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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS PROCESSUAIS NA LEGISLAÇÃO ANTITÓXICOS ANA CAROLINA DOS SANTOS Itajaí, novembro de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ASPECTOS PROCESSUAIS NA LEGISLAÇÃO ANTITÓXICOS

ANA CAROLINA DOS SANTOS

Itajaí, novembro de 2006

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ASPECTOS PROCESSUAIS NA LEGISLAÇÃO ANTITÓXICOS

ANA CAROLINA DOS SANTOS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Msc. Rogério Ristow

Itajaí, novembro de 2006

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AGRADECIMENTOS

A DEUS por proporcionar-me a conclusão de mais uma etapa da vida que se consuma neste trabalho.

Ao meu orientador, Rogério Ristow, por me orientar e transmitir seus conhecimentos.

As minhas amigas, Carol, Elis, Joana, Manu e Paty, por estarem sempre ao meu lado, compartilhando todos os momentos importantes da minha vida durante todo o curso e por definirem da melhor forma possível a palavra amizade.

Ao meu namorado, Thiago, grande incentivador dos meus estudos, estando presente nesta etapa tão importante, pela compreensão, paciência e seu carinho, me proporcionando confiança para alcançar meus objetivos.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Douglas e Terezinha, por não medirem esforços para que eu pudesse obter essa conquista em minha vida, por serem meus alicerces, pessoas que admiro muito, provando que são meu refúgio por estarem incondicionalmente do meu lado, amo muito vocês.

Ao meu irmão, Douglinhas, alguém muito especial e importante para mim.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, novembro de 2006

Ana Carolina dos Santos Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Ana Carolina dos Santos, sob o

título Aspectos processuais na legislação antitóxicos, foi submetida em

26/10/2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Rogério

Ristow, Eduardo Erivelto Campos e Osmar Dinis Facchini, e aprovada com a nota

10,0 (dez).

Itajaí , novembro de 2006

Rogério Ristow Orientador e Presidente da Banca

Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Associação

Acto de associar-se; reunião de pessoas e de esforços para um fim comum;

Citação

É o ato oficial pelo qual, no início da ação, se dá ciência ao acusado de que

contra ele se movimenta essa ação, manda-o vir a juízo, ver-se processar e fazer

a sua defesa.1

Crime

É o fato individual que viola a lei; é a conduta humana que infringe a lei penal.2

Dependência Física

Seria um estado de adaptação que se manifesta por sintomas físicos intensos

quando a administração de um medicamento ou droga é suspensa. A síndrome

de abstinência se compõe de grupos de sintomas que são características de cada

tipo de medicamento.3

Dependência Psíquica

Seria o estado no qual uma droga produz um sentimento de satisfação e uma

reação psíquica, que exigiria administração periódica ou contínua da droga para

provocar o prazer ou para evitar o mal-estar.4

Drogas

Qualquer substância simples ou composta de origem animal, vegetal ou mineral

que administrada em organismo vivo, em quantidades tão pequenas que não

1 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 425. 2 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 24. ed.São Paulo: Saraiva, 1986. p. 93. 3 VARGAS, Heber Soares. Prevenção geral das drogas. São Paulo: Ícone, 1993. p. 23. 4 VARGAS, Heber Soares. Prevenção geral das drogas. São Paulo: Ícone, 1993. p. 23.

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agindo como alimento, nele pode produzir alterações somáticas ou psíquicas

(alterações funcionários).5

Inquérito Policial

É todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à

apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma

instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por

vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames

periciais etc.6

Interrogatório

É o ato judicial no qual o juiz ouve o acusado sobre a imputação contra ele

formulada. É ato privativo do juiz e personalíssimo do acusado, possibilitando a

este último o exercício da sua defesa, da sua autodefesa .7

Instrução Criminal

É o conjunto de atos ou a fase processual que se destina a recolher os elementos

probatórios a fim de aparelhar o juiz para o julgamento.8

Prisão em Flagrante

É uma qualidade do delito, é o delito que está sendo cometido, praticado, é o

ilícito patente, irrