Atração Entre as Pessoas Um Fenômeno Complexo

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1/5 ATRAÇÃO ENTRE AS PESSOAS: UM FENÔMENO COMPLEXO Por Iara Camaratta Anton A “química” do amor Por mais que tentemos explicar racionalmente nossas escolhas, o fato é que os ingredientes que produzem atração, repúdio ou indiferença são, na sua maior parte, inconscientes. Vale ressaltar que a tão falada “química do amor” tem a ver com as reações que produzimos uns nos outros. Curiosamente, muitas vezes as escolhas não “fecham” com os critérios que , conscientemente, julgamos adotar. Todos nós podemos observar casais que parecem maravilhosos, feitos sob medida, um para o outro e, no entanto, ou o vínculo não se forma, ou vivem em meio a conflitos infernais. Aí estão as “novelas da vida”! Gosto muito da metáfora de Freud, acerca do mundo inconsciente: o que se vê, é a ponta do ‘iceberg’, mas aquilo que o sustenta, oculto sob as águas, é infinitamente maior. Assim, quando fazemos escolhas felizes ou infelizes, temos que admitir que aquilo que nos move e nos sustenta é, em sua maior parte, invisível. E os neurocientistas, que cada vez mais se aprofundam nos mistérios do cérebro humano, fazem referências a memórias muito remotas, muito profundas, que, contudo, influenciam naquilo que vivemos hoje. Nosso modo de ser e de agir e, portanto, nossas escolhas, não são frutos do acaso. Elas representam a integração entre passado, presente e futuro, entre mundo externo e mundo interno… A comunicação humana se dá sob a forma da palavra oral ou escrita, mas se dá, principalmente, através de recursos não verbais, dos quais, na maior parte do tempo, sequer temos consciência. O tom de voz, o ritmo da fala… O modo de falar, de sorrir, todos os gestos, todas as posturas… Os odores, naturais, cíclicos ou, mesmo, elaborados pelos perfumistas… A verdade é que sinais mínimos podem provocar intensas reações. E é por aí que nos sentimos ou não atraídos uns pelos outros… Reciprocidades Adorável coincidência quando a atração encontra reciprocidade e é justamente a reciprocidade que estabelece, entre alguns casais, a chamada “química do amor”. Mas não necessariamente é isso que ocorre. Algumas pessoas parecem irresistivelmente atraídas por quem sequer as percebe. Pior: por quem as maltrata e despreza. Outras, “inocentemente”, são apaixonadas por seus ídolos, cultivando amores platônicos… Por quê? Para quê? E mais: o fato de a atração ser recíproca, não significa, por si só, que seja feliz e que acrescente tudo de bom na vida de ambos. Temos que acentuar que somos movidos por forças inconscientes, tendo em vista objetivos também inconscientes. Se formos razoavelmente bem- sucedidos em nossos vínculos, está ótimo. Se tendermos a repetir fracassos, seria muito bom repensarmos nossa história e nos compreendermos mais profundamente, para, então, nos libertarmos de possíveis amarras.

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Neste texto a Psicóloga Iara Camaratta Anton procurar dissertar sobre como se dá o processo de encontro entre os casais e quais são os diversos fatores que colaboram para que ele aconteça.

