Atualização do Coren sobre o uso de antissépticos na pele - 2009

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1 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO Atualização sobre anti-sépticos São Paulo, 12 de março de 2.009. A PELE HUMANA É o maior órgão do corpo humano e suas principais funções são a proteção entre o indivíduo e o ambiente, realização da termo-regulação e recepção de estímulos do ambiente. A pele apresenta microbiota transitória e residente. A microbiota transitória é composta por microrganismos “contaminantes” ou “não colonizantes”, ou seja, microrganismos que contaminam a pele, mas não estão consistentemente presentes na maioria das pessoas e são facilmente removidos por fricção mecânica com água e sabão. Na microbiota residente os microrganismos habitam e se multiplicam nas camadas mais profundas da pele como glândulas sebáceas, folículos pilosos e no leito das feridas abertas, não sendo totalmente removidos com a fricção mecânica. As principais fontes de microrganismos são de origem endógena que compreende a microbiota do local do procedimento ou proveniente de um sítio remoto. Os de origem exógena são os presentes nos profissionais como, por exemplo, nas mãos, cabelos e nasofaringe. O ambiente (sala cirúrgica, material cirúrgico contaminado, equipamentos, insumos, dentre outros) também pode ser considerado como uma fonte importante de microrganismos. Por fim citamos os reservatórios inanimados como, por exemplo, os anti-sépticos contaminados. DEFINIÇÃO DE TERMOS Anti-sepsia : é o processo de eliminação ou inibição do crescimento dos microrganismos na pele e mucosas, sendo realizado através da aplicação de um agente anti-séptico. Artigo de atualização escrito pelo Dr Dirceu Carrara e Ariane Ferreira Machado, membros da CÂMARA TÉCNICA DO COREN-SP, gestão 2008-2011.

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CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO

Atualização sobre anti-sépticos

São Paulo, 12 de março de 2.009.

A PELE HUMANA É o maior órgão do corpo humano e suas principais funções são a proteção entre o indivíduo e

o ambiente, realização da termo-regulação e recepção de estímulos do ambiente.

A pele apresenta microbiota transitória e residente. A microbiota transitória é composta por

microrganismos “contaminantes” ou “não colonizantes”, ou seja, microrganismos que

contaminam a pele, mas não estão consistentemente presentes na maioria das pessoas e são

facilmente removidos por fricção mecânica com água e sabão. Na microbiota residente os

microrganismos habitam e se multiplicam nas camadas mais profundas da pele como glândulas

sebáceas, folículos pilosos e no leito das feridas abertas, não sendo totalmente removidos com

a fricção mecânica.

As principais fontes de microrganismos são de origem endógena que compreende a microbiota

do local do procedimento ou proveniente de um sítio remoto. Os de origem exógena são os

presentes nos profissionais como, por exemplo, nas mãos, cabelos e nasofaringe. O ambiente

(sala cirúrgica, material cirúrgico contaminado, equipamentos, insumos, dentre outros) também

pode ser considerado como uma fonte importante de microrganismos. Por fim citamos os

reservatórios inanimados como, por exemplo, os anti-sépticos contaminados.

DEFINIÇÃO DE TERMOS

Anti-sepsia: é o processo de eliminação ou inibição do crescimento dos microrganismos na

pele e mucosas, sendo realizado através da aplicação de um agente anti-séptico.

Artigo de atualização escrito pelo Dr Dirceu Carrara e Ariane Ferreira Machado, membros da CÂMARA TÉCNICA DO COREN-SP, gestão 2008-2011.

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Anti-séptico: formulação hipoalergênica, de baixa causticidade, com função de destruir

microrganismos ou inibir o seu crescimento quando aplicados sobre tecidos vivos.

Degermante: anti-séptico associado a um agente tensoativo (detergente).

Tópico: anti-séptico em veículo aquoso.

Tintura: anti-séptico em veículo alcoólico.

