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Revista Baiana
de Saúde Pública
ARTIGO ORIGINAL
ATIVIDADES FÍSICAS DE LAZER E DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS: REVISÃO DALITERATURA
Adauto Mascarenhasa
Rita de Cássia Pereira Fernandesb
Resumo
Os benefícios da prática regular de atividades físicas (AF) também têm sido
investigados em contextos do trabalho. O objetivo deste artigo é revisar a literatura sobre as
associações entre as práticas de atividades físicas de lazer (AFL) e distúrbios musculoesqueléticos
(DME) relacionados ao trabalho. Consideraram-se artigos publicados em inglês de 1999 a 2009 na
base de dados MEDLINE/PubMed e três artigos em português publicados no Scielo-Brasil. Na
verificação da qualidade metodológica, consideraram-se nove critérios: objetivo, amostragem,
inclusão/exclusão, participação, instrumentos, coleta dos dados, estatística, pontos fortes/fracos e
conclusão. Quinze artigos foram avaliados. Um atendeu a todos os itens de qualidade e dois a
apenas quatro. Seis utilizaram amostras aleatórias, os demais usaram censo ou não referiram à
estratégia de seleção. Um estudo foi de caso-controle; três coorte prospectiva; e sete corte
transversal. Seis artigos apresentaram conclusões que relacionavam exposição ao desfecho.
Associação negativa entre AFL e DME verificou-se em três estudos. Os demais foram inconclusivos
ou não descreveram associação. Concluiu-se que a diversidade de itens que compõem as práticas
de AF pode ter contribuído para a inconsistência das conclusões.
Palavras-chave: Atividades de lazer. Exercício. Transtornos traumáticos cumulativos. Trabalhadores.
v.35, n.1, p.9-25jan./mar. 2011
a Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia(UFBA).
b Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia (UFBA).Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina da Bahia. Largo do Terreiro de Jesus, Centro Histórico, Salvador,Bahia, Brasil. CEP: 40026-010. [email protected]
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LEISURE PHYSICAL ACTIVITY AND MUSCULOSKELETAL DISORDERS:LITERATURE REVIEW
Abstract
The benefic effects of regular physical activity (PA) have also been investigated on
work related activities. The objective of this article is to review the literature about the associations
between leisure physical activity (LPA) practices and work related musculoskeletal disorders
(WRMDs). The study considered articles published in English from 1999 to 2009 in the MEDLINE/
PubMed database and three articles in Portuguese from Scielo-Brazil. The methodological quality
was verified through nine criteria: objective, sample selection, inclusion/exclusion, participation
rate, tools, data collection, statistics, strong/weak points and conclusion. Fifteen articles were
analyzed. One article met all quality items and two only four. Six studies used random samples,
the others have used census or did not clarify the selection strategy. One study was case-control,
three prospective cohort, and seven cross sectional. Six articles presented conclusions that associated
exposure to outcome. A negative association between LPA and the occurrence of MSDs was
found in three studies. The others were inconclusive or did not describe association. One concludes
that the diversity of items that compose the PA practices may have contributed to the inconsistency
of the observed findings.
Key words: Leisure Activities. Physical exercise. Cumulative trauma disorders. Workers.
ACTIVIDADES FÍSICAS DE OCIO Y TRASTORNOS MUSCULOESQUELÉTICOS: REVISIÓNDE LA LITERATURA
Resumen
Los beneficios de la actividad física (AF) regular también han sido investigados en
contextos del trabajo. El objetivo de este artículo es revisar la literatura sobre las asociaciones
entre las prácticas de actividades físicas de ocio (AFL) y los trastornos musculoesqueléticos
(TME) relacionados con el trabajo. Fueron examinados artículos publicados en inglés desde
1999 hasta 2009 en la base de datos MEDLINE/PubMed y tres artículos publicados en portugués
en la base de datos Scielo-Brasil. Para la verificación de la calidad metodológica fueron usados
nueve criterios: objetivo, selección de la muestra, inclusión/exclusión, participación, instru-
mentos, recolecta de datos, estadísticas, puntos fuertes /débilles y conclusión. Fueron evaluados
quince artículos. Uno cumplió todos los criterios de calidad y dos, atendió a solo cuatro de
ellos. Seis utilizaron muestras al azar, los otros han usado el censo, o no reportaron la estrategia
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de Saúde Públicautilizada. Un estudio fue de caso-control, tres de cohorte prospectivo, y siete de sección
transversal. Seis artículos presentaron conclusiones relacionando la exposición con el resultado.
Una asociación negativa entre la AFL y la TME fue encontrada en tres estudios. Los otros no
fueron concluyentes o no describieron la asociación. Se concluye que la diversidad de elemen-
tos que componen las prácticas de la AF pueden haber contribuido para la inconsistencia de los
resultados.
Palabras-clave: Actividades de ocio. Ejercicio. Transtornos de traumas acumulados. Trabajadores.
INTRODUÇÃO
A ideia de que pessoas suficientemente ativas obtêm benefícios de saúde contra
doenças crônicas não-transmissíveis está bem definida na literatura. Esforços tem sido feitos para se
verificar benefícios também em relação a outras doenças, como os distúrbios musculoesqueléticos
(DME) relacionados ao trabalho.1,2
Em adição, o American College of Sports Medicine (ACSM) e a American Heart
Association (AHA) sugerem que as pessoas devem manter-se suficientemente ativas em
todos os momentos da vida, o que significa, para adultos saudáveis com idade entre 18 e 65
anos, a realização de AF aeróbias de intensidade moderada de 3,0 a 6,0 equivalentes
metabólicos (METs) por, pelo menos, 30 minutos diários (ou fracionamentos de 10 minutos),
em cinco ou mais dias da semana, ou de AF de intensidade vigorosa (acima de 6 METs) por,
pelo menos, 20 minutos diários em três ou mais dias por semana, sendo possível também
combinações entre as intensidade moderada e vigorosa que alcancem 450 a 750 METs em
acúmulo semanal.3 Tem-se como 1 MET a energia necessária para manutenção dos sistemas
corporais no estado de repouso, equivalente a 1 Kcal por quilograma de massa corporal por
hora – 1Kcal.Kg-1.h-1 ou o equivalente em oxigênio consumido na produção de energia para
o metabolismo, de 3,5 em mililitros de O2 por quilograma de peso corporal por minuto –
3,5mlO2. Kg-1.min-1.³
Outras formas de medida da atividade física (AF) consideram a duração (minutos), a
frequência (dias/semana) e a intensidade (moderada e vigorosa). Caracteriza-se a atividade de
intensidade moderada pelo esforço físico capaz de fazer o indivíduo respirar um pouco mais forte
que o normal, o que impõe ao coração um ritmo mais rápido que o apresentado no repouso. Para
a maioria das pessoas, essa atividade equivale a uma caminhada em passos rápidos ou qualquer
outra atividade que aumente o metabolismo por, pelo menos, três vezes em relação ao nível de
repouso. A atividade de intensidade vigorosa requer esforço físico maior, induzindo o indivíduo a
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respirar muito mais forte do que o normal, e o coração a bater muito mais rápido, elevando o
metabolismo em, pelo menos, seis vezes em relação aos níveis de repouso.4
Além da preocupação esboçada pelos órgãos de saúde pública de diversos países
frente a morbidades associadas a estilos de vida sedentários, estudo sobre a atividade física como
fator de qualidade de vida e saúde do trabalhador5 observou que, nas últimas décadas, o caráter
epidêmico que assumiram os DME no acometimento de trabalhadores em diversas partes do
mundo, independente do ramo de atividade e grau de desenvolvimento, também tem
preocupado essas instituições. Alguns autores sugerem que a elevada prevalência dos DME entre
os trabalhadores é decorrente de reestruturações nas formas de produção e novas tecnologias
adotadas, que tornaram as atividades ocupacionais, por vezes, sedentárias ou exigentes
excessivamente em relação às estruturas corporais.5,6
Neste sentido, este artigo apresenta uma breve revisão da literatura para estudos
epidemiológicos sobre associações entre as práticas de atividades físicas de lazer (AFL) e DME,
com ênfase para DME relacionados ao trabalho.