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    ATRAO ENTRE AS PESSOAS: UM FENMENO COMPLEXO

    Por Iara Camaratta Anton

    A qumica do amor Por mais que tentemos explicar racionalmente nossas escolhas, o fato que os ingredientes que produzem atrao, repdio ou indiferena so, na sua maior parte, inconscientes. Vale ressaltar que a to falada qumica do amor tem a ver com as reaes que produzimos uns nos outros. Curiosamente, muitas vezes as escolhas no fecham com os critrios que , conscientemente, julgamos adotar. Todos ns podemos observar casais que parecem maravilhosos, feitos sob medida, um para o outro e, no entanto, ou o vnculo no se forma, ou vivem em meio a conflitos infernais. A esto as novelas da vida! Gosto muito da metfora de Freud, acerca do mundo inconsciente: o que se v, a ponta do iceberg, mas aquilo que o sustenta, oculto sob as guas, infinitamente maior. Assim, quando fazemos escolhas felizes ou infelizes, temos que admitir que aquilo que nos move e nos sustenta , em sua maior parte, invisvel. E os neurocientistas, que cada vez mais se aprofundam nos mistrios do crebro humano, fazem referncias a memrias muito remotas, muito profundas, que, contudo, influenciam naquilo que vivemos hoje. Nosso modo de ser e de agir e, portanto, nossas escolhas, no so frutos do acaso. Elas representam a integrao entre passado, presente e futuro, entre mundo externo e mundo interno A comunicao humana se d sob a forma da palavra oral ou escrita, mas se d, principalmente, atravs de recursos no verbais, dos quais, na maior parte do tempo, sequer temos conscincia. O tom de voz, o ritmo da fala O modo de falar, de sorrir, todos os gestos, todas as posturas Os odores, naturais, cclicos ou, mesmo, elaborados pelos perfumistas A verdade que sinais mnimos podem provocar intensas reaes. E por a que nos sentimos ou no atrados uns pelos outros Reciprocidades Adorvel coincidncia quando a atrao encontra reciprocidade e justamente a reciprocidade que estabelece, entre alguns casais, a chamada qumica do amor. Mas no necessariamente isso que ocorre. Algumas pessoas parecem irresistivelmente atradas por quem sequer as percebe. Pior: por quem as maltrata e despreza. Outras, inocentemente, so apaixonadas por seus dolos, cultivando amores platnicos Por qu? Para qu? E mais: o fato de a atrao ser recproca, no significa, por si s, que seja feliz e que acrescente tudo de bom na vida de ambos. Temos que acentuar que somos movidos por foras inconscientes, tendo em vista objetivos tambm inconscientes. Se formos razoavelmente bem-sucedidos em nossos vnculos, est timo. Se tendermos a repetir fracassos, seria muito bom repensarmos nossa histria e nos compreendermos mais profundamente, para, ento, nos libertarmos de possveis amarras.

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    Epa! Estou falando em vnculos?! Mas claro que nem toda a atrao resulta em vnculos. Muitas gratificantes ou no mostram-se efmeras. Outras vo, passo a passo, estendendo suas razes e dando origem a relacionamentos duradouros. Mas quero insistir que ser duradouro no significa ser, necessariamente, de boa qualidade. Compulso repetio nas escolhas amorosas Buscar eternamente o mesmo padro uma tendncia que poderia ser compreendida de muitas diferentes formas. Cabe lembramos aquele velho refro: cada caso um caso. Mas podemos ensaiar algumas respostas, baseadas em estudos bastante consistentes, ligados psicologia, psicanlise, filosofia, sociologia e, novamente, s pesquisas desenvolvidas por neurocientistas. Vamos alinhar algumas hipteses: - Quem fornece a inspirao para nossas buscas amorosas? Nossos pais (ou seus substitutos) constituem nossos primeiros modelos de identificao e objetos de amor. Com eles, aprendemos em que consiste ser homem ou mulher, amar e ser amado. O esquecimento das experincias precocemente vividas no significa que elas se apagaram dentro de ns. Muito pelo contrrio: sobre estes alicerces que se edificou nosso prprio eu. Assim, nossas experincias emocionais, o que realmente nos mobiliza, parecem no ter muita explicao Mas tm! O Complexo de dipo, por exemplo, faz com que tomemos nossos pais e mes como referncias mpares, por vezes a tal ponto que nos inspiram para eternas buscas, mantendo para sempre o mesmo padro de repetio. Por vezes, essa tendncia merece ser considerada uma verdadeira compulso repetio, e isso pode ser muito frustrante! - E quando somos filhos de pais e/ou de mes omissos e ausentes, ou que se desrespeitam continuamente, ou que so fora da lei, dando-nos aquilo que a sociedade classifica como maus exemplos? E quando fomos vtimas de abusos, de maus-tratos? No temos como negar a influncia desses fatos em toda a nossa histria e na constituio de nossa personalidade. Tudo isso est por baixo de nossas escolhas, felizes ou infelizes. A questo no ter sofrido mais, ter enfrentado piores desafios. Est em como tudo isso repercutiu em ns. Algumas pessoas so impressionantemente fortes, com altssimo poder de resilincia e com uma capacidade de aprendizagem fora do comum. Ao invs de ficarem remoendo tristes memrias, lastimando-se e cultivando ressentimentos, erguem a cabea, pem mos obra e se mostram muito competentes em suas escolhas e no modo como abraam suas causas. Mas, se este no o nosso caso, se seguimos de tropeo em tropeo, insistindo nas mesmas escolha infelizes, est mais do que na hora de buscar ajuda teraputica. Esta pode ser uma excelente escolha! - Desde cedo, somos treinados para exercer determinados papis e funes, em nossas famlias de origem e na sociedade da qual fazemos parte. Assim, desenvolvemos tendncias, habilidades, estilos; somos estimulados a ser e a agir de determinadas formas, bem como desestimulados ou impedidos sob outros aspectos. A tendncia que, firmadas tais caractersticas, nos tornemos especialistas em sermos ns mesmos! Tudo isso influencia em nossas atraes e nas atraes que despertamos. Assim, vamos escolhendo amigos, parceiros de trabalho e, tambm, nossos amores Passo a passo, os diferentes pares vo fazendo adaptaes e tentando encaixar, uns aos outros, no modelo prvio. No havendo o encaixe, podem surgir as primeiras grandes decepes. E l vamos ns em busca de outras pessoas que possam corresponder ao modelito pr-estabelecido