CARACTERÍSTICAS DO ANTI-SÉPTICO IDEAL O anti-séptico ideal deve apresentar amplo espectro de ação, ação rápida, presença de efeito

residual, baixa toxicidade, baixa inativação na presença de matéria orgânica, estabilidade, não

corrosividade, odor agradável, boa aceitação pelo usuário e disponibilidade no mercado local.

O efeito cumulativo não é desejável.

SELEÇÃO DE ANTI-SÉPTICO Para a seleção do anti-séptico devemos considerar os que apresentam ausência de absorção

pela pele ou membranas mucosas; o efeito residual é desejável se for para preparo da pele

pré-operatório ou proteção de dispositivos inseridos como, por exemplo, os cateteres e os

drenos. O início da ação deve ser rápida para garantir que o procedimento seja iniciado na

presença da ação do mesmo economizando tempo, principalmente em situações de

emergência; assegurar a eficácia na diminuição da microbiota; apresentar amplo espectro de

ação; considerar a aceitação pelo usuário em termos de odor, conforto e facilidade no uso e

ausência de intolerâncias; avaliar cada aplicação de acordo com a indicação e finalidade (vide

Quadro 01).

CUIDADOS NA AQUISIÇÃO E USO Para aquisição dos anti-sépticos, o profissional deve exigir laudos microbiológicos, teste de

irritabilidade cutânea e ocular, registro como medicamento em órgão competente do Ministério

da Saúde, boas práticas de fabricação do fabricante e rotulagem conforme normas vigentes;

adquirir frascos de pequeno volume e descartável ou dispensadores fechados e com lacres,

dispensadores de parede de áreas críticas que permitam limpeza, desinfecção e secagem,

acionados pelo cotovelo, pés ou célula fotoelétrica. Os dispensadores de parede comuns,

geralmente utilizados nos postos de enfermagem, devem permitir a limpeza e desinfecção.

No cuidado com as almotolias de anti-sépticos o enfermeiro deve supervisionar o uso

individual, troca semanal, identificação clara e em local visível, informando nome do produto,

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data de abertura e nome do profissional responsável pela abertura e a proteção da borda da

almotolia.

ANTI-SÉPTICOS RECOMENDADOS ÁLCOOL (ETÍLICO E ISOPROPÍLICO)

• Início da ação efetiva: 15 segundos.

• Mecanismo de ação: desnaturação das proteínas das células bacterianas com

conseqüente morte celular.

• Espectro de ação: excelente.

• Concentração: 60 a 90%, sendo a 70% mais adequada por apresentar melhor efeito

anti-séptico com menor abrasividade para a pele.

• Efeito residual: nenhum.

• Vantagens: rápida ação e baixo custo.

• Desvantagens: ressecamento da pele do profissional em uso repetido, inativação do

anti-séptico na presença de matéria orgânica, volátil e inflamável.

• Indicações: anti-sepsia da pele para procedimentos de curta duração como por

exemplo, punção venosa intermitente para coleta de amostras de sangue para exames

laboratoriais (INS, 2006; INS, 2008).

GLUCONATO DE CLOREXIDINA

• Início da ação efetiva: 15 segundos.

• Mecanismo de ação: ruptura da parede celular e precipitação dos componentes internos

da célula com conseqüente morte celular.

• Espectro de ação: excelente contra os microrganismos Gram positivos, boa contra

Gram negativos, fungos e vírus, pouca contra o bacilo da tuberculose.

• Efeito residual: excelente (6 a 8 horas).

• Concentração: solução degermante a 2 ou 4%; solução alcoólica a 0,5% e solução

aquosa a 0,2%.

• Vantagens: baixa toxicidade, absorção e irritabilidade, atividade não é afetada na

presença de matéria orgânica. É uma boa alternativa para pacientes e profissionais

alérgicos ao iodo.

• Desvantagens: é fórmula-dependente, cuidados específicos devem ser tomados quanto

a formulação e estabilidade da solução. Não utilizar no globo ocular, ouvido médio,

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cérebro, meninges e irrigação de cavidades corpóreas. Causa manchas em tecidos

quando alvejados com Cl- (cloro).

