Assim começou o SAMU

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No final do primeiro mandato como prefeito de Bagé continuava buscando, em Brasília, recursos para a Santa Casa de Caridade, especialmente para melhorar o atendimento prestado no Pronto-Socorro. Numa das muitas idas ao Ministério da Saúde tomei conhecimento que o governo federal estava concluindo o desenho do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), com base na experiência francesa. Tratei de, imediatamente, credenciar Bagé. Surgiu, então, o primeiro problema. Para que o nosso município fosse habilitado a receber os recursos para a montagem da Central de Regulação, ambulâncias e demais equipamentos, seria necessário a aprovação da Comissão Bi-partite do Estado. Pelo projeto, o governo federal, além de bancar a montagem do serviço, ficaria responsável pelo pagamento de 50% do custeio, cabendo outros 25% ao Estado e os restantes 25% para o município. O governador à época era Germano Rigotto, que alimentava o sonho de ser candidato a presidente da República e que, por isso, não mantinha relações construtivas com o governo Lula. Acabou derrotado por Garotinho dentro do PMDB. Quando foi lançado o Samu, o governo gaúcho não aderiu, pois tinha o projeto de implantar um serviço semelhante, chamado Salvar. Aqui o governo queria criar o mesmo programa, mas com a sua marca. E, na lógica do então governador, isso fortaleceria o Lula, que ele queria derrotar. Para recordar: nesta época o governador prometia, entre outras coisas, o absurdo de instalar um posto de saúde a cada três quilômetros em todas as cidades gaúchas. Uma proposta do “velho PMDB” que, como tantas outras, ficou na História como mais uma promessa não executada. Particularmente, eu mantinha uma boa relação com o secretário da Saúde de então, o Osmar Terra. Consegui sensibilizá-lo a aprovar, em nome do Estado e contrariando a opinião do governador, a inclusão de Bagé no Samu. Mas, para obter o “sim” do governo do PMDB, precisei garantir que o município de Bagé se responsabilizaria por pagar, além da sua parte, também a parcela que cabia ao Estado no custeio do serviço. Para isso, foi necessário contar com o apoio da Sociedade de Medicina de Bagé e estabelecer uma parceria com a Unimed local. Aliás, a sensibilidade e a solidariedade da classe médica bajeense foram essenciais para viabilizar a iniciativa. A Unimed, por exemplo, ficou responsável por contratar os médicos e reduziu a taxa de administração do contrato em cinco vezes do que usualmente cobrava. Ao invés de 10%, a taxa para a Prefeitura de Bagé era de apenas 2% sobre o valor do contrato. O fato de não haver vínculo da prefeitura com os profissionais, que atuavam de forma autônoma, eliminava os encargos trabalhistas, o que também foi importante para consolidar essa ação, permitindo que, na composição dos custos, pudéssemos arcar com a nossa responsabilidade e com a responsabilidade do Estado. Foi assim que, sob a coordenação do competente Manif Curi Jorge, nosso secretário da Saúde à época, conseguimos, junto com as cidades de Pelotas e Porto Alegre, sermos os primeiros a implantar o Samu no Rio Grande do Sul, que tão bons e relevantes serviços tem prestado à nossa comunidade. Uma historinha Fiquei tão envolvido e tão apaixonado pelo avanço que representava o Samu para a nossa cidade e para a população de Bagé, que me envolvi direta e intensamente na fase inicial de instalação do serviço. Algumas vezes, acompanhei, dentro da ambulância, o deslocamento de equipes para atendimento. Até que um dia, a Central de Regulação recebeu um chamado da Vila Damé. Um homem tinha sido ferido à bala. Chegamos à humilde residência e entramos pela porta dos fundos. No chão da cozinha, um trabalhador rural estava caído. Com um tiro no meio da testa. Morto. Muito sangue. Terminava ali minhas incursões com o Samu pela cidade de Bagé. Neste caso, preferi monitorar a consolidação do Samu lá do gabinete do prefeito. Assim começou o SAMU *Esse texto faz parte de Memórias de Um Tempo, uma série publicada no Jornal Minuano de Bagé, em que procurei resgatar fatos de nossa gestão de oito anos na Prefeitura Municipal.

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Page 1: Assim começou o SAMU

No final do primeiro mandato como

prefeito de Bagé continuava buscando, em

Brasília, recursos para a Santa Casa de Caridade,

especialmente para melhorar o atendimento

prestado no Pronto-Socorro.