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    - Por vezes, o trmino de uma relao faz com que seja recriado o mesmo tema com seus novos pares, ainda que se possa mudar de lugares e de funes. Aquele que era submisso, em seu novo elo, passa a funcionar como agressor; aquele que era sexualmente inibido, mostra-se desenvolto, a ponto de gerar inibies em seu novo amor Uma autora a quem muito admiro, Peggy Papp, cunhou uma expresso perfeita: ela se refere a temas centrais, quando o mesmo tpico comum ao casal e famlia. Por exemplo, um casal que vive brigando traz como tema familiar dificuldades relativas agressividade; um casal em que um se mostra sintomtico em matria de sexo, um casal (e no um indivduo) com problemas sexuais; um casal que concorda em estabelecer um vnculo de exclusividade amorosa e sexual, caso um deles descumpra o acordo, diz-se que o casal est vivenciando conflitos de lealdades, etc. O que se observa, que esses temas centrais tendem a se repetir em diferentes momentos, mesmo que a alternativa seja a j referida mudana de lugares e de funes Karmas, cartas marcadas, ao do destino. Outro autor a quem admiro, Berenstein, observa que o parceiro que escolhemos , seguramente, o melhor que poderamos ter escolhido. Concordo, sem restries. Se fao escolhas infelizes, porque no me julgo merecedora de algo melhor mesmo que pense o contrrio. Afinal, os sentimentos que contam e, por trs deles, existe uma infinidade de foras, a justific-los. Nossas crenas e valores falam muito alto. E aqui, mais uma vez, estou me referindo a contedos inconscientes. A ideia de Karma muito antiga e, de alguma forma, sintetiza a impresso de cartas marcadas, de sina, de algo pr-determinado pelo destino. A psicanlise examina com profundidade as motivaes inconscientes para nossas escolhas. A pr-histria pessoal vai se revelando, sendo trabalhada, elaborada. Mas em que consiste a pr-histria? Ela tem tudo a ver com nossos primeiros anos de vida com aquela poca da qual no temos lembranas claras e organizadas, de tal modo que tais memrias tornam-se inominveis, inenarrveis e, portanto incompreensveis e, mesmo assim (ou justamente por isto) exercem uma enorme fora. Estaria a, em alguns casos, uma espcie de karma? Residiriam a as bases para a construo da autoimagem e da autoestima? Sim, com certeza. Tanto a psicanlise de vnculos como as terapias de casal e de famlia de orientao sistmica valorizam o que vem sendo passado de gerao gerao. Fala-se em intergeneracionalidade, quando os mais antigos vo passando contedos predominantemente bons, que no aprisionam, mas que favorecem o enriquecimento e o direito felicidade; fala-se tambm em transgeracionalidade, quando o repasse corresponde a um atravessamento, aprisionando os herdeiros, obrigando-os a exercerem funes antinaturais e negando a eles o direito de serem livres, de amarem e serem amados. Muitos terapeutas fazem a anlise do genograma familiar, procurando localizar diferentes identificaes, mandatos e proibies, que fazem parte de um processo que envolve geraes. bem interessante essa busca! Estamos diante de uma situao complexa. Novamente, quando algum acredita que tem o tal dedo podre, uma baixa autoestima, ou est sob o efeito de um karma, seria muito bom procurar compreender o que se passa consigo mesmo, para poder se sentir o mais plenamente realizado possvel. Mudar o parceiro uma comum iluso feminina

