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ATIVIDADE PESQUEIRA E EDUCAÇÃO NO CAMPO DA COSTA OCEÂNICA DO
MUNICÍPIO DE CAIRU/BA: DIÁLOGOS ENTRE EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
Luis Henrique Couto Paixão1 Cristina Maria Macêdo de Alencar2 Vanuza Silva Souza da Conceição3
Murilo Pinto Silva Santos4
RESUMO
Tendo os diálogos entre a educação e desenvolvimento como perspectiva, o presente trabalho busca mostrar a dinâmica pesqueira das localidades de Moreré, São Sebastião, Gamboa e Garapuá, situados no Município de Cairu no litoral sul da Bahia, face ao sistema educacional local. Para isso, utilizou-se de revisão bibliográfica e pesquisas de campo como metodologia para identificar a dinâmica local que circunda a pesca, assim como a dinâmica pesqueira marcada por rebatimentos do desenvolvimento. Por conseguinte, identificou-se o sistema educacional local e sua relação com os jovens. Assim, ficou constatada que a educação formal na escola local ainda segue o molde da educação da zona urbana, não adequando sua estrutura curricular e tampouco seu ensino a prática da pesca local, influenciando para o enfraquecimento da prática da atividade pesqueira. Palavras-chave: Educação contextualizada. Desenvolvimento local. Rural pesqueiro. Juventude e pesca. 1 INTRODUÇÃO
A abordagem assumida neste artigo considera o campo como uma noção ampla de
expressão de relações com a natureza constitutivas do mundo para aquelas populações que
habitam e se reproduzem socialmente nessas relações. Portanto, diz-se educação do campo
como relativa a trabalhadores e trabalhadoras na agricultura, na pecuária, na aquicultura, no 1 Geógrafo e Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social pela UCSal e pesquisador membro do Grupo Desenvolvimento Sociedade e Natureza, E-mail: [email protected]. 2 Economista e Doutora em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela UERJ, Professora adjunto IV e líder do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento, Sociedade e Natureza, da UCSal. E-mail: [email protected]. 3 Licenciada em Geografia pela UNEB, Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social pela UCSAL, professora pelo CETEP do Vale do Jequiriçá e pesquisadora membro do Grupo Desenvolvimento Sociedade e Natureza. E-mail: [email protected] 4 Mestre em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdades e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB (2013); Bacharel em Ciências Sociais pela UFRB (2013); Licenciado em Educação Física pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL (2003); Professor Efetivo do Centro Juvenil de Ciência e Cultura da Secretaria da Educação do Estado da Bahia. E-mail: [email protected].
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extrativismo mineral e vegetal, caça e na captura de animais, na produção de mel, de
artesanatos, e a tantas outras formas de constituição de identidade social a partir da produção
material e social da vida. Nessa perspectiva, tratamos da educação de uma população
pesqueira como educação do campo, cuja territorialidade se constrói na interação com a
cidade, assim como a rural na interação com o urbano (ALENCAR, 2010). Ademais,
concordamos com Freire (2005) ao considerar que essas populações têm na natureza mais do
que o suporte sobre o qual realizam suas atividades, o que nos permite falar que constroem aí
sua representação de mundo rural em múltiplas atividades, ou pluriativas (CARNEIRO,
1998). A condição pluriativa dessas populações produz e reproduz rurais multifuncionais,
seguindo ainda a compreensão de Carneiro (2012), o que implica em diferentes usos da
natureza embora um desses usos classifique suas identidades sociais, quer seja camponês,
agricultor familiar, pescadores, caiçaras, marisqueiras, quebradeiras de coco, comunidades de
fundos de pasto, dentre tantas outras comunidades tradicionais.
Para o campo assim configurado, a relação entre educação e desenvolvimento carrega
a complexa condição de contextualizar-se na diversidade, o que pode ser mais complexo do
que parece se pensarmos que a história da educação no nosso país está calcada em relações de
desigualdade e exclusão.
Somente no século XX a escola foi institucionalizada no campo e ainda assim,
excluindo aspectos tão importantes como a relação social, produtiva e cultural do povo.
Portanto, o desafio da educação se torna ainda mais amplo se pensarmos nela como o
caminho essencial de transformação para o desenvolvimento local que, por implicar em
protagonismo da própria população deve estar comprometida com a formação de consciência
crítica para que possam analisar e transformar sua própria realidade. Nas palavras de Paulo
Freire, "[...] é preciso aumentar o grau de consciência do povo, dos problemas de seu tempo e
de seu espaço. É preciso dar-lhe uma ideologia do desenvolvimento [..]" (FREIRE, 1959,
p.28). Nesse sentido, a educação é fator primordial de mudança social e desenvolvimento.
Com essa compreensão sobre a vida das populações rurais, a educação que se refere a
elas, a educação do campo, requer que seja fundamentada na educação sociopolítica
(FREIRE, 2005), de modo que o processo de educação do campo convirja para o
desenvolvimento local, as especificidades culturais, a realização da reforma agrária bem
como a valorização da agricultura familiar, apropriando-se dos avanços que a humanidade
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conquistou em termos de conhecimentos e inovações para o bem-estar, permanentemente
renovado pelo fazeres e pelas demandas dos movimento sociais desses sujeitos.