MÉTODOS
Foram considerados artigos publicados nos últimos 10 anos (janeiro de 1999 a
outubro de 2009) na base de dados MEDLINE/PubMed. Foram incluídos três artigos sobre o tema
de autores nacionais, no mesmo período de referência. Entre os tipos de estudo consideraram-se
os de corte transversal, caso-controle e coorte prospectiva, que tivessem utilizado populações de
trabalhadores na verificação de associações entre esportes, atividades/exercícios físicos em
momentos de lazer e DME relacionados ao trabalho. Constituíram o conjunto de palavras-chave os
seguintes termos: 1) Relacionados às atividades físicas – Leisure time, physical activity, sedentary
lifestyle, physical exercise, physical inactivity, exercise e physical capacity; 2) Relacionados às
morbidades musculoesqueléticas – work-related, musculoskeletal disorders, musculoskeletal pain,
musculoskeletal symptoms, musculoskeletal complaints, musculoskeletal pain, low back pain,
shoulder pain, neck pain, hip pain, work-related factors, work population, work activities, workers,
upper limb, sickness absenteeism e prevalence. Foram selecionados para leitura os resumos dos
artigos que contivessem em seus títulos termos integrantes dos grupos de palavras-chave “1” e
“2”. Os critérios de verificação da qualidade metodológica foram adaptados daqueles utilizados em
revisão sistemática sobre a efetividade de programas de AF no local de trabalho, em relação a
efeitos sobre a saúde decorrentes do trabalho.7 Foram adaptadas também as definições para
registro de atendimento aos critérios de qualidade, considerando-se qualidade “+” (mais) o artigo
que contemplasse na íntegra a descrição referente ao item em verificação, ficando as
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atendimento, respectivamente. O termo “não se aplica” (NA) foi adotado para estudos que não
apresentavam compatibilidade com o item avaliado (ex.: estudo censitário e randomização da
amostra; inquérito realizado com o envio de questionário pelo correio e referência a treinamento
de entrevistadores etc.). (Quadro 1).
Quadro 1. Critérios de verificação da qualidade metodológica dos artigos selecionadospara a revisão da literatura
RESULTADOS
A pesquisa na base de dados identificou inicialmente um total de 54 publicações.
A leitura dos resumos indicou 23 artigos adequados a este estudo, que foram lidos na íntegra.
Doze artigos foram selecionados, perfazendo um total de 15 estudos para esta revisão. O
Quadro 2 apresenta as categorizações segundo cada item dos critérios de qualidade propostos.
Um artigo atendeu a todos os itens (n=9) de qualidade avaliados e três artigos tiveram o menor
escore de atendimento (n=4). Seis estudos referiram a aleatorização na seleção da amostra,
enquanto os demais foram censos ou fizeram parte de estudos de base populacional e não
explicitaram a estratégia de seleção da população de estudo. Doze estudos apresentaram boa
taxa de participação e 11 apresentaram conclusões claras sobre a associação entre a exposição e
o desfecho. Em relação aos desenhos de estudos utilizados, um (7%) foi de caso-controle, cinco
(33%) de coorte prospectiva e nove (60%) de corte transversal. Observaram-se resultados ou
conclusões que associavam negativamente as práticas de AFL à ocorrência de DME (seis estudos)
e AFL a menores taxas de absenteísmo por diversas causas, inclusive os DME (um estudo). Os
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demais estudos ou foram inconclusivos, ou não descreveram associação entre AFL e DME.
Observou-se também que as recomendações da ACSM/AHS quanto à prática de AF como forma
de promoção ou manutenção da saúde foi pouco referida, concentrando-se as opções para
escolha dos participantes entre práticas esportivas e outras formas de AFL sem especificá-las com
clareza. Verificaram-se ainda muitas variações em relação aos critérios de frequência e/ou
duração das atividades para definição das categorias relativas à prática de AFL. O sumário dos
estudos encontra-se apresentado no Quadro 3.
Quadro 2. Resultados de análise da qualidade metodológica dos artigos segundo critériosestabelecidos
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DISCUSSÃO
Esta revisão da literatura teve como objetivo verificar como as práticas de AF, aquelas
realizadas durante as horas de lazer, têm sido pesquisadas em populações de trabalhadores para se
verificar os potenciais efeitos contra a ocorrência de DME relacionados ao trabalho. Sete estudos
entre os quinze verificados concluíram que ser fisicamente ativo (exercícios físicos ou atividades
esportivas ou atividades de lazer) poderia ser uma estratégia de proteção contra morbidades
musculoesqueléticas nesse segmento da população. No entanto, oito estudos não encontraram
associação entre a exposição e o efeito descrito acima. Além disso, AF sob a forma de práticas
esportivas esteve presente na quase metade dos artigos, enquanto os demais as generalizaram
como atividades físicas e/ou atividades de lazer sem detalhamento.