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    No d para generalizar mas, sim, essa uma tendncia feminina razoavelmente comum. A fantasia de mulher-me-educadora pode estar presente e gerar muitos conflitos entre os casais. Verdade, verdade mesmo? No geral, quando as pessoas se apaixonam, julgando ter encontrado o amor escrito nas estrelas, o amor que foi perdido em alguma outra encarnao ou, enfim, a alma gmea, esto vivendo grandes e, portanto, efmeras iluses. Os conflitos comeam a aparecer diante as manifestaes das primeiras diferenas e, principalmente, divergncias. Ambos e isso no particularidade feminina esperam que o outro mude, se adaptando s suas prprias expectativas. A espera, no geral, no passiva e vai, pouco a pouco, se mostrando mais audaciosa e imperativa. Quando, efetivamente, desejam permanecer juntos, vo fazendo pequenas concesses, pequenos ajustes, e trabalhando em favor das afinidades que os unem. Se no for demais, tudo bem, e esse investimento, na verdade, necessrio inclusive quando amigos, simples amigos, decidem morar sob o mesmo teto ou formarem uma pequena sociedade. Mas a verdade que ningum (ou quase ningum) quer passar por uma reforma geral. Havendo presses em excesso, mulheres e homens passam a viver o caos, quer a relao persista quer termine em ruptura. Da mesma forma, se um s tentar fazer concesses e se adaptar ao estilo do parceiro, a relao torna-se injusta e opressora. Lembrei de uma imagem muito sugestiva, que encontrei no Google:

    Ningum, em s conscincia, quer viver orbitando e nem conviver com a sensao de estar sendo anulado e engolfado, no mesmo? Tudo poderia ser to simples se no fosse to complexo! A questo da escolha do cnjuge ou melhor, de nossas escolhas amorosas e sexuais, me apaixona, de longa data. Tudo poderia ser to simples se no fosse to complexo! Preencher uma ficha com os pr-requisitos do amado, encaixar dados, nos mnimos detalhes A vm os dois e dizem: mas no houve qumica! Apresentar amigos, uns aos outros, na certeza de que ambos formaro um par-perfeito E os dois se olham, decepcionados Tentam contribuir para que o encontro seja agradvel, mas no querem se ver nunca mais! Algum vem, e lhe fala, entusiasticamente, de seu grande amor. Quando chega, enfim, o dia das apresentaes, voc reage, em silencioso espanto: por essa pessoa toda a sua paixo? O que atrai, causa repulsa ou indiferena foge ao bvio. E, mais ainda, fogem ao bvio aquelas ligaes, efmeras ou duradouras, que acontecem, apesar de acompanhadas por todo o tipo de conflito, frustrao e dor. Apesar ou justamente por isso?! Ns necessitamos ser acolhidos, escutados, compreendidos, Acolher muito mais do que abrir as portas: abrir os braos, abrir os coraes, ceder o prprio tempo. Escutar muito mais do que ouvir: estar disposto a decodificar mensagens, entender a mensagem do outro, e fazer-se entender por ele. Compreender , talvez, uma das mais sublimes formas de acolher, pois implica em uma sintonia fina, uma cumplicidade mpar, um respeito genuno alteridade. Sim, porque no h acolhida, nem escuta, nem compreenso, se ns no partirmos da certeza de que o outro um outro, e no uma mera extenso de um si mesmo sem fim.

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    Escolhas aparentemente malsucedidas provavelmente obedecem a critrios dos quais nem ns mesmos nos damos conta. Voc lembra daqueles contratos interminveis, que somos capazes de assinar impulsivamente, diante de um contrato de compra-e-venda ou outro qualquer, por mais importante que seja? Assinamos e da? Problema quando fazemos o mesmo em relacionamentos nos quais nossas intimidades fsica e psquica se expem. Assinamos o contrato, podemos estar entrando em frias e, mesmo assim, permanecemos juntos, ou repetimos o mesmo erro em novas oportunidades. Meu livro, A escolha do cnjuge (Artmed, 2012) fruto de muitas pesquisas e muitas reflexes a respeito desse tema, to fascinante. fruto, principalmente, de relaes teraputicas, onde encontros verdadeiros permitem vislumbrar recantos escondidos e, ao descobrir velhas frustraes, tambm descobrir tesouros, e possibilitar novas formas de ser e de conviver, de amar e de ser amado.