A dinâmica de desenvolvimento de que trata este artigo refere-se às localidades do
litoral oceânico do município de Cairu/BA, especificamente os povoados de São Sebastião,
Garapuá, Moreré e Gamboa, que passaram por diversas transformações principalmente nos
aspectos do Espaço Geográfico, Território e Paisagem. Essas transformações que compõem o
panorama de mudanças ocorridas também no âmbito social nos possibilitam analisar
propostas de educação sugeridas e ocorridas no âmbito da comunidade. Assim, objetiva-se
identificar a interação da educação na promoção do desenvolvimento entre estas comunidades
pesqueiras, assim denominadas por viverem basicamente de pesca e atividades ligadas à
pesca. A pergunta de investigação que nos orienta na direção desse objetivo é: como a
educação interfere na dinâmica socioespacial, enquanto possível mediadora entre a
representação social que a comunidade elabora sobre desenvolvimento e as recentes
transformações socioeconômicas no local?
Como procedimentos de pesquisa o trabalho utilizou a abordagem de análise e síntese,
utilizando de fontes bibliográficas como jornais, livros, artigos, teses, além de fontes
eletrônicas, como documentos oficiais, leis, estudos de projetos, bem como mídias de órgãos
públicos e privados. Além das referências escritas foram realizadas pesquisas de campo, nos
períodos de meados de 2013; 10 a 18 de dezembro de 2013; 31 de março a 25 de abril e 30 de
junho a 04 de julho em 2014. Nessas pesquisas apreendeu-se através das entrevistas com
moradores, pescadores, gestores municipais e líderes locais, as dinâmicas das comunidades e
sua interação com a pesca e a educação. Além disso, foi realizada pesquisa com um total de
107 estudantes com idades que variam dos 14 aos 37 anos, através de questionário e oficinas,
para apreensão da relação da pesca e ensino e ação das escolas nas localidades.
2 DIÁLOGOS ENTRE A EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
É possível se estabelecer diálogos entre educação e desenvolvimento a partir de
diferentes perspectivas. Uma delas é quando se problematiza a noção de desenvolvimento
associado a quaisquer adjetivos, como econômico, social, socioambiental ou local, entre
outros, atribuindo-lhes sentidos norteadores de parâmetros para avaliá-lo. Esta
problematização supera a clássica polêmica relativa à dimensão econômica da sociedade entre
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crescimento e desenvolvimento, polêmica que consideramos encerrada tendo em vista que ao
contrapormos as estatísticas do crescimento econômico brasileiro com os Índices do
Desenvolvimento Humano5, facilmente chegamos à conclusão que o país não desenvolve ao
mesmo passo em que cresce6. A dissociação entre essas categorias, apesar de possuírem
aproximações e elevado grau de interdependência, resulta de serem tratadas de formas
distintas, com distanciamento e até mesmo como dicotomia quando está em questão a ação do
Estado ao intervir com políticas desenvolvimentistas.
O sentido de desenvolvimento atribuído neste artigo é o local, mas mesmo que
adotássemos o econômico, tornar-se-ia imprescindível inter-relacionar educação e
desenvolvimento diante, por exemplo, da concepção de desenvolvimento econômico utilizada
por Celso Furtado (1964), onde, as necessidades existentes e/ou criadas ao longo de um dado
sistema produtivo, lhes são atendidas através da inserção de inovações tecnológicas, o que não
é possível fazer sem educação no sentido amplo de formação intelectual e cultural. Percebe-se
o quanto a educação torna-se instrumento indispensável para explicar fenômenos e processos
de produção material e social da vida, inerentes à totalidade social e a particularidades do
desenvolvimento local.
Assim como recorremos a um autor (Celso Furtado) cuja importância teórica para as
ciências sociais, na área da economia no Brasil é consensuada na comunidade científica
quando o assunto é desenvolvimento, recorremos a Florestan Fernandes, que goza do mesmo
reconhecimento, para explicitar nexos entre o econômico e o social que integram o
desenvolvimento. Nesse sentido, segundo Fernandes (2008), as “mudanças sociais” não estão
separadas das condições financeiras e das relações de poder, tendo em vista que: Os processos de mudança são, com frequência, fenômenos de poder, na evolução das sociedades. E o controle da mudança, por sua vez, quase sempre aparece como fenômeno político (ele não diz respeito, somente, ao poder em geral, como poder econômico, social ou cultural, indiretamente político; mas, também, ao poder especificamente político) (FERNANDES, 2008, p. 55).
Inovações tecnológicas e decisões políticas relativas a diretrizes para o
5 Em 2014 o Brasil ocupou a posição de 7ª maior economia mundial e 79ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano, segundo dados do Banco Mundial e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, respectivamente. 6 Inúmeros exemplos poderiam ilustrar essa afirmação, mas para isso sugerimos consultar o Produto Interno Bruto - PIB e o Relatório de Desenvolvimento Humano do Brasil.
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desenvolvimento impactam diferenciadamente os espaços que são produzidos e reproduzidos
sob a indução desses processos. Os interesses dos agentes e sujeitos sociais envolvidos nas
diferentes escalas e nas relações interescalares onde se concretizam as ações transformadoras
sobre padrões socioprodutivos historicamente construídos configurarão os sentidos que
qualificarão o desenvolvimento nas diferentes totalidades sociais.
É nesse sentido que buscamos reconhecer o diálogo que se está estabelecendo entre
educação e desenvolvimento nas transformações que vêm ocorrendo no município de Cairu
através da atividade de pesca que, na sua costa atlântica integra as mais antigas tradições de
seus habitantes, que mantiveram sua riqueza cultural na exploração dos recursos naturais,
mesmo com a introdução das transformações socioculturais impostas pelo desenvolvimento
econômico (ROCHA, 2010; ALENCAR, 2011).
A inserção e o aprendizado da atividade pesqueira artesanal começam cedo - aos cinco
ou seis anos de idade - quando os pais começam a cobrar dos filhos a realização de suas
primeiras atividades, como forma de treinamento e de colaboração. Tal aprendizado se realiza
pela prática, na continuidade e pela convivência grupal (CARDOSO e CARDOSO et al.,2001,
p.165).
Dessa forma a escola, sendo parte da totalidade social, precisa garantir a esses sujeitos
o direito à formação multidimensional e contextualizada, a qual não pode ser separada da vida
social e nem fragmentada em seu conteúdo, mas deverá estar calcada na concepção
emancipadora de educação. Portanto, a educação dos pescadores das áreas estudadas, por
exemplo, para ser emancipadora, deve estar calcada nos moldes da realidade da dinâmica
social; não basta apenas ter escola, mas ela deve estar inserida na realidade social do espaço
que pertence. Dito de outro modo cabe à escola considerar o saber advindo da experiência
como fonte legítima desse conhecimento.
Os trabalhadores do campo sempre produziram, pela prática, os seus conhecimentos,
experiência produtora de saberes que não podem, simplesmente, ser desprezados pelo saber
acadêmico científico (NETO, 2009, p.32; CEZIMBRA, 2007), o carrega junto sua função
social de inserção no mundo. Percebe-se os efeitos da educação básica que não se relaciona
com a realidade local e sua diversidade sociocultural; ela não possibilita contribuições
profundas nas mentalidades tanto do campo, quanto dos espaços periurbanos, onde está a
agricultura e as demais atividades do mundo rural como lugar de trabalho e vida, que carecem
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de investimentos públicos para a educação escolar e profissionalizante. Esse fato levou
homens e mulheres do campo a reivindicarem que a educação básica e superior, supra suas
necessidades de subsistência, e não mais se restrinja à ideia de investimentos assistencialistas
(Santos, 2013).
“A ausência de uma educação emancipadora e multidimensional em que os sujeitos
sociais do campo são os protagonistas do processo de ensino aprendizagem [...]” (FREIRE,
2005, p.96), bem como a falta de políticas públicas educacionais que garantam o acesso e a
permanência da população do campo na escola (FREIRE, 2005) pode resultar numa pressão
sobre esses sujeitos a optarem entre a atividade de pesca que desenvolvem em conjunto com
suas famílias e a escola resultando em uma inevitável inserção de atividades que não
qualifiquem o viver no campo preservando as bases culturais e respeitando sua especificidade
sociocultural. A escola tem se fechado numa estrutura organizacional autoritária mantendo-se
distante da realidade daqueles que vivem no campo.
Nessa perspectiva, Freire (2005, p.97) aponta que: “[...] não seriam poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque os seus realizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. Porque não levaram em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu programa”. (FREIRE, 2005, p.97).
Corriqueiramente evidenciamos através das práticas da instituição escolar, um
currículo conteudista, que em grande parte encontra-se desprendido da realidade dos seus
estudantes, vislumbrando a imersão desse público – estudantes – ao mercado de trabalho e
ingresso as Universidades, deixando de lado a formação crítica, reflexiva e política. Esse
contexto refere-se ao que conhecemos como pedagogia tecnicista, onde, através do bojo das
relações institucionais do aparelho escolar, os indivíduos são transformados em mero
reprodutores do conhecimento, pouco refletindo sobre suas práticas de produção e reprodução
ao meio social.
Para Costa e Costa com base em Caldart (2008): “[...] é preciso não perder de vista que a escola tem uma forma institucional e uma lógica de trabalhar com a educação que foi construída socialmente e que traz entranhados os mesmos condicionantes históricos das relações sociais que o projeto da Educação do campo se coloca como desafio transformar, entre os quais o da antinomia entre trabalho manual e trabalho intelectual e entre cidade e campo. Por isso, um projeto de educação emancipatório precisa tensionar “a lógica escolar” assumida pelos processos formadores,
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por vezes também naqueles que acontecem fora da escola”. (CALDART, 2008, apud COSTA; COSTA, 2011, p.6).
Entendemos que a educação constitui-se enquanto um dos principais alicerces na
formação dos indivíduos, vinculada a constituição de um projeto de vida que influencia
diretamente no seu modo de subsistência. Porém, o fato de levar escola para o campo não é
suficiente para garantir uma política satisfatória para o desenvolvimento dos sujeitos, visto
que nos últimos anos não houve grandes mudanças no sentido de ajustar o currículo escolar
para a educação do campo que valorize o sujeito do campo buscando o crescimento social e
mais que isso, a educação como parte integrante nas intervenções que estabeleçam estratégias
de desenvolvimento no campo. Assim, a educação tradicional, “[...] que não fala a língua do
educando, não considera a sua cultura, os seus costumes e suas tradições e vocações
econômicas [...]” (REIS, 2004, p.41), deve ser modificada e atualizada para os dias atuais, de
modo a dinamizar e inserir a sociedade.
Porém, de forma geral, a educação vem sendo estruturada a fim de atender aos
interesses do capital, cuja qualificação profissional e oportunidades de inserção no mercado
dos/das jovens advindos das bases detentoras dos meios de produção, se sobressaem frente
aos filhos e filhas dos trabalhadores. A perspectiva de inserção e continuidade da atividade
pesqueira, como atividade econômica frente às outras atividades inseridas nas comunidades e
como parte constitutiva da dinâmica populacional, se insere na representação social de
desenvolvimento e qualidade de vida destas populações. Tal desenvolvimento, para estas
populações, estará ligada ao bem-estar gerados pela dinâmica local sem impactos das
problemáticas vividos no espaço urbano, assim como a disponibilidade para a reprodução de
suas atividades econômicas locais, sobretudo a pesca.
Nesse processo, de valorização das perspectivas locais, de modo a contribuir para o
processo de desenvolvimento local, se tem a educação a valorizar e contextualizar a realidade
na educação formal, acolhendo os valores culturais e do saber informal das localidades,
criando condições de possibilidades para a permanência dos jovens. Além da imperiosa
necessidade de respeito aos saberes relativos aos diferentes modos de vida das populações, a
educação formal deveria pautar-se numa perspectiva plural, onde pudesse atender a diversos
interesses e/ou contextos, proporcionando a ascensão do desenvolvimento intelectual da
população, do que resultaria o estimulo à produção de ciência e tecnologias produtivas e
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sociais aderentes ao desenvolvimento local.
Melhores oportunidades de inserção no mercado profissional, melhores condições de
produção material e social do próprio modo de vida, acesso às conquistas historicamente
produzidas pela humanidade, estímulo ao estímulo do desenvolvimento intelectual, adoção de
novos padrões de comportamento, melhor qualidade de vida, decorreriam da educação
contextualizada.
Enfim, concluímos que a educação frente ao poder transformador, possibilita inúmeras
conquistas por parte da sociedade, se efetivando enquanto um excelente fator para o
desenvolvimento econômico e social de um dado local.
Dito de outro modo, pensar em desenvolvimento é também inserir a educação
contextualizada como um dos patamares catalizadores de ações tanto em escala local quanto
nas demais escalas, que qualifiquem o desenvolvimento a favor da vida da população.
No presente estudo a educação no campo está expressa no modo de vida da
comunidade e a relação com a natureza ditas nas atividades desenvolvidas no lugar. Preservar
esse modo de vida rural numa comunidade litorânea, onde existe grande perspectiva para
desenvolvimento do turismo nos moldes da dinâmica do desenvolvimento industrial
estabelece um grande desafio para a educação local. Aí está a importância da educação na
relação de mediador no diálogo entre representação social de desenvolvimento para
comunidade e as transformações socioeconômicas no local.
Tendo em vista que “[...] conhecimento e desenvolvimento formam um par inseparável
[...]” como afirma Paolo Orefice (2007, p.21), trata-se da educação, envolvendo agora não só
a escolarização formal adquirida nas instituições de ensino, mas, de forma cada vez mais
indispensável, assumindo importante função social quando dialoga com a comunidade e
considera sua perspectiva de transformação e melhorias econômicas ligadas ao valor social
que a comunidade elege.
Segundo a LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no artigo 1º: A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996).
Assim, educação carrega uma missão que vai além do espaço escolar, abrangendo
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outros aspectos da vida, mas fundamentando-se principalmente nas práticas sociais e modos
de vida das comunidades. No caso do município de Cairu, a atividade pesqueira revela-se
como identitária e principal atividade econômica e essa atividade está em sintonia com a
identidade social da população pesqueira desse lugar vulnerável a transformações no espaço
geográfico, territorial e consequentemente às transformações socioespaciais.
É com essa relação que a educação do campo se propõe contribuir, interferindo de
forma a mediar essas transformações e mitigar os impactos negativos sobre a população, visto
que, essas mudanças acarretam transformações diretas na dinâmica socioeconômica do lugar.
Portanto, a educação não deve estar desvinculada dos aspectos que dimensionam os espaços
de vida social e pertencimento dos sujeitos; além de direito fundamental é responsabilidade
social do poder público.
3 DINÂMICA INTERNA DAS LOCALIDADES
Situadas na costa oceânica do município de Cairu (Figura 1), as localidades de
Gamboa, Garapuá, Moreré e São Sebastião estão condicionadas pelos mesmos fatores
interferentes, constituindo padrão de interferências. Tais fatores são: a mesma regulação de
uso de solo da APA, a influência da plataforma de extração de gás da Petrobrás fixada na
costa oceânica do município, o fluxo turístico advindo de Morro de São Paulo e Velha
Boipeba, e por fim a área geográfica de recifes de corais e manguezais. Vale ressaltar que
Cairu é um município localizado na costa leste do Estado da Bahia, formado por 26 ilhas, com
13 localidades.
A dinâmica destas comunidades é marcada pelo difícil acesso devido à situação de ilha
e à precária infraestrutura de transporte. As localidades não são populosas; segundo o IBGE
(2010) São Sebastião possui 729, Moreré 254, Gamboa possui 2.736 e Garapuá 548.
As atividades econômicas nestas comunidades, principalmente São Sebastião, Moreré
e Garapuá, estão concentradas na pesca, mariscagem, extração de piaçava em fazendas.
Porém, identificam-se atividades ligadas ao turismo e comércio familiar não tão expressivas
quanto em Gamboa, que possui um grande fluxo de pessoas devido a sua proximidade com
Valença (cerca de 1 hora) e rota de embarcações que circulam para Morro de São Paulo a cada
1 hora.
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Figura 1: Localização do Município de Cairu na Bahia e no Território de Identidade do Baixo
Sul Fonte: IBGE, 2010; SEI, 2012. Elaborado por Luis Henrique Couto Paixão.
Em termos de infraestrutura estas comunidades não contam com sistema de esgoto
tratável, fazendo com que os dejetos sejam depositados em fossas e ou nas praias. Há coleta
de lixo diária, energia e água encanada, que é distribuída gratuitamente.
Quanto à dinâmica natural destaca-se a presença de manguezais, recifes de corais e
pequenos copos d’água, como rios e fontes de água, que já foram muito utilizados pela
população para a lavagem de roupas e utensílios domésticos.
Nas dinâmicas espaciais destas localidades encontram-se (Tabela 1) estabelecimentos
religiosos (igrejas católicas, evangélicas, testemunhas de Jeová e outras manifestações
religiosas), edificações de domínio público, bem como estabelecimentos comerciais
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(supermercados, mercearias, lojinhas) e de hospedagem (hotéis e pousadas) além das
residências dos moradores locais, predominantemente nativos.
TABELA 1: NÚMERO DE EDIFICAÇÕES IDENTIFICADAS EM GAMBOA, MORERÉ, SÃO SEBASTIÃO E GARAPUÁ - 2014
TIPO DE EDIFICAÇÃO QUANTIDADE
GAMBOA MORERÉ SÃO SEBASTIÃO GARAPUÁ
Domicílios 858 69 220 161 Religioso 9 2 4 4 Público (escola, posto de saúde, posto policial, etc)
11 2 9 6
Domicílios de veraneio 58 3 16 26
Comercial 82 14 22 12 Estabelecimento de hospedagem
8 11 2 6
Residencial em construção - 5 - 28 Fonte: Pesquisa de campo, 2013; 2014. Elaborado pelos autores.
4 INSERÇÃO DA PESCA NAS LOCALIDADES E SEUS REBATIMENTOS
A atividade pesqueira é uma atividade em que se estabelece forte ligação entre o
homem e a natureza, sendo desenvolvida em toda costa brasileira. Segundo o MPA (2013)
pode ser dividida em profissional, amadora e artesanal, esta última é a modalidade que
tomaremos como base neste estudo.
A pesca é uma “[...] atividade humana de caça realizada em grande escala [...]”
(DIEGUES, 1983, p. 6), que envolve a retirada do produto pesqueiro de um corpo d’água o
que é um reflexo do conhecimento que o homem tem acerca da natureza (MALDONADO,
1986, p.7). Tal atividade econômica é desenvolvida através de traços adaptativos, que
apontam para uma interdependência que vai constituir a identidade do pescador.
A pesca artesanal é uma prática composta por uma gama de saberes, configurando
uma tradição que é passada pelas gerações, como habilidades no lidar com a natureza as
quais, para trabalhadores da pesca que não têm essa tradição, são operadas por equipamentos
como sonares, bússolas, etc. Os pescadores artesanais constituem categoria de sociedades
tradicionais, com modo de vida específico, construindo uma cultura tradicional. Vale ressaltar
que sociedades tradicionais são: [...] grupos humanos culturalmente diferenciados que historicamente reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modos de cooperação social e formas específicas de relações com a
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natureza, caracterizados tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente. (DIEGUES, 2001, p. 22).
Em Cairu, a pesca pode ser identificada através de diversos aspectos, seja simbólico
(imaterial) ou concreto (material), os quais a mantém pulsante nestas localidades. Tal pesca,
pode ser notada na paisagem marítima local e no dia a dia das localidades, onde podem ser
identificadas embarcações no mar, bem como fluxo de pescadores de entrada e saída para
pesca, manutenção de suas embarcações e apetrechos, assim como desenhos de peixes e
placas de venda de pescado.
Quantitativamente, a pesca foi identificada em 80% dos domicílios visitados em
campo. Esta identificação revelou que tais domicílios têm pelo menos um pescador residindo
e gerando renda familiar. Cabe ressaltar que na localidade de Gamboa apenas 42,5% dos
domicílios possuem pescadores residentes, mas mesmo assim é estatisticamente expressivo.
Contudo, foi constatado que a faixa etária responsável por representar os jovens (indivíduos
até os 21 anos) não possui uma expressividade diante das outras faixas, o que sugere
comprometimento futuro da prática pesqueira em termos de quantidade de profissionais.
Em questão de gênero, os pescadores (homens) são predominantes nas localidades em
relação às marisqueiras (mulheres)7. A vinculação desses indivíduos com a colônia de
pescadores nas localidades visitadas é expressiva, variando entre 29,4% e 79,5%. Contudo, há
pescadores que ainda têm dificuldades para se colonizarem, como em Moreré, onde 70,6%
dos pescadores ainda não têm esse vínculo. Segundo os pescadores, a falta de documentos
necessários à elaboração da carteira de pescador (em sua maioria) e a vinculação com outro
emprego de carteira assinada, impedem a ligação com a colônia.
A característica de pluriatividade desses pescadores foi constatada nas localidades,
onde a maioria dos entrevistados desenvolvem uma segunda atividade econômica para
complementariedade da renda na pesca. As atividades complementares estão ligadas ao
turismo na localidade, à construção civil e outras atividades, genericamente denominadas por
eles de “bico”.
Tendo a pesca como principal fonte de renda dos responsáveis pelos domicílios, as 7 As denominações marisqueira e pescadores são de caráter local; os pescadores são os homens que vão pescar peixes embarcados ou não, e por vezes realizam outras modalidades de pesca, como a retirada de crustáceos dos manguezais, a depender da área litorânea em que estejam inseridos e a época do ano. Já as marisqueiras vão aos manguezais e praias fazer a extração de crustáceos ou cata (limpeza) dos crustáceos em casa.
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famílias se agregam também às atividades cotidianas da pesca, como a venda, o tratar dos
peixes, bem como o descarregamento das redes e limpeza das mesmas, compondo a cadeia
produtiva da atividade pesqueira. Muitos desses pescadores têm origem externa às
localidades: 8% vêm de área rural de outro município e 7% de área urbana de outro
município, mas vivem nas localidades há mais de 10 anos. Vale ressaltar que os indivíduos que
vieram de outros municípios já adultos vieram com a pesca como sua fonte de sobrevivência.
A pesca, que como dissemos coexiste com novas atividades econômicas incorporadas
ao cotidiano da dinâmica espacial das localidades, é também marcada por conflitualidades nas
atuais dinâmicas de produção do espaço em Cairu que implicam em perdas diversas, o que
dificulta a vida dos indivíduos que a desenvolvem. Constatam-se rebatimentos das atuais
dinâmicas de produção na atividade pesqueira tradicional, tanto nos elos da cadeia produtiva
quanto nas novas atividades, como interferências negativas e positivas face às relações
estabelecidas nessa atual dinâmica.
Assim, a pesca passa a exercer vários papeis além das tradicionais que são fonte de
sobrevivência e de identidade social; passa a ser também objeto de uso do turismo (fornecer
produtos e também compor uma paisagem vendida), fonte de renda para o município, elo
entre o homem e a natureza e assim pretexto para sustentabilidade, no contexto da regulação
ambiental. Contudo, observa-se que o espaço ocupado pela pesca é um espaço fragilizado,
calcado por tensão e conflitos gerados pelas ações do capital privado, que tem o turismo como
o novo motor gerador de desenvolvimento no local e em geração de energia (no caso do gás
natural) com demanda urbana metropolitana a ser atendida.
Nesse sentido a pesca passa a se desenvolver e os pescadores a viverem dentro desse
espaço produzido por eles também, mas apropriado, sobretudo pelo capital privado turístico,
através do turismo e outras ações que atingem as localidades, e pelo capital industrial de
produção de energia.
A convivência da pesca com turismo é conflituosa pela disputa de espaços que antes
eram quase exclusivos da pesca e hoje são divididos com lanchas, barcos e visitas turísticas
constantes. O mesmo acontece com a chegada de empreendimentos privados, que além de
gerar impactos ambientais e na paisagem das ilhas, gera impactos nas áreas de pesca. A ação
do turismo é revelada nas falas dos pescadores, como causa de grande tráfego de meios de
transportes no mar, aumento de pessoas explorando o mar para obter pescado, aumento de
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pessoas nas praias e recifes.
As articulações com órgãos direcionados à pesca ainda é deficitária em Cairu.
Observa-se que a Secretaria de Pesca e Agricultura só foi criada no ano de 2014, revelando a
invisibilidade da pesca para a gestão municipal em um município em que boa parte da
população, situada tanto na área rural como na urbana vive dela. Já a colônia dos pescadores
presente em Cairu torna-se a organização responsável por representar, dialogar e ser elo entre
pescadores e políticas públicas. Com sua sede na ilha de Cairu, a Colônia Z-55 articula-se
com as comunidades através de moradores representantes da colônia, já que há dificuldades
de descolamentos.
A colônia dos pescadores exerce representatividade e importância para os pescadores,
muito maior do que as associações dos moradores. A colônia, nesse sentido, passou a exercer
o papel de garantia dos direitos dos pescadores, uma vez que os mesmos têm dificuldade de se
articular e buscar melhorias. É possível afirmar, neste contexto, que a identidade social rural
desses pescadores na produção material da vida está mais institucionalizada do que na
produção social, embora sejam imbricadas.
Não existem conflitos pela apropriação do espaço de pesca entre pescadores do
município, porém existem conflitos com pescadores de fora, como de Valença e Nilo Peçanha,
além dos barcos de produção industrial, fenômeno observado por Alencar (2011) e Rocha
(2010). Embora eles vejam e tenham o mar como o espaço de exploração de todos, os
pescadores de Cairu apontam para a má utilização dos pesqueiros por parte de pescadores de
fora, com tipos de pesca não permitidas ou não adequadas para o local, gerando impactos
negativos para a pesca. Dos entrevistados, 48% são contra a pesca nas áreas que circundam as
localidades por pescadores de fora, mas estes apontam que tal negatividade está ligada ao tipo
de pesca desenvolvida pelos externos.
Na relação com a Petrobrás, os pescadores têm impacto indireto. Para os pescadores
que desenvolvem sua atividade nas proximidades da costa restam a desconfiança ou medo de
um desastre causado pela plataforma de gás, através do derramamento de algum composto
químico. Para aqueles que realizam pesca em alto mar, os impactos visíveis estão no fato de
que os peixes são atraídos para o perímetro proibido, que circunda a plataforma. Esta atração
de peixes exercida pela plataforma, segundo os pescadores, é causada pela iluminação à noite,
e durante o dia, à sombra na água que a plataforma provoca. Esta situação se configura como
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perda na atividade por ter sido ali, antes da Petrobrás, um grande pesqueiro para a região.
Resumidamente, as causas da baixa do número de pescado, segundo a percepção dos
pescadores, estão vinculadas à presença da Petrobrás, à exploração por pescadores de fora e
pescadores industriais, assim como ao aumento do número do contingente de pessoas que
vivem ou exercem a atividade da pesca, face à falta de outros trabalhos nas localidades, mas
apontam a pesca predatória do arrastão como uma das principais causas.
Outro sintoma de perda para a pesca na localidade é a demonstração, por parte do
pescador, do seu não sentimento como classe trabalhadora. Esse fato foi demonstrado quando
os pescadores revelaram sua dinâmica de pesca como prática de modo de vida com mais
significado do que como atividade econômica. Embora, institucionalmente, a regulamentação
junto à Colônia de pescadores signifique reconhecimento da profissão, para os pescadores e
marisqueiras o que justifica é ser a Colônia fonte de benefícios individuais e não de acesso a
direitos, ou seja, de garantias de direitos e melhorias para a atividade através de políticas
públicas. Esse sentimento está atrelado principalmente ao descrédito das associações das
localidades e à falta de acesso a direitos de cidadania, tendo em vista que muitas vezes não
são ouvidos, por exemplo, em reuniões. De todo modo, os colonizados reconhecem que a
Colônia é o órgão que dá acesso a avanços trabalhistas já alcançadas até os dias atuais, como
a aposentadoria, financiamentos e afastamento por acidente de trabalho.
Além dessas perspectivas sobre a institucionalização da profissão, as entrevistas
realizadas junto aos pescadores revelaram que não há união nem liderança entre eles para
reivindicar e conquistar direitos. Assim, a participação de reuniões em associações ou visita à
prefeitura, é uma atitude individual, quando cada qual considera ser necessário. Podemos
inferir que, nas localidades estudadas, a não articulação como classe trabalhadora evidencia
que a pesca é vivenciada como atividade de um segmento populacional cujo modo de vida é
decorrente do trabalho como labor e não da profissão institucionalizada quer como autônomo
quer como assalariamento.
Em meio a esta dinâmica a pesca vai se mantendo e os pescadores se adaptando às
novas perspectivas que passam a se incorporar nas localidades e nas suas práticas, como
instrumentos ou novas formas de pescar, bem como alternância de horas de pesca ou períodos
para conciliar com o turismo. A falta de institutos ou órgãos que fomentem a pesca,
principalmente no âmbito municipal também acirra dificuldades e faz com que os pescadores
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sobrevivam por si só. Apenas em 2014 se inicia a criação da Secretaria da Pesca no município
e até o mês de abril de 2014 ainda não havia iniciado as atividades efetivas para a melhora da
pesca.
5 A EDUCAÇÃO LOCAL E SEU REBATIMENTO NA ATIVIDADE PESQUEIRA
Reconhecemos que a população jovem de Cairu enquadra-se como a população capaz
de dar continuidade à atividade pesqueira e acima de tudo apontar o processo de mudança
nestas áreas rurais locais, mostrando modificação das atividades econômicas e modos de vida,
com a chegada de outros valores em cada comunidade. Nesse sentido, compreendemos que os
jovens são agentes economicamente e educacionalmente ativos com condições de
possibilidades na perspectiva de continuidade e renovação da pesca nas localidades
pesquisadas. Como, então, tem sido estabelecida a relação dos jovens com a pesca em termos
atuais e de perspectivas futuras com base na dinâmica existente em suas localidades?
Nas localidades visitadas existem escolas do ensino fundamental, ensino médio e
creches. Em São Sebastião o sistema educacional é composto por uma creche, uma escola de
ensino fundamental I e uma destinada ao ensino fundamental II e ensino médio, que é
extensão na zona rural de uma escola de zona urbana localizada na sede do Município. Em
Garapuá (que atende também a comunidade de Batateira) existe uma escola que atende ao
mesmo tempo os ensinos fundamentais (I e II), o ensino médio e a creche. Em Moreré existe
apenas uma escola de ensino fundamental I, que atende também a creche. Já em Gamboa os
crianças e jovens são atendidos por creches, escola de ensino fundamental I e II e ensino
médio, estes últimos alocados numa escola modelo do município nesta localidade.
A estrutura física das instituições, especificamente as que atendem o ensino médio,
não são avançadas; não possuem bebedouros, quadra de esportes, sala de informática e nem
biblioteca, com exceção da escola modelo situada em Gamboa, que possui todos estes itens.
Em termos de projetos, não há projetos em que haja relação escola e comunidade, fato apenas
encontrado na escola inserida em Gamboa, que desenvolve este trabalho em alguns fins de
semana durante o ano. Vale ressaltar que atualmente há um projeto do governo federal
denominado Mais Educação que desenvolve um trabalho com os alunos do fundamental I
durante a semana no período oposto às aulas, que constitui atividades recreativas e de reforço
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escolar.
No ensino médio, foco deste trabalho, não foi constatado matéria específica que
direcione estes jovens que precedem ao mercado de trabalho a uma compreensão do espaço e
comunidade onde vivem. Em entrevistas aos diretores escolares, os mesmos informaram que
não tinha nada previsto nos planos pedagógicos que contemplassem essa ligação entre o
ensino na escola e sua relação com a dinâmica local, cabendo ao professor a sensibilidade de
tal direcionamento. Esse não direcionamento ainda é agravado pela falta de materiais
didáticos ligados à realidade rural destas localidades, ficando dependentes do material padrão
sudeste e sul que não se adéquam ao nordeste e tão pouco aos modos de vida contidos numa
ilha oceânica. Na maioria das vezes tratamos a questão da pesca como uma atividade muito difícil, por conta das dificuldades que os pescadores encontram na prática. Tentamos mostrar aos alunos que o estudo é o melhor caminhar para mudarmos o status financeiro, não que venhamos a menosprezar a atividade pesqueira porque sabemos que nem sempre o mar está para peixe (Diretora de uma das escolas entrevistadas).
A fala desta diretora de uma das escolas pesquisadas revela não somente a dissociação
entre ensino formal e contextualização da educação, mas também mensagem subliminar de
que a atividade pesqueira prescinde de estudos ao mesmo tempo em que, explicitamente, o
estudo se justifica para obter ganhos financeiros.
A descontextualização da educação formal fica evidente diante da composição familiar
dos estudantes em relação à produção material e social de suas vidas ao se constatar que
40,2% deles são filhos de pescador ou de marisqueira, sendo que 60% destes ajudam de
alguma forma nas atividades ligadas à pesca, compondo a cadeia produtiva na interação
familiar. Vale ressaltar, que os 59,8% que não possuem pais pescadores ou marisqueiras,
apontam que estes possuem outra profissão principal, como costureira, comerciante,
vendedor, pedreiro, padeiro, diarista, funcionário público, carpinteiro, entre outros, mas que
também, nas horas vagas desenvolvem a arte de pesca. A combinação ente essas profissões
caracteriza a pluriatividade do mundo rural na relação estabelecida com a natureza.
As condições de tensões e conflitos vividas na realização da atividade pesqueira
associada à descontextualização da educação formal explicam o desinteresse que os jovens
demonstraram para a realização desta atividade. Suas escolhas profissionais passaram a ser:
policial, advogado, médico, administrador, marinheiro e dentista, e explicam o porquê.
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Eu vi os meus parentes pescando e era muito difícil. É trabalhosa e dura a vida de pescador, não é fácil não (Aluna de Garapuá, 37 anos). Meus pais desejam algo melhor para mim, e é pensando nisto que desejo ser professora ou psicóloga, ou então estudar nutrição. Ainda estou em dúvida (Aluna de São Sebastião, 17).
As vinculações com o mundo rural de Cairu, para os entrevistados, são reveladas
quanto à falta de infraestrutura para os mesmos desenvolverem suas futuras profissões. Foi
revelado que 34,6% não desejam permanecer morando em suas localidades. Outro aspecto
observado é a necessidade e desejo destes jovens saírem do local de origem, para alcançar os
objetivos profissionais que a localidade não tem como fornecer condições de realizá-los. Vale
ressaltar que esse panorama é uma realidade encontrada nas áreas rurais, não só nas visitadas,
mas também em outras áreas do Brasil (CARNEIRO, 2012). Porém, mesmo após a saída os
jovens pretendem retornar às suas origens, pois ainda possuem grande vínculo afetivo, como
destaca a fala do jovem: Gostaria de sair, mas voltar com os meus sonhos realizados, para poder ajudar todos da minha comunidade e atingir todos os meus desejos (Jovem, Garapuá, 17 anos).
Já para os jovens que tem vontade de permanecer nas localidades, a ligação com os
pais, a beleza e tranquilidade existente em suas localidades justificam suas escolhas. Pois independentemente do local e da população, penso que irá evoluir futuramente. E assim poderei exercer minha profissão aqui mesmo. (Jovem, 15, Garapuá). Porque na minha localidade, é um local que não gera violência, roubos, estupros, pontos de drogas e entre outros. (Jovem, 21, Garapuá).
Mostra-se também uma preocupação com a continuidade na transmissão dos saberes
da pesca entre as gerações. Os outros que falam: a pescaria tá ruim. Mas pescaria tem seus dias bons e seus dias ruins, é que nem o tempo antigo que falava a pescaria. Mas hoje aqui todo mundo dessa ilha é rico. Todo mundo aqui vive de quê? A não trabalhar aqui na prefeitura, todo mundo é pescador. Tem seu barquinho, tem sua canoa, tem isso, tem aquilo. Vai trabalhar de quê? Da pesca! E tem muita gente que trabalha aqui há muito tempo em fazenda e não tem nada (Pescador de São Sebastião, 2014).
Mas os jovens ainda reconhecem e apontam pontos positivos na pesca, como fonte de
renda e sobrevivência nas localidades, bem como a proximidade com a natureza que a
atividade proporciona, de modo a gerar bem-estar a quem pratica.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode ser percebido que a dinâmica pesqueira das localidades estudadas vive processo
de transformação em que diversos fatores rebatem em sua atividade principal, influenciando
para o enfraquecimento da mesma e dificultando elos da cadeia produtiva. A pesca, que
representa um modo de vida específico, convive com as novas dinâmicas locais, advindas do
projeto de desenvolvimento advindo de várias escalas, inclusive global, mas também da
escala municipal, enquanto a escala local segue outros padrões de desenvolvimento.
Paralelamente a esta dinâmica, as escolas locais que têm como função de formar
pessoas, não promove qualquer direcionamento para realidade vivida, que seja capaz de
fomentar o desenvolvimento da atividade econômica responsável pela construção histórico-
social do espaço geográfico e tão pouco abordar a dinâmica de vida local. A escola, sendo
parte da totalidade social, precisaria garantir a esses sujeitos o direito à formação
multidimensional e contextualizada. Não poderia reproduzir-se separada da vida social e nem
fragmentada em seu conteúdo, mas deveria estar calcada na concepção emancipadora de
educação. Observou-se que a escola não atua como fator de construção das identidades social
e cultural local, e sim, na construção de identidade homogeneizante, diretamente ligada aos
padrões externos locais, que mesmo mantendo a atividade pesqueira, não seria de modo a
encadear sua trajetória histórico-social, haja vista a pesca industrial, já constatada.
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