Alguns autores referem que conquistas tecnológicas ocorridas nas últimas décadas
têm contribuído para a diminuição de níveis de AF das populações, tanto em frequência quanto
em intensidade,8,9 embora se observe que, no trabalho, essa situação seja ambígua, devido à
existência de modelos de produção que, ao mesmo tempo, apresentam características sedentárias
e exigem de forma demasiada de regiões específicas do corpo (ex.: trabalhos com digitação).
Uma característica marcante nos estudos foi que, ao considerarem as práticas de
AF, as Orientações sobre Atividade Física e Saúde3 MS foram utilizadas em apenas uma
oportunidade, na classificação de ativos, durante a avaliação de profissionais de enfermagem de
Hong Kong quanto ao surgimento de novas dores lombares em relação ao estresse e a
atividades no trabalho, juntamente com estilo de vida sedentário.10 Como um dos achados,
observou-se que a falta ou prática de AFL não se constituiu em preditor ou protetor,
respectivamente, para o desfecho avaliado.
A maior ênfase à prática de esportes coloca qualquer modelo de avaliação dentro de
amplas possibilidades de desfecho, pela diversidade de modalidades possíveis, inúmeros
movimentos e intensidades envolvidas. Além disso, algumas práticas esportivas, pelas próprias
características, oferecem riscos principalmente pela condição de não-atleta do trabalhador ou pela
falta de treinamento específico para a atividade.
Os achados desta revisão divergem entre si, pois, enquanto estudo sobre exercício
físico e dores musculoesqueléticas entre trabalhadores da indústria florestal2 e outro que trata do
início de dor como resultado de acúmulo no local de trabalho e como carga mecânica decorrente
das atividades de lazer9 consideraram as práticas desportivas fatores de risco para a ocorrência de
DME juntamente com fatores relacionados ao trabalho, a pesquisa sobre prevalência de atividade
física entre a população trabalhadora e sua correlação com fatores relacionados ao trabalho11 e o
estudo sobre doenças musculoesqueléticas, trabalho e estilo de vida entre trabalhadores de uma
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de Saúde Públicainstituição pública de saúde12 foram pouco conclusivos em suas observações, ao considerarem que
os trabalhadores mais propensos ao desenvolvimento de morbidades foram os menos disponíveis à
prática de esportes ou à prática de AF, ou que a prática de AF foi referida similarmente por doentes
e não doentes, respectivamente. Em contrapartida, estudo prospectivo sobre a atividade física no
tempo livre e absenteísmo por doença13 mesmo reconhecendo os possíveis riscos que a prática de
alguns esportes oferece, considerou que os benefícios obtidos com essas práticas refletiam-se no
trabalho por meio do registro de redução do absenteísmo por morbidades relacionadas ao trabalho.
Curiosamente, estudos que referiram a AF ou AFL ou EF sem detalhamento das modalidades
registraram associações positivas entre atividades físicas e uma menor ocorrência de DME
relacionados ao trabalho.14,15
Com frequência, as referências feitas às AF são decorrentes de práticas esportivas, o
que explica quase a metade dos estudos observados avaliarem este tipo de modalidade.
Adicionalmente, dentre as práticas esportivas, existem aquelas com características individualizadas,
como corrida, caminhada, natação, ciclismo etc.; atividades desenvolvidas por equipe que não
envolvem contato físico, como voleibol, remo, peteca etc.; e atividades por equipe que envolvem
contato físico, como futebol, basquetebol, polo aquático, que apresentam maiores riscos de
acidentes, o que deve ser considerado quando se tratar de desfechos que incluam essas
atividades, principalmente pelo fato de se tratarem de populações de não-atletas.
