thecurrent treatment is multidisciplinary e basically palliative,with medium survival enhance. The future perspectives forthe treatmentarebased on steamcells and growth factors.Key-words: amyotrophic lateral sclerosis, motor neurondisease.

Doença do neurônio motor caracterizada pela atrofiaprogressiva, atonia, arreflexia e fraqueza musculares. Pode tertrês apresentações, não obrigatoriamente separadamente,como comprometimento dos neurônios motores inferiores,superiores oudo troncocerebral.

Conhecida, ainda que precariamente, desde 1830, aEsclerose Lateral Amiotrófica (ELA) já recebeu dezenas dedescrições e nomes diferentes: Atrofia Muscular Progressiva,Paralisia Bulbar Progressiva, Esclerose Lateral Primária. Em1933, todos os nomes foram incluídos em um grupo deDoenças do Neurônio Motor (DNM); com o passar do tempo,porém, a ELA e as DNM foram consideradas uma só, pelosmesmos autores e, desde então, os outros integrantes do grupopassaramaser subtipos daELA.

Na década de 30, a doença se tornou conhecida devidoao famoso jogador de beisebol Lou Gehrig, portador dadoença, que padeceu em apenas três anos. Atualmente, o maiorexemplo vivo é o físico Stephen Hawking, que, com 66 anos,permanece, aindaqueparalisado por fora, vivo por dentro.

A doença atinge de 1 a 2/100.000 pessoas, e suaincidência está aumentando ultimamente devido, acredita-se,ao aumento da cobrança e popularização dos esportes de altodesempenho. Acomete homens em uma proporção até duasvezes maior que mulheres e se manifesta a partir da quintadécada de vida, geralmente; 5% a 10% dos casos sãofamiliares.

Tem uma evolução inicial linear, porém sua progressãopode ser 30 vezes mais rápida ou mais lenta; é difícil de saberqual seráoseu curso.

Ainda não se tem uma causa exata para a ELA, e tudo,por enquanto, ainda caminha ao redor de teorias. Mesmo opadrão familiar (que conta por 5% a 10% dos casos), que sedeve a alterações genéticas, não explica tudo; em 20% doscasos familiares, uma alteração no gene do cromossomo 21,responsável pela enzima cobre/zinco superóxido dismutase(SOD), promoveria um acúmulo de superóxidos, os quaislesariam as células, o que condiz com a teoria etiológica delesão por radicais livres. Contudo, o que dizer dos outros 90%de portadores da doença que não apresentam um padrãofamiliar e nem alterações genéticas (apenas 1% dos portadoresda formaesporádicaapresentamalteração nestegene)?

Hoje, a principal teoria é multifatorial; uma exposiçãoambiental deletéria em indivíduos suscetíveis geneticamentelevaria às lesões neuronais. Os possíveis fatores ambientais sãoinfecções virais e reações inflamatórias causadas pelosmicrotraumas gerados pelo esporte de alto desempenho (o quepode explicar a incidência maior e mais precoce em esportistasde alto nível), que levariam a uma reação autoimune contra aprópria célula nervosa. Ademais, acredita-se que ocorra umfenômeno de excitotoxicidade, ou seja, pessoas suscetíveis,com metabolismo alterado de glicina, teriam um excesso destasubstância, que aumenta a função dos receptores de NMDA.Com isso, o estímulo mediado pelo glutamato seria maior e,como consequência deste, enzimas digestivas seriam ativadas,levando à destruição da célula. Os maiores apoios ecomprovação desta teoria são os medicamentos atualmenteutilizados, que bloqueiam os receptores de glutamato epermitemumaumentoconsiderávelda sobrevida.

Outras teorias incluem defeitos em neurofilamentos,provocando inchaços e destruição da célula; deficiência defatores tróficos transportados por fluxo axoplasmático;estresse oxidativo e lesão mitocondrial (ambos secundários aoacúmulo de radicais livres).

A seleção exclusiva para o sistema nervoso se deve àsua alta taxa oxidativa, à propensão ao acúmulo de íonsmetálicos e também à sua menor quantidade de sistemasantioxidativos; já a seletividade com relação ao neurôniomotor se deve ao maior tamanho de seu pericário, à maiorquantidade e comprimento de seus axônios e citoesqueleto e àmenor quantidade de receptores para neurotrofinas, entreoutros. Como geralmente a doença só é descoberta quando50% dos neurônios motores já foram perdidos, é difícil saber sea origem é no córtex motor ou na medula. Há desavenças atémesmosea lesãoocorreprimeirono axônio ounodendrito.

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO

ETIOFISIOPATOLOGIA

3

1,2,3

1,2,3

4

1,3,4

4

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Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 11, n. 2, p. 1 - 3, 2009

O exame do portador demonstra uma lesãonas porções anteriores e laterais da medula espinhal e no córtexmotor cerebral (quesãovisíveis emexames de imagem).

O quadro clínico é diferente, inicialmente, de acordocom a região primariamente afetada, daí a dificuldade antiga dese diferenciar os tipos de DNM, quando todas pareciam levarpara o mesmo fim e ter o mesmo mecanismo fisiopatológico, emesmoemsediagnosticar comcertezaaELA.

Em lesões do neurônio motor superior, ou seja, do córtexmotor primário até a primeira sinapse na medula espinhal,apresenta-se um quadro de fraqueza com sinais de liberaçãopiramidal (aumento dos reflexos tendinosos, espasticidade,sinal de Babinski). Tais sinais, contudo, podem ser encobertosse ocorrerem concomitante a lesões do neurônio motor inferior(da medula espinhal até a placa neuromuscular), que geramatonia, arreflexia, atrofia e fasciculações. As apresentações delesões dos neurônios motores do tronco cerebral, por sua vez,provocamdisartria, disfagiaedisfonia.

O diagnóstico atualmente é feito de acordo com critériosdo , que, embora nãosejam perfeitos, são os mais sensíveis e específicos disponíveisaté agora. De acordo com ele, a ELAé definida se é comprovávellesão de neurônios motores inferiores (NMI) e superiores (NMS)em três ou mais regiões (tronco cerebral, membros superiores,tórax,membros inferiores).Éprovável seocorreemduas regiões,possível se em NMI e NMS em uma região ou apenas NMS emduas ou três regiões, e suspeita se afeta NMI em duas ou trêsregiões.

Comprometimento dos nervos cranianos que controlam avisão e a musculatura ocular e dos nervos sacrais, responsáveispelo controle dos esfíncteres, usualmente não ocorre (acredita-se,pordiferençasnosreceptoresdeglutamato).

O , por sinal, baseia-se na premissa de quenão há comprometimento sensitivo, autonômico, visual, mal deParkinson ou outras alterações de outras doenças que poderiamexplicar os sintomas. O diagnóstico é dado por demonstraçãoclínica, eletroneuromiográfica ou anatomopatológico de lesãodos neurônios motores.

É essencial, através da eletroneuromiografia, confirmara presença de comprometimento do NMI em regiõesclinicamente comprometidas e também nas aparentemente nãocomprometidas. Já a neuroimagem pode subsidiar ao ajudar aexcluir outras doenças que poderiam mimetizar a ELA ouconfirmar a lesão de NMS, enquanto exames laboratoriaispoderiam excluir outras doenças semelhantes. Contudo, não hánenhum exame, ainda, que seja um marcador definitivo deELA.³

O diagnóstico, contudo, ainda hoje é complexo;geralmente, o portador só chega ao especialista depois de umtempo relativamente longo para a doença, e o tempo entre osprimeiros sintomas e o diagnóstico é, em média, 12 meses, ouseja, ao redor de um terço da sobrevida esperada para o portador.Cerca de 10% dos diagnósticos, entretanto, ainda são errôneos,especialmente quando se observa que o curso da doença épraticamente específico para cada portador, com relação aossintomas, suagravidadeeseu tempodeprogressão.³

A expectativa de vida com a doença é de seis meses atrês anos na apresentação bulbar, e de três a cinco anos nasoutras apresentações.

Diversos tratamentos estão sendo pesquisados, muitosem fase 2 e 3 de teste; o único comprovado até o momento,porém, é o riluzole, droga inibidora da excitoxicidade peloglutamato, que aumenta a sobrevida de três a seis meses, o quepode parecer pouco, mas é significativo para um portador,representando, às vezes, até uma duplicação da sua sobrevida.Seu efeito, contudo, restringe-se a isso, o que deve serinformadoà família.

O tamoxifeno, atualmente em fase 2 de testes, tem sidoestudado por inibir uma das vias de excitotoxicidade doglutamato, agindo como neuroprotetor. Seus resultados têmsido animadores, com melhora da sobrevida em relação aoplacebo. O arimoclomol, outra droga em fase 2 de testes,promove a ação das chaperonas, estimulando a recuperaçãocelular. Haveria com ele uma melhora na função muscular eaumentonasobrevidado motoneurônio em22%.

Outra substância pesquisada, atualmente em fase 3, é aminociclina. Havia grande expectativa a seu respeito, porém,foi demonstrado que não possui qualquer mudança na históriaclínica da doença. Do mesmo modo, muitas esperanças,dentre elas fatores de crescimento e antioxidantes, mostraram-se inefetivos. Vitaminas C e E ainda são indicadas porpromoverem uma pequena melhora e não possuírem qualquercontraindicação.

