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CURSO DE DIREITO Angélica Caetano Ben ASTREINTES: POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO Capão da Canoa 2017

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CURSO DE DIREITO

Angélica Caetano Ben

ASTREINTES: POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DE OFÍCIO PELO

MAGISTRADO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO

Capão da Canoa

2017

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Angélica Caetano Ben

ASTREINTES: POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DE OFÍCIO PELO

MAGISTRADO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – Campus Capão da Canoa, para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Diego Oliveira da Silveira

Capão da Canoa

2017

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TERMO DE ENCAMINHAMENTO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE

CURSO PARA A BANCA

Com o objetivo de atender ao disposto nos Artigos 20, 21, 22 e 23 e seus

incisos, do Regulamento do Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da

Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC – considero o Trabalho de

Conclusão de Curso, modalidade monografia, da acadêmica Angélica

Caetano Ben, adequado para ser inserido na pauta semestral de

apresentações de TCCs do Curso de Direito.

Capão da Canoa, junho de 2017.

________________________________ (Prof. Me. Diego Oliveira da Silveira)

Orientador

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Dedico este trabalho a minha irmã

Isabella, em razão de todo amor, carinho

e apoio que me deste, iluminando minha

vida desde seu nascimento.

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“O processo deve dar a quem tem direito,

tudo aquilo e exatamente aquilo que ele

tem o direito de obter”.

GIUSEPPE CHIOVENDA

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por ter guiado meus passos até aqui, cuidando e

zelando por mim a cada instante.

A minha família, que mesmo de longe se fez sempre presente, em

especial minha irmã Isabella Caetano Ben, que desde o seu nascimento só

trouxe alegrias para a minha vida.

Ao meu namorado, Yulian Czermainski Mereb, pelo apoio, incentivo, e

amor incondicional.

Aos meus queridos avós, por todo carinho e dedicação.

Ao meu professor orientador Diego Silveira, que atuou como um

verdadeiro mestre, me orientando e incentivando não somente no Trabalho de

Conclusão de Curso, mas durante a maior parte da graduação. Sou grata por

sua generosidade.

Aos professores do Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do

Sul, por partilharem comigo um pouco do seu conhecimento, me formando

como profissional.

Aos colegas, pelos momentos de amizade, companheirismo e apoio.

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RESUMO

O presente trabalho monográfico centra-se em verificar sobre a aplicação pelo Magistrado da possibilidade da redução das astreintes e eventuais reflexos daí decorrentes. As astreintes se consolidaram no ordenamento jurídico pátrio no Código de Processo Civil de 1973, restando previstas também no Novo Código de Processo Civil, em seus artigos 536 e 537 do mencionado diploma, possuindo caráter coercitivo, na medida em que visa coagir o obrigado a fazer, deixar de fazer determinado ato ou entregar coisa. Pretende-se, diante disso, analisar e discutir sobre a redução da multa de ofício pelo Juiz quando esta se demonstrar excessiva frente à obrigação principal, observando-se os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e o da vedação ao enriquecimento sem causa, já que o beneficiário da multa é o próprio autor da ação, ponderando, ainda, eventual risco da efetividade dos provimentos judiciais. Para tanto, utiliza-se a metodologia de pesquisa doutrinária através de comparações entre os posicionamentos dos principais autores que tratam do tema, exame da legislação atual e, especialmente, na análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça. Palavras-chave: Astreintes - Redução Ex Offício - Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade - Coisa Julgada - Efetividade.

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ABSTRACT

The present monographic work focuses on verifying on the application by the Magistrate of the possibility of the reduction of the astreintes and eventual reflections resulting therefrom. The astreintes were consolidated in the legal order of the country in the Code of Civil Procedure of 1973, being also foreseen in the New Code of Civil Procedure, in its articles 536 and 537 of the aforementioned law, having a coercive character, inasmuch as it aims to coerce the obligation to do , Fail to do particular act or deliver thing. In view of this, it is intended to analyze and discuss the reduction of the fine by the judge when it proves excessive in relation to the principal obligation, observing the principles of reasonableness, proportionality and the prohibition of unjust enrichment, since the Beneficiary of the fine is the author of the action, also pondering any possible risk of the effectiveness of judicial proceedings. For this, the methodology of doctrinal research is used through comparisons between the positions of the main authors who deal with the subject, examination of the current legislation and, especially, in the analysis of the jurisprudence of the Court of Justice of the State of Rio Grande do Sul and of the Superior Justice Tribunal. Keywords: Astreintes – Ex Officio Reduction - Principles of Reasonability and Proportionality - Judged Thing - Effectiveness.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................09

2 ASTREINTES E O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO............................11

2.1 Conceito das astreintes e sua previsão legal no Novo Código de

Processo Civil..........................................................................................15

2.2 Breves considerações históricas sobre o instituto das astreintes ..........18

2.3 Natureza jurídica e Sistemática de Aplicação.........................................20

2.4 O caráter coercitivo das astreintes..........................................................21

3 COISA JULGADA...................................................................................25

3.1 Definição de coisa julgada e previsão normativa....................................25

3.2 Fundamento da Coisa Julgada e o Princípio da Segurança Jurídica ....27

3.3 Espécies de coisa julgada:......................................................................29

3.3.1 Formal.....................................................................................................30

3.3.2 Material....................................................................................................31

3.4 Limites da coisa julgada:.........................................................................33

3.4.1 Objetivos.................................................................................................34

3.4.2 Subjetivos................................................................................................35

3.5 Relativização da coisa julgada: isso é possível? E em que casos?........37

4 A REDUÇÃO DAS ASTREINTES EX OFFICIO.....................................40

4.1 Previsão legal para a minoração da multa..............................................41

4.2 Possibilidade da minoração ex officio e os Princípios da Imparcialidade e

da Inércia................................................................................................42

4.3 A minoração da sanção e a efetividade das decisões judiciais..............44

4.4 Aplicação dos princípios da proporcionalidade da razoabilidade...........45

4.5 A vedação ao enriquecimento sem causa..............................................47

4.6 Análise da jurisprudência sobre a redução das astreintes.....................48

5 CONCLUSÃO.........................................................................................53

REFERÊNCIAS......................................................................................55

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1 INTRODUÇÃO

No Código de Processo Civil de 1973 consolidou-se no ordenamento

jurídico pátrio o instituto das Astreintes, cujo objetivo principal era a realização

de coerção ao obrigado em uma relação de obrigação de fazer, não fazer ou

dar coisa a praticar uma determinada ação, sob pena de incidência da multa.

Referida multa restou mantida no Novo Código de Processo Civil, ante a

indispensabilidade desta para a efetividade dos provimentos judiciais, com a

consequente satisfatividade, atividade norte do novo diploma processual civil.

Dispõe o artigo 4º do Código de Processo Civil: “As partes tem o direito

de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade

satisfativa.”1

Com efeito, o instituto das astreintes ora objeto de estudo é um meio

para obter-se a satisfação do direito, sendo, indubitavelmente, efetuada a sua

fixação em ações de obrigação de fazer, de não fazer e de entrega de coisa, a

fim de coagir o obrigado a praticar determinado ato.

Contudo, sabe-se que uma multa fixada em valor relativamente baixo ou,

ainda, equânime em relação ao fazer ou não fazer ou a entrega de coisa

poderá não servir como coerção necessária para que obrigado cumpra a

obrigação que lhe é imposta, razão pela qual não teria a efetividade que se

espera do provimento judicial.

De outra banda, uma multa demasiadamente alta poderia resultar no

enriquecimento sem causa da outra parte, visto que o valor fixado a título de

astreintes é revertido em favor da parte beneficiada pela decisão judicial, o que

é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Ocorre que, de fato, em não havendo cumprimento, na ausência de

limitação à multa, esta pode chegar a valores significativamente altos em

relação à obrigação principal, o que poderia dar ensejo a enriquecimento

injusto à parte beneficiada pela decisão judicial.

1 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 03 maio de 2017.

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Consabido, a astreinte não tem como objetivo o ressarcimento, não se

confundindo com eventual reparação de danos, mas sim a mera coerção do

obrigado ao cumprimento de determinado ato específico.

Dito isso, no primeiro capítulo, ter-se-á algumas considerações sobre o

instituto das astreintes, traçando breves considerações históricas, trazendo

conceitos doutrinários, previsão na legislação, natureza jurídica e sistemática

de aplicação.

A seguir, no segundo capítulo será abordado acerca do instituto da coisa

julgada, mais especificadamente se há coisa julgada relativamente ao quantum

das astreintes, e de que maneira isto ocorre. Sabe-se que ao juiz é facultada a

alteração do valor da multa a qualquer tempo, consoante se infere nos

respectivos dispositivos legais, ressaltando sobre eventual relativização da

coisa julgada no caso em apreço, bem como do princípio da segurança jurídica.

Por fim, no terceiro capítulo será tratada da redução de ofício pelo

magistrado, fazendo um paralelo com os princípios da inércia do juiz, dever de

imparcialidade e os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e o da

vedação ao enriquecimento sem causa.

Para a realização deste trabalho, utiliza-se a metodologia de pesquisa

doutrinária através de comparações entre os posicionamentos dos principais

autores que tratam do tema, exame da legislação atual e, especialmente, na

análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul e do Superior Tribunal de Justiça.

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2 ASTREINTES E O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

É certo que vivemos em um Estado Democrático de Direito, no qual é

vedada a realização de justiça com as “próprias mãos”. Assim, necessário se

faz que o Estado crie meios eficazes para a obtenção da efetividade da tutela

jurisdicional, eis que este deverá ser o meio utilizado para o credor buscar a

satisfação de seu direito. Venceslau e Junior explicam:

Nos Estados Democráticos de Direito, caso o devedor se recuse à pretensão do credor, como resta vedado o caminho da justiça de mão própria (ou realizada diretamente pelo próprio credor); tal pretensão no sentido de compelir o devedor a cumprir a prestação só poderá ser exercida mediante a tutela jurídica estatal, ou tutela jurisdicional.2

Com efeito, tornou-se constante a busca da efetividade da tutela

jurisdicional, a fim de abandonar-se a preocupação exclusiva com conceitos

para, conforme Bedaque, dedicar-se à busca de mecanismos destinados a

conferir à tutela jurisdicional o grau de efetividade que dela se espera.3

Nas palavras de Wambier apud Amaral:

Tem-se como certo, hoje, que a garantia fundamental de acesso à

jurisdição quer dizer acesso à efetiva tutela jurisdicional, isto é, direito

à obtenção de provimentos que sejam capazes de promover

alterações nos planos jurídicos e empírico. Não basta mais a mera

tutela formal dos direitos. Esta, se estiver desacompanhada da

produção de efeitos prático, produzidos tempestivamente, é tida como

uma forma de desatenção ao preceito constitucional que garante o

acesso à justiça.4

Amaral discorre sobre efetividade do processo civil atualmente:

Falar-se, hoje, em efetividade do processo civil é lugar-comum para quem quer que se preocupe com a concretização do princípio do devido legal, insculpido não apenas na Constituição Federal, mas no espírito do homem moderno. Uma justiça formal, preocupada em declarar, menos do que em realizar, já não pode ser classificada

2 VENCESLAU, Tavares Costa Filho; JUNIOR, Roberto Paulino de Albuquerque. Notas sobre as Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa no Código de Processo Civil de 2015. Revista Magister de Direito Processual Civil nº 73. Editora Magister, Jul/Ago 2016, pág. 22. 3 BEDAQUE, José Roberto S. Efetividade do processo e técnica processual: tentativa de compatibilização. Tese para concurso de Professor Titular, USP, São Paulo, 2005, p.13 4 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 26.Apud Wambier, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 19/20.

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apenas de insuficiente ou defeituosa. É, sim, teleologicamente inapta, débil e impotente.5

Pablo Andrade Cubells, em seu trabalho de Conclusão de Curso,

ressalta que, “ao contrário do senso comum, na grande maioria dos casos, a

prolação de uma decisão judicial favorável não garante à parte autora a

efetivação dos direitos reconhecidos, razão pela qual, a fim de atenuar a

famosa frase “ganhei, mas não levei” e propiciar uma verdadeira tutela

jurisdicional aos cidadãos, mostra-se essencial que o sistema propicie meios

efetivos para que o direito material se realize no mundo sensível.”6

Com isso, através do Código de Processo Civil de 1973, com influência

de leis especiais, bem como reformas posteriormente editadas, consagrou-se a

utilização no ordenamento jurídico brasileiro das astreintes.

Tal instituto foi incorporado no ordenamento pátrio com o intuito de dar

efetividade aos provimentos judiciais, buscando, através deste instituto,

assegurar o direito específico do jurisdicionado, adotando mecanismos ágeis e

eficazes para sua obtenção.

Quanto à utilização das astreintes no Código de Processo Civil de 1973,

leciona Theodoro Júnior:

Já no sistema do Código de 1973, a multa por atraso no cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer era cabível tanto na sentença como em decisão interlocutória de antecipação de tutela. Caberia, também, em decisão incidental na fase de cumprimento da sentença, se esta não a houvesse estipulado.7

Na sequência, o ilustre jurista enfatiza:

Era assim que se explicava a dupla menção da astreintes nos §§ 4º e 5º do art. 461 do CPC/1973: (i) no primeiro deles havia a previsão normal da aplicação no ato de impor a realização da prestação devida, ou seja, no deferimento da antecipação de tutela, em caráter provisório, ou na sentença, quando a condenação era proferida em caráter definitivo; (ii) na segunda hipótese (a do §5º) a multa se apresentava como uma das medidas de apoio que o juiz poderia

5 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 23. 6 CUBELLS, Pablo Andrade. Multa Coercitiva (Astreintes): do CPC 1973 ao CPC 2015. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado perante a Universidade de Brasília. Disponível em http://bdm.unb.br/bitstream/10483/10992/1/2015_PabloAndradeCubells.pdf. Acesso em 15/05/2017. 7 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol III. 50. Ed. rev., atual. eampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág.171.

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tomar em qualquer tempo para tornar efetiva a condenação já proferida, e não necessariamente na própria sentença.8

Segundo Assis, se o obrigado descumpriu seu dever no tempo, modo e

lugar previstos, fugindo ao desconforto menor do adimplemento, em geral não

se abalará aos sacrifícios ainda maiores criados pela execução. O prestígio da

autoridade judiciária, a palavra do juiz, às vezes persuade o vencido a cumprir

espontaneamente o comando judicial. Se tal não ocorre, convém admitir de

forma lhana que a autoridade jurisdicional, em si mesma considerada,

fracassou, reclamando o emprego dos meios executórios.9

E, com efeito, é a partir daí que surge a necessidade da existência bem

como emprego de medidas eficazes para a obtenção da integral satisfação da

obrigação.

Dito isso, verifica-se a extrema importância das astreintes hoje no

ordenamento jurídico brasileiro, como forma de garantir a efetiva e adequada

prestação jurisdicional.

A necessidade da satisfação efetiva do jurisdicionado que se socorre do

Poder Judiciário encontra previsão no capítulo I do Código de Processo Civil de

2015, intitulado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil”, em seu artigo

4º, que assim dispõe:

Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.10

Theodoro Júnior, a respeito da atividade jurisdicional, pontua:

No desempenho da função jurisdicional, a ele – Poder Judiciário – instrumento de realização dos direitos, de observância de ordem jurídica, que torna concreta a vontade da lei ao declará-la e executá-la. A garantia de acesso ao Judiciário enunciada no inciso XXXV do art. 5º da CF compreende a tutela jurisdicional efetiva dos direitos. De nada adiantaria a jurisdição se não houvesse como assegurar ao titular do direito reconhecido mecanismos de fazer respeitar as decisões proferidas.11

8 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol III. 50. Ed. rev., atual. e amp. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág.171. 9 ASSIS, Araken de. Manual de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012, p. 143. 10 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 maio de 2017. 11Theodoro Junior, HUMBERTO. Revista Magister de Direito e Processual Civil. v. 1(jul./ago. 2004). Porto Alegre: Magister, 2004. Bimestral. Coordenação: Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. v. 72 (maio/jun. 2016), pág. 21.

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Assim, verifica-se que a atividade satisfativa é, e não poderia ser

diferente, disposição norte no novo diploma processual civil, sendo, as

Astreintes meio para a realização da satisfação efetiva do jurisdicionado, a fim

de garantir o verdadeiro acesso à Justiça, direito fundamental previsto na

Constituição da República Federativa do Brasil.

Ainda, por oportuno, relevante lembrar que o Novo Código de Processo

Civil possui dispositivo específico que defende a autoridade estatal, na pessoa

do juiz, e o exercício da jurisdição, qual seja, o art. 77, IV, §§1º ao 5º, in verbis:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; § 1o Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2o A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. § 3o Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2o será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97. § 4o A multa estabelecida no § 2o poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1o, e 536, § 1o. § 5o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2o poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.12

Assim, conclui-se que além da previsão da possibilidade de fixação de

multa por descumprimento da decisão judicial, poderá o obrigado, ainda,

incorrer na sanção prevista no parágrafo 2º do artigo supra transcrito.

Todavia, a multa por ato atentatório à dignidade da justiça,

diferentemente das astreintes que revertem em favor da parte beneficiada pela

decisão judicial, reverterá em favor da União ou do Estado, conforme o caso,

consoante disposto no parágrafo 3º do mesmo artigo.

12 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 06 de junho de 2017.

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2.1 Conceito das astreintes e sua previsão legal no Novo Código de

Processo Civil

Para uma maior compreensão das astreintes, sua conceituação

demonstra-se indispensável, motivo pelo qual se traz uma série de conceitos, a

fim de demonstrar características, peculiaridades, bem como a finalidade do

instituto objeto de estudo.

Conforme Carvalho:

A multa diária, ou astreintes, tem por objetivo coagir o devedor a satisfazer, com maior exatidão possível, a prestação de uma obrigação, fixada em decisão judicial ou em título extrajudicial. Daí dizer a doutrina que a multa diária é medida coativa (ou coercitiva e não reparatória ou compensatória) e tem características patrimonial e psicológica.13

Gonçalves enfatiza a importância da multa objeto de estudo, na medida

em que leciona que “sem ela, o titular de um direito estaria privado da

possibilidade de satisfazer-se sem a colaboração do devedor”.14

Por seu turno, Neves preceitua:

O juiz atuará de forma a pressionar psicologicamente o executado para que ele modifique a sua vontade originária de ver frustrada a satisfação do direito do exequente.15

No entendimento de Marinoni essa multa possui como objetivo garantir a

efetividade da sentença e da tutela antecipatória, fazendo com que a ordem de

fazer ou de não fazer sejam efetivamente observadas e cumpridas pelo

devedor.16

Sobre a aplicação do instituto, leciona Assis:

A técnica da pressão psicológica para induzir o cumprimento voluntário, através da imposição de multa diária, exibe notória e insuperável fraqueza. Ela não funciona perante pessoas desprovidas de patrimônio capaz de suportar, se for o caso, o peso da multa. É claro que, vencido o “prazo razoável para cumprimento do preceito”

13 CARVALHO, Fabiano. Execução da multa (astreintes) prevista no art. 461 do CPC. Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 114. 14 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Processo de execução e cautelar.15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 17. 15 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil.5ª edição. São Paulo: Método, 2013, p. 815. 16 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. São Paulo: Revista

dos Tribunais,2001, p. 72.

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(art. 461, §4º, in fine), incidirá o réu na pena. Formando tal crédito pecuniário, ele comportará execução provisória, mediante o mecanismo comum da expropriação. Mas, chegado tal estágio, inviabilizou-se a execução específica da prestação faciendi, passando-se a execução de crédito em dinheiro (astreinte).17

No Código de Processo Civil de 1973 as astreintes encontravam

previsão no artigo 461, §5º, que assim dispunha:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. §5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.18

Já sobre a possibilidade de alteração do quantum da multa, tal

possibilidade vinha insculpida no parágrafo 6º do artigo antes mencionado, que

dizia: §6º - O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da

multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.19

Pela extrema importância que as astreintes representam para o direito

processual civil atual, as mesmas mantiveram-se presentes no Novo Código de

Processo Civil, encontrando-se dispostas inicialmente art. 497, o qual dispõe:

Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de

não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela

específica ou determinará as providências que assegurem a obtenção

de tutela pelo resultado prático equivalente.20

Outrossim, tal previsão vem consubstanciada no art. 536, o qual

preceitua que:

17 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. – 11. Ed. rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 125. 18 BRASIL, Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em:20 de maio de 2017. 19 BRASIL, Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em:20 de maio de 2017. 20 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 maio de 2016.

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Art. 536. O cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para efetivação da tutela específica ou a obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente, determinar medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.21

No que tange a aplicação em si e a previsibilidade de revisão do valor da

multa, dispõe o art. 537:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser

aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na

sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e

compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para

cumprimento do preceito.

§ 1º o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a

periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I. se tornou insuficiente ou excessiva.22

Através deste último artigo, verifica-se a expressa autorização legal para

o magistrado reduzir a multa, contudo não estabelece um limite de até que

momento processual o juiz poderia efetuar a minoração.

A partir daí surge a dúvida se há coisa julgada em se tratando da multa

periódica, uma vez que a lei não deixa ressalvas quanto aos casos em que

houver o trânsito em julgado de sentença em processo em que fora realizada a

fixação da multa, ou que, na própria sentença, houve a fixação das astreintes

na parte dispositiva.

Por oportuno, cumpre ressaltar o ensinamento trazido por Theodoro

Júnior, no sentido de que a possibilidade de cominação da multa se dá tanto na

tutela definitiva quanto na provisória, seja de urgência ou de evidência (art.

267)23. No entanto, sofre as consequências da natureza provisória e acessória

21 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 maio de 2016. 22 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 maio de 2016. 23 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 14junho de 2017.

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própria desses provimentos, de maneira que as medidas deferidas nesse

âmbito vinculam-se à estabilização da tutela ou à sentença final.24

Assim, não subsiste o direito da parte beneficiada pela imposição da

multa em exigir o crédito ali formado, quando, por exemplo, eventuais

embargos à execução restarem julgados procedentes, ou, ainda, em processos

de conhecimento, no final ser julgados improcedentes, não confirmando-se

eventual tutela provisória anteriormente concedida.

2.2 Breves considerações históricas sobre o instituto das astreintes

As astreintes desenvolveram-se em inúmeros outros ordenamentos

jurídicos antes de serem trazidas para a legislação pátria, em que pese em

alguns ordenamentos não possuir a mesma denominação, podem ser citados,

à título de exemplo, em razão da semelhança existente ao instituto em apreço,

o Direito Romano, o Direito Francês, o Direito Alemão e o Direito Português.

No Brasil, não obstante a multa ter se consolidado no Código de

Processo Civil de 1973, no Código de Processo Civil de 1939 já se visualizava

previsão legal para a utilização da medida em se tratando de ações

cominatórias e, também, em dispositivo que tratava de deveres dos

serventuários de justiça.

Amaral reconhece tal previsão legal como equiparável às astreintes

francesas:

Inegavelmente, em tais dispositivos encontrava-se a multa equiparável à astreintes francesa. Ocorre que havia uma série de restrições à sua força coercitiva, a começar pela impossibilidade de fixação de ofício, passando pelo fato de a contestação do réu suspender automaticamente a eficácia do preceito, bem como pelo fato de a multa não poder ultrapassar o valor da obrigação principal (ou da prestação, nos dizeres do Código – art. 1005).25

Com efeito, a consolidação da multa periódica no Brasilsurgiu, como já

mencionado, no Código de Processo Civil de 1973, contando com leis

especiais e, ainda, reformas posteriormente editadas, consagrando-se então a

24 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 181. 25 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 48.

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utilização da multa periódica nas obrigações de fazer, não fazer e entrega de

coisa.

Importante acréscimo ao instituto foi obtido com a vigência da Lei

8.952/1994, a qual atribuiu ao art. 461, §4º, do revogado Código de Processo

Civil o seguinte texto:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.26

A respeito, leciona Theodoro Junior que:

Já no sistema do Código de 1973, a multa por atraso no cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer era cabível tanto na sentença como em decisão interlocutória de antecipação de tutela. Caberia, também, em decisão incidental na fase de cumprimento de sentença, se esta não houvesse estipulado. Era assim que se explicava a dupla menção da astreinte nos §§ 4º e 5º do art. 461 do CPC/73.27

Em se tratando do Novo Código de Processo Civil, o citado jurista aduz

que o mesmo adota sistema semelhante. Assim, em síntese: a multa diária

cabe na decisão interlocutória de tutela provisória e na sentença definitiva (art.

537).

Faltando sua previsão nesses atos judiciais, não ficará o juiz impedido

de a ela recorrer na fase de cumprimento do julgado, como deixa claro o

aludido art. 537.28

Indubitavelmente, pela importância do instituto como mecanismo na

busca da tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa,

o novo diploma processual civil manteve a previsão legal da multa periódica,

com escassas modificações29.

26 Brasil, Lei nº 8.952/1994. Altera dispositivos do Código de Processo Civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8952.htm>. Acesso em: 13 de junho de 2017. 27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 171. 28 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 172. 29 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 172.

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2.3 Natureza jurídica e Sistemática de Aplicação

Inicialmente, cumpre mencionar que a multa objeto de estudo possui

como características a coercitividade, a acessoriedade e a patrimonialidade,

sendo que a coercitividade será analisada com maior profundidade no item

seguinte, dada a sua extrema relevância para o instituto.

As astreintes possuem caráter acessório, conforme bem ilustra

Guilherme Rizzo Amaral:

A classificação das astreintes como técnica de tutela (portanto, meio)

para, através da coerção, pressionar o devedor ao cumprimento de

determinada decisão judicial, autoriza uma segunda conclusa: as

astreintes possuem caráter acessório, ou seja, como técnica

destinada ao alcance de, determinado fim, só têm razão de existir

quando este fim ainda é almejado.30

Logo, pode se concluir que existindo posterior decisão que exonera o

obrigado a cumprir a obrigação principal, resta exonerado o obrigado também

quanto ao pagamento da multa, ante seu caráter acessório em relação à

obrigação principal.

Em que pese muitos autores definirem a multa objeto de estudo como

meio de coerção patrimonial, Guilherme Rizzo Amaral preceitua que não

obstante ser inafastável o fato de que a ameaça exercida pelas astreintes é

sobre o patrimônio do réu-devedor, cumpre salientar que a finalidade da multa

não é atingir este mesmo patrimônio. Visam as astreintes exercer pressão

psicológica no obrigado, para que este cumpra a obrigação específica,

determinada no comando judicial, justamente para evitar a excussão de seus

bens particulares.31

Conclui o ilustre jurista, que o caráter patrimonial está presente nas

astreintes, mas com a ressalva de que, antes de haver a execução da multa, a

coerção se dá sobre a pessoa do réu, através de ameaça contra o seu

30 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 79. 31 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 83.

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patrimônio. Aduz ainda que, o fato de as astreintes atingirem, ocasionalmente,

o patrimônio do obrigado é, com efeito, meramente acidental.32

Assim, possui a multa característica patrimonial, uma vez que, em que

pese não ser essa a sua intenção, considerando que o fator principal é o

exercício de pressão psicológica no obrigado, ameaça o patrimônio do

devedor.

Todavia, o que mais tem gerado dúvidas é justamente o limite da

pressão psicológica, através da ameaça ao patrimônio do obrigado, ou seja,

qual a limitação a ser observada pelo magistrado quando da fixação da multa.

Não há atualmente um parâmetro legal, bem como não há uma limitação

a ser observada, sendo certo que o juiz deve nortear-se pelos princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, não devendo ser esquecido, contudo, o

princípio de vedação ao enriquecimento sem causa, pois, consabido, a multa

reverterá em favor da parte beneficiada pela decisão judicial.

Logo, de nada adiantaria uma multa relativamente baixa em relação ao

obrigado, tendo em vista que não serviria de coerção necessária ao obrigado

para o cumprimento da obrigação. De outra banda, uma multa de alto valor,

poderia ensejar o enriquecimento sem causa da parte adversa, o que é vedado

por nosso ordenamento jurídico.

Ainda, cumpre observar que a lei traz a expressão “periódica”,

permitindo, assim, que a multa seja fixada em qualquer unidade de tempo,

sejam horas, dias, semanas, meses e até mesmo anos, dependendo do caso

concreto.

2.4 O caráter coercitivo das astreintes

Inicialmente, considerando o primórdio das astreintes na França, tinha-

se que a justificativa do implemento do instituto, ao menos formalmente, era

32 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 84.

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sob a ótica da indenização, contudo logo se estabeleceu o caráter coercitivo

das astreintes. 33

Para Amaral:

A multa é medida coercitiva, destinada a pressionar o devedor para

cumprir decisão judicial, e não a reparar os prejuízos do seu

descumprimento. O réu, ameaçado pela incidência da multa que por

incidir por tempo indefinido, pode chegar a valores bem maiores que

os da própria obrigação principal, é compelido a defender seu

patrimônio, através do cumprimento da decisão judicial. O exercício

da técnica de tutela das astreintes permite, assim, a materialização

da tutela jurisdicional almejada pelo autor. 34

Em sua Dissertação de Mestrado, Newton Marzagão anota:

Em razão, pois, dessa sua declarada função coercitiva é que as astreintes não se vinculam, de forma alguma (ao contrário do que preconizavam os primeiros julgados que admitiram o instituto), às eventuais perdas e danos experimentadas pela parte prejudicada com o inadimplemento.35

Silva36 diz que o legislador criou mecanismos capazes de gerar a busca

da efetividade da tutela específica das obrigações de fazer e não-fazer,

estabelecendo no § 4º a medida coercitiva da multa diária (astreintes) e no §

5º, medidas de apoio à efetividade da decisão judicial, ambas visando a

constrangimento do obrigado ao atendimento do compromisso originariamente

estabelecido.

Marinoni ensina que:

A multa referida nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC possui o visível objetivo de garantir a efetividade da sentença e da tutela antecipatória, fazendo com que a ordem de fazer ou de não-fazer nelas contidas sejam efetivamente observadas.37

Ressalta o referido autor em sua obra que o fato de estar prevista na

legislação processual civil a independência entre a indenização por perdas e

33 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.50. 34 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,p. 75. 35 MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A Multa (Astreintes) na Tutela Específica. Dissertação de Mestrado apresentado perante a Universidade de São Paulo. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-12022014-110131/pt-br.php. Acesso em 30/05/2017. 36 SILVA, Ovídio Batista. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 6. Do processo de conhecimento. Arts. 444 a 495. 2000, p. 121. 37 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2001, pág. 61.

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danos e a multa, não confere a esta o caráter coercitivo, e sim retira-lhe o

caráter ressarcitório, o que é bem diferente.38

Marinoni exemplifica:

Há casos em que o dano não pode ser reparado por meio da

exclusiva atuação do ofendido, por exemplo, quando houve agressão

por publicação realizada em jornal ou periódico, ou por transmissão

de radiofusão. Nessa hipótese, necessitando o ofendido de retificação

para que o seu direito seja reparado, não apenas deverá ser

necessariamente proposta ação judicial, como a sentença, em caso

de procedência, somente terá efetividade se tiver força suficiente para

constranger o demandado a fazer (retificar). Em tal situação, a

possibilidade de usar a multa para dar efetividade ao ressarcimento

na forma específica é fora de dúvida.39

Dito isso, verifica-se a extrema importância das astreintes hoje no

ordenamento jurídico brasileiro, como forma de garantir a efetiva e adequada

prestação jurisdicional.

Pablo Cubells, em seu trabalho de conclusão de curso, discorre sobre o

caráter coercitivo da técnica de imposição de multa:

A técnica da imposição de multa é uma medida executiva de natureza coercitiva, a qual, mediante ameaça de excussão patrimonial, objetiva compelir o executado a realizar(ou não descumprir)a prestação determinada pelo juiz.Com efeito, o melhor cenário seria que o devedor acatasse a ordem judicial, caso em que nenhum direito de crédito decorrente do descumprimento do preceito seria formado.40

Para Amaral o caráter coercitivo das astreintes é incontroverso, estando

presente em todos os conceitos oferecidos pela doutrina praticamente desde o

surgimento da medida.41

Indubitavelmente, as astreintes são utilizadas pelo Poder Judiciário com

o intuito de dar efetividade às decisões por ele emanadas, coagindo o

obrigado, através da fixação de multa em caso de descumprimento, a entregar

coisa, fazer ou deixar de fazer determinada ação.

38 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2001, pág. 77. 39 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 330. 40 CUBELLS, Pablo Andrade. Multa Coercitiva (Astreintes): do CPC 1973 ao CPC 2015. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado perante a Universidade de Brasília. Disponível em http://bdm.unb.br/bitstream/10483/10992/1/2015_PabloAndradeCubells.pdf. Acesso em 15/05/2017. 41 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,p. 75.

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Cumpre destacar, aqui, a necessidade de atenção quanto à unidade de

tempo em que for fixada a multa. Anteriormente a Lei 10.444/02 a redação do

art. 461 e demais dispositivos de leis especiais que previam a multa apontavam

para a adoção do termo “dia”. Contudo, em alguns casos a unidade “dia”

mostrava-se inapta para conferir a multa a coercitividade que lhe é peculiar,

dada a vasta gama de situações que requeriam a adoção da medida.

Com a Lei 10.444/02 foi inserido, no §5º, do art. 461 do Código de

Processo Civil de 1973, a previsão multa por tempo de atraso, permitindo ao

juiz, dessa forma, realizar a fixação da multa em periodicidade inferior ou

superior ao dia.

Como exemplo de situação que a multa na unidade de tempo diária seria

inapta Amaral cita na qual há ordem judicial para se impedir a demolição de

casa tombada pelo patrimônio histórico de um determinado município. Ora, o

que se busca é evitar o ato imediato e irreversível da destruição. Após a sua

prática, não há mais que se cogitar da incidência da multa diária, até mesmo

porque ausente o seu caráter coercitivo (sendo impossível o retorno ao status

quo ante).42

No caso acima citado, é certo que a multa deverá fixa, ou seja, se o

obrigado descumprir a ordem judicial, incidirá multa no valor x, não havendo,

portanto, periodicidade, pois não se trata de violação continuada.

Logo, o magistrado deve estar atento ao caso concreto quando da

fixação da medida, observando-se se a violação do direito se prolonga no

tempo, de forma contínua, ou se de forma instantânea.

42 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,p. 154.

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3 COISA JULGADA

A anteceder a análise da alteração do valor das astreintes, seja redução,

majoração ou extinção, cumpre realizar alguns comentários sobre o instituto da

coisa julgada.

3.1 Definição de coisa julgada e previsão normativa

A coisa julgada encontra-se prevista constitucionalmente no art.

5º, XXXVI, da Constituição Federal da República do Brasil: A lei não

prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.43

O art. 6º, parágrafo 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro – LINDB conceitua coisa julgada ou caso julgado como sendo

decisão judicial de que já não caiba mais recurso.44

Já no Novo Código de Processo Civil a coisa julgada vem disposta no

art. 502: Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e

indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.45

De plano, cumpre lembrar que a coisa julgada é um direito fundamental,

sendo uma garantia constitucional, não podendo sofrer alteração por leis, pelo

juiz, tampouco é passível de modificação por meio de emenda constitucional,

de acordo com o disposto no art. 60, §4º, IV, da Constituição da República

Federativa do Brasil, in verbis:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.46

43 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 maio de 2016. 44 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 maio de 2016. 45 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 maio de 2016. 46 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 de maio de 2017.

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Humberto Theodoro Júnior define a res iudicata como uma qualidade da

sentença, assumida em determinado momento processual, aduz que não é o

efeito da sentença, mas a qualidade dela representada pela “imutabilidade” do

julgado e seus efeitos, depois que não seja mais possível impugná-los por meio

de recurso.47

Wambier e Talamini, adotam o mesmo entendimento de Humberto

Theodoro Júnior:

A coisa julgada não é propriamente um efeito da sentença. Ao menos não pode ser considerada como um dos efeitos principais da sentença. Por muito tempo sustentou a doutrina (e ainda sustenta, em outros ordenamentos), que a coisa julgada seria o próprio efeito declaratório da sentença. Mas a coisa julgada e os efeitos da sentença são fenômenos distintos. Basta ver que a sentença é apta a produzir todos os seus principais, inclusive o declaratório, mesmo antes de transitar em julgado. 48

Na sequência, exemplificam:

É o que se dá quando pende apenas recurso sem efeito suspensivo. Mais do que isso, há sentenças que jamais farão coisa julgada e mesmo assim são aptas a produzir todos os efeitos, inclusive o declaratório (p. ex., a sentença penal condenatória, que é passível de revisão a todo tempo). A rigor, a coisa julgada é um plus em relação aos efeitos principais da sentença. É uma qualidade que a lei adiciona à sentença, no sentido de torná-la imutável.49

Theodor Júnior explica que o que a coisa julgada acarreta é uma

transformação qualitativa nos efeitos da sentença, efeitos esses que já

poderiam estar sendo produzidos antes ou independentemente do trânsito em

julgado. Uma sentença exequível provisoriamente produz, por exemplo, efeitos,

sem embargo de ainda não se achar acobertada pela coisa julgada. Quando

não cabe mais recurso algum, é que o decisório se torna imutável e indiscutível

revestindo-se da autoridade de coisa julgada. Não se acrescentou, portanto,

efeito novo à sentença. Deu-se-lhe apenas um qualificativo e reforço, fazendo

47 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1086. 48 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2. – 16. ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 793. 49 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2. – 16. ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 793.

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que aquilo até então discutível e modificável se tornasse definitivo e

irreversível.50

Logo, por coisa julgada entende-se a imutabilidade de determinada

decisão judicial e seus efeitos em não havendo mais possibilidade de recurso,

seja pelo decurso o prazo ou pelo exaurimento de todas as vias de recurso,

ocorrendo, dessa forma, definitivamente, o fim do processo.

A coisa julgada subdivide-se em coisa julgada formal e coisa julgada

material, conforme se verá a seguir.

Em que pese o novo Código de Processo Civil limitar-se a definir coisa

julgada material, é indubitável a existência também da coisa julgada formal,

diferente daquela definida no Código, a qual é tradicionalmente tratada pelos

processualistas como fato relevante em matéria de eficácia da sentença.

Preceitua Humberto Theodoro Junior acerca da diferença da coisa

julgada formal e da coisa julgada material:

Na verdade, a diferença entre a coisa julgada material e a coisa

julgada formal é apenas de grau de um mesmo fenômeno. Ambas

decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra

sentença. A coisa julgada formal decorre simplesmente da

imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida

pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei

não mais os admite, quer porque o recorrente tenha desistido do

recurso interposto ou ainda renunciado à sua interposição.51

Assim , verifica-se que, além da coisa julgada material constante no

Código de Processo Civil, há também a coisa julgada formal, a qual também

deve ser objeto de estudo.

3.2 Fundamento da Coisa Julgada e o Princípio da Segurança Jurídica

A coisa julgada é, indubitavelmente, um dos institutos jurídicos mais

antigos, e fundamenta-se na necessidade de colocar um fim na questão

submetida ao poder judiciário, uma vez que em não havendo o citado relevante

50 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1088. 51 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1094.

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instituto, seriam infindáveis as controvérsias, bem como inalcançáveis seriam a

paz social e a segurança jurídica.

Didier Jr. e Zaneti Jr. conceituam coisa julgada da seguinte forma:

Considera-se coisa julgada como a situação jurídica que torna indiscutível as eficácias constantes no conteúdo de determinadas decisões jurisdicionais. Trata-se de conteúdo inerente ao direito fundamental à segurança jurídica.52

Montenegro Filho refere-se à coisa julgada como sendo o status

assumido pelo pronunciamento judicial que, como demonstrado, não foi

impugnado por recurso, idêntica situação se verificando diante do ataque, com

posterior julgamento da espécie recursal pelas instâncias superiores, não mas

cabendo novo recurso contra o último pronunciamento proferido na demanda.53

Na sequência, Montenegro Filho Assevera:

Com a ocorrência do trânsito em julgado, por questão de segurança jurídica, a lei não permite que o ato decisório seja desprezado pelo mesmo ou por outro magistrado, justificando-se a coisa julgada pela preocupação de se conferir segurança as relações jurídicas, não mais permitindo sejam reavivados e rediscutidos os elementos de uma ação finda, o que imporia – se admitido fosse – notável instabilidade em desfavor das partes do processo.54

A coisa julgada está estritamente ligada ao princípio da segurança

jurídica.

Marinoni leciona acerca do que a ideia de segurança jurídica está ligada

à de previsibilidade. Previsibilidade das consequências jurídicas das condutas,

estabilidade e continuidade da ordem jurídica, indispensáveis para “a

conformação de um Estado que pretenda ser ‘Estado de Direito”55

Com efeito, o fato de a coisa julgada estar expressamente garantida

como direito fundamental materializado pelo disposto no art. 5º, XXXVI, por si

só demonstra a posição de relevância que instituto possui em nosso

ordenamento jurídico, in verbis:

52 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 de maio de 2017. 53 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Atlas, 209, pág. 532. 54 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Atlas, 209, pág. 533. 55 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 120-121.

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.56

Bueno assim define coisa julgada:

Trata-se, nesta ampla perspectiva do instituto, mais ainda quando o referido dispositivo refere-se concomitantemente ao “direito adquirido” e ao “ato jurídico perfeito”, de técnica adotada para garantir a estabilidade de determinadas manifestações do Estado-juiz, pondo-as a salvo inclusive dos efeitos de novas leis que queiram eliminar aquelas decisões ou, quando menos, seus efeitos. Neste sentido, a coisa julgada é uma, dentre tantas, forma de garantir maior segurança jurídica aos jurisdicionados.57

A seguir, serão abordadas as espécies de coisa julgada.

3.3 Espécies de coisa julgada:

Como já explanado, existem duas espécies de coisa julgada, quais

sejam: Coisa julgada formal e coisa julgada material.

Com efeito, a coisa julgada consiste sempre na imutabilidade e

indiscutibilidade do comando da decisão sobre o qual ela recai. O atributo de

formal ou material é do comando, e não da coisa julgada.58

O Novo Código de Processo Civil limitou-se a definir a coisa julgada

material, todavia, como já explanado, existe também a coisa julgada formal,

sendo que seu estudo é de extrema importância em se tratando de matéria de

eficácia da sentença.

Theodoro Júnior leciona que, na verdade, a diferença entre a coisa

julgada material e a formal é apenas de grau de um mesmo fenômeno. Ambas

decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra a sentença.59

56 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 de maio de 2017. 57 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 421. 58 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2. – 16.ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 794. 59 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1095.

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Inicialmente, será abordado acerca da coisa julgada formal.

3.3.1 Formal

De plano, cumpre ressaltar que a coisa julgada formal, em que pese não

contar com previsão na legislação processual civil, é, de forma unânime,

reconhecida pela doutrina e jurisprudência pátria.

Theodoro Junior define coisa julgada formal:

A coisa julgada formal decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer por que a lei não mais os admite, quer porque se esgotou o prazo estipulado pela lei sem interposição pelo vencido, quer porque o recorrente tenha desistido do recurso interposto ou ainda tenha renunciado à sua interposição.60

Na sequência, elucida o ilustre jurista:

A coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo. 61

Cintra, Grinover e Dinamarco assim lecionam acerca da coisa julgada

formal:

A coisa julgada formal é pressuposto da coisa julgada material. Enquanto a primeira imutável dentro do processo o ato processual da sentença, pondo-a com isso ao abrigo dos recursos definitivamente preclusos, a coisa julgada material torna imutáveis os efeitos produzidos por ela e lançados fora do processo. É a imutabilidade da sentença no mesmo processo ou em qualquer outro, entre as mesmas partes. Em virtude dela, nem o juiz pode voltar a julgar, nem as partes litigar, nem o legislador a regular diferentemente a relação jurídica.62

O Tribunal de Justiça do nosso Estado reconhece de forma unânime a

existência da coisa julgada formal, como se pode observar no seguinte julgado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. ANÁLISE PREJUDICADA. QUESTÃO SUPERADA PELA COISA JULGADA

60 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1095. 61 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1095. 62 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004, pág. 307.

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FORMAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA QUE NÃO ESTÁ IMUNE AOS EFEITOS DA PRECLUSÃO MÁXIMA. DANOS MATERIAIS. DEFERIMENTO. SENTENÇA CONFIRMADA EM SEGUNDO GRAU. CONDENAÇÃO AMPARADA EM LAUDO PERICIAL, QUE ATESTA A EXISTÊNCIA DE VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANOS MORAIS, AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE PROVA. INDEFERIMENTO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO. ERRO MATERIAL. EQUÍVOCO. IRREGULARIDADE SANADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. UNÂNIME. (Embargos de Declaração Nº 70073278483, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 25/05/2017)63

Bueno assevera que a coisa julgada formal tende a ser entendida como

a ocorrência da imutabilidade da sentença “dentro” do processo em que

proferida. Nesse sentido, não há como recusar se tratar de instituto que se

aproxima bastante da preclusão, residindo a distinção entre ambos em aspecto

exterior a eles, já que a coisa julgada formal tende a ser identificada como o

encerramento da “etapa cognitiva” do processo.64

3.3.2 Material

A coisa julgada material encontra previsão no art. 502 do Código de

Processo Civil, in verbis:

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Wambier e Talamini definem a coisa julgada material como sendo a

qualidade de que se reveste o pronunciamento de mérito transitado em julgado,

consistente na imutabilidade de seu comando.65

Montenegro Filho classifica essa espécie de coisa julgada como sendo

de total imutabilidade, a ponto de não permitir a rediscussão da sua parte

dispositiva dentro do mesmo processo (porque já encerrado) e nem em outra

relação jurídico-processual. A coisa julgada, nesse caso, projeta-se para além

63ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração nº 70073278483.Décima Oitava Câmara Cível. Relator: Des. Pedro Celso Dal Pra. Julgado em 25/05/2017. 64 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 423. 65 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2. – 16. ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 792.

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da relação processual na qual a decisão foi proferida (efeitos

endo/extraprocessuais), não admitindo que qualquer das partes proponha nova

demanda marcada pelos mesmos elementos (partes, causa de pedir e pedido),

que integraram a primeira ação.66

Bueno, por sua vez, define coisa julgada material da seguinte forma:

A chamada “coisa julgada material”, por sua vez, representa a característica da imutabilidade do quanto decidido na sentença para “fora” do processo, com vistas a estabilizar as relações de direito material tais quais resolvidas perante o mesmo juízo ou qualquer outro. Trata-se, a bem da verdade, da concepção da coisa julgada a que geralmente se faz referência.67

Theodoro Júnior aduz que a coisa julgada material, revelando a lei das

partes, produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro,

vedando o reexame da res inudicium deducta, por já definitivamente apreciada

e julgada.68

Diante do exposto, pode-se concluir que a coisa julgada material é

própria das sentenças de mérito, ou seja, não se verifica em se tratando de

sentenças meramente terminativas.

Importante, ainda, discorrer acerca do momento em que se opera a

coisa julgada.

Sobre o momento em que opera a coisa julgada, lecionam Wambier e

Talamini:

Ela opera sobre tais pronunciamentos apenas depois do seu trânsito em julgado, isso é, quando não mais couber recursos contra tais decisões. Isso pode acontecer simplesmente porque os recursos não tenham sido interpostos, e então transitará em julgado a própria sentença de primeiro grau de jurisdição proferida pelo juízo singular. Ou pode ocorrer porque realmente não há mais recursos a serem interpostos, tendo, por exemplo, a causa chegado até o Supremo Tribunal Federal.69

66 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Atlas, 209, pág. 534. 67 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum: ordinário e sumário, 2: tomo I – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2009 pág. 287. 68JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1095. 69 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2. – 16. ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 792.

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Uma vez tendo sido proferida a decisão e não sido interposto recursos,

ou tendo estes se esgotado, ocorre, portanto, o trânsito em julgado, incidindo a

coisa julgada (material e formal).

3.4 Limites da coisa julgada:

Os limites da coisa julgada são tratados de maneira bastante conturbada

pela doutrina. Falou-se até então sobre a coisa julgada formal e material,

enfatizando-se que a primeira permanece sobre o processo em que a sentença

foi proferida, enquanto a segunda se projeta também para além do processo.

Agora cumpre abordar os limites objetivos e subjetivos do instituto, a fim

de avaliar a sua abrangência e a quem se estende o manto da coisa julgada.

Dispõe o art. 489 do Código de Processo Civil:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.70

70 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 de junho de 2017.

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No inciso III do dispositivo legal retro impõe como requisito obrigatório da

sentença o “dispositivo”, aduzindo que neste o juiz decidirá as questões

principais que as partes lhe submeterem.

É, pois, no dispositivo que se encontram os limites objetivos da coisa

julgada e, portanto, nas questões materiais decididas. Os limites subjetivos, por

seu turno, dizem respeito às pessoas, ou seja, a quem a coisa julgada atinge.

3.4.1 Objetivos

O limite objetivo possui como principal fim analisar a abrangência

objetiva da coisa julgada.

Acerca da abrangência, Marino e Arenhart lecionam da seguinte

maneira:

A resposta parece ser bastante simples, mesmo em decorrência da definição aqui adotada. Se este fenômeno incide sobre a declaração contida na sentença, e se essa declaração somente pode existir como resposta jurisdicional, é certo que a coisa julgada atingirá apenas a parte dispositiva da sentença. Realmente, observando-se o relatório e a fundamentação da sentença, nota-se que, em nenhum desses dois elementos, existe propriamente (ainda) julgamento. Neles o magistrado ainda não certifica a vontade do direito que incide sobre o caso concreto, vindo isto a acontecer apenas na última etapa, ou seja, dispositivo (decisium).71

Por sua vez, acerca do tema, aduz Bueno que por “limites objetivos da

coisa julgada” deve ser entendido o que fica imunizado de ulteriores

discussões, tornando-se imutável. Ou de forma bem direta, mas não menos

precisa: o que, da decisão de mérito e com cognição exauriente, transita

materialmente em julgado.72

A partir do conceito trazido por Bueno, retro transcrito, verifica-se que

não á falar-se em limites objetivos em se tratando de coisa julgada formal.

Os limites objetivos da coisa julgada encontram previsão nos artigos 503

e 505 do Código de Processo Civil:

Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

71 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. rev. e atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 641. 72 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 424.

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§ 1o O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se: I - dessa resolução depender o julgamento do mérito; II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal. § 2o A hipótese do § 1o não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.73 Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei.74

Assim, não é demais afirmar que os limites objetivos em que a coisa

julgada irá se amoldar ao fim do processo são delimitados já na petição inicial,

quando da elaboração dos pedidos.

3.4.2 Subjetivos

Como visto, a coisa julgada abrange a declaração que há na sentença

de mérito, se estabelecendo, assim, a “lei das partes”, regendo a situação

específica objeto de litígio.

Mas a quem essa imutabilidade se estende? Marinoni e Arenhart

aduzem que certamente não é lógico admitir que, uma vez julgada certa

demanda entre duas partes, todas as outras fiquem impedidas de discutir a

sentença, mesmo que tenham sido diretamente prejudicadas pela decisão.75

A respeito, também ensinam Wambier e Talamini:

A limitação da coisa julgada às partes não impede que os efeitos da decisão de mérito atinjam terceiros. São fenômenos distintos. Os terceiros serão atingidos pelos efeitos sentenciais na proporção em que se relacionem com o objeto do litígio. Podem ter benefícios ou desvantagens, mas não ficarão impedidos de discutir em demanda

73 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 de junho de 2017. 74 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 de junho de 2017. 75 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. rev. e atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 637.

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própria aquele mesmo objeto processual, na medida que detenham legitimidade e interesse para tanto.76

Com efeito, os limites subjetivos da coisa julgada encontram-se previstos

no art. 506 do Código de Processo Civil: “A sentença faz coisa julgada às

partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.77

Sobre o reconhecimento dos limites subjetivos da coisa julgada,

colaciona-se os seguintes julgados oriundos do Tribunal de Justiça do nosso

Estado:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA ESTADUAL. IPERGS. COMPANHEIRA. PENSÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL SEM BENS A PARTILHAR, EM QUE SE CHEGOU À CONVIVÊNCIA DURANTE APENAS UM ANO E TRÊS MESES. ADEMAIS, PROVA ZERO NOS AUTOS DA AÇÃO DE PENSÃO INCLUSIVE RELATIVAMENTEAO CURTO PERÍODO. PRETENSÃO DE IMPOR AO IPERGS OS EFEITOS DA AÇÃO DECLARATÓRIA, NA QUAL NÃO FOI CITADO. VIOLAÇÃO EXPLÍCITA AO PRINCÍPIO DO LIMITESUBJETIVO DA COISAJULGADA (CPC/1973, ART. 472; CPC/2015, ART. 506). PEDIDO DE PENSÃO QUE NÃO MERECE ACOLHIDO. APELAÇÃO PROVIDA, PREJUDICADA A REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA DE OFÍCIO. (Apelação Cível Nº 70072075088, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 07/06/2017)78 EMBARGOS DE TERCEIRO. INEXISTÊNCIA DE COISAJULGADA CONTRA TERCEIROS QUE NÃO INTEGRARAM A RELAÇÃO JURÍDICA. 1. Tendo a genitora dos embargantes ajuizado embargos de terceiro anteriormente, sem representar ou assistir os filhos, não há como reconhecer a coisajulgada emrelação a estes, pois não integraram a relação processual. 2. Os limites subjetivos da coisajulgada não atingem os embargantes, que não integraram aquela relação processual. Incidência do art. 5º, inc. LIV, CFB e dos art. 503 e 506 do NCPC. Recurso provido. Sentença desconstituída. (Apelação Cível Nº 70072609720, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 31/05/2017)79

Cintra, Grinover e Dinamarco concluem que o terceiro, se juridicamente

prejudicado pela eficácia natural da sentença, poderá insurgir-se contra esta

76 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2. – 16. ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 807. 77 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 de junho de 2017. 78 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70072075088. Primeira Câmara Cível. Relator: Des. Irineu Mariani. Julgado em 07/06/2017. 79 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70072609720. Sétima Câmara Cível. Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos. Julgado em 31/05/2017.

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(inclusive em outro processo), porquanto não é atingido pela coisa julgada

material.80

3.5 Relativização da coisa julgada: isso é possível? E em que casos?

Tendo sido realizado o estudo da coisa julgada, nas suas espécies

formal e material, bem como nos seus limites objetivos e subjetivos e, ainda,

tendo sido amplamente analisado o instituto das astreintes, é possível

assegurar que o entendimento majoritário é no sentido de que no caso das

astreintes não há ofensa a coisa julgada material.

Montenegro Filho, muito acertadamente, ensina a respeito da

importância da relativização da coisa julgada:

Se é certo que o respeito à coisa julgada é primado constitucional, não menos certo é que o direito, enquanto ciência, preocupa-se com o verdadeiro, com a justiça na pacificação dos conflitos de interesses. Parece-nos paradoxal, assim, que se defenda a tese de que a decisão abusiva não mais poderia ser revista pelo só fato de ter sido acobertada pela coisa julgada, sabido que em situações tais estaríamos acordes na manutenção do conflito de interesses que gerou o exercício de ação, solicitando-se ao Estado fosse prestada a função jurisdicional.81

Carla Pereira assevera que a modificação da multa astreintes, conforme

forte corrente jurisprudencial não ofende a coisa julgada material. Isso porque,

não caracteriza a causa de pedir, pois sequer integrava tal pedido.82

Em outras palavras, possuindo a multa caráter acessório e, portanto,

não integrando a lide, não recai sobre ela os efeitos da coisa julgada.

Nesse sentido, leciona Theodoro Júnior :

A multa uma vez fixada não se torna imutável, pois ao juiz da execução atribui-se poder de ampliá-la, para mantê-la dentro dos parâmetros variáveis, mas sempre necessários da “suficiência” e da “compatibilidade”, mesmo quando a multa seja estabelecida na

80 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004, pág. 310. 81 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Atlas, 209, pág. 539. 82 PEREIRA, Carla Maria de Souza. Astreintes: A importância da limitação do valor quando da sua fixação evitando-se a posterior redução diante do descumprimento da ordem judicial. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/CARLA%20MARIA%20DE%20SOUZA%20PEREIRA%20-vers%C3%A3o%20final.pdf. Acesso em: 15/05/2017.

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sentença final, o trânsito em julgado não impede que ocorra sua revisão durante o processo de execução [...].83

A respeito, colaciono os seguintes julgados oriundos do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ASTREINTE. VALOR ELEVADO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. ARTIGO 537, § 1º, DO CPC. A multa fixada em sentença para o caso de descumprimento de obrigações de fazer não faz coisa julgada material, podendo ser reduzida, inclusive exofficio, caso se torne excessiva. É a hipótese dos autos, com pretensão executiva de elevado montante, R$ R$ 3.535.000,00, em agosto de 2016. Sua finalidade não é a de gerar enriquecimento ilícito, que ocorreria. É adequada sua redução para R$ 100.000,00, com base no art. 537, § 1º, do CPC e princípios da razoabilidade e proporcionalidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70071813505, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 12/04/2017)84 AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPERGS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ASTREINTES. DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. A multa diária por descumprimento da obrigação de fazer pode ter o seu valor alterado excepcionalmente, caso se mostre irrisória ou exorbitante, pois não faz coisa julgada. (REsp 1.333.988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 9/4/2014.) A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. (Súmula 410, do STJ). Não houve a interrupção do tratamento home care por dias consecutivos, foram dias intercalados, sobre o que não há comprovação de que tenha trazido prejuízo ao tratamento. Agravo provido. (Agravo de Instrumento Nº 70073219131, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 31/05/2017)85

Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. ARTIGO461 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive firmada em recurso especial representativo de controvérsia, é no sentido de ser descabida a multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível (Súmula nº 372/STJ).

83 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 27. 84 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70071813505. Vigésima Câmara Cível. Relator: Des. Almir Porto da Rocha Filho. Julgado em 12/04/2017. 85 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70073219131. Vigésima Câmara Cível. Relator: Des. Almir Porto da Rocha Filho. Julgado em 31/05/2017.

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2. A decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, visto que é apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, podendo ser modificada a requerimento da parte ou de ofício, para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la. 3. Agravo interno não provido.86 AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MULTA DIÁRIA. PRECLUSÃOE COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.333.988/SP. PARÂMETRO DE FIXAÇÃO. ANÁLISE PELAS INSTÂNCIASORDINÁRIAS. 1. A decisão recorrida foi publicada antes da entrada em vigor da Lei 13.105 de 2015, estando o recurso sujeito aos requisitos de admissibilidade do Código de Processo Civil de 1973, conforme Enunciado Administrativo 2/2016 desta Corte. 2. "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada" (REsp 1.333.988/SP, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 9.4.2014, DJe de11.4.2014). 3. Cabe às instâncias ordinárias analisar, em cada caso concreto, o valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; o tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); a capacidade econômica e de resistência do devedor; e a possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar opróprio prejuízo (dutytomitigate de loss). Precedente: (AgInt. NoAgRg. no AREsp. 738.682/RJ, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,Relator p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,julgado em 17.11.2016, DJe 14.12.2016). 4. Agravo interno a que se nega provimento.87

Diante do exposto, verifica-se que incontroverso a inaplicabilidade do

instituto da coisa julgada em se tratando de astreintes, podendo, assim, serem

realizadas as modificações previstas em lei a qualquer tempo.

86 AgInt no REsp 1581716 / SP, Rel. Ministro Ricardo Villas BôasCueva, julgado em 18/10/2016, DJe25/10/2016, STJ. 87 AgInt no REsp 882327 / MG, Rel. Ministro Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2017, DJe 16/05/2017, STJ.

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4 A REDUÇÃO DAS ASTREINTES EX OFFICIO

Nas palavras de Montenegro Filho, há hipóteses em que a jurisdição

pode ser exercitada de ofício pelo magistrado, independentemente da

provocação da parte interessada, afastando a aplicação do princípio da

inércia.88

Assim, a atuação de ofício do magistrado é permitida em alguns casos,

casos estes expressamente previstos em lei, uma vez que a atuação de ofício

não é regra, mas sim exceção.

In casu, há expressa autorização legal para a atuação de ofício do

magistrado, para fixação, majoração ou minoração da multa, nos termos dos

art. 537 do Código de Processo Civil.

A respeito, cito os seguintes julgados oriundos do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente:

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ASTREINTES. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. 1 Pode o juiz, inclusive, de ofício, a majorar ou reduzir o valor ou a periodicidade da multa cominatória, nas hipóteses em que tenha se tornado insuficiente ou excessiva. 2 No caso em tela, a multa cominatória alcançou patamar exorbitante, impondo-se, portanto sua minoração. Mantida a decisão do juiz de origem, que limitou o valor da multa de para valor razoável e proporcional. AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070641659, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 27/10/2016)89 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSÍVEL REDUÇÃO DE MULTA QUANDO EXPRESSAR VALOR MUITO SUPERIOR AO DISCUTIDO NA AÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É pacífico nesta Corte que o valor da multa cominatória prevista no art. 461 do CPC de 1973 pode ser alterado pelo magistrado a qualquer tempo, até mesmo de ofício, quando irrisório ou exorbitante, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada. 2. No caso dos autos, o valor das astreintes foi limitado pela Corte de origem ao valor atualizado do veículo objeto da demanda, não havendo que se falar em valor desproporcional ou irrisório. 3. O dissídio jurisprudencial a respeito do valor da indenização não foi comprovado, pois não foram colacionados acórdãos para a sua comprovação.

88 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Atlas, 209, pág. 54. 89 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70070641659. Décima Sexta Câmara Cível. Relator: Des. Paulo Sérgio Scarparo. Julgado em 27/10/2016.

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4. Agravo interno a que se nega provimento.90

Diante do exposto, verifica-se que incontroverso o poder do magistrado

em atuar de ofício a fim de modificar o valor da multa quando verificados os

requisitos previstos no art. 537 do CPC.

4.1 Previsão legal para a minoração da multa

Como já mencionado anteriormente, há expressa previsão legal para

modificação do valor da multa objeto de estudo, quando esta se tornar

excessiva , se o obrigado demonstrar o cumprimento parcial superveniente da

obrigação ou justa causa para o descumprimento, é o que dispõe o art. 537,

§1º, I e II, do Código de Processo Civil:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.91

Segundo Amaral, não obstante, as astreintes, que podem, inclusive, ser

fixadas de ofício durante o processo de conhecimento, não estão abrangidas

pela coisa julgada, e não fazem parte das “questões já decididas, relativas à

mesma lide”.92

No mesmo sentido, ensina Arenhart:

Não fica abrangida a decisão que fixa a astreinte (seja em sentença, seja em liminar), o menos na parte em comento, pela autoridade da coisa julgada. Nem mesmo fica ela sujeita à cláusula rebus sic stantibus, no sentido de que somente poderia ser modificado o valor da multa em caso de alteração do estado de fato.93

90 AgRg no Ag 748953 / SP, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 27/09/2016, DJe 10/10/2016, STJ. 91BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 de junho de 2017. 92 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 228. 93 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pág. 198.

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Assim, em respeito aos limites objetivos da coisa julgada, não há

incidência da mesma sobre as astreintes, uma vez que estas não integram a

lide, ou seja, não fazem parte da questão principal de que trata o artigo 503 do

Código de Processo Civil.

4.2 Possibilidade da minoração ex officio e o Princípios da

Imparcialidade e da Inércia

Amaral define a possibilidade de minoração do crédito proveniente de

astreintes como delicada, visto que, em se admitindo a redução ou até mesmo

a supressão total do crédito resultante da multa, poder-se-á estar retirando por

completo a credibilidade das astreintes como meio coercitivo.94

A possibilidade de redução das astreintes de ofício pelo juiz encontra

amparo em nossa legislação processual, contudo, em que pese a

proporcionalidade e razoabilidade que devem nortear as decisões judiciais,

muitos são os questionamentos acerca da postura do magistrado frente às

astreintes.

Uma vez que fixada a multa, a fim de coagir o obrigado a entregar

determinada coisa, fazer ou deixar de fazer determinado ato, esta, após

devidamente intimada a parte obrigada, e não havendo o cumprimento da

ordem judicial, passa a se tornar exigível.

Diferentemente do Código de Processo Civil revogado, o novo diploma

além manter a previsão do momento de incidência do preceito cominatório,

passou a permitir a execução provisória da multa periódica, que deverá ser

depositada em juízo, a teor do art. 537, §3º, do CPC:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.95

94 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 267. 95 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 de junho de 2017.

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Pois bem. Sabe-se, e isso é indiscutível, que o valor fixado à título de

astreinte é revertido em favor da parte beneficiada pela decisão judicial, assim,

tornando-se exigível a astreinte e não sendo mais objeto de recurso, pode ser

realizada a execução, a fim de o credor obter seu crédito proveniente do

descumprimento da ordem judicial exarada.

Ocorre que a lei autoriza o magistrado, em casos em que a multa se

tornou excessiva, a modificar o valor ou a periodicidade da mesma, de ofício, e

é aí que encontra-se o cerne da presente pesquisa.

Seria correto o juiz, em não havendo o cumprimento da decisão judicial

pelo embargado, tampouco apresentado recurso em relação a multa contra si

fixada, reduzir a astreinte sem qualquer prévio requerimento das partes, e

mais, se essa atitude do magistrado não infringiria o seu dever de

imparcialidade, isso sem chegar a análise de eventual formação coisa julgada.

A imparcialidade do julgar é uma característica que deve estar presente

no agir do julgador, assim, a imparcialidade pode ser definida a partir da

anotação de traços que não podem estar presentes na atuação jurisdicional,

tratando-a como a ausência de qualquer interesse pessoal ou envolvimento

emocional do julgador com o feito, como uma virtude passiva da jurisdição.96

Logo, pode-se concluir que por imparcialidade entende-se como isenção

do juiz em relação à matéria objeto de litígio e às partes.

Portanova acentua:

A imparcialidade é condição primordial para que um juiz atue. É

questão inseparável e inerente ao juiz não tomar partido, não

favorecer qualquer parte, enfim, não ser a parte. Em verdade, a

expressão juiz imparcial é redundância e seria quase desnecessário

falar em imparcialidade, de tal é a imanência existente entre juiz e

imparcialidade.97

Através das palavras de Portanova, verifica-se a relevância do princípio

da imparcialidade para a atuação do magistrado.

Cintra, Grinover e Dinamarco, ainda a respeito do princípio da

imparcialidade, pontuam:

96 REICHELT, Luis Alberto. O direito fundamental das partes à imparcialidade do juiz no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 102. 97PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, pág. 79.

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A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir uma juiz imparcial: e o Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.98

No tocante ao princípio da inércia, o autor antes mencionado acentua

que costuma-se justificar o este princípio com a alegação de preservação da

imparcialidade, já que, se ao juiz fosse dado iniciar um processo, ele estaria

psicologicamente comprometido com a solução final.99

Contudo, consabido, em que pese os aludidos princípios aplicarem-se

também ao processo de execução, há expressa previsão legal que permitem o

juiz atuar de ofício, não sendo razoável concluir que há desrespeito por parte

do magistrado aos princípios da Imparcialidade e da Inércia.

4.3 A minoração da sanção e a efetividade das decisões judiciais

Como visto, a possibilidade de minoração da multa encontra-se

expressamente prevista em nossa legislação, contudo, considerando que seu

principal objetivo é compelir o demandado ao cumprimento da tutela específica,

resta o questionamento se eventual redução ou revogação pelo magistrado não

prejudicaria a efetividade do provimento judicial, visto que porque o obrigado

cumpriria a obrigação se posteriormente existe a possibilidade de redução da

multa ou até mesmo a revogação?

Bueno assim define o princípio da efetividade do processo:

O princípio da efetividade do processo, neste sentido – e diferentemente dos demais -, volta-se mais especificadamente aos resultados da tutela jurisdicional no plano material, exterior ao processo. É inócuo falar em um “processo justo” ou em um “processo devido”, dando-se a falsa impressão de que aqueles atributos tendem a se esgotar com a tão só observância da correção do meio de produzir a decisão jurisdicional apta a veicular a tutela jurisdicional. O “justo” e o “devido”, com efeito, vão além do reconhecimento jurisdicional do direito.100

98 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004, pág. 52. 99 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 71. 100 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 59.

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Ora, que efetividade teria uma decisão, cujo objeto é coagir a parte a

cumprir determinado ato, sendo que em não cumprido a decisão o obrigado

pode não sofrer a consequência advinda de seu descumprimento à ordem

judicial?

Cuida-se de questão de extrema preocupação para o julgador, pois de

um lado deve-se zelar pela efetividade das decisões judiciais e, de outra

banda, atentar-se ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.

Resta ao julgador, nestes casos, realizar uma ponderação, com base

nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais,

indiscutivelmente, devem nortear toda e qualquer decisão judicial.

4.4 Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade encontram

previsão no Livro I, Título Único, Capítulo I, do novo Código de Processo Civil,

que trata das normas fundamentais do processo civil, no art. 8º, que assim

dispõe:

Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá os fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.101

Nas palavras de Cunha e Cruz a respeito das normas fundamentais

inseridas na “parte geral” do novo Código de Processo Civil:

O que se observa, de verdade, é que o legislador quis dar um tratamento de normas fundamentais, verdadeiros compromissos a serem assumidos pelos aplicadores do direito processual civil, pois, se o Código é um sistema, deverá ser tratado como tal.102

Com efeito, como em qualquer decisão a ser proferida, o juiz da causa

deverá atentar-se às normas fundamentais elencadas na parte geral do Código

de Processo Civil, dentre elas a proporcionalidade e a razoabilidade.

101 BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 10 de junho de 2017. 102 CUNHA, Alexandre Luna e CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz. Compreendendo o Novo CPC – uma breve análise das normas fundamentais. Revista Magister de Direito e Processual Civil. v. 1(jul./ago. 2004). Porto Alegre: Magister, 2004. Bimestral. Coordenação: Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. v. 72 (jan./fev. 2017), pág. 26.

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Seguindo o mesmo entendimento, Amaral enfatiza que não apenas na

aplicação das astreintes, mas em todos os atos praticados pelo juiz ou

qualquer outra autoridade estatal, devem ser observados os chamados

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.103

Nas palavras de Barroso:

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que ser conceituado, o princípio se dilui e, um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.104

Logo, a autoridade estatal deverá agir com equilíbrio e moderação

quando da prolação de decisões.

Assim, quando da fixação das astreintes, o juiz deverá observar o caso

concreto, o bem jurídico a ser tutelado, bem como as condições das partes, de

modo que a multa seja proporcional e razoável.

A multa pecuniária não deverá ser irrisória a ponto de ser ineficiente, ou

seja, não servindo de coerção necessária ao obrigado e, de outra banda, não

deverá ser elevada, de modo a proporcionar o enriquecimento sem causa da

parte beneficiada pela decisão judicial.

Ainda, por oportuno, cumpre asseverar que não só o valor da multa é

relevante quando da prolação da decisão, mas também merece atenção o

prazo para cumprimento do preceito, devendo o mesmo ser razoável ao caso

concreto.

Outrossim, merece atenção a questão da periodicidade da multa, e

eventual limitação de incidência, de modo que não se deixe transcorrer um

longo período com a incidência das astreintes, perdendo-se o controle sobre a

mesma.

Ante o exposto, com efeito, indispensável a observação dos princípios

em apreço, devendo as decisões proporcionais e razoáveis conforme às

peculiaridades de cada caso.

103 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 133. 104 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 215.

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4.5 A vedação ao enriquecimento sem causa

Não há previsão legal de como o magistrado deve fixar a multa, ou seja,

fica a critério do juiz fixar a astreinte na periodicidade que entender melhor,

bem como no valor que entender prudente.

Ocorre que, há casos que a multa atinge um valor muito elevado, maior

inclusive do que o valor da obrigação principal. Como exemplo, pode-se citar

as decisões judiciais que estabelecem multa diária em um determinado valor

sem, contudo, fixar uma limitação. Nesse exemplo, passam-se anos e a multa

continua a incidir, chegando a valores extremamente excessivos.

Assim, necessário que se faça uma readequação do valor, a fim de

diminuí-lo e evitar o enriquecimento sem causa da parte beneficiada pela

decisão judicial, notadamente em razão de que a multa objeto de estudo, como

já ressaltado, não possui caráter ressarcitório.

Outrossim, à título de exemplo, há casos em que a multa torna-se

ineficiente para o fim que foi fixada, tendo sido desvirtuada e mais uma vez

ensejando o enriquecimento indevido da parte credora.

A vedação ao enriquecimento sem causa encontra previsão no art. 884

do Código Civil, in verbis:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.105

Sobre o aqui exposto, colaciona-se, ilustrativamente, decisão do TJ/RS,

assim ementada:

APELAÇÕES CÍVEIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA E NA ENTREGA DAS CHAVES. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS COTAS CONDOMINIAIS. MANUTENÇÃO DA ASTREINTE. DANO MORAL. I. Dadas as peculiaridades do caso concreto, no qual a assembleiade instalação do condomínio foi realizada sem a entrega das unidades e sem o registro do habite-se, é de responsabilidade das demandadas o pagamento das cotas condominiais devidas até a efetiva entrega das chaves ao promissário comprador. II. O objetivo da astreinte é justamente o de compelir o devedor da obrigação de fazer/não fazer a cumpri-la, ou seja, de conferir efetividade à decisão

105 BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 29 maio de 2017.

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judicial. Contudo, o valor arbitrado não pode servir como penalidade à parte, tampouco como causa de enriquecimento do adversário, restando acertada a limitação realizada pelo juízo singular. III. O atraso demasiado da conclusão de empreendimento imobiliário, somado à inclusão do nome do consumidor junto aos órgãos de proteção ao crédito, com base em dívida inexigível, é conduta grave, que merece severa repreensão. Trata-se de ofensa direta a direitos de personalidade protegidos pelo Código Civil e pela Constituição Federal, quais sejam, respectivamente, o nome e a honra. Manutenção do quantum arbitrado, por se mostrar esta quantia suficiente à compensação pelo ilícito, proporcional à gravidade da conduta e por levar em conta a situação econômico-financeira do ofensor. Apelos desprovidos. Unânime. (Apelação Cível Nº 70072942576, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 17/05/2017)106

A decisão supra colacionada demonstra que o valor a ser fixado à título

de multa, a fim de compelir o obrigado a cumprir a ordem judicial, não pode

servir como causa de enriquecimento indevido do credor, sendo observado,

pelo Egrégio Tribunal de Justiça do nosso Estado o dispositivo da vedação ao

enriquecimento sem causa.

4.6 Análise da jurisprudência sobre a redução das astreintes

Inicialmente, cumpre enfatizar que a multa objeto de estudo não se

aplica em obrigações de pagar quantia certa, uma vez que ausente previsão

legal nesse sentido, bem como a jurisprudência é unânime no sentido de

descabimento da fixação de astreintes nesse tipo de obrigação. Nesse sentido,

cito os seguintes julgados oriundos do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO COMINATÓRIA. TRATAMENTO MÉDICO. PAGAMENTO PELO USUÁRIO. REEMBOLSO. OBRIGAÇÃO DE PAGAR. ASTREINTES. DESCABIMENTO. 1. As astreintes constituem medida de execução indireta e são impostas para a efetivação da tutela específica perseguida ou para a obtenção de resultado prático equivalente nas ações de obrigação de fazer ou não fazer. Logo, tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, é inaplicável a imposição de multa para coagir o devedor ao seu cumprimento, devendo o credor valer-se de outros procedimentos para receber o que entende devido. 2. Não são devidas astreintes quando a obrigação de fazer é satisfeita tempestivamente, seja pelo usuário, seja pela operadora de plano de saúde, não podendo a multa do art. 461 do CPC/1973 incidir

106 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70072942576.Vigésima Câmara Cível. Relator: Des. Dilso Domingos Pereira. Julgado em 17/05/2017.

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nas hipóteses de obrigação de pagar quantia certa, a exemplo do reembolso de tratamento médico. 3. Agravo interno não provido.107 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS CAUSADOS A IMÓVEL VIZINHO. OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. ASTREINTES. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM211/STJ. 1. Para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal (Súmula 211/STJ). 2. É firme o posicionamento do STJ no sentido de que, a multa diária é "meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia certa, que atua sobre a vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial." (REsp n. 784.188/RS, relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 14.11.2005). 3. Cabe ao magistrado dizer o direito aplicável à situação fática descrita pelas partes, de acordo com o princípio do jura novitcuria, não estando obrigado a responder a todas as alegações das partes quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundamentara decisão, uma vez que ao qualificar os fatos trazidos ao seu conhecimento não fica adstrito ao fundamento legal invocado. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.108

Em recentes decisões proferidas pelo Egrégio Tribunal de Justiça do

nosso Estado foi reconhecida a possibilidade de minoração de astreintes de

ofício pelo magistrado, com fundamento nos princípios da proporcionalidade e

da razoabilidade, aduzindo, ainda, que o instituto objeto de estudo deve ser

fixado de forma a garantir a efetividade da decisão sem, contudo, ocasionar o

enriquecimento excessivo da parte beneficiada pela decisão judicial,

considerando, outrossim, que a multa não possui função de reparar eventuais

perdas e danos, cito:

AGRAVO INTERNO. SEGURO. PLANO DE SAÚDE. IMPUGNAÇÃO

AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ASTREINTES. REDUÇÃO.

OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E

PROPORCIONALIDADE. CASO CONCRETO. I. Nos termos do art.

14, do CPC/2015, a norma processual não retroagirá, respeitados os

atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob

a vigência da norma revogada. Dessa forma, aplicam-se no caso as

disposições constantes do CPC/1973, em vigor quando do

107 REsp 1.324.029/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas BôasCueva, julgado em 16/06/2016, DJe 29/06/2016, STJ. 108 AgRg no Ag 1401660 / ES, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 11/04/2013, DJe 17/04/2017, STJ.

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ajuizamento da ação, da prolação da decisão de primeiro grau e da

interposição deste recurso. II. O poder geral de cautela inscrito no art.

461, § 6º, do CPC, permite ao juízo, mesmo de ofício, modificar o

valor ou a periodicidade da multa diária, caso verifique que se tornou

insuficiente ou excessiva. Ademais, as astreintes devem ser fixadas

para garantir o efetivo cumprimento do provimento judicial, não

podendo, contudo, gerar o enriquecimento excessivo da parte

beneficiária. Igualmente, a imposição da astreinte não tem a função

de reparar os danos sofridos pela parte, o que poderá ser pleiteado

em ação própria. III. No caso concreto, considerando que houve o

descumprimento de parte mínima da ordem judicial, mostra-se

excessivo o valor exequendo, no montante de R$ 333.443,25, sendo

imperiosa a sua redução para R$ 10.000,00, a fim de atender os

critérios de razoabilidade e proporcionalidade. AGRAVO INTERNO

DESPROVIDO. (Agravo Nº 70068206606, Quinta Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard,

Julgado em 30/03/2016)109

No mesmo sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO

ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE

COBRANÇA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO, DANO MORAL E

RESPONSABILIDADE CIVIL DISSUASÓRIA. IMPUGNAÇÃO AO

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TELEFONIA. REDUÇÃO DO

VALOR DA MULTA COERCITIVA. 1. Afigura-se possível ao juiz, de

ofício ou a requerimento da parte, modificar o valor ou a periodicidade

da multa toda vez que se mostrar excessiva e dissociada do seu

caráter meramente coercitivo. 2. Sem descuidar da renitência da

agravante para o cumprimento da ordem judicial, a hipótese em liça

recomenda a limitação do valor total das astreintes à importância de

R$ 30.000,00, montante esse que se mostra adequado à finalidade

do instituto, sem importar substancial enriquecimento da parte

contrária. 3. Considerando a penhora já efetivada e a redução antes

determinada, o valor da multa coercitiva deverá ser atualizado pelos

encargos próprios para remuneração dos depósitos judiciais,

contados a partir deste julgamento. AGRAVO DE INSTRUMENTO

PROVIDO EM PARTE. (Agravo de Instrumento Nº 70068600816,

Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 31/05/2016)110

Outra interessante decisão proferida pelo citado Tribunal, refere-se a um

mandado de segurança, no qual foi reconhecida a possibilidade de redução da

multa e ausência de ofensa à coisa julgada:

109 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70068206606. Quinta Câmara Cível. Relator: Des. Jorge André Pereira Gailhard. Julgado em 30/03/2016 110 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70068600816. Décima Segunda Câmara Cível. Relator: Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout. Julgado em 31/05/2016

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MANDADO DE SEGURANÇA. REDUÇÃO DO VALOR DA

ASTREINTE. POSSIBILIDADE. ÁUSENTE DIREITO LÍQUIDO E

CERTO VIOLADO. O parágrafo 6º do artigo 461 do Código de

Processo Civil estabelece a possibilidade, inclusive de ofício de se

modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso evidenciado que a

penalização se tornou insuficiente ou excessiva. Logo, tal matéria não

preclui, tampouco sua modificação ofende a coisa julgada. A decisão

do julgador em adequar o valor a uma situação da realidade não viola

direito líquido e certo do impetrante. SEGURANÇA DENEGADA.

(Mandado de Segurança Nº 71004492385, Terceira Turma Recursal

Cível, Turmas Recursais, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado

em 24/10/2013)111

Neste último, se verifica que o artigo 461 do CPC/73, cujo dispositivo

correspondente no novo Código de Processo Civil é o artigo 571, §1º, segundo

o entendimento da Terceira Turma Recursal Cível, possibilita ao juiz realizar a

modificação da multa independentemente da fase processual em que se

encontrar, por ter em vista que a modificação da mesma não ofende a coisa

julgada.

Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DEFAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 475-L DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. MULTA DIÁRIA. REDUÇÃOPELO TRIBUNAL DE ORIGEM. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. SÚMULA N.7 DO STJ. 1. A ausência de prequestionamento de dispositivo legal tido por violado impede o conhecimento do recurso especial (enunciados n. 282e 356 da Súmula do STF). 2. A jurisprudência desta Corte entende que a multa prevista no art.461, § 6°, do Código de Processo Civil, pode ser revista, de ofício ou a requerimento da parte, em qualquer momento, até mesmo após o trânsito em julgado da decisão, em sede de execução, quando se verificar que foi estabelecida fora dos parâmetros da razoabilidade ou quando se tornar exorbitante, podendo gerar enriquecimento indevido. 3. Inviável a análise do recurso especial quando dependente de reexame de matéria fática da lide (Súmula n. 7 do STJ). 4. Agravo regimental a que se nega provimento.112

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça entende ser possível a

redução da multa coercitiva a qualquer momento, inclusive após o trânsito em

111 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 71004492385. Terceira Turma Recursal Cível. Relator: Des. Carlos Eduardo Richinitti. Julgado em 24/10/2013. 112 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº2015/0235115-8. Quarta Turma. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Julgado em 15/03/2016.

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julgado da decisão, independentemente de prévio requerimento das partes,

desde que verificado a ausência de razoabilidade ou quanto elevado o valor em

relação à obrigação principal.

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5 CONCLUSÃO

Objetivou-se através do presente trabalho analisar o instituto das

astreintes e suas principais características, abordando, também, sua natureza

jurídica, previsão legal e sistemática de aplicação, a fim de verificar eventual

incidência da coisa julgada no valor fixado à título de multa cominatória.

Mediante breves considerações, foi explanado acerca da importância da

multa pecuniária para o ordenamento processual civil, na em medida que atua

como ferramenta para viabilizar-se a efetividade processual e sua consequente

satisfatividade, um dos princípios norte do novo Código de Processo Civil.

Salientou-se da relevância da observância dos princípios

proporcionalidade e da razoabilidade para a fixação do quantum, bem como da

periodicidade da multa.

Tal observância é indispensável, notadamente a fim de não propiciar o

enriquecimento sem causa da parte beneficiada pela decisão judicial, bem

como para que esta decisão seja eficiente, servindo como coerção necessária

ao obrigado para cumprimento da ordem judicial.

Na sequência, buscou-se estudar acerca do instituto da coisa julgada,

analisando suas espécies, material e formal, bem como seus limites, sendo ele

objetivos e subjetivos, examinando sobre a possibilidade de sua relativização

em se tratando de astreintes.

De outra banda, foram analisados mais alguns princípios, tais como o

dever de inércia do juiz frente ao dispositivo legal que autorização a

modificação das astreintes de ofício, o da razoabilidade e da proporcionalidade.

Sabe-se da importância da autoridade da coisa julgada em nosso

ordenamento jurídico, tanto isso é fato que a mesma encontra-se prevista no

rol de direitos fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil,

estando diretamente ligada ao princípio da Segurança Jurídica.

Com efeito, constatou-se que a modificação do valor da multa não

infringe a autoridade da coisa julgada material, tendo em vista que por ela não

abrangida em decorrência dos limites objetivos, podendo, dessa forma, ser

modificada a qualquer tempo, desde que preenchidos os requisitos previstos

em lei.

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Outrossim, verificou-se que a atuação ex officio do magistrado para

fixação, minoração ou extinção da multa pecuniária não atinge o seu dever de

inércia, ante a expressa determinação legal de que o faça, não sendo, portanto,

razoável, concluir que haja qualquer ilegalidade cometida pelo juiz.

Através da pesquisa jurisprudencial, apurou-se que é majoritário o

entendimento acerca da possibilidade de modificação da multa, sendo unânime

a aplicação ao instituto objeto de estudo dos princípios da proporcionalidade,

razoabilidade e vedação ao enriquecimento sem causa.

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REFERÊNCIAS

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_____. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1401660 / ES, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 11/04/2013, DJe 17/04/2017, STJ. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004. CUBELLS, Pablo Andrade. Multa Coercitiva (Astreintes): do CPC 1973 ao CPC 2015. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado perante a Universidade de Brasília. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/10992/1/2015_PabloAndradeCubells.pdf. Acesso em 15/05/2017. CUNHA, Alexandre Luna e CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz. Compreendendo o Novo CPC – uma breve análise das normas fundamentais. Revista Magister de Direito e Processual Civil. v. 1(jul./ago. 2004). Porto Alegre: Magister, 2004. Bimestral. Coordenação: Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. v. 72 (jan./fev. 2017). ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração nº 70073278483.Décima Oitava Câmara Cível. Relator: Des. Pedro Celso Dal Pra. Julgado em 25/05/2017. _____. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70072075088. Primeira Câmara Cível. Relator: Des. Irineu Mariani. Julgado em 07/06/2017. _____. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70072609720. Sétima Câmara Cível. Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos. Julgado em 31/05/2017. _____.Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70071813505. Vigésima Câmara Cível. Relator: Des. Almir Porto da Rocha Filho. Julgado em 12/04/2017. _____. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70073219131. Vigésima Câmara Cível. Relator: Des. Almir Porto da Rocha Filho. Julgado em 31/05/2017. _____. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70070641659. Décima Sexta Câmara Cível. Relator: Des. Paulo Sérgio Scarparo. Julgado em 27/10/2016. _____. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70072942576.Vigésima Câmara Cível. Relator: Des. Dilso Domingos Pereira. Julgado em 17/05/2017. _____. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70068206606. Quinta Câmara Cível. Relator: Des. Jorge André Pereira Gailhard. Julgado em 30/03/2016. _____. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70068600816. Décima Segunda Câmara Cível. Relator: Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout. Julgado em 31/05/2016

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_____. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 71004492385. Terceira Turma Recursal Cível. Relator: Des. Carlos Eduardo Richinitti. Julgado em 24/10/2013. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. _____. Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. rev. e atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 641. ___. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A Multa (Astreintes) na Tutela Específica. Dissertação de Mestrado apresentado perante a Universidade de São Paulo. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-12022014-110131/pt-br.php. Acesso em 30/05/2017. PEREIRA, Carla Maria de Souza. Astreintes: A importância da limitação do valor quando da sua fixação evitando-se a posterior redução diante do descumprimento da ordem judicial. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/CARLA%20MARIA%20DE%20SOUZA%20PEREIRA%20-vers%C3%A3o%20final.pdf. Acesso em: 15/05/2017. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. REICHELT, Luis Alberto. O direito fundamental das partes à imparcialidade do juiz no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. SILVA, Ovídio Batista. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 6. Do processo de conhecimento. Arts. 444 a 495. 2000. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. THEODORO JUNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. vol. I. 56. ed. rev., atual. eampl. Rio de Janeiro, 2015. _____. Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 1094. _____. Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50. ed. rev., atual. eampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e

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tutela provisória), volume 2. – 16. ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.