IODO

• Início da ação efetiva: imediato.

• Mecanismo de ação: oxidação/substituição do conteúdo celular por iodo livre levando a

morte celular.

• Espectro de ação: boa contra bactérias Gram positivas e Gram negativas, regular contra

fungos, micobactérias e vírus.

• Efeito residual: mínimo.

• Concentração: 0,5 a 1% diluído em álcool 70%.

• Vantagens: tempo de ação rápido, espectro amplo e baixo custo.

• Desvantagens: alergia, queimaduras e irritações; inativação na presença de matéria

orgânica; apresenta curta estabilidade após a manipulação da formulação e

decomposição pela exposição excessiva à luz e ou calor. Pode causar hipotireoidismo

quando utilizado em recém-nascidos.

• Quando existir a preferência pelo uso de soluções contendo iodo, recomenda-se o uso

de iodóforos.

IODÓFOROS

• Início da ação efetiva: intermediário (1 a 2 minutos).

• Espectro de ação: bom contra as bactérias Gram positivas e Gram negativas, fungos,

micobactérias e vírus.

• Mecanismo de ação: penetram a parede celular dos microrganismos, oxidam e

substituem o conteúdo microbiano por iodo livre levando a morte celular.

• Efeito residual: regular (2 a 4 horas).

• Concentração: 10%, com 1% de iodo livre.

• Vantagens: não mancham tecidos, causam menor irritabilidade na pele e toxicidade que

o iodo.

• Desvantagens: redução da atividade na presença de matéria orgânica e pode causar

hipotireoidismo em recém nascidos.

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TRICLOSAN (IRGASAN DP 300)

• Início da ação efetiva: intermediário.

• Mecanismo de ação: ruptura das paredes celulares com inativação do microrganismo.

• Espectro de ação: boa contra as bactérias Gram positivas e a maioria das Gram

negativas, com exceção à Pseudomonas aeruginosa, pouca atividade fungicida,

micobactérias e para vírus apresenta espectro duvidoso.

• Efeito residual: 4 horas.

• Concentração: 0,3 a 2,0%.

• Vantagens: não é tóxico, alergênico, mutagênico ou carcinogênico em potencial.

Atividade minimamente afetada por matéria orgânica.

• Desvantagem: espectro limitado, não age contra Pseudomonas aeruginosa.

PRINCÍPIOS ATIVOS NÃO RECOMENDADOS Acetona, éter e clorofórmio: ação germicida desprezível, causam ressecamento e esfoliação da

pele e mucosas.

Hexaclorofeno: espectro limitado, agindo somente contra bactérias Gram positivas. É

neurotóxico quando utilizado em prematuros.

Líquido de Dakin (hipoclorito de sódio 0,5%): inativado na presença de matéria orgânica, é

altamente instável e causa danos ao tecido de granulação.

Mercuriais orgânicos: espectro limitado e são apenas bacteriostáticos, são inativados na

presença de matéria orgânica e podem causar reação de hipersensibilidade, além de

apresentarem potencial teratogênico.

Peróxido de hidrogênio 3% (água oxigenada): é instável, sofre inativação por matéria orgânica

e necessita de longo período de contato para apresentar ação anti-séptica. É oxidante e causa

danos ao tecido de granulação.

Quaternários de amônio: espectro limitado, têm pobre ação contra bactérias Gram negativas e

micobactérias. São inativados na presença de matéria orgânica e agentes aniônicos.

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Quadro 01. Resumo das características da ação dos anti-sépticos.

Grupo G + G - Micobact. Fungos Vírus Início da ação efetiva

Obs

Álcoois +++ +++ +++ +++ +++ Rápida Sem atividade persistente

Gluconato de clorexidina

+++ ++ + + +++ Intermediária Atividade persistente

Compostos Iodados

+++ +++ +++ ++ +++ Intermediária Irritação cutânea

Iodóforos +++ ++ + ++ ++ Intermediária Menos irritantes que iodo

Triclosan +++ - + - +++ Intermediária Atividade persistente

Bibliografia

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