Assim Deus Falou Aos Homens

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 pla concepção do m undo, do homem e de Deus, ou s e os modernos , com su a estreita fixa ção pelo conhecimento tecno lógico e S U l aberrante va lorização dos in stintos. E, no ca so dos encantamentos, nunca seria demais lembrar o poder d a palavra, princi- palmente qua ndo pr onunciada com a cor- r eta e nton ação e no momento adequado; nunca demais lembrar o poder cria dor do verbo, tan tas veze s referido n as sa grad as es - crituras dos mais distintos povos; e nunca demais lembra r que , no Egito, a cncia e a religião estava m intim a mente rel acionadas, e que os médic os er am também sacerdotes que não s e pretendi a m autore s dos encanta - mentos, preparões medicamentosas e ou - tras cnicas curativas: eles a penas os aprendi am nas chamadas Ca sas da Vi da , os templos-universidades legados pelo deus Thot, o mensag eiro dos deu ses, encarre- ga do de proteger a hum anidade, a quem al ude o p a piro de Eber s: Eu saí de Heliopolis com os Grandes dos templos, os que possuem proteção, os senhores da eternidade... Eu pertenço a Rá. E le di sse:  se rei eu quem prote- ger á o doente de seus inim igo . T h ot se o seu guia, o que fará falar a s escrituras e é autor dasfármulas: dahabilidade aos sábi os e aos médicos-mágicos, seus discípulos , par a curar da d oença aque l es que D eus de s eja manter vi- v os . Is to poder á parecer a bsurdo somente para aqueles que se aferram às sua s con vic- çõ es mater ialistas porque têm medo de se la nçar ao estudo do desconhecido. M as não a ssim p ara os que a creditam, ou melhor , constatam dia a dia a existência de le i s natu- rais inexplicáveis para o homem c omum, e que acreditam també m que , em outr as épo- cas, em ou tras cultur as, o conhecimento dessas leis naturais deu ensej o ao s urgi- mento d e uma verdadeira medicina sa- grada, de um a verdadeira ciência sagrada: sagrada no sent ido de po ssibilitar aharrno- nia entre o interno e o ext rn o, entre o mi - crocosmos e o m acrocosmos , entre  0 Ho - mem e o U niverso. Nesse s entido, tudo no E gito er a sagrado. Talvez nenhum a civilização te nh a buscado tanto es sa ha rmonia. Talvez nenh uma civili- zação tenh a mostra do tanto ao ser humano a sua própria gra ndeza, ind icando-lhe, ao mes mo tempo , a adequada dimensão, o justo lim i te de sua atuaçã o dentro do vasto universo de Deu s. Bibliografia Claudine Brelet-Rueff - As Medicinas Tradicionais Sagradas: Ediçõe s 70. Lisboa, 1978. A. de Almeida Prado - As Doenças Através dos Séculos. Editor Anhembi, São Paulo , 196 1. Zitdo Traiano  SSIM  EUS F LOU  OS HOMENS ~~ ~  - Mario Ferreira dos Santos - Já haviam despertad o ast revas para os la- dos do nascente. E despertei porque abri os ol hos p ara a luz da manhã. o silêncio dominava tod as as co isas como se elas perm necessem ainda adormecidas. Na paz do campo, deveri a feri r os meus ouvid os a c larinada de um galho, e um canto de p ássa ros n ão me surpreenderia. Acordei quand o soa r am as trombetas do Senhor. Uma b risa s u ave e mbalava tod as as coisas e mansamente acarici ava o meu corp o por que despertei sem sobressaltos. Eu também ressuscitava, e vi. E vi qu e o ve rde dos c ampos era mais aveludado. No cé u, um az ul muito l avado, longínquo, matizado de u le ve cor de rosa, permiti a aos meus olho s penetra rem di stân-

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Extrato de "Assim Deus Falou aos Homens", de Mário Ferreira dos Santos. PDF em 7 páginas.

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  • pla concepo do mundo, do homem e deDeus, ou se os modernos, com sua estreitafixao pelo conhecimento tecnolgico eSU::l aberrante valorizao dos instintos.

