Atitudes Cooperativas Na Pratica Desportiva Do Futsal

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Cadernos FAPA – N. Especial. – 2008 – www.fapa.com.br/cadernosfapa 72 ATITUDES COOPERATIVAS NA PRÁTICA DESPORTIVA DO FUTSAL: ESTRATÉGIAS DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM CORPORAL Zuleika Andradas Albuquerque 1 [email protected] Resumo O cotidiano escolar apresenta-se por parte dos educandos com uma série de atitudes não cooperativas, desrespeitosas, sem ética e sem um clima de harmonia o qual lhes favoreceria o ensino-aprendizagem. Investiga-se através dos Jogos Cooperativos, de que forma eles podem intervir como estratégia de cooperação entre os educandos, favorecendo a aquisição de atitudes cooperativas nas aulas de Educação Física. A sua influência no desenvolvimento da linguagem corporal e na auto-estima dos educandos, e suas conseqüências positivas nas relações interpessoais e o cotidiano escolar. Palavras-chave: Estratégias de cooperação. Jogos cooperativos. Auto-estima. Atitudes cooperativas. 1 Introdução A espécie humana surgiu há cerca de 2 milhões de anos. Isso só foi possível porque, nos 3 bilhões e meio de anos anteriores, as bactérias existentes estavam aprendendo a unir-se e formar organismos mais complexos e eficientes, ou seja, já estavam praticando a cooperação, com um objetivo único: sobreviver. A sociedade primitiva precisou ser cooperativa para sobreviver, houve uma divisão natural de tarefas. Durante a pré-história, grande parte do tempo o homem gastava com o trabalho dedicado à sobrevivência; portanto, à obtenção de alimentos, à construção de abrigos, à confecção de vestimentas (GOYAZ, 2005, p. 54). Os trabalhos de pesquisadores e paleontólogos nos mostram que isso não evitou que o homem, reunido em bandos, utilizasse algum tempo ocioso para confraternizar e, posteriormente jogar ou brincar. Os jovens, quando desempenhavam as tarefas que lhes seriam dadas quando adultos, brincavam de faz-de-conta. Ou seja, já jogavam. Trocando suas experiências vivenciadas, eles foram constituindo-se no que chamamos de sociedade. Até hoje os jogos fazem parte da vida humana, seja de forma educativa, de obtenção de forma física, seja na prevenção e saúde, na forma competitiva ou simplesmente lúdica. Essas atividades corporais são resultados da vida e da ação humana; portanto, são expressões culturais, que demonstram a concepção de sociedade em que está inserida. A sociedade ocidental, de uma forma geral, está alicerçada no capitalismo, com ênfase no consumo e na competição. Brotto (2001, p. 5) em contrapartida, nos mostra que os “jogos cooperativos serão capazes de contribuir para diminuir as barreiras e estreitar as distâncias que têm separado pessoas, grupos, sociedades e nações, assim como, têm nos afastado da interação com a natureza”. Em face dessa possibilidade, optou-se, com artigo, pelo estudo de estratégias de cooperação utilizadas nas aulas de Educação Física, principalmente no que diz respeito à prática do Futsal, visando à aquisição de atitudes cooperativas no cotidiano escolar. Os jogos cooperativos foram introduzidos nas aulas de Educação Física, diante da possibilidade de sua inserção no cotidiano escolar, com o objetivo principal de aquisição de atitudes de 1 Professora de Educação Física na RME de Porto Alegre, graduada pela UFRGS, Especialista em Pedagogia do Esporte CEAD – UnB Brasília-DF, orientada, em 2006, por Ana Cristina de David ([email protected]), em monografia que deu origem a este artigo.

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ATITUDES COOPERATIVAS NA PRÁTICA DESPORTIVA DO FUTSAL: ESTRATÉGIAS DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

DA LINGUAGEM CORPORAL

Zuleika Andradas Albuquerque1 [email protected]

Resumo O cotidiano escolar apresenta-se por parte dos educandos com uma série de atitudes não cooperativas, desrespeitosas, sem ética e sem um clima de harmonia o qual lhes favoreceria o ensino-aprendizagem. Investiga-se através dos Jogos Cooperativos, de que forma eles podem intervir como estratégia de cooperação entre os educandos, favorecendo a aquisição de atitudes cooperativas nas aulas de Educação Física. A sua influência no desenvolvimento da linguagem corporal e na auto-estima dos educandos, e suas conseqüências positivas nas relações interpessoais e o cotidiano escolar. Palavras-chave: Estratégias de cooperação. Jogos cooperativos. Auto-estima. Atitudes cooperativas. 1 Introdução

A espécie humana surgiu há cerca de 2 milhões de anos. Isso só foi possível porque, nos 3 bilhões e meio de anos anteriores, as bactérias existentes estavam aprendendo a unir-se e formar organismos mais complexos e eficientes, ou seja, já estavam praticando a cooperação, com um objetivo único: sobreviver. A sociedade primitiva precisou ser cooperativa para sobreviver, houve uma divisão natural de tarefas. Durante a pré-história, grande parte do tempo o homem gastava com o trabalho dedicado à sobrevivência; portanto, à obtenção de alimentos, à construção de abrigos, à confecção de vestimentas (GOYAZ, 2005, p. 54).

Os trabalhos de pesquisadores e paleontólogos nos mostram que isso não evitou que o homem, reunido em bandos, utilizasse algum tempo ocioso para confraternizar e, posteriormente jogar ou brincar. Os jovens, quando desempenhavam as tarefas que lhes seriam dadas quando adultos, brincavam de faz-de-conta. Ou seja, já jogavam. Trocando suas experiências vivenciadas, eles foram constituindo-se no que chamamos de sociedade.

Até hoje os jogos fazem parte da vida humana, seja de forma educativa, de obtenção de forma física, seja na prevenção e saúde, na forma competitiva ou simplesmente lúdica. Essas atividades corporais são resultados da vida e da ação humana; portanto, são expressões culturais, que demonstram a concepção de sociedade em que está inserida.

A sociedade ocidental, de uma forma geral, está alicerçada no capitalismo, com ênfase no consumo e na competição. Brotto (2001, p. 5) em contrapartida, nos mostra que os “jogos cooperativos serão capazes de contribuir para diminuir as barreiras e estreitar as distâncias que têm separado pessoas, grupos, sociedades e nações, assim como, têm nos afastado da interação com a natureza”.

Em face dessa possibilidade, optou-se, com artigo, pelo estudo de estratégias de cooperação utilizadas nas aulas de Educação Física, principalmente no que diz respeito à prática do Futsal, visando à aquisição de atitudes cooperativas no cotidiano escolar. Os jogos cooperativos foram introduzidos nas aulas de Educação Física, diante da possibilidade de sua inserção no cotidiano escolar, com o objetivo principal de aquisição de atitudes de

1 Professora de Educação Física na RME de Porto Alegre, graduada pela UFRGS, Especialista em Pedagogia do Esporte CEAD – UnB Brasília-DF, orientada, em 2006, por Ana Cristina de David ([email protected]), em monografia que deu origem a este artigo.

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cooperação, solidariedade, inclusão e amizade, pois eles nos permitem, segundo Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 28), vivenciar uma relação humanizadora, calcada em bondade, consideração, compaixão, compreensão, cooperação, amizade e amor.

A relevância do presente estudo se pauta na existência de atitudes hostis e não-cooperativas por grande parte dos educandos da turma observada, nos seus relacionamentos cotidianos e, em especial, durante a prática de Futsal na aula de Educação Física, acarretando sérios prejuízos para eles e toda a população educacional da escola. Mesmo após uma aula de Educação Física que é a matéria de que mais gostam, eles apresentam atitudes grosseiras e não cooperativas com os colegas. Existe uma competição exacerbada, sem escrúpulos, sem ética. Essas atitudes em nada ajudam no ambiente escolar, não permitem um clima de harmonia, um clima de trocas de experiências, de aprendizagem mútua. Resolvi recorrer aos jogos cooperativos, pois como Brotto (2001, p. 4) afirma, eles nos levam “a descobrir caminhos diferentes para aprender a conviver, particularmente, em momentos de crises e transformações”.

Assim, a presente proposta de estudo é pesquisar de que maneira o emprego dos jogos cooperativos pode servir de estratégias de cooperação durante a prática do Futsal nas aulas de Educação Física?

Como esses jogos podem melhorar o relacionamento interpessoal, elevando assim a auto-estima dos educandos e criando um clima harmônico e favorável e melhor desenvolvendo sua linguagem corporal.

Encontro em BROWN (1994, p. 42) que “O ensino da educação física não exige reforçar a competição”. Sigo pelo caminho dos jogos cooperativos na busca de novas alternativas, para uma sociedade mais humana, mais justa e igualitária, em que através do diálogo, consigamos resolver os nossos conflitos.

O estudo se deu em uma Escola Municipal de Porto Alegre, RS. Rede Municipal de Ensino ciclada, por isso a denominação de B 33 (3º ano do 2º Ciclo), no período de 2005/2006.

2 Revisão de literatura

Exponho, na seqüência, sustentação teórica sobre jogos, em especial os cooperativos.

2.1 Jogo Em “Homo Ludens” célebre obra que trata sistematicamente o jogo, Johan Huizinga

(1999, p. 33) assim define: Uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “Vida quotidiana”.

Considerando que os jogos são anteriores à civilização e necessitam ser entendidos como um processo histórico, cultural e social, notamos que suas definições e práticas foram sofrendo transformações ao longo dos anos.

Os jogos sempre representaram o caráter dos processos de produção. Por exemplo, os temas que inspiraram os jogos lúdicos na Antiguidade eram a caça, a guerra, a vida, os hábitos dos animais, o trabalho. O jogo, em especial, mostra, na sua evolução, a passagem de atividade essencialmente lúdica para atividade lúdica competitiva, hoje denominada esporte. Os tênues limites que definem brincadeiras, jogo, lutas, danças, ginásticas e esporte nos permitem concordar com Freire (1998, p. 06) no que tange a essas atividades: “é possível incluí-las todas no universo do jogo, considerando este a grande categoria do conjunto das produções lúdicas humanas”.

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Para Friedmann (1996), não existe uma teoria completa dos jogos, mas ele apresenta uma síntese dos principais enfoques projetados sobre o jogo infantil: sociológico, educacional, psicológico, antropológico e folclórico. Uma vez que as crianças, ao brincarem sofrem influência do contexto social, desenvolvem seu ensino/aprendizagem, possibilitam a melhor compreensão das suas emoções e personalidade, refletem o costume e história de suas diferentes culturas e ainda as suas tradições, são mantidas através dos tempos. Brotto (2001), utiliza ainda o enfoque filosófico estudado por Santin (1987, 1994) no qual somos incentivados a exercitar a reflexão ética sobre os valores humanos presentes (ou ausentes no jogo), investiga o jogo como meio para o desenvolvimento integral do ser humano e de aprimoramento de sua qualidade de vida.

Mesmo com algumas diferenças os esportes modernos e os jogos utilizados nas cerimônias religiosas e festas na antiguidade não mudaram o seu caráter Agonístico, combativo e competitivo, defendido por Carmo (2005) como componente essencial e motivador do jogo, pois, sem o mesmo este deixaria de existir. O autor afirma ainda que, por essa razão, dificilmente os jogos podem contribuir para uma formação cooperativa e solidária de seus participantes.

Em oposição, concordo com Brotto (2001), que define o jogo como “espectro de atividades interdependentes, que envolve a brincadeira, a ginástica, a dança, as lutas, o esporte e o próprio jogo”, sustentando a “idéia da aproximação entre o jogo e a vida, compreendendo ambos como reflexo um do outro: — Eu jogo do jeito que vivo, e vivo do jeito que jogo”.

O jogo tem funções essenciais, importantes na formação do ser humano, Brotto (2001), aponta-as como um fator que serve para explorar o mundo que rodeia o jogador, bem como explorar as suas próprias atividades, reforçando o convívio social, pois o jogo tem um alto grau de liberdade, permitindo assim que as relações fiquem mais saudáveis, e, dependendo da orientação que o jogo oferece, pode aprimorar ou modificar o relacionamento interpessoal. O jogo equilibra corpo – linguagem, portanto – e alma, devido ao seu caráter natural, pois atua como um regulador de tensões e relaxamentos. Gera normas, valores e atitudes, pode reproduzir o mundo real através da fantasia. Ele induz a criança a novas experiências e conhecimentos; permite ensinar e aprender através de erros e acertos, sempre é possível recomeçar um jogo novo. Torna a pessoa livre, para decidir e escolher o próximo passo dentro do jogo e, por conseqüência, prepara-a para a tomada de atitudes e decisões frente a diversas situações na vida real.

Após estudos, Brotto (2001) caracterizou situações comuns ao jogo e ao cotidiano e classificou-as como sendo a “Arquitetura do jogo” por permitirem olhar o jogo e a vida como um local de exercícios das potencialidades humanas, pessoais e coletivas, bem como solucionar problemas, harmonizar conflitos, superar crises e alcançar objetivos. Essas situações são:

a) visão: meta-Concepções e valores essenciais que orientam e dão sentido-significado, filosofia, ética, visão de mundo e existência humana;

b) objetivo: alcance de objetivos, solução de problemas, harmonização de conflitos; c) regras: referência flexível (implícita ou explícita) para iniciar e sustentar

dinamicamente as ações e relações; normas, leis, convenções; d) contexto: o aqui-e-agora, como uma síntese do passado-presente-futuro, o campo

de jogo, o ambiente da vida. e) participação: interação plena e interdependente de todas as dimensões do ser

humano: física-emocional-mental-espiritual, em ao nível pessoal, interpessoal e grupal;

f) comunicação: diálogo buscando a compreensão ampliada e a ação correta em um dado momento e para cada situação;

g) estratégias: organização, planejamento e definição de ações;

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h) clima: o “astral”, o “espírito” presente no momento, algo sutil e que faz a diferença; i) resultados: marcos e indicadores para balizar o processo continuado de

aperfeiçoamento; j) celebração: instante para comemorar as realizações e renovar o anseio de continuar

jogando-vivendo. Sendo assim, o jogo torna-se muito importante para o desenvolvimento humano em

todas as idades. 2.1.1 Caráter educacional

É indiscutível a importância do jogo como mais uma ferramenta pedagógica à disposição dos educadores no processo de ensino/aprendizagem, seja pelo seu caráter social, lúdico, competitivo, ou cooperativo. O que pretendo discutir é para que fim o jogo se está prestando. Devemos saber que tipo de homem queremos formar? Que tipo de sociedade nós pretendemos? O educador exerce uma atividade social, contribuindo para a formação cultural e científica dos educandos e, portanto, tem um compromisso com a sociedade. Conforme Libâneo (apud MEDEIROS, 2004, p. 90):

O sinal mais indicativo da responsabilidade profissional do professor é o seu permanente empenho na instrução e educação dos seus alunos, dirigindo o ensino e as atividades de estudo de modo que estes dominem os conhecimentos básicos e as habilidades, e desenvolvam suas forças, capacidades físicas e intelectuais, tendo em vista equipá-los para enfrentar os desafios da vida prática no trabalho e nas lutas sociais pela democratização da sociedade.

Dessa forma, o educador deve ter seu posicionamento claro, pela transformação das

condições gerais da sociedade ou se pela reprodução dos valores estabelecidos, pois sabemos que ensinar é um ato político e não admite neutralidade. O educador deve ter essa premissa conscientemente. Por isso aponto a presente reflexão sobre as práticas esportivas (Futsal) na escola: De que forma os jogos praticados nas escolas contribuem para a transformação e construção de uma sociedade mais justa, mais harmônica e mais solidária?

Friedmann (1996) auxilia na reflexão quando relaciona as principais características que a escola deve possuir:

a) ser um elemento de transformação da sociedade; b) considerar as crianças como seres sociais e construtivos; c) privilegiar o contexto socioeconômico e cultural; d) reconhecer as diferenças entre as crianças; e) considerar os valores a bagagem que elas já têm; f) propiciar a todas as crianças um desenvolvimento integral e dinâmico; g) favorecer a construção e o acesso ao conhecimento; h) valorizar a relação adulto-criança caracterizada pelo respeito mútuo, pelo afeto e

pela confiança; i) promover autonomia, criticidade, criatividade responsabilidade e cooperação. Baseado nos estudos de Piaget (1971), Friedmann (1996) nos mostra ainda as

possibilidades estabelecidas através do jogo que incentivam o desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões:

a) desenvolvimento da linguagem: até adquirir a facilidade da linguagem, o jogo é o canal através do qual os pensamentos e sentimentos são comunicados pela criança;

b) desenvolvimento cognitivo: o jogo dá acesso a um maior número de informações, ao jogar a criança consolida habilidades já adquiridas e as pode praticar, de modo diferente, diante das novas situações;

c) desenvolvimento afetivo: o jogo é uma “janela” da vida emocional das crianças. A oportunidade de a criança expressar seus afetos e emoções através do jogo só é

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possível em um ambiente e espaço que facilitem a expressão: é o adulto quem deve criar esse espaço;

d) desenvolvimento físico-motor: a exploração do corpo e do espaço leva a criança a desenvolver-se. Piaget considera a ação psicomotora como precursora do pensamento representativo e do desenvolvimento cognitivo, e afirma que a interação da criança em ações motoras, visuais, táteis e auditivas sobre os objetos do seu meio é essencial para o desenvolvimento integral;

e) desenvolvimento moral: as regras do exterior são adotadas como regras da criança, quando ela constrói sua participação de forma voluntária, sem pressões. A relação de confiança e respeito com o adulto ou com outras crianças é o pano de fundo para o desenvolvimento da autonomia. E só a cooperação leva à autonomia.

O ser humano nasce motivado a aprender, explorar o mundo e a beneficiar-se disso. Ainda bebê aprende a jogar e explorar o mundo ao seu redor, e isso é fundamental para um desenvolvimento integral de suas áreas, afetiva/relacional, psicomotora e cognitiva. É durante a primeira infância que sua personalidade básica é estruturada com a formação das conexões ou sinapses cerebrais (TEIXEIRA 2002, p. 5).

Cabe ao professor organizar pedagogicamente a sua aula de Educação Física, fazendo com que os jogos satisfaçam as necessidades essencias das crianças, que são, segundo Freinet (apud SCAGLIA; RANGEL, 2004, p. 152) “agir, criar, interagir, interpretar, comunicar-se, expressar-se e avaliar-se”, promovendo então o seu desenvolvimento.

Conforme Piaget (1971), “O trabalho em grupo é a forma mais interessante para promover a cooperação, é fator fundamental para a progressão intelectual”. (apud TEIXEIRA, 2002, p. 5). E os jogos cooperativos propiciam a união da cooperação e da autonomia.

2.2 Competição e cooperação

Ao buscar o significado no dicionário, encontramos, para o vocábulo competição “ação ou efeito de competir, luta, disputa, torneio”; para cooperação “trabalhar, atuar simultaneamente para o mesmo fim” (LUFT, 2005).

No entanto, esses conceitos não conseguem evitar a polêmica em torno do assunto. Na realidade, para Brotto (2001), competição e cooperação são aspectos de um mesmo espectro, não se opõem, mas se compõem. São processos sociais e valores presentes no jogo, no esporte e na vida, sendo que um não define ou substitui o outro. Cabe ao educador oferecer atividades para dosar competição e cooperação adequadamente.

Ainda sobre as atitudes e situações estudadas, Brotto (2001) tem a seguinte compreensão:

Na situação cooperativa, os alunos: a) percebem que o atingir de seus objetivos é, em parte, conseqüência da ação dos

outros membros; b) são mais sensíveis às solicitações dos outros; c) ajudam-se mutuamente com freqüência; d) são mais homogêneos na quantidade de contribuições e participações; e) tem produtividade, em termos qualitativos, maior; f) alcançam especialização de atividades maior. Na Situação competitiva, os alunos: a) percebem que o atingir de seus objetivos é incompatível com o alcance dos

objetivos dos demais; b) são menos sensíveis às solicitações dos outros; c) ajudam-se mutuamente com menor freqüência; d) apresentam menor homogeneidade na quantidade de contribuições e participações; e) tem produtividade, em termos qualitativos, menor;

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f) demonstram especialização de atividades menor. Como se pode perceber cooperação e competição são processos sociais do mesmo

jogo, sendo a cooperação um processo no qual os objetivos almejados são comuns, levando a ações compartilhadas, em que resultados, igualitariamente divididos, são benéficos para todos os participantes. E, por sua vez, competição é um processo no qual os objetivos almejados são mutuamente exclusivos, acarretando ações individualistas, o que concorre para que apenas alguns indivíduos obtenham ganhos com os resultados.

Brotto (2001), nos mostra que cooperação e competição são processos distintos, mas não distantes. Seus limites são tênues e permeia o intercâmbio de suas características, o que nos leva a ter, em algumas vezes, uma competição-cooperativa e noutras uma cooperação-competitiva. Devemos, portanto, estar atentos e cuidadosos na sua equiparação.

Certos grupos podem ter todas as características cooperativas, mas, quando colocados em situação de confronto e competição, tendem a esquecê-las, visando apenas ao alcance de seu objetivo, o que pode torná-los extremamente individualistas.

A relação entre os meios e os fins de um comportamento específico ou de uma situação nos é apresentada e classificada por Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 28) como humanizadora, envolvendo Bondade, consideração, compaixão, compreensão, cooperação, amizade, amor; e desumanizadora, em que se percebem falta de interesse para com o sofrimento do outro, crueldade, brutalidade e desconsideração para com os valores humanos.

O homem é, por essência, um ser social, e não existe uma natureza competitiva ou cooperativa predominantemente que determine o seu comportamento. O que irá determinar o seu comportamento é a cultura social da comunidade na qual está inserido.

Piaget (1971), nos auxilia para um maior entendimento sobre o desenvolvimento da inteligência cognitiva do ser humano. Por conseguinte, permite interpretar que competir e cooperar são conquistas do desenvolvimento da inteligência que seguem concomitantemente como duas faces da mesma moeda, com características específicas, porém complementares, e são o resultado do desenvolvimento cognitivo, são, portanto, educáveis. Para BRAGA (2004), ao desenvolver atitudes cooperativas, o indivíduo compreende e assume características cooperativas, do mesmo modo, e, em oposição, se apenas praticar atitudes competitivas, ele se tornará um exímio competidor, e talvez inescrupuloso, não lhe importando os meios que utilizará para alcançar o fim que é o seu objetivo maior.

Possuímos a possibilidade e o discernimento de escolher nosso jeito de ser e o nosso modo de agir colaborando em prol de uma melhor qualidade de vida para todos.

Brown (1994) coloca que situação de cooperação é aquela em que, para o objetivo de um indivíduo ser alcançado, todos os demais deverão igualmente atingir seus respectivos objetivos. E a situação competitiva será definida quando a realização dos objetivos de um de seus membros impede a realização dos objetivos dos demais.

Na competição, os “ganhadores” são os que conseguem impor-se às custas dos outros. Há um ganhador, também um perdedor. Assim como se aceita que é normal que haja ganhadores e perdedores, se aceita que o mais importante é ganhar, inclusive com a utilização da força, da manipulação, da trapaça e do engano. Essa é uma relação de dominantes e dominados. Ela não existe apenas no jogo, também em outras situações de vivências em sociedade. Há na sociedade capitalista ocidental em que vivemos e reforça a relação de dominação, violência e destruição dos fortes pelos fracos, em que se perdem também os valores éticos e morais, de dignidade, respeito, amor, solidariedade, compreensão e, principalmente, cooperação. Acredita-se que aquele que ganha merece o triunfo, porque é mais forte. Os perdedores aceitam e submetem-se à sua condição porque têm a esperança de transformarem-se algum dia em ganhadores. Na competição, o perdedor tem a culpa, ele fez algo errado, ele merece, ele foi punido por Deus.

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Com freqüência ouvimos comentários de que a teoria da seleção natural de Darwin justifica a competição e a natureza competitiva humana. Tais comentários são incorretos, pois Darwin já afirmava que, para a raça humana, o valor mais alto na sobrevivência está na inteligência, no senso moral e na cooperação social, e não na competição. O conceito de sobrevivência do mais apto tem sido utilizado de forma distorcida para justificar negociatas, crueldades e guerras contra os mais fracos.

É preciso que nos voltemos para uma direção mais cooperativa que possa gerar bondade, solidariedade, compreensão, compaixão, inclusão, amizade e amor.

2.3 Jogos cooperativos

Aqui são trazidas mais especificações acerca dos jogos cooperativos.

2.3.1. Origem e evolução

Na sociedade moderna, em especial na civilização ocidental, com tendência há uma excessiva valorização aos métodos competitivos, o que gera uma sociedade individualista sem preocupação com o outro. Esse fato vem preocupando educadores e psicólogos.

Há milhares de anos, nossos ancestrais já praticavam os jogos cooperativos quando se reuniam nas tribos para celebrar a vida. Mas a sua sistematização só foi acontecer na década de 1950, através do trabalho pioneiro do Professor americano PhD em Psicologia Ted Lentz, pesquisador e estudioso do desenvolvimento da personalidade. Seus últimos anos foram dedicados a pesquisas das ciências e tecnologias em busca da paz.

Em 1978, Terry Orlick, professor canadense da Universidade de Ottawa, pesquisou o jogo e a sociedade, e escreveu o livro Winning trough cooperation que foi traduzido para o Português como Vencendo a competição, publicado em 1989, tornando-se um marco na historia dos jogos cooperativos. Nessa obra, ele aborda, com profundidade e consistência, várias questões que nos remetem a uma visão diferente para os modelos sociais e mentais que conhecemos e que até então eram praticamente tidos como única opção.

O professor americano e educador popular na Venezuela Guilhermo Brown é mais um expoente sobre jogos cooperativos. Publica em 1987 o livro ¿Qué tal si jugamos?, pioneiro na América Latina. Em 1994, publica no Brasil Jogos cooperativos, teoria e prática, contando as vivências de educador popular na Venezuela, quando então, aplicava os jogos cooperativos.

No Brasil, o ilustre professor e mestre Fábio Otuzi Brotto, através de suas vivências, inquietações e determinações, introduziu os jogos cooperativos por aqui. Após desenvolver trabalhos e projetos de cooperação, publicou, em 1995, Jogos cooperativos: se o importante é

competir, o fundamental é cooperar. Juntamente com Gisela Sartori Franco, criaram o Projeto Cooperação – Comunidade de Serviços, dedicado à difusão dos jogos cooperativos e da ética da cooperação, através de oficinas, palestras, eventos, publicações e produção de materiais didáticos.

A hipervalorização da competição se manifesta nos jogos pela ênfase que damos ao resultado numérico e à vitória, conforme Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 45). Para ele nós não ensinamos nossas crianças a terem prazer em buscar o conhecimento, mas as ensinamos a se esforçarem para conseguir notas altas. Da mesma forma, não as ensinamos a gostar dos esportes, mas a vencer jogos. Os jogos tornam-se rígidos e altamente organizados, não deixando espaço para a criatividade e dando a ilusão de que só existe um caminho a ser percorrido durante a sua realização. Para Kagan (apud BROTTO, 2001, p. 45), “as crianças não jogam jogos competitivos, elas obedecem”. Pois recebem a orientação dos pais, meios de comunicação e por alguns professores direcionados para a competição, estes, raramente oferecem uma atividade diferenciada, cooperativa.

Conforme Brotto (2001), “sem opções, não há escolha real. Existem apenas a obediência e a submissão ao que já existe”.

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O objetivo maior da criação dos jogos cooperativos foi promover a auto-estima, juntamente com o desenvolvimento de habilidades interpessoais positivas. E muitos deles, são orientados para a prevenção de problemas sociais, antes de se tornarem problemas reais.

É preciso empenho por parte dos profissionais envolvidos no sentido de recriar e divulgar os jogos cooperativos, para que possamos vitalizar os valores éticos, morais e as atitudes positivas, visando ao desenvolvimento da humanidade como um todo, integrado. Não uma sociedade utópica, ideal, sem conflitos ou problemas, mas uma comunidade com seres humanos dispostos e aptos a lidar com suas divergências, seus conflitos e seus objetivos de um modo diferente. Alicerçado no respeito e confiança mútua, no reconhecimento da importância de todos os indivíduos, centralizando o objetivo maior que é o bem-estar comum; segundo Brotto (2001), “uma sociedade altamente competente ao invés de extremamente competitiva para lidar com as crises atuais e futuras e encontrar, a partir delas, os diferentes caminhos para uma melhor qualidade de vida para todos”.

2.3.2 Conceito e características

Os jogos cooperativos podem ser conceituados como uma categoria de jogos em que os participantes unem-se para alcançar um objetivo comum a todos. Joga-se para superar desafios, transpor obstáculos, e não para derrotar os adversários, até mesmo porque, nesses jogos, não se joga contra um adversário e sim com um parceiro, um companheiro. O esforço cooperativo é necessário para atingir um objetivo comum, e não para fins mutuamente exclusivos.

Como este jogo é um processo, aprende-se a reconhecer a própria autenticidade e a expressá-la espontânea e criativamente. No jogo cooperativo consideramos o outro como um parceiro, um solidário, não como um adversário, mas necessitamos dele para alcançar os interesses mútuos e priorizarmos a integridade de todos. A sua estrutura diferenciada permite diminuir a pressão para competir e a necessidade de comportamentos destrutivos.

Os jogos cooperativos visam a promover a interação dos participantes, com sua participação de forma livre, espontânea e alegre, promovendo a harmonia. Nos jogos cooperativos, os verbos conjugados são compartilhar, cooperar e unir, e as ações conjuntas despertam a coragem de assumir riscos, não se preocupando com o fracasso e o sucesso em si mesmos.

Brotto (2001) afirma que os jogos cooperativos reforçam a confiança pessoal e interpessoal, porque ganhar e perder são referências para o contínuo aperfeiçoamento de todos. Da participação nos jogos cooperativos surge um envolvimento total em sentimentos de aceitação e um prazer que gera o desejo de continuar jogando.

Para Walker (apud BROTTO, 2001, p. 56), os jogos cooperativos: a) são divertidos para todos; b) todos os jogadores têm um sentimento de vitória; c) todos se envolvem independente de sua habilidade; d) aprende-se a compartilhar e a confiar; e) há mistura de grupos que brincam juntos criando alto nível de aceitação mútua; f) os jogadores estão envolvidos nos jogos por um período maior, tendo mais tempo

para desenvolver suas capacidades; g) aprende-se a solidarizar com os sentimentos dos outros, desejando também o seu

sucesso; h) desenvolvem a autoconfiança porque todos são bem aceitos; i) a habilidade de perseverar face às dificuldades é fortalecida; j) todos encontram um caminho para crescer e desenvolver. Em 1977, Guilhermo Brown, educador de jovens e adultos na Venezuela, realizava

trabalhos comunitários no campo da comunicação popular. Usando nas horas de lazer alguns

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jogos cooperativos como processo de educação e organização, logo percebeu os resultados benéficos obtidos, havia mais solidariedade, companheirismo, organização em torno de um objetivo comum, obtinham o prazer e a alegria de jogar, pois não havia vencidos e vencedores, nem oprimidos e opressores: “brincávamos com adultos e crianças, refletíamos com operários, camponeses, professores e até com advogados”. BROWN (1994), não importando o local em que realizavam as atividades; poderia ser na sala de aula, na capela e até na cadeia. As atividades poderiam realizar-se na capital e no interior dos Países vizinhos da América Latina.

Compreendo que os jogos cooperativos são uma categoria de jogos em que o objetivo maior é o comportamento solidário. Não há confronto entre os participantes. Eles não são adversários entre si, são parceiros e juntos procuram vencer obstáculos, sem que para isso tenham que derrotar alguém. O prazer da vitória é dividido de forma igualitária para todos os participantes. Com isso, minimizamos as atitudes individualistas e sectárias, tão disseminadas na sociedade atual. Não se faz necessário que em todas as aulas de Educação Física uma equipe saia vencedora enquanto outra equipe saia com o sabor amargo da derrota. Podem-se usar jogos cooperativos com a mesma motivação e empenho, a fim de obtermos educandos felizes, solidários, compadecidos, criativos, mais humanos e com um espírito de equipe mais reforçado.

2.4 Jogos cooperativos e a auto-estima dos educandos

Diante da realidade social de nossos educandos, moradores que são da periferia de Porto Alegre, deparamo-nos com uma série de injustiças, desigualdades, preconceitos, tristezas, violências, medos, agressividades e dificuldades. Uma realidade diferente do que seria de esperar, uma vez que a natureza da criança é de espontaneidade, alegria, brilho no olhar, esperança no amanhã; liberdade para sonhos e fantasias; vontade ilimitada de aprender e brincar; capacidade de aceitar, repartir, doar e semear amor. Preocupam-nos sobremaneira os frutos que serão colhidos após a semeadura feita em seus corações no final das aulas de Educação Física. Sabemos que os jogos cooperativos, por sua forma diferente e seus propósitos básicos de união, solidariedade, respeito, harmonia, confiança, criatividade, podem contribuir para a minimização dos fatores que geram frustração, levando com isso nossos educandos a uma participação total, solidária e cooperativa; aceitando o seu companheiro com suas limitação e dificuldades; compartilhando a espontaneidade e o prazer de jogar, criando e respeitando normas e limites. Enfim, tornando-se um ser atuante, com sua auto-estima elevada, capaz de auxiliar os colegas, propor e criar atitudes de cooperação, não só durante a aula, mas no todo da escola e da sua comunidade; capaz de reconhecer seus próprios talentos e colocá-los a disposição do grupo com um mesmo propósito: o bem-estar de todos, o que é confirmado em Brotto (2001, p. 55): “Eles reforçam a confiança pessoal e interpessoal, uma vez que ganhar e perder são apenas referências para o contínuo aperfeiçoamento de todos”.

Sabemos que a situação cooperativa, quando incentivada no educando pelas atividades propostas na aula de Educação Física e por ele vivida vai desenvolver sua auto-estima, sua confiança e sua identidade pessoal, melhorando o seu relacionamento interpessoal e integrando-o de forma positiva ao seu grupo. Há uma inclusão natural desse educando, aceitação, não importando suas diferenças: anatômicas (alto, baixo, gordo ou magro); gênero (sexo); cor (etnias diversas); necessidades especiais (físicas, mentais, visuais, auditivas ou múltiplas); condições de saúde (soropositivo – HIV, epilepsia, síndromes diversas, etc.).

Segundo Medeiros (2004, p. 96), devemos [...] pensar a inclusão partindo do princípio segundo o qual, nenhuma criança possa estar fora da escola. E neste sentido, buscar desconstruir práticas que segregam pessoas que não se enquadram no “padrão de normalidade” presente em uma concepção político-pedagógica conservadora e passar a produzir igualdades a partir de diferenças, que se fazem extremamente ricas no contexto geral.

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Devemos entender que trabalhar com crianças especiais não requer uma especialização “para reduzir deficiências”, mas um aprimoramento pedagógico para identificar as dificuldades no sentido de mediar as suas relações com a escola, enfatizando a sua prática num processo cooperativo.

O papel do educador é fundamental para atingirmos um estágio de situação cooperativa. A ele cabe desenvolver atividades lúdicas que promovam as experiências pessoais de compartilhar, interagir com o outro, cooperar, reconhecer-se e respeitar limites, reforçando o crescimento emocional, o autoconhecimento e o autoconceito positivo, levando o educando a desenvolver uma auto-imagem positiva na construção e elevação da sua auto-estima. Desse modo, crianças educadas na cooperação, na aceitação e no sucesso, têm uma chance muito maior de desenvolver uma auto-imagem positiva e uma auto-estima adequada. 3 Metodologia

A investigação que empreendi caracterizou-se como uma pesquisa descritiva de corte qualitativo, desenvolvida com a finalidade de estudar como os Jogos cooperativos intervêm como estratégias de cooperação e atitudes cooperativas na prática desportiva do Futsal nas aulas de Educação Física.

Foram investigados educandos da Turma B33 3º ano do 2º Ciclo – de uma EMEF da periferia da Zona Leste de Porto Alegre – RS. Eram 31 alunos, da turma B33, sendo 15 meninos e 16 meninas, na faixa etária de 10 a 12 anos.

Para averiguar as atitudes cooperativas na prática desportiva do futsal como estratégias de cooperação, foram utilizadas para coleta de dados observações com diário de campo de aulas ministradas na turma B33 na disciplina de Educação Física e das saídas para jogos de futsal em outros locais, referentes à participação no projeto Jogos Abertos da Cidade de Porto Alegre, no ano de 2005.

Durante a saída para o primeiro jogo de futsal masculino percebemos a atuação positiva do jogo como fator capaz de elevar a auto-estima dos educandos, comprovado pela alegria que demonstravam e as atitudes solidárias para com os colegas durante as partidas, quer seja incentivando quando alguém errava um passe ou elogiando quando acertava uma jogada mais complexa.

Convém observar que o caráter dos Jogos Abertos Cidade de Porto Alegre ainda é competitivo, mas cabe ressaltar que a orientação é que os professores envolvidos tenham sempre em mente os jogos cooperativos, com atitudes de solidariedade, respeito, lealdade, justiça, alegria e prazer para os educandos participantes.

Notava-se claramente a motivação e a alegria de estarem participando de um evento de seu interesse. Jogar futsal é o que eles mais querem na vida, e num ginásio coberto, diferente da realidade na qual estão inseridos.

As atitudes respeitosas e as qualidades técnicas dos educandos enquanto equipe rendeu-lhes a admiração dos organizadores do evento e da torcida. Analisando a saída para a primeira fase dos jogos de futsal feminino e levando em conta a chuva que ocorreu pelo início da manhã e o fato de ser domingo, percebeu-se que as meninas não foram tão responsáveis quantos os meninos, e, ao contrário deles, não se mostram motivadas e incentivadas pelos familiares para a sua participação no futsal feminino, o que demonstra uma grande dificuldade em resolvermos equívocos sociais e culturais da questão do gênero. Medeiros (2004, p. 97) afirma, que a questão do gênero é condicionante social e cultural, já que as manifestações esportivas, principalmente o futebol, é percebido nos meninos desde tenra idade e, “mesmo nos dias atuais, a bola de futebol não é um presente recomendado para as crianças do sexo feminino”.

A saída para a segunda fase dos jogos de futsal masculino não ocorreu da forma e esperada, o que nos faz refletir que, dentre os vários fatores que concorreram para ela, em

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primeiro lugar, está a euforia e a ansiedade dos educandos. Para eles haverem passado para uma fase seguinte, impunha a responsabilidade de competir e de ganhar. Conforme Brotto (2001, p. 55), cederam às pressões e às necessidades de comportamentos destrutivos. Encontravam-se, segundo Deutsch (apud BROTTO, 2001, p. 26), numa situação competitiva. Havia a cobrança dos outros colegas, mais forte que as orientações da professora para que se mantivesse o mesmo espírito cooperativo e de união.

Alguns agiram como se fossem “craques”, e auto-suficientes. Conforme Orlick (apud TEIXEIRA, 2002, p. 4): “Muitas pessoas ainda acreditam que para vencer ou ter sucesso, é preciso ser um feroz competidor e quebrar regras”. Talvez por suas condições sociais desfavoráveis queriam superar-se através da vitória, ou ainda por estarem inseridos num contexto de violência. De acordo com Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 28), numa relação desumanizadora, a lei da sobrevivência obriga-os a passar por cima dos valores, como ética, respeito e solidariedade.

Percebemos ainda a importância fundamental do apoio familiar ao educando, quando notamos que os atletas que mantiveram o mesmo comportamento cooperativo e solidário, apesar da mesma condição social, são os mais bem amparados pela presença constante de seus familiares, pais dedicados e atentos que conseguem ensinar-lhes os reais valores morais, apesar da falta dos valores monetários.

Devemos, contudo, continuar a mostrar aos educandos que a cooperação e a solidariedade são mais importantes do que a simples e pura competição, o que é confirmado em Brotto (2001, p. 81) “o mais importante é proporcionar às crianças, jovens e adultos, possibilidades para verem a si mesmos e aos outros como seres humanos igualmente valiosos, tanto na vitória como na derrota”. Pois, quando pensamos em uma nova sociedade, mais justa e mais fraterna, vale lembrar ainda Brotto (1995): “Se o importante é competir, o Fundamental é Cooperar”, o que importa é a participação prazerosa e agradável na prática das atividades físicas de lazer.

A reflexão feita após a primeira observação da aula de Educação Física nos remete à exclusão tanto de gênero, de etnia, de cor como de estética, pois, no momento da avaliação da aula, eles colocam bem as questões sentidas: falta de cooperação; falta de respeito com os colegas; colegas “fominhas” e preconceituosos, com dificuldades na questão de gênero, pois eles não passam a bola, principalmente para as meninas (algo já comentado em MEDEIROS, 2004). Após refletirem, comprometem-se a tentar jogar com companheirismo e amizade na próxima aula.

Com relação à exclusão dos “gordinhos”, Mello (2005, p. 96) nos mostra como “o corpo passou a ser um produto difundido pela industria cultural”. Tornando-se um produto de compra e venda, que “com uma única estética sendo difundida, gera um mecanismo de pressão para os adolescentes, o que se constitui em obsessão pelo alcance de uma beleza idealizada”.

Mello (2005, p. 97) conclui que, cabe ao professor contribuir para que seus educandos reconheçam seu corpo e aceitem que as suas diferenças são comuns e necessárias, e que não devem constituir-se em motivos para qualquer tipo de preconceito, discriminação e estereótipo.

Percebeu-se alguma mudança positiva analisando o relatório de observação da

segunda aula. Durante os Jogos recreativos, houve uma participação harmônica dos envolvidos. No início alguns hesitaram, resistiram, mas na seqüência eles cederam e mostraram-se felizes e muito alegres, mesmo que os meninos tentassem quebrar ou burlar as combinações feitas anteriormente. Já demonstraram mais respeito e cuidado com os colegas. O mesmo foi observado durante a realização dos jogos cooperativos e na prática desportiva, quando jogaram futsal. No término da aula, a professora reuniu-os para a avaliação. A grande

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maioria dos educandos percebeu que houve melhora em seu comportamento e que as atividades desenvolvem-se melhor quando aceitam bem a participação das meninas quebrando assim o preconceito machista existente (como já comprovado em MEDEIROS, 2004, p. 97). Alguns meninos reconheceram que subestimaram as colegas que queriam jogar futsal e se surpreenderam pelo fato de elas jogarem muito bem.

Percebemos entretanto como ainda é presente em alguns educandos a premissa de vencer a qualquer custo, mesmo que para isso ele não seja ético, ou não cumpra as regras estabelecidas anteriormente.

Na reflexão sobre o relatório da terceira aula percebemos algumas mudanças positivas no comportamento geral dos educandos. Notámos uma acentuada diminuição nas agressividades e brigas entre eles. No que se refere à postura diante da professora, alguns ainda tentaram intimidá-la com gritos, ameaças e chantagem para que ela lhes deixasse jogar futsal sem as outras atividades planejadas. Mas a maioria dos educandos já passou a assumir uma postura de querer experimentar as atividades dos jogos cooperativos, embora, quando necessário ficarem em duplas, rejeitassem o fato de unirem-se ao educando do sexo oposto, sendo necessária a intervenção da professora como mediadora dos conflitos surgidos.

Mostravam-se curiosos e motivados para a realização do jogo cooperativo do lençol elástico. Ficaram atentos quando lhes foi colocado que o objetivo maior desta categoria de jogos é cooperação, união, confiança e a solidariedade. A alegria e o prazer durante a atividade foram percebidos, pois a maioria da turma não queria parar de realizá-la.

O clima de harmonia favoreceu a realização do futsal cooperativo livre, em que cada equipe é formada pelo mesmo número de duplas livres com as mãos dadas, sem goleiro fixo.

Na avaliação final, a grande maioria da turma revelou ter gostado da aula, pois fora diferente e alegre. Reconheceram que na hora do lençol elástico o colega não pôde soltar o lençol, pois a atividade ficaria prejudicada. Entenderam que, no jogo cooperativo de duplas, não podem soltar a mão do colega, devem cooperar para que as atividades sejam realizadas com sucesso, gerando-se um espírito de equipe na turma, e um enorme prazer, pois é agradável um ambiente de harmonia. Conforme o que preconiza Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 28), teceram uma relação humanizadora, baseada em bondade, consideração, compreensão, cooperação, amizade e amor.

No relatório da observação da quarta aula já percebemos um outro clima entre os educandos. Com raras exceções, respeitam-se mutuamente. Pelo menos no que se refere às agressões físicas. Realizaram o jogo cooperativo do lençol elástico, dessa vez com duas equipes, no mesmo clima de harmonia e alegria da aula anterior. Um educando sugeriu que contassem e verificassem quem conseguia equilibrar a bola por mais tempo. A professora solicitou que inventassem um novo jogo, partindo da estrutura em que se encontravam. Surgiu a idéia de lançar a bola de um lençol para o outro sem que esta caísse ao solo. Demonstravam com seu empenho e alegria que estavam conversando e montando estratégias de atuação e cooperação para atingirem o objetivo comum que era o de não deixar a bola cair ao solo.

Os educandos estavam alegres, com sua auto-estima elevada (confirmando o preconizado por BROTTO, 2001) e motivados a continuar com essas experiências de jogos cooperativos, inclusive já fazendo observações sobre o objetivo dos mesmos.

5 Conclusão

As informações contidas neste trabalho de pesquisa bibliográfica e de observações de campo em primeiro lugar nos mostram como é longo e rico o caminho de pesquisas já realizadas sobre os jogos e como ainda temos caminhos e trilhas para desbravar, por certo, com novas e entusiásticas descobertas.

Em segundo lugar, demonstram que os jogos, as brincadeiras e os esportes estão interligados de tal modo que, em certos momentos, não se tem clara a sua conceituação,

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inclusive, por renomados pesquisadores de áreas afins. Mas que, de um modo geral, jogo é toda a atividade corporal lúdica, realizada por uma ou mais pessoas que proporcione prazer ao ser realizada.

Comprova-se também, diante deste estudo, que os jogos fazem parte da existência humana, de seus relacionamentos quer de cooperação e sobrevivência, ou com seu caráter lúdico ou agonístico, pois quando na pré-história, ainda vivendo em bandos nas cavernas, cooperavam para conseguir sobreviver, brincavam e também competiam para demonstrar superioridade sobre os seus comuns ou sobre os animais.

Percebemos claramente que os jogos, como atividades corporais que são, fazem parte da cultura da sociedade em que estão incluídos os seus participantes. Portanto, as atitudes cooperativas decorrentes de participação em jogos cooperativos e as atitudes competitivas decorrentes da participação em jogos competitivos, podem ser aprendidas. Alegra-nos, pois, comprovamos que o homem não é mau por sua própria natureza.

E, mesmo vivendo em uma sociedade capitalista e consumista, o homem pode ser cooperativo, solidário ético, amigo e amoroso. Basta que ele seja educado através de mecanismos que permitam que exerça sua criatividade, criticidade, motricidade, alegria e curiosidade. Concluo que o melhor caminho (não o único, nem o mais fácil) a seguir em busca dessa alternativa viável de convivência social e harmônica, seja o dos jogos cooperativos. Por possuírem uma estrutura diferenciada dos jogos competitivos, eles podem e devem ser aliados à Pedagogia do Esporte, em que o educando sinta-se valorizado e incentivado a jogar não apenas pela supremacia ou vantagem numérica, mas pelo simples prazer de jogar e inter-relacionar-se, de manifestar-se através de sua linguagem corporal.

Concluo ainda que a opção pelos jogos cooperativos não é uma receita pronta; é preciso ter humildade pedagógica para, junto com os educandos, criar, inventar, aprender, refletir e avaliar a cada reencontro. O objetivo maior a ser alcançado nem sempre é imediato, uma vez que as atitudes hostis, infelizmente, fazem parte da vida social dos alunos.

A grande maioria dos educandos da turma, B33, da EMEF de Porto Alegre – RS em que realizamos a pesquisa, tenho a certeza, soube aproveitar os momentos em que estiveram envolvidos neste projeto, alcançando os objetivos gerais e específicos propostos. Até porque, já apresentavam algumas atitudes de cooperação antes não percebidas. Quanto aos demais alunos, penso que irão, pelo menos, lembrar, em algum momento de reflexão, as atividades diferenciadas e os jogos cooperativos de que participaram durante as aulas de Educação Física no ano de 2005.

Através dos jogos cooperativos, podemos estar germinando uma semente de cooperação e solidariedade de grande importância para a sobrevivência da espécie humana neste planeta, tão desrespeitado, chamado Terra.

Finalizando, acredito nos jogos cooperativos como uma alternativa viável e capaz de contribuir para uma consciência de cooperação e solidariedade, bem como uma consciência ambiental dos educandos, capaz de ajudar na busca de solução para os problemas, e a harmonização dos conflitos, internos e do cotidiano escolar, partindo até para o alcance de objetivos comuns à comunidade. Referências BRAGA, Luiz Ernani Santos. Revista dos jogos cooperativos, Sorocaba, n. 6, p. 12-13, 2004. Disponível em: <http://www.jogos cooperativos.com.br>. Acesso em: nov./dez. 2005; fev./mar. 2006. BROTTO, Fábio Otuzzi. Jogos cooperativos: o jogo e o esporte como um exercício de convivência. São Paulo: Projeto Cooperação, 2001.

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