Numa das muitas idas

ao Ministério da Saúde tomei

conhecimento que o governo

federal estava concluindo o

de senho do Se rv i ç o de

A t e n d i m e n t o M ó v e l d e

Urgência (Samu), com base na

experiência francesa. Tratei de,

imediatamente, credenciar

Bagé.

S u r g i u , e n t ã o , o

primeiro problema. Para que o

n o s s o m u n i c í p i o f o s s e

hab i l i t ado a receber os

recursos para a montagem da

C e n t r a l d e Re g u l a ç ã o ,

ambulâncias e demais equipamentos, seria

necessário a aprovação da Comissão Bi-partite

do Estado. Pelo projeto, o governo federal, além

de bancar a montagem do serviço, ficaria

responsável pelo pagamento de 50% do custeio,

cabendo outros 25% ao Estado e os restantes

25% para o município. O governador à época era

Germano Rigotto, que alimentava o sonho de ser

candidato a presidente da República e que, por

isso, não mantinha relações construtivas com o

governo Lula. Acabou derrotado por Garotinho

dentro do PMDB.

Quando foi lançado o Samu, o governo

gaúcho não aderiu, pois tinha o projeto de

implantar um serviço semelhante, chamado

Salvar. Aqui o governo queria criar o mesmo

programa, mas com a sua marca. E, na lógica do

então governador, isso fortaleceria o Lula, que

ele queria derrotar. Para recordar: nesta época o

governador prometia, entre outras coisas, o

absurdo de instalar um posto de saúde a cada

três quilômetros em todas as cidades gaúchas.

Uma proposta do “velho PMDB” que, como tantas

outras, ficou na História como mais uma

promessa não executada.

Particularmente, eu mantinha uma boa

relação com o secretário da Saúde de então, o

Osmar Terra. Consegui sensibilizá-lo a aprovar,

em nome do Estado e contrariando a opinião do

governador, a inclusão de Bagé no Samu. Mas,

para obter o “sim” do governo do PMDB, precisei

garant i r que o munic íp io de Bagé se

responsabilizaria por pagar, além da sua parte,

também a parcela que cabia ao Estado no custeio

do serviço.

Para isso, foi necessário contar com o

apoio da Sociedade de

M e d i c i n a d e B a g é e

estabelecer uma parceria

com a Unimed local. Aliás, a

s e n s i b i l i d a d e e a

solidariedade da classe

médica bajeense foram

essenciais para viabilizar a

iniciativa. A Unimed, por

exemplo, ficou responsável

por contratar os médicos e

r e d u z i u a t a x a d e

administração do contrato

em cinco vezes do que

usualmente cobrava. Ao

invés de 10%, a taxa para a

Prefeitura de Bagé era de

apenas 2% sobre o valor do

contrato. O fato de não haver

vínculo da prefeitura com os profissionais, que

atuavam de forma autônoma, eliminava os

encargos trabalhistas, o que também foi

importante para consol idar essa ação,

permitindo que, na composição dos custos,

pudéssemos arcar com a nossa responsabilidade

e com a responsabilidade do Estado.

Foi assim que, sob a coordenação do

competente Manif Curi Jorge, nosso secretário da

Saúde à época, conseguimos, junto com as

cidades de Pelotas e Porto Alegre, sermos os

primeiros a implantar o Samu no Rio Grande do

Sul, que tão bons e relevantes serviços tem

prestado à nossa comunidade.

Uma historinha

Fiquei tão envolvido e tão apaixonado pelo

avanço que representava o Samu para a nossa

cidade e para a população de Bagé, que me

envolvi direta e intensamente na fase inicial de

instalação do serviço. Algumas vezes,

acompanhei, dentro da ambulância, o

deslocamento de equipes para atendimento. Até

que um dia, a Central de Regulação recebeu um

chamado da Vila Damé. Um homem tinha sido

ferido à bala. Chegamos à humilde residência e

entramos pela porta dos fundos. No chão da

cozinha, um trabalhador rural estava caído. Com

um tiro no meio da testa. Morto. Muito sangue.

Terminava ali minhas incursões com o Samu pela

cidade de Bagé. Neste caso, preferi monitorar a

consolidação do Samu lá do gabinete do prefeito.

Assim começou o SAMU

*Esse texto faz parte de Memórias de Um Tempo, uma série publicada no Jornal Minuano de Bagé, em que procurei resgatar fatos de nossa gestão de oito anos na Prefeitura Municipal.