Tanto os estudos que foram especificamente desenvolvidos para avaliar associações
entre atividades físicas e DME, decorrentes do trabalho ou não, quanto aqueles realizados como
parte de estudos que tinham outra finalidade, não referiram a inclusão, em seus instrumentos de
coleta de dados, na íntegra ou em parte, de questionários especificamente desenvolvidos para
avaliação de níveis de AF em populações. Exceção seja feita ao estudo sobre lesões por esforços
repetitivos relacionados ao trabalho e lazer de atividade física,14 que utilizou, durante as
categorizações dos sujeitos em ativos ou inativos, a versão atualizada do Compêndio de Atividades
Físicas,16 que utiliza o MET para o cálculo da intensidade da AF. Esse compêndio traz referência a
605 atividades específicas, dentre estas: esportes, cuidados com a casa, cuidados pessoais,
trabalho, transporte, lazer, entre outros. Os valores obtidos são associados a níveis de AF, a
exemplo do proposto para classificação pelo International Physical Activity Questionnayre (IPAQ),
em que a caminhada corresponde a 3,3 METs, atividades de intensidade moderada, a 4,0 METs, e
atividades de intensidade vigorosa, a 8,0 METs. Compõe o cálculo final o tempo gasto nas
atividades e o número de dias de atividade na semana. Ressalte-se que informações deste tipo
possibilitam o cálculo de níveis de AF em todos os domínios de abrangência: trabalho, lazer,
cuidados com a casa e locomoção.17
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Questões metodológicas dessa natureza podem estar dificultando conclusões mais
claras em relação aos desfechos observados, a exemplo de pesquisa de revisão sistemática da
literatura, no período entre 1983 a 1994,1 ao estudar as relações entre momentos de lazer,
atividades físicas, sintomas musculoesqueléticos e incapacidade em populações de trabalhadores, e
estudo semelhante, avaliando os efeitos da efetividade de programas de atividade física no local de
trabalho, tendo ambos considerado inconclusivos os desfechos observados.7
Além disso, há de se observar que, para medidas de AF, existem mais de trinta
técnicas diferentes.18 A praticidade e viabilidade metodológica dos questionários em estudos
epidemiológicos é incontestável, porém a não observância de critérios que permitam elevar a
validade dos estudos, a exemplo de questões que forneçam informações que produzam resultados
comparáveis a padrões estabelecidos, torna as produções restritas em si e dificultam o avanço em
novas direções, principalmente pelo fato de estarem envolvidas dimensões que abrangem
duração, intensidade, frequência, tipo de atividade, local etc.19
Embora poucos trabalhos nesta direção tenham sido produzidos, principalmente no
Brasil, observa-se que as intenções permanecem para associar os efeitos positivos das práticas de
AF sobre morbidades relacionadas ao trabalho. Motivação, nesse sentido, parece pertinente,
considerando-se que os resultados apresentados pela maioria dos trabalhos sugerem haver alguma
ação positiva naqueles que praticam AF regularmente, sejam EF ou esportes, porém não suficiente
para tornar a associação com os DME relacionados ao trabalho fato incontestável. Não se pode
esquecer, entretanto, que questões relacionadas à individualidade biológica devem ser
consideradas sempre que possível, além de questões meramente matemáticas, como, por
exemplo: as gestões envolvendo o binômio trabalhador/trabalho devem emergir do local de
trabalho ou ser usadas como referência; e o aporte físico necessário ao trabalhador para
desempenho de suas funções deve ser visto como forma de manutenção da saúde geral, daí
pensar-se nos objetivos específicos, associando as necessidades do trabalhador concomitantemente
com melhorias nas condições de trabalho.
Conclui-se com a afirmação de que há muito a ser feito quando se trata de estudos
sobre possíveis benefícios das práticas de atividades físicas em relação aos DME relacionados ao
trabalho. O conhecimento adquirido quanto aos benefícios contra o surgimento de doenças
relacionadas ao estilo de vida sedentário, como obesidade, dislipidemia, hipertensão arterial,
diabetes de tipo 2, problemas cardiocirculatórios etc., parece não servir como parâmetro para
outras linhas de pesquisa, principalmente quando se trata de frequência, intensidade e duração das
práticas de atividades físicas, haja vista que apenas um estudo verificado fez menção à proposta da
OMS quanto à frequência mínima semanal de cinco dias e, no mínimo, 30 minutos por sessão de
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Revista Baiana
de Saúde Públicaatividades físicas de intensidade moderada. Os achados dos estudos mostraram-se, na maioria,
inconsistentes em suas conclusões, possivelmente devido à diversidade de itens que compõem a
exposição avaliada (atividades físicas, exercícios físicos, esportes). Sugere-se que os novos estudos
a serem desenvolvidos considerem, na caracterização da exposição, critérios que tornem
metodologicamente viável a comparações com outros estudos.
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Recebido em 14.12.2010 e aprovado em 08.04.2011
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