    E, no caso dos encantamentos, nunca seriademais lembrar o poder da palavra, princi-palmente quando pronunciada com a cor-reta entonao e no momento adequado;nunca demais lembrar o poder criador doverbo, tantas vezes referido nas sagradas es-crituras dos mais distintos povos; e nuncademais lembrar que, no Egito, a cincia e areligio estavam intimamente relacionadas,e que os mdicos eram tambm sacerdotesque no se pretendiam autores dos encanta-mentos, preparaes medicamentosas e ou-tras tcnicas curativas: eles apenas osaprendiam nas chamadas "Casas da Vida",os templos-universidades legados pelo deusThot, o mensageiro dos deuses, encarre-gado de proteger a humanidade, a quemalude o papiro de Ebers: Eu sa de Heliopoliscom os Grandes dos templos, os que possuemproteo, os senhores da eternidade... Euperteno a R. Ele disse: "serei eu quem prote-ger o doente de seus inimigos. Thot ser o seuguia, o que far falar as escrituras e autordasfrmulas: dar habilidade aos sbios e aosmdicos-mgicos, seus discpulos, para curarda doena aqueles que Deus deseja manter vi-vos".

    Isto poder parecer absurdo somentepara aqueles que se aferram s suas convic-es materialistas porque tm medo de selanar ao estudo do desconhecido. Mas noassim para os que acreditam, ou melhor,constatam dia a dia a existncia de leis natu-rais inexplicveis para o homem comum, eque acreditam tambm que, em outras po-cas, em outras culturas, o conhecimentodessas leis naturais deu ensejo ao surgi-mento de uma verdadeira medicina sa-grada, de uma verdadeira cincia sagrada:sagrada no sentido de possibilitar aharrno-nia entre o interno e o externo, entre o mi-crocosmos e o macrocosmos, entre .0 Ho-mem e o Universo.Nesse sentido, tudo no Egito era sagrado.

    Talvez nenhuma civilizao tenha buscadotanto essa harmonia. Talvez nenhuma civili-zao tenha mostrado tanto ao ser humanoa sua prpria grandeza, indicando-lhe, aomesmo tempo, a adequada dimenso, ojusto limite de sua atuao dentro do vastouniverso de Deus.

    Bibliografia Claudine Brelet-Rueff - As Medicinas Tradicionais Sagradas:Edies 70. Lisboa, 1978.A. de Almeida Prado - As Doenas Atravs dos Sculos. Editor"Anhembi, So Paulo, 1961.

    Zitdo Traiano

    ASSIMDEUS FALOUAOS HOMENS

    ~~~------------------------------------- -------------------------------------

    - Mario Ferreira dos Santos -

    J haviam despertado as trevas para os la-dos do nascente.

    E despertei porque abri os olhos para aluz da manh.o silncio dominava todas as coisas como

    se elas permanecessem ainda adormecidas.Na paz do campo, deveria ferir os meus

    ouvidos a clarinada de um galho, e umcanto de pssaros no me surpreenderia.

    Surpreendia-me o silncio; silncio queme penetrava e me pesava nas plpebras.

    Acordei quando soaram as trombetas doSenhor. Uma brisa suave embalava todas ascoisas e mansamente acariciava o meucorpo porque despertei sem sobressaltos.

    Eu tambm ressuscitava, e vi.E vi que o verde dos campos era mais

    aveludado. No cu, um azul muito lavado,longnquo, matizado de um leve cor de rosa,permitia aos meus olhos penetrarem distn-cias sem fim.No era mais uma cpula empoeirada de

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  • luz, e tudo me parecia estranho; porque erato difano, to profundo, que no haviamais distncias para os meus olhos.

    Por que, por que era to diferente omundo? que j haviam soado as trombetas do

    Senhor.E de todos os horizontes um rumor veio

    at mim. Eram vozes que entoavam hinos.E cercavam-me milhes e milhes de se-

    res como eu, e todos volviam 'os olhos paraaquela voz luminosa que atravessava todasas distncias e' nos aproximava do infinito.

    Nunca poderei descrever o que senti anteaquela imensa luz que escurecia a luz dosol. Senti invadir-me um frio agradvel queno me enregelava.

    E havia cores inditas para os meus olhos.E ouvi um som maravilhoso, ante o qual, oque valeriam os sons harmoniosos de umnobre violino?

    E no me sobressaltei, quando aquela luzimensa falou:

    - Homem, chegou o tempo dos tempos,e ests nos umbrais da Eternidade. Eu sou aEternidade ...Ante o Senhor, eu deveria ter cado de

    joelhos. Deveria, humilde, elevar at ele osbraos, e pedir-lhe piedade.