O tratamento atualmente é multidisciplinar; portadorese seus familiares precisam da ajuda de médicos, enfermeiros,psicólogos, fisioterapeutas e não raro outros profissionais daárea da saúde, como acupunturistas. Além do suportepsicológico, uma abordagem fisioterapêutica pode ser efetivacom relação à dinâmica respiratória do paciente (existem hojeaparelhos que ajudam na aspiração das vias aéreas dosportadores e podem ser usados em casa); ademais, por ser umadoença principalmente catabólica, é necessário um aumento naingesta de nutrientes, em alguns casos em até duas vezes onormal. Em muitos portadores no início da doença e em até 60%até o fim dela, faz-se necessário o uso de uma sondanasogástrica ou, em casos extremos, gastrostomia para evitar adesnutrição.

Deve-se levar em conta, outrossim, que a doença épredominantemente motora (embora haja associações comdemência e doença deAlzheimer), o que significa que, apesar detudo, o portador ainda está lúcido, preso a um corpo apenasparcialmente funcionante. Portanto, o conforto para ele éessencial tualmente existem cadeiras especiais, mecanizadas,que se movem apenas sob o comando da movimentação dosolhos.

As grandes esperanças, atualmente, residem embasicamente três terapias:- Fatores de crescimento:³ embora a grande maioria tenhatrazido insucessos até agora, espera-se que, com a futuramelhora tecnológica, sejamos capazes de controlá-los e utilizá-los propriamente.- Terapia gênica: com uma mutagênese localizada empontos importantes do DNA, responsáveis pela lesão ou pelarecuperação da célula, em especial o SOD. Espera-se mais umcaminho para a prevenção da progressão da doença ou, pelomenos, melhora dos sintomas.Todos os estudos, contudo, aindanãochegaramaos testes comhumanos.

post mortem

El Escorial World Federation of Neurology

El Escorial

QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

TRATAMENTOS

PERSPECTIVAS

1,3

1,3

3,5

5

3,5

6

3,6

3,7

. A ,

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- Terapia com células-tronco:³ a maior esperança daatualidade, talvez até mesmo como uma panacéia, já utilizadapara o tratamento de esclerose múltipla no Hospital AlbertEinstein e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicinada USP, em Ribeirão Preto, por enquanto ainda não tem obtidoresultados na ELA; é necessária, além da implantação dascélulas-tronco, a promoção da liberação de fatores decrescimento locais para que ela se desenvolva e promovasinapses.Até que tal promoção seja controlada, os avanços comcélulas-tronco ficam relativamente restritos. A esperançarepousa, portanto, igualmente no desenvolvimentotecnológico.

A Esclerose Lateral Amiotrófica é, portanto, umadoença multifatorial, sem causa ainda conhecida, de cursoinexorável e rápido, com apenas tratamentos paliativos quepodem somente aumentar a sobrevida do portador. Um fardotanto para a família como para o portador, que cabe a umaequipe multidisciplinar ajudar a compartilhar o peso para quetranscorra da melhor forma possível até que uma cura, ou algopróximo dela, sejaencontrada.

REFERÊNCIAS

1. Russel JA. Aspectos gerais da Doença do Neurônio Motor.In: Jones Jr. HR. Neurologia de Netter. Porto Alegre, RS:Artmed; 2005. p. 792-804.

2. Frosch MP, Anthony DC, Girolami U. Esclerose lateralamiotrófica. In: Kumar V, Abbas AK, Fausto N. Robbins &Cotran patologia: bases patológicas das doenças. 7ª ed. Riode Janeiro: Elsevier; 2005. p. 1463.

3. Assoc iação Bras i l e i r a de Esc le rose La te ra lAmiotrófica. Cartilha de Atualização [monografia naInternet]. São Paulo: ABRELA; 2008. Disponível em:http://www.abrela.org.br/PDF/primeiro_manual.pdf

4. Silva HCA. Etiopatogenia da ELA: causa única ou váriascausas? Rev Neurociênc. 2006; 14(2):35-42.

5. Marrone CD. Drogas com maior potencial de uso naesclerose lateral amiotrófica. Rev Neurociênc. 2006;14(2):52-6.

6. Stanich P. Suplementação nutricional em pacientes comdoença do neurônio motor/esclerose lateral amiotrófica.Rev Neurociênc. 2006; 14(2):72-5.

7. Mitne-Neto M, Zatz M. Terapia gênica: futuro tratamentopara a esclerose lateral amiotrófica? Rev Neurociênc. 2006;14(2):86-90.

Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba

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Alexandre Eduardo F. VieiraAlfredo BauerAntônio A. R. ArgentoAntônio Matos FontanaAntônio RozasCarlos von Krakauer HübnerCeleste Gomez Sardinha OshiroCelso Augusto N. SimonetiCibele Isaac Saad RodriguesClodair Carlos PintoDeborah Regina Cunha SimisDiana TannosEdie Benedito CaetanoEduardo Álvaro VieiraEduardo Martins MarquesEnio Márcio Maia GuerraFatima Ayres de AraújoScattolinFernando BiazziGilberto Santos NovaesGladston Oliveira MachadoGodofredo Campos Borges

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