Associações de autismo em Portugal

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INSTITUIÇÕES DE AUTISMO E TESTEMUNHOS

«O amor que eu sinto pelo meu filho sempre me deu a certeza e a segurança de que o

que eu estava fazendo era o certo.»

Eufrásia, mãe do Victor (11 anos)

1. Alguns dados sobre o Autismo em Portugal

Segundo um estudo epidemiológico realizado por investigadores do Hospital

Pediátrico de Coimbra e do Instituto Nacional Ricardo Jorge, estima-se que haja em Portugal

um autista por cada mil crianças. A prevalência global estimada das PEA nas crianças em

idade escolar é 0,92 por cada mil crianças em Portugal Continental e de 1,56 por cada mil nos

Açores (Oliveira, 2007). A prevalência do autismo é menor na região Norte, e é também

inferior aos valores obtidos a nível internacional, que apontam para números mais elevados na

Europa e América do Norte.

Esta investigação clínica foi levada a cabo em 1999-2000, abrangendo cerca de 345

mil crianças, nascidas de 1990 a 1992, e que frequentavam o 1.º ciclo do ensino básico. Cerca

de metade das crianças com diagnóstico de autismo estava matriculada em escolas de ensino

especial, o que põe em causa a resposta educativa das escolas regulares para aplicar os

princípios da inclusão (Oliveira, 2007).

A importância crescente do Autismo, em termos sociais, de saúde pública e na área da

educação, tem-se manifestado na acção desenvolvida por diversas instituições em prol das

crianças, jovens e adultos com PEA, e ainda na organização de conferências públicas e

jornadas de estudo sobre essa temática. O evento mais recente teve lugar nos Açores, em

Dezembro último, sob o lema “Autismo e Inclusão”, organizado pela Federação Portuguesa

de Autismo. Na ocasião, a sua presidente afirmou existir falta de capacidade para arranjar

fundos que permitam às instituições e escolas contratarem técnicos que acompanhem crianças

e jovens com autismo.

«Não faltam técnicos. Porque existem, por exemplo, muitos psicólogos licenciados sem emprego, e terapeutas da fala que nos deixam os seus currículos. Mas faltam fundos ao nível das associações e das escolas para contratarem aqueles técnicos».1

2. Instituições de Autismo em Portugal

1 Notícia no site http://www.jornaldamadeira.pt/not2008.php?Seccao=4&id=169885

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No nosso país, já desde a década de 1960 existem instituições vocacionadas para

apoiar as pessoas com deficiência, incluindo também as perturbações do espectro do autismo.

Segue-se uma breve apresentação das principais organizações portuguesas de carácter

privado, fruto da vontade dos pais e outros profissionais que lidam com este transtorno que

tanto sofrimento e ansiedade continua a espalhar por muitas famílias.

2.1. Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e

Autismo (APPDA)

A Associação Portuguesa para Protecção às Crianças Autistas, mais tarde Associação

Portuguesa para Protecção aos Deficientes Autistas, foi fundada em 1971 por um grupo de

pais que não encontrava respostas educativas para os seus filhos com autismo. Com sede em

Lisboa, tinha âmbito nacional, dando apoio a todas as pessoas que a contactavam e

encaminhando-as para os escassos serviços existentes.

O maior objectivo da APPCA foi o de fundar uma escola onde se atendessem as

necessidades específicas das crianças com perturbações do espectro do autismo.

Em 1984, a APPCA, por desejo e empenhamento dos pais das crianças do Norte, abriu

uma Delegação Regional no Porto, em Vila Nova de Gaia. Na sequência deste processo e

tendo em conta que a APPCA passou a apoiar não só crianças mas também adolescentes e

adultos, foi deliberado, em Assembleia Geral, alterar o nome para Associação Portuguesa para

Protecção aos Deficientes Autistas (APPDA) e adoptar uma estrutura descentralizada,

passando a haver uma associação nacional com delegações regionais em Lisboa e no Norte.

Em 1990, foi criada outra delegação regional em Coimbra, com duas sub-delegações,

uma em Viseu e outra em Leiria.

Em 1993, foi fundado o primeiro centro residencial da delegação regional de Lisboa,

no bairro do Zambujal em S. Domingos de Rana e, em 1994, foram fundados quatro centros

residenciais no Alto da Ajuda.

Em 2002, as delegações existentes autonomizaram-se em Associações Regionais,

adoptando a denominação comum de Associação Portuguesa para as Perturbações do

Desenvolvimento e Autismo precedida da sigla identificativa APPDA-Lisboa, APPDA-Norte,

APPDA-Coimbra. A Sub-Delegação Regional de Viseu autonomizou-se de Coimbra e passou

a denominar-se APPDA-Viseu.

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Em 2003, foi criada a APPDA-S.Miguel e Santa Maria (Açores). Foi criada a

Federação Portuguesa de Autismo que substitui a APPDA Nacional e integra as associações

regionais e outras associações dedicadas às perturbações do espectro do autismo.

A APPDA-Lisboa é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, cuja missão é

prestar serviços às pessoas com Perturbações do Desenvolvimento do Espectro do Autismo

(PEA) e às pessoas com elas significativamente relacionadas, promovendo a defesa e o

exercício dos respectivos direitos e a aquisição e melhoria de qualidade de vida.

APPDA-LisboaCentro Residencial do ZambujalRua Luís de Camões, 2102785-697 S. Domingos de RanaTel: 214538681Site: http://www.appda-lisboa.org.pt/

Delegações Regionais da APPDA

APPDA-Norte − http://www.appda-norte.org.pt/

APPDA-Coimbra − http://www.appdacoimbra.com/

APPDA-Viseu − http://www.appdaviseu.com/

APPDA-São Miguel e Santa Maria − [email protected]

APPDA-Setúbal − http://www.appda-setubal.com/

APPDA-Madeira − [email protected]

APPDA-Algarve − http://www.appda-algarve.pt/

APPDA-Leiria − [email protected]

APPDA-Sintra − [email protected]

APPDA-Aveiro − [email protected]

2.2. Federação Portuguesa de Autismo

A Federação Portuguesa de Autismo foi criada em 2003, e integra as associações

regionais da APPDA e outras associações dedicadas às perturbações do espectro do autismo.

Missão: Defesa incondicional dos direitos das pessoas com PEA e das pessoas com

elas significativamente envolvidas. Representação das suas associadas junto das organizações

nacionais e internacionais.

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Visão: Ser reconhecida como a representante portuguesa das associações de pessoas

com perturbações do espectro do autismo (PEA).

Valores: A não discriminação; o associativismo; a solidariedade; a inclusão e a

representatividade.

Princípios: Os princípios que estão consagrados nos documentos de ordem jurídica

nacional e internacional, tais como a Carta dos Direitos das Pessoas com Autismo e a

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realçando a representação e defesa

dos direitos das instituições federadas.

Federação Portuguesa de AutismoRua José Luís Garcia Rodrigues, Bairro do Alto da Ajuda1300-565 LisboaTel: 213616250 / Fax: 213616259E-mail: [email protected]

2.3. APSA − Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger

A APSA é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), sem fins

lucrativos, que nasceu em Lisboa, a 7 de Novembro de 2003, por vontade de um grupo de

pais.

A sua missão é promover o apoio e a integração social das pessoas com Síndrome de

Asperger, favorecendo as condições para uma vida autónoma e mais digna. Propõe-se cuidar

de cada etapa da vida das pessoas com Síndrome de Asperger, crianças, jovens e adultos, no

sentido de os ajudar a tornarem-se responsáveis pela construção do seu próprio projecto de

vida, totalmente integrados na sociedade.

Pretende ser uma organização de referência nacional nas respostas adequadas às

necessidades e expectativas das pessoas com Síndrome de Asperger e suas famílias,

contribuindo para a construção de uma sociedade integrante da diferença e em que as pessoas

com Síndrome de Asperger tenham igualdade de oportunidades e se sintam aceites,

respeitadas e realizadas.

A APSA desenvolve vários projectos e actividades, com vista a melhorar o

acolhimento das pessoas com Síndrome de Asperger, a convivência e a sua integração, e que

contribuam para divulgar, formar e sensibilizar as pessoas que mais de perto contactam e se

relacionam com esta problemática.

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APSA − Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger

Largo do Amor Perfeito, 9A − Loja 1

2645-630 Alcabideche

Tel./Fax: 214605237E-mail: [email protected]: http://www.apsa.org.pt/

2.4. AMA − Associação de Amigos do Autismo

A AMA é uma associação independente dedicada unicamente à problemática das

Perturbações do Espectro do Autismo (PEA), sem fins lucrativos, com estatuto de IPSS e de

Utilidade Pública, com sede em Viana do Castelo. Esta associação foi criada em Junho de

2008, por um grupo de Pais, Médicos, Técnicos de Saúde, Terapeutas, Psicólogos,

Professores, Educadores, Advogados, Empresários e demais Cidadãos empenhados nos

cuidados especiais das crianças e jovens com PEA.

AMA − Associação de Amigos do AutismoEstrada da Papanata, 5234900-470 Viana do CasteloTel: 258843900 / Tlm: 925010900E-mail: [email protected]: http://www.ama-autismo.pt/

2.5. AIA − Associação para a Inclusão e Apoio ao Autista

A Associação para a Inclusão e Apoio ao Autista é uma IPSS sediada em Braga, que

foi criada a 12 de Janeiro de 2010. A sua missão principal consiste no apoio a pessoas com

perturbações do desenvolvimento e autismo, de todos os grupos etários.

Rua Assento de Cima, s/nPalmeira − Braga4700-682 Palmeira BRGTlm: 936859219E-mail: [email protected]: http://www.autismoembraga.blogspot.com/Site: http://www.aia.org.pt/

3.2.6. APEE Autismo − Associação de Pais e Encarregados de Educação de

Alunos com PEA

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A APEE Autismo, em estreita colaboração com os demais intervenientes no processo

educativo, pretende realizar diversas actividades, entre as quais se salientam:

− Contribuir para a promoção da inclusão dos alunos com Perturbação do

Espectro do Autismo (PEA) na comunidade educativa;

− Estimular a participação de Pais e Encarregados de Educação no processo

educativo dos seus educandos;

− Organizar fóruns de debate, formações e acções de divulgação sobre o

processo educativo e novas metodologias de apoio aos alunos;

− Fomentar a formação especializada em Autismo para os Docentes e Assistentes

Operacionais (AOP).

Site: http://apee-autismo.blogspot.com/

3. Testemunhos de adultos autistas e pais

Estes testemunhos são relatos de adultos autistas e de pais de crianças com autismo, e

denotam nalguns casos a esperança que acompanha os progressos na autonomia e socialização

destas pessoas, enquanto outros dão conta das dificuldades sentidas e da discriminação de que

se sentem alvo, mostrando assim que o ideal da inclusão, não só a nível escolar mas sobretudo

social, se encontra ainda distante, embora já não tanto como no passado. Possam assim estas

palavras apressar o futuro, pois há só uma Humanidade, una na sua essência, múltipla nas

suas manifestações.

3.1. Temple Grandin − Uma visão interior do Autismo

Temple Grandin é um dos mais famosos casos de uma pessoa com autismo que foi

bem sucedida profissionalmente e se conseguiu integrar na sociedade. Nascida em 1947, em

Boston (EUA), Grandin é doutorada em Ciências Animais e professora na Universidade do

Colorado. Segundo ela, «foi a intervenção precoce iniciada aos 2 anos e meio de idade que me

ajudou a superar a minha deficiência.»

No relato biográfico “An inside view of autism”, publicado no livro “High functioning

individuals with autism”, em 1992, Grandin descreve em pormenor a sua vivência como

criança autista e também o difícil percurso através da adolescência e até à idade adulta.

«A Falta da Fala

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Não ser capaz de falar era uma completa frustração. Se os adultos falassem

directamente comigo eu podia entender tudo o que eles me diziam, mas eu não conseguia

colocar as palavras para fora. Era como se fosse um balbucio ou uma grande gaguez. Se eu

experimentava uma situação de leve “stress”, as palavras às vezes superavam a barreira e

conseguiam sair. A minha terapeuta da fala sabia como penetrar no meu mundo. Ela pegava-

me no queixo, fazia-me olhar nos seus olhos e dizer “bola”. […]

A minha mãe e os meus professores ficavam a imaginar por que é que eu gritava tanto.

Os gritos eram a única maneira que eu tinha para me comunicar. Às vezes, pensava

logicamente comigo mesma: “Vou gritar agora porque quero dizer a alguém que não quero

fazer determinada coisa”. […]

Ritmo e Música

Durante os meus anos na escola primária, a minha fala não era completamente normal.

Geralmente, eu demorava mais tempo do que as outras crianças até conseguir pôr as minhas

ideias em palavras. Cantar, porém, era bem fácil. Eu sou afinada e consigo, sem nenhum

esforço, sussurrar uma música que ouvi apenas uma ou duas vezes.

Eu ainda tenho muitos problemas com o ritmo. Consigo bater palmas num

determinado ritmo sozinha, mas sou incapaz de sincronizar o meu ritmo com o ritmo de outra

pessoa. […] Os problemas de ritmo podem estar relacionados com alguns problemas de

linguagem. Os bebés normais movem-se em sincronia com a fala dos adultos. Os autistas não

conseguem isso. […] Um ouvido ouve o som primeiro do que o outro. O assincronismo entre

os dois ouvidos chega a ser superior a um segundo. Isso pode explicar alguns problemas de

comunicação verbal. As pessoas ainda me acusam de interromper conversas. Devido a uma

falta de percepção do ritmo, é difícil para mim saber quando entrar na conversação. Não

consigo seguir facilmente os altos e baixos do fluxo de uma conversa.

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Page 8: Associações de autismo em Portugal

Problemas Auditivos

A minha audição funciona como se eu usasse um aparelho auditivo cujo controle de

volume só trabalha no “super alto”. É como se fosse um microfone ligado que capta todo o

barulho ao redor. Tenho duas escolhas: deixar o microfone ligado e ser inundada pelo

barulho, ou desligar. A minha mãe conta que algumas vezes eu agia como se fosse surda. Os

testes e exames mostravam que a minha audição era normal. Eu não consigo moderar os

estímulos auditivos que entram pelos meus ouvidos. […]

Os autistas devem ser protegidos dos barulhos que os incomodam. Ruídos altos e

bruscos magoam-me os ouvidos como se fosse a broca de um dentista ferindo um nervo. […]

A criança autista tapa os ouvidos porque certos sons doem. O barulho faz muitas vezes o meu

coração disparar. […] É simplesmente impossível que uma criança autista se concentre na

sala de aula, se ela estiver a ser bombardeada com ruídos que penetram na sua mente como se

fosse o motor de um avião. […]

Problemas de Tacto

As roupas de domingo eram diferentes na minha pele. A maior parte das pessoas

adapta-se em poucos minutos à sensação de diferentes texturas de tecidos. Mesmo agora eu

evito usar tipos diferentes de roupa interior, pois demoro três a quatro dias para me adaptar a

novas texturas. […] Hoje em dia, uso roupas que tenham textura semelhante. Os meus pais

não faziam ideia porque é que eu me comportava tão mal. Pequenas mudanças na minha

roupa teriam resolvido esse problema.

Algumas crianças com essa dificuldade podem ser ajudadas. Encoraje a criança a

esfregar a pele com pedaços de tecidos de texturas diferentes. Isso ajuda a eliminar o excesso

de sensibilidade. […]

Eu queria sentir aquela sensação agradável de ser abraçada, mas quando as pessoas me

abraçavam sentia-me invadida por estímulos como se uma forte onda do mar se abatesse

sobre mim. […] Quando as pessoas me abraçavam, eu ficava tensa e tentava afastar-me delas

para evitar a enxurrada de estímulos desagradáveis. Parecia um animalzinho feroz a oferecer

resistência. […]

Levou muito tempo para eu aprender a aceitar a sensação de ser abraçada e não tentar

afastar-me. Os estudos indicam que as pessoas autistas tendem a não ter empatia. Eu acho que

a falta de empatia se deve, em parte, à falta dos estímulos agradáveis do tacto. […]

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Sintomas de Privação Sensorial

Como já disse, tive sempre uma sensibilidade extrema aos estímulos auditivos e

tácteis. Provavelmente, criei um mundo à parte para me proteger dos estímulos com os quais

não conseguia lidar. A minha mãe diz-me que, quando era bebé, eu evitava as pessoas e ficava

toda tensa. Desta forma, eu era adversa ao contacto com as pessoas e não recebia os estímulos

do tacto de que precisava tanto nessa época da minha vida. […]

Seria bom que os bebés autistas fossem gentilmente acariciados quando tentam resistir

ao toque. A minha reacção era a de um animal selvagem. A princípio, o toque era intolerável

e depois tornava-se agradável. Sou da opinião que essa aversão seja quebrada gradualmente,

como se estivesse a domar um animal. Se o bebé aprender a gostar do contacto físico, outros

problemas de comportamento poderão ser minimizados, no futuro. […]

Direccionando Fixações

Muitas das minhas fixações, a princípio, estavam relacionadas com os meus sentidos.

Quando andava no quarto ano, gostava de usar um certo tipo de propaganda eleitoral que era

feita de duas placas de madeira presas de tal modo que eu as vestia como se fosse um vestido.

Na verdade, gostava de me sentir uma sanduíche com as placas à frente e atrás. Alguns

terapeutas dizem que o uso de vestuário mais pesado reduz, muitas vezes, a hiperactividade.

Mesmo que a minha atracção por propagandas eleitorais se tenha iniciado por razões

sensoriais, eu acabei por me interessar por eleições. Os meus professores deviam ter tirado

proveito disso para me estimular o interesse em Estudos Sociais. Calcular as percentagens das

eleições poderia ajudar-me em Matemática. A minha leitura podia ser motivada lendo a

propaganda das pessoas que concorriam aos cargos políticos. Se uma criança se interessa

muito por aspiradores, então use o livro de instruções do aparelho como texto para a criança.

Outra das minhas fixações eram as portas de vidro corrediças. No início, eu estava

interessada nelas porque gostava da sensação de as ver movimentar-se. […] Se o meu

professor me tivesse desafiado a aprender os mecanismos e partes electrónicas da porta de

correr, provavelmente eu teria entrado na área da electrónica. As fixações podem ser uma

motivação fantástica e os professores precisam de usar essa ferramenta. […]

Visualização

O meu pensamento é visual. Quando penso em conceitos abstractos, como relacionar-

me bem com outras pessoas, uso imagens visuais como a de uma porta de correr. Os

relacionamentos devem ser abordados de uma forma cuidadosa, caso contrário a porta pode

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fechar-se bruscamente. […] Quase todas as minhas memórias estão relacionadas com imagens

visuais de eventos específicos. Se alguém diz a palavra “gato”, a imagem que me vem à

cabeça é a de certos gatos em particular, gatos que vi ou sobre os quais li. Eu não consigo

pensar em gatos de uma forma generalizada. […]

Existe, no entanto, uma área de visualização onde sou bastante pobre. É difícil para

mim reconhecer rostos, a não ser que eu conheça a pessoa há muito tempo. Isso costuma

trazer-me problemas sociais. […]

Aprendendo a Ler

A minha mãe foi a minha salvação no que diz respeito à leitura. Eu nunca teria sido

capaz de aprender pelo método que requer a memorização de centenas de palavras. As

palavras são muito abstractas para serem lembradas. Ela ensinou-me através de fonemas

antigos, que não são usados actualmente. Depois de eu ter trabalhado bastante e aprender

todos os sons, fui capaz de ler as palavras. Para me motivar, ela lia uma página e parava

subitamente na parte mais empolgante. Eu tinha de ler a próxima frase. Gradualmente, ela foi

lendo menos e menos. […]

Quem me Ajudou a Superar

Muitas pessoas perguntam-me: “Como é que conseguiu recuperar?” Eu tive muita

sorte em ter as pessoas certas a trabalhar comigo no momento certo. Aos dois anos de idade,

eu tinha todos aqueles sintomas típicos do autismo. Em 1949, a maioria dos médicos não

sabia o que era autismo, mas felizmente um neurologista experiente recomendou uma “terapia

normal”, em vez de uma instituição. Levaram-me a uma terapeuta da fala que tinha uma

escolinha materna especial na sua casa. Essa terapeuta foi o profissional mais importante na

minha vida. Aos 3 anos, a minha mãe contratou uma governanta que continuamente me

mantinha a mim e à minha irmã ocupadas. O meu dia era feito de actividades estruturadas,

tais como andar de skate, baloiçar, pintar. Embora as actividades fossem estruturadas, eu

podia ter algumas escolhas limitadas. […] Na realidade, ela participava em todas as

actividades e também nos orientava em práticas musicais. Nós marchávamos ao redor do

piano com tambores de brinquedo. Os meus problemas sensoriais não eram muito bem

tratados. Eu teria sido muito ajudada se tivesse um terapeuta ocupacional treinado em

integração sensorial a trabalhar comigo.

Estudei numa escola primária normal com professores mais velhos e experientes, em

salas pequenas. A minha mãe foi outra pessoa muito importante que me ajudou a superar. Ela

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trabalhava em parceria com a escola. Usava técnicas para me integrar na sala de aula, que são

hoje utilizadas em programas que têm dado bons resultados. Um dia antes de me levar à

escola, ela e a professora falaram de mim às crianças, explicando que precisariam de me

ajudar. […]

Tanto no secundário como na faculdade, as pessoas que mais me ajudaram foram

aquelas com mentes criativas e pensamentos não convencionais. Os profissionais mais

tradicionais, como o psicólogo da escola, eram perigosos para mim. […] Quero enfatizar a

importância da mudança gradual do mundo escolar para o mundo de trabalho. As minhas

visitas à empresa aconteciam enquanto eu ainda andava na faculdade. As pessoas autistas

precisam de ser introduzidas ao mundo do trabalho antes de se formarem. Os autistas que eu

mencionei anteriormente poderiam ter brilhantes carreiras se empresários locais se

interessassem por eles. […]

Programas para Autistas

Na minha opinião, os programas que são eficazes para crianças pequenas têm alguns

denominadores comuns semelhantes, independentemente das suas bases teóricas. Uma

intervenção o mais cedo possível melhora o prognóstico. As abordagens passivas não

funcionam. […] Os bons programas têm uma variedade de actividades e usam mais do que

uma abordagem. Um bom programa para crianças pequenas deve incluir programas flexíveis

de modificação do comportamento, terapia da fala, exercícios, tratamentos sensoriais

(actividades que estimulam o sistema vestibular e ajudam a retirar o excesso de sensibilidade

ao tacto), actividades musicais, contacto com crianças normais e muito amor.»2

3.2. Testemunhos de pais de crianças autistas

Para além de relatos na primeira pessoa, importa também saber de que modo os pais

de crianças autistas convivem com a situação dos seus filhos e de que ajudas e apoios

institucionais dispõem para lhes proporcionar o melhor ambiente possível, a fim de poderem

desenvolver as suas capacidades latentes e minimizar a deficiência, sobretudo através de uma

progressiva inclusão no ambiente social e comunitário.

Eis alguns excertos dessas árduas vivências pessoais que nos ajudam a compreender

um pouco melhor o ambiente familiar, tantas vezes difícil mas também de esperança, que

rodeia o mundo do autismo.

2 Excertos traduzidos do site http://www.autism.com/fam_inside_view.asp

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Page 12: Associações de autismo em Portugal

«Apenas me vou identificando com os testemunhos de pais que como eu (nós)

vivenciam a dura mas simultaneamente estimulante experiência de ter uma criança autista em

casa. […]

Na ausência de apoio tenho-me servido duma inestimável ferramenta – a intuição. É

ela, a intuição, a par com o profundo conhecimento efectivo da minha criança, que nos tem

conduzido às pequenas grandes conquistas, superando as melhores expectativas apontadas

pelos clínicos, por vezes duma forma fria e até cruel.

A ausência dos meios, dos apoios, dos amigos, da sensibilização da sociedade para as

diferenças e, por vezes, até dos próprios familiares são muito limitativas, penosas e, por vezes

até desmotivantes, muito mais que ter à nossa responsabilidade uma criança autista, que, ao

contrário de tudo o que se lhes aponta, são crianças dóceis, meigas, sensíveis, obedientes, sem

maldade… a sociedade só tem a aprender com elas. […]

Em busca de soluções ou tão simplesmente de informações, percorri vários

Ministérios, Gabinetes, Instituições Públicas várias, ligadas à saúde, educação e serviço

social. Fui reencaminhada de serviço em serviço, de contacto em contacto, qual bola de ping-

pong, e em nenhum deles consegui satisfação à minha pretensão. […]

No início, o meu filho era um autista ligeiro com dificuldade na comunicação verbal.

No presente, com 16 anos, ele apresenta um agravamento no comportamento social. Os

métodos educacionais a que tem sido sujeito induziram-lhe rotinas e maneirismos que não

tinha.

O apoio clínico é inexistente, apesar de “ser seguido na Consulta de Autismo” com

periodicidade anual.

A inclusão na esfera escolar é utopia, já que não sai da UEEA (Unidade de Educação

Especial de Autismo). Desde o 5º ano que o método educacional que lhe é aplicado não sofre

evolução. Com ou sem aproveitamento escolar transitou todos os anos escolares para que aos

16 anos, e concluído o 9º ano, a escola se desvincule dele, muito embora o PEI (Plano de

Educação Individual) vise a sua integração progressiva na vida social através da frequência de

outras instituições (IPSS) com as quais a escola tenha protocolos. As IPSS não têm

capacidade de resposta e nos pais é delegada essa responsabilidade. Fora desses protocolos é

inviável para a maioria dos pais portugueses a colocação dos seus filhos “especiais” em

Centros de Formação particulares. […]

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Devemos aos nossos filhos diferentes a luta pelos seus direitos, não só por serem

nossos filhos mas porque são cidadãos com quem todos temos muito a aprender.

Estou certa de que a inocência e a pureza que caracteriza estes indivíduos traduzir-se-

ão numa mais-valia para a sociedade, recompensando-a de todos os esforços que venham a ser

empregues na sua evolução e inserção social.»3

Amélia Florindo, mãe do Iuri Alexandre (17 anos) (Coimbra)

«Eu sei que ainda não existe uma cura para o autismo, mas aprendi que autismo é um

jeito de ser, e que devemos respeitar esse jeito de ser como faríamos com qualquer pessoa,

não devemos lutar para tentar mudá-los, devemos trabalhar para melhorar a qualidade de vida

da pessoa autista, respeitando-a, amando-a para que ela seja feliz com muita dignidade.»4

Fátima, mãe do Heitor (17 anos) (Brasil)

«Terapias diversas, como terapia ocupacional, fonoaudiologia, são positivas para fazer

o autista retornar ao nosso mundo e compreendê-lo, mas é muito importante a participação

dos pais nesses trabalhos. […]

Um factor importante para evolução dos nossos filhos é o factor LIMITE, que não

podemos deixar de aplicar, e que, na minha opinião, é o ponto de partida para todo um

crescimento e amadurecimento na vida, inclusive na deles!

Outro factor muito importante é a harmonia no lar, um tanto difícil nos dias

conturbados de hoje. Mas podem acreditar, um mínimo sinal de desajuste, eles captam, são

muito sensíveis, e quando isto acontece, eles caem em profunda dor, e como, na maioria das

vezes, não sabem comunicar, não sabem passar para nós o que estão sentindo, gera dentro

deles uma tristeza profunda e, por fim, a desistência de muitas coisas.

Creio que este desenvolvimento do Gabriel se dá ao grande amor e confiança que nós

depositamos nele diariamente, e também em nós e isso ele percebe. E sempre respeitamos o

seu tempo!»5

Herika, mãe do Gabriel (11 anos) (Brasil)

3 Excertos retirados do site http://light_pt.blogs.sapo.pt/4 Excertos retirados do site http://auma.org.br/relatos/5 Excertos retirados do site http://www.universoautista.com.br/

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«Para as mães e pais que hoje se deparam com o diagnóstico do autismo, eu digo-lhes

que hoje em dia autismo pode ser tratado, com um tratamento individualizado que supra as

necessidades do seu filho, abrangendo as áreas em que ele tem mais dificuldade, que podem

ser habilidades, desenvolvimento social, comunicação, comportamento e integração sensorial.

Mas o que acho o melhor tratamento é o nosso amor, nossa fé nas capacidades deles e a

esperança de vê-los cada dia melhor, sem ficarmos ansiosos ou desesperados para uma cura.»6

Raimunda, mãe do Filipe (27 anos) (Brasil)

6 Excertos retirados do site http://www.universoautista.com.br/

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