    Eu estava ali para ser julgado, pois soarao Juzo Final.

    Mas o Senhor tornou a falar:- Homem, no deves temer a Eternidade.

    No quero de ti o gesto de quem pede.Nunca de teus lbios deveriam ter sado aspalavras que pedem, nem os lamentos dosqueixosos da vida.

    Se, em vez de pedir, tivesses tomado davida o que precisavas, no 'estarias agoratremendo na minha presena.

    O meu interrogatrio ser breve e rpidaa minha sentena. Em ti eu julgarei todos osteus semelhantes.

    Por que no acreditaste na minha ver-dade?

    No acreditaste por ser simpres e clara!Sempre temeste a simplicidade, e a minhaverdade era a simplicidade ...

    No sentiste a suavidade do vero percor-rer a tua pele? No sentiste em tua alma asfolhas secas que caem no outono? No sen-tiste nas 'tuas carnes os frios do inverno?

    No reverdeceste com o mundo nas pro-messas da primavera?Tinhas, na alma, todas as almas do

    mundo. Se tudo isso tivesses compreendido,terias vencido a morte! E por que no ocompreendeste?

    - Senhor ...- No precisas responder. Eu sei a tua re-

    sposta. Ouve-me: Disseste um dia que osfenmenos no mundo se processava de

    acordo com as leis 'da natureza. E estavascom a verdade. E por que no concordasteque havia uma tica na natureza, cujos fe-nmenos observam a regularidade de cer-tas leis? " . Por que criaste uma tica quenegava a natureza? Ouve! Os poderososchamaram bons aos poderosos; os humil-des, aos-humildes; os 'corajosos, aos corajo-sos; e os fracos, aos fracos. Todos os teussemelhantes se consideravam bons. E porque no foram bons?

    Quando impotente, inventaste a compla-cncia; quando te abaixavas, 'cheio de te-mor, chamaste humildade; quando te su-jeitavas ao forte, a quem temias, chamavasobedincia; como no podias venc-Io, fala-vas em 'perdo.

    Por que usaste do meu nome para justifi-car as tuas fraquezas?

    S por temeres os fortes aceitaste o amorao prximo.

    Quo poucas vezes conheceste o amor,porque ele muitaves vezes era 'feito demedo. Mas outros nomes deste aos teus sen-timentos, mascarando-os, para que os pode-rosos no compreendessem o teu dio.

    Fizeste do mundo um crcere, e inven-taste filosofias de carcereiro.

    No disseste muitas vezes que a vida nomerecia ser vivida?

    E por que? Porque te acovardavas ante aexistncia.

    Por que criaste uma moral de vencido?Por que, em vez de construres o teumundo, viveste a imaginar outros que julga-vas melhores?

    - Senhor, tu s absoluto e podes com-preender o porqu da minha fraqueza ...- por isso que te falo. E ouve: detesta

    os que conduzem e os que seguem. misterque inspires a ti mesmo a grande emoocapaz de inspirar os outros. E uma traio ati mesmo quereres conduzir o teu prprioeu. Deves conquistar-te pela tua prpriafascinao.

    Afirma-te pela natureza. E, se assim o fi-zeres, os teus olhos vero 'melhor, e ouviroos teus ouvidos alm dos teus ouvidos.

    Procura na natureza as regras para a tuavida. no destruas a ti 'prprio ao te enca-deares nas algemas que criaste.

    Chegaste agora aos umbrais da Eterni-dade.

    Ouve!:Foi o teu medo que criou a imagem que

    de mim fizeste.Os teus filsofos descreveram-me como

    um monstro de sabedoria; os 'teus ascetas,como um infinito de ascetismo; os teus poe-tas, como o mais lrico dos poetas, os teusfracos, como o externo da complacncia.

    Em mim espelhaste sempre as tuas ausn-

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  • 'que a tua era a minha imagem. Querias fa-zer de mim um impotente ao afirmar que euno podia fazer o mal nem o nada, como seno fosse o mal e o nada obras da impotn-cia e no do poder absoluto. Unilateral sem-pre em 'tuas concepes, nunca te foi poss-vel compreender os matizes dos meus 'atri-butos.No precisavas ser um deus para

    entend-los. Tu, relativo e condicionado,querias ser a imagem do. abs.oluto e d? i~fi-nito. Desejavas, assim, iludir ,a tua h!l1lt~-o, insinuando a ti mesmo, as tuas mtui-es, tua razo, para que se voltasse con-tra ti contra tua condicionalidade, 'que erasum deus mas desterrado. Criaste a lenda dePigmalio para atirar sobre a divindade a in-fmia de uma dvida.

    Tu me ofendeste com a imagem que demim criaste. Foste sempre a medida de to-das as tuas coisas.

    Mas h em teu orgulho algumas coisa deherico, quando, nesse orgulho, existe umdesejo de me alcanar.

    Admiro sempre aqueles que buscamelevar-se de seu ponto de partida. Mas sem-pre desprezei aqueles que estabelecem umestreito ponto de chegada.

    Deves, homem, criar para ti um ponto departida e nunca um ponto de chegada.

    Faze de mim um ponto de chegada e fazede ti um ponto de partida. como homem,busca superar-te. Aqueles que te envenena-ram com a loucura de 'atingir os fins, comose os fins existissem antes de mim,tornaram-te difcil a descoberta do cami-nho. Avana alm de ti mesmo. a tua felici-dade no apenas.o bem-estar, mas emsempre te aproximares de mim. e em cad.ainstante do tempo, em cada uma das tuas VI-trias, sentirs a felicidade da tua con-quista.

    Como queres achar-me, se tu ainda nemte encontraste?

    Eu te ensino o novo caminho: eu sou adefinitividade sem fim. Buscar-me o teucaminho. eu estou em cada uma de tuasconquistas, e em cada uma das tuas vitrias,e estou contigo em cada uma das tuas supe-raes. .

    Em cada instante que venceres a umesmo em cada momento que deres' umpasso frente, estaras mais prximo demim.Estarei ao teu lado quando amares, para

    que a tua afeio seja 'mais profunda; esta-rei ao teu lado quando chorares, para que atua dor no te desesperes. Tu me ters aoteu lado em cada uma das tuas vitrias, por-que eu sou a tua vitria.

    Busca-te que me achars.Ouve o meu novo sermo da Montanha:

    cias desejadas.No entanto, na vida com que animei o teu

    corpo, .estava escrito o 'meu caminho. Sele poderia levar-te at mim.

    Mas outros caminhos preferiste buscar.Procuraste engrandecer a tua pequenez, e aatribuste a mim. E porque era mesquinha atua interpretao, acusaste-me dos teus er-ros e procuraste destruir-me.

    Vou expor-te a imagem que tu, de mim,uma dia fizeste. Segundo a tua interpreta-o, eu percorri sozinho a imensidade do in-finito, atravs do infinito do tempo. Nin-gum me acompanhava nessa peregrinaoeterna. Sozinho, buscava atravs da imensi-do de mim mesmo, e da minha obra.

    O teu aplauso chegava at mim tonfimo como se areias do deserto 'aplaudis-sem a arquitetura de tuas cidades. Sabesacaso o que sofre um 'ser que no recebe oaplauso de algum que a ele se assemelhe?E tu, homem, tu que te queixas da tua infeli-cidade, podes encontrar o aplauso dos teussemelhantes.

    Vives ombreando com teus pares. para atua vida, para chorar as 'tuas lgrimas, pararir contigo as tuas alegrias, para sofrer,compartilhando a tua dor, tens a compa-nheira que eu te dei.

    E eu, eternamente sozinho por entre aimensido de mim mesmo, estou s na mi-nha glria.No h para mim montanhas que atraves-

    sar, rios que vadear, sombras 'que iluminar,mistrios que decifrar.No preciso conhecer a fruio das des-

    cobertas, o sacrifcio agridoce dos que per-dem as noites no estudo .ern busca do co-nhecimento, porque 'sou Deus, e conheotudo, e as trevas, para mim, so luz; as mon-tanhas 'so rugas do meu caminho, e os rios,veios mesquinhos que nada significam.

    Tu proclamas o meu poder absoluto. Tu odeclaras por teus sbios e 'pelos teus filso-fos, e, no entanto, queres fazer-me limitadona minha 'grandeza.Nunca compreendeste o meu amor,

    como se apenas pudesse amar um ser 'infinitocomo eu. Querias que eu permanecesseeternamente na contemplao de mimmesmo, e a embriagar-me da minha prpriacontemplao e no amor do meu prprioamor. E que te afastavas de mim com o co-rao, e pensavas que era eu que me afasta-vas de ti.

    Quando criaste regimes autocrticos, medescreveste como um autocrata; quandoconstruste regimes democrticos, fizeste-me um Deus bondoso; quando guerreiro eodiento, fizeste-me um Deus odiento eguerreiro. construste a minha imagem tuaimagem, assim como outras vezes julgaste

    THOT 19

  • 1 - Um dia, os homens ho de amar nova-mente o Sol. H homens que o odeiam,porque lhes anuncia o trabalho fatigante.

    A noite, para eles, tem um gosto de liber-tao! Terrvel espetculo o de um mundoassim!

    Quando os homens voltarem aos seus la-res com o peito alevantado, o rosto mode-lado por um sorriso, ho de amar nova-mente o Sol ...

    2 - No me afirmam, os que me afirmamem palavras; nem me negam os que em pa-lavras me negam.

    Negam-me os que negam-me em atos,embora me afirmem em palavras.

    Eu sou aquele pai que se ofende quandoos filhos o renegam pelos atos.

    3 - Tornaste o amor pecaminoso. Dei-teo amor, para que ele te embelezasse a vida.Dei-te o cu nas menores coisas e tu o des-prezaste, porque ele vinha nas menores coi-sas. Dei-te o amor, junto tua carne e juntoao teu esprito, para que suavizasse os teusinstintos. tu o chamaste pecaminoso. Fi-zeste de mim um monstro assexual, paraclamar contra a misria do teu sexo.Emverdade, eu te digo: o amor dos sexos tam-bm divino, quando une os homens almde si mesmos. O amor 'ergue-os e os unealm do tempo. Nega-se a si prprio, e negaa mim, aquele que nega o sexo.Em verdade te digo: s as almas superio-

    res sabem amar, e bem-aventurados os queamam porque eles conhecero o reino doscus!

    4 - Observa os teus semelhantes. Somais' desembaraados para amaldioar doque para agradecer. Quando amaldioam,as frases saem rpidas, vivas, fluentes.

    Mas as palavras so difceis, torcem asmos, e humildes, como vencidos, baixama cabea, sorriem temerosos, entre a tris-teza e a alegria, quando agradecem, reve-lando uma terrvel luta interior ...

    5 - J disse um dos teus:"No o amor ao prximo que salva os

    nufragos, e sim a coragem!"

    Que adiantaria o amor ao prximo dequem no pode tornar efetivo esse amor?Deves cultivar a coragem ante a dor, a cora-gem ante o sofrimento, a coragem ante aalegria, a coragem ante o prazer, a cora-gem, altiva e nobre, em cada um dos teusmomentos.. S depois aprenders a amar o teu pr-

    ximo.S os corajosos sabem dar. No conhe-

    cem o sofrimento surdo de sua benevoln-cia; pois o covarde, quando d, procede portemor do castigo divino ou por temor dosoutros homens, ou por astcia, no intuito dereceber uma paga maior que a ddiva. O co-rajoso dar sem temores.

    E, em verdade te digo, bem-aventurados,os corajosos, porque deles ser o reino doscus!6 - Cuida-te daqueles que olham a vida

    com um olhar de sono. Tu sempre dormirsbem quando fores tu mesmo. Quando nega-

    20 THOT

  • res a ti mesmo, teu sono interrogar-te-. Astuas angstias sero livres e no uivaro natua alma. Mas para' libert-Ias, no taparsos ouvidos a fim de no ouvi-Ias, nem delasfugirs para fugires presena que te des-gosta.

    Deves levantar-te com um sorriso, por-que todo acordar uma ressurreio.

    Bem-aventurados os que sorriem, porquedeles ser o reino dos cus! .

    7 - Se na hora da fortuna esqueces osteus amigos, como queres que se lembremde ti na hora da amargura?

    8 - Aquele que deseja a felicidade sem oesforo, como o que atira fora a noz por-que dura a casca ...9 - A me ama o filho porque sofre para lhedar a vida e para conserv-Ia. Tudo quandofacilmente obtens, tens perdido. As dores,as lgrimas, as dificuldades foram a medidade valor de todas as tuas coisas.

    10 - Virtuoso no o que faz o bem por-que teme o castigo; virtuoso no o quepratica o bem porque ser premiado; vir-tuoso no o que realiza o bem porque notem propenso para o mal. Virtuoso O te-naz, o forte, o que vence, o que exe-cuta a sua vontade, o que dirige os seusimpulsos, o que estabelece um ideal, e obusca.

    o delicado para com os fracos, ener-gico para com os covardes, humilde paracom as crianas, digno para consigo pr-prio.

    11 - Homem, um dia cansaste de crer.Tantas foram as mentiras daqueles que fala-ram em meu nome, que fechaste os ouvidosa todas as vozes que anunciavam um "almde ti mesmo".

    Mas quando sofres um desejo de um im-possvel; quando no consegues vencer a di-ficuldade que pensaste superar, quandouma insatisfao te oprime o peito e te ar-ranca um suspiro, podes conformar-te coma tua morte. Podes ter um sorriso estico eindiferente. Mas dentro de ti uma voz cla-mar, e precisars amorda-Ia. E por quenesses momentos no interrogas a ti pr-prio, se existe em ti ou no, o que clamacontra a falta, o que pede para vencer astuas derrotas?

    No ouviste essa voz?Sou eu, em ti, que falo, e por que no me

    queres ouvir?12 - Como encontrars o sobrenatural se

    tu nem sequer soubeste encontrar a natu-reza?

    13 - Quantos atos de bondade deixariasde realizar se no tivessem testemunhas?

    14 - Rebelam-se contra as regras os queno podem cumpri-Ias. A virtude s grande quando difcil.

    15 - No conduzas e no sers condu-

    zido.Deves temer at conduzir a ti prprio.

    Perde-te em tua prpria floresta para que teaches. E empreende tua busca como quemfaz uma conquista.

    Bem-aventurados os que conquistam a simesmos, porque deles ser o reino dos cus.

    16 - O que recebe, louva sempre o desin-teresse de quem d.

    Os que nada pedem vida, os que no sequeixam da vida, os que no se cansam debuscar, tm sempre um gesto desdenhosoquando acham, quando obtm, quando so-frem.

    Chamaste de verdadeiro tudo quanto tefoi til, tudo quanto correspondeu aos teusdesejos. Ao vento que saculeja a rvore eatira ao cho a fruta madura, para que tu aapanhes sem esforo, chamaste de bom ...

    No precisarei dizer mais para mostrarquo mesquinho o teu conceito do verda-deiro, do bom, do til?

    17 - Se o mundo no for cada dia dife-rente que tens a morte dentro de ti.

    Bem-aventurados os que trazem dentrode si a vida, porque deles ser o reino doscus!. 18 - A virtude dos pessegueiros so os

    pssegos. A virtude dos mares o seremimensos; dos tigres, a crueldade; a astcia, adas raposas. S tu julgaste que a virtude noconsistia em ser instintivamente humano!

    Em verdade te digo:Bem-aventurados os que no se negam,

    porque deles ser o reino dos cus!19 - Quo infeliz terias sido, se um dia eu

    te tirasse o esquecimento!20 - Chamaste grandes aos que no pe-

    cam por temor do castigo, da conscinciaou do remorso. Como chamarias quelesque no pecam porque no querem?

    Bem-aventurados os que no pecam por-que no querem, porque deles ser o reinodos cus!

    21 - A r no acredita num mais alm doshorizontes ...

    Por que tu no vais acreditar num maisalm dos teus horizontes?

    22 - Tu agradeces vida quando te fazemum bem? Ento por que te queixas da vidaquando te fazem um mal?

    23 - Que seria de ti se no houvesse osque amam o perigo? Quem atravessaria osmares, as terras desconhecidas, quem galga-ria os cumes das montanhas? Quem se apro-fundaria nas entranhas da terra? Quem de-vassaria os espaos e quem penetraria nasselvas do conhecimento em busca de novasverdades?

    Quem se entregaria ao af das descober-tas, no silncio impregnado de mistrio doslaboratrios, se no houvesse os que amamo perigo?

    THOT 21

  • Em verdade te digo:Bem-aventurados os que amam o perigo,

    porque deles ser o reino dos cus!24 - Benditos os miserveis que guardam

    para si as suas misrias.25 - Um olhar de eternidade, homem, o

    de que careces para a altivez de teus olhos!26 - A bondade manifesta-se no impre-

    visto da generosidade.S podem dar os que tm. E quem tem

    mais do que si prprio. Deves por isso, amaro "alm de ti mesmo", para poderes conhe-cer a 'felicidade de quem d.

    Em verdade te digo:Bem-aventurados os que vo alm de si

    mesmos, por que deles ser o reino doscus!

    27 - No tenho virtudes, porque souquem sou.

    Virtuoso s quem vence os seus defei-tos, e eu no os tenho. fcil ser bomquando a bondade agradvel, e eu no ad-miro os justos que no podem ser injustos.

    Quero-te como s, mas vencedor de timesmo, porque em verdade te digo:

    Bem-aventurados os vencedores, porquedeles ser o reino dos cus!

    Enganam-se que servem os que sacrifi-cam a vida para me servir; enganam-seque me amam, os que odeiam os outrospara amar-me; enganam-se que me honram,os que buscam a solido para me encontra-rem ...Nunca pedi desses servidores, pois no

    seria Deus se deles carecesse.Eu sou a Eternidade. Volta para junto de

    teus semelhantes e repete-lhes estas pala-vras que traduzi na imperfeio da tua ln-gua: "Quiseste um mundo melhor do queaquele que te dei. Dizes saber como deveriaser esse mundo; proclamaste at que feitopor ti, ele seria melhor.

    Se sabes construir a felicidade, por queno a constris?, No conheces acaso as leis do teumundo? No dominaste as distncias? Noacorrentaste o raio e tornaste inofensivo otrovo? No soubeste arrancar do seio daterra o alimento para os teus? No cons-truste cidades imensas de cimento e deao? No tiraste do mago da terra a foraque te poupa o esforo? No aumentaste nodecorrer de sculos o teu poder mil vezesmais? Por que no realizas o teu mundo?Por que no fazes a tua Terra Prometida emvez do "meu vale de lgrimas"? No te con-sideras inteligente, poderoso, forte? Poismostra a tua fora, o teu poder, a tua inteli-gncia. pelo menor esforo que desejas que eu,

    como um dos teus mgicos, transforme ascoisas num golpe de mgica.

    Queres ter tua mo o fruto que no co-

    lheste. No, homem! Conquista por ti pr-prio o mundo que desejas. Dar-lhe-s de-pois, quanto mais lgrimas e mais dor ele teexigir, mais valor pelo que te custou! Nodestruirei' a minha obra tornando a ti,poeira de uma poeira, maior do que mere-ces. Dei-te a inteligncia para poderes ven-cer em tua luta. Que fizeste dela? Por queno a usaste para o bem? Cansaste agora deusufruir o teu poder, e como temes os maisfortes do que tu, pedes-me que os torneiguais a ti.

    Se eu fizesse o mundo como desejas,sentir-te-ias mais infeliz do que s hoje, por-que te cansarias logo da tua felicidade. Dizeainda aos teus semelhantes estas minhas l-timas palavras:

    Homem, voltars a ser tu mesmo, e im-prescritivelmente vivers a tua vida. E con-tinuars comendo o po com o suor do teurosto. O imensamente grande e o imensa-mente pequeno da tua vida tornars a viv-los.

    Cada sofrimento e cada alegria tua hode encher de lgrimas outra vez os teusolhos e fazer sofrer o teu peito e ho de ou-tra vez desabrochar o sorriso do teu rosto eaprofundar a tua respirao. E, assim, im-prescritivelmente ... E ters outra vez o solque admirars e adorars, porque ele carre-gar de frutos maduros as rvores que plan-tares, e de calor o teu corpo que tremernas noites frias. Outra vez a lua h de empa-lidecer nas noites escuras e sugerir a eclo-so dos teus sentimentos e dos teus afetos.Outra vez ouvirs o ritmo das horas quepassam, marcando o teu tempo. E admira-rs os campos soltos, as manhs claras,cheias de luz e de vozes de pssaros, e tersas sugestes misteriosas que se esconderonas sombras das noites sem luz, outravez ...

    Homem, vive e compreende o teu des-tino. E vers, ento, que, mais uma vez, hde desabrochar no teu rosto o sorriso daalegria que procuraras, e h de doer menoso teu peito.

    Ouve: que o sofrimento no seja para sempre a tua preocupao. mister que o vejasem funo da tua alegria. No rir nunca oteu rosto antes que se tenha um dia retor-cido pela dor.

    S poders gozar a felicidade da incer-teza quando compreenderes ser a dor a an-tecmara da alegria. Ama a contradio detua vida, porque ela afirma. No modeles atua existncia na estreiteza dos sonhos datua fantasia nem da tua realidade.

    Nega os fatalismos para afirmar o teuquerer. Lembra-te que h destinos que seforjam, como tu forjas as tuas espadas. Ca-reces da conscincia de tua fora e no te-mas us-Ia. S assim te elevars acima de ti.

    22 THOT

  • Arisfocnlciae Democracia

    Acreditaste no fim, porque viste o fim dascoisas, e elas se transformam.Acredita na tua eternidade, e j ters com

    isso conseguido superar um pouco a tua li-mitao.

    Que as minhas palavras te sirvam para ofuturo. Falei-te com a simplicidade de tualngua, e espero no mais ouvir as tuas quei-xas que aborrecem os meus celestiais ouvi-dos!

    Todas as imagens que de mim criastetomam-se ridculas e ofensivas. No critica-rei a tua maneira de me conceber. No souo Deus que exige a cada instante um sacrif-cio, que, a cada momento, quer os teuspensamentos voltados para mim. No seriaDeus se carecesse de sacrifcios para poderaplacar a minha ira, nem me ofendo porprocurares descobrir quem sou. Em cadauma das tuas pocas ters de mim uma defi-nio, e esta nunca h de te satisfazer. Masouve: precisamente por isso deves te ale-grar.

    Fars de mim tantas imagens quantos osteus instantes, na vida. Em vez de me defini-res, ensinar-te-ei a maneira de me encontra-res. Busca-me ... nessa busca que me te-rs a teu lado. Quando me atingirs? Que teinteressa saber o quando, se mal iniciaste ajornada? Pe-te a caminho. Realiza a timesmo, sempre alm de ti mesmo. Com istote aproximars de mim. Eu estarei em todasas pocas, sempre distante eu serei o teuideal. Em vez de procurares toransformar-me em ti, homem, transforma-te em mim.

    No me definirs mais pelas tuas qualida-des, mas procurars a tua definio pelosmeus atributos. esse o caminho que in-dico, e que te levar at mim. Vai!

    Mrio Ferreira dos Santos(Extrado do livro "Assim Deus Falou

    aos Homens"; Livraria e Editora Logos,So Paulo, 1959)

    (dezembro/74)Devido a alternativas semnticas sofridas

    no transcurso do tempo, estes vocbulos pa-receram ter significados opostos. A partici-pao de todos na coisa pblica foi denomi-nada democracia (embora, como forma degoverno, o nome correto fosse repblica), e,como tal, se confrontava com a participa-o de apenas uns poucos, o que se denomi-nava' aristocracia ou, tambm, oligarquia,termos estes que se usam indistintamente, oque tampouco correto. A democracia -em linguagem superficial e convencional -costuma assim representar o contrrio daaristocracia. Isto porm, requer uma maiorateno, j que por trs de um falseamentosemntico se esconde sempre um falsea-mento conceptual e entram em jogo princ-pios fundamentais.

    Se por aristocracia entendemos umaclasse social que por sua linhagemencontra-se investida de numerosos privil-gios, entre eles o de governar, sendo estes

    Jorge L. Garcia Venturini

    privilgios hereditrios e inalterveis, noimportando quais sejam os verdadeiros va-lores ticos ou a efetiva capacidade para go-vernar, certo que a democracia (e a rep-blica) lhe so contrrias. Mas ocorre quearistocracia significa tambm e fundamen-talmente "o governo dos melhores" (ristossignific, em grego, o melhor), e neste sen-tido a democracia no tem por que opor-se aristocracia - a menos que se deseje algoque no se deveria desejar, ou seja, o go-verno dos piores. No obstante, a incria nalinguagem, que nos faz dizer s vezes o queno queremos dizer, tem-nos levado commuita freqncia a associar aristocraciacom oligarquia, que no o governo dosmelhores mas o de uns poucos (e, segundoseu tradicional sentido, o governo "egosta"desses poucos), fazendo confrontarem-sedemocracia e aristocracia, no elevado sen-tido deste termo.

    E como a linguagem nos condi ciona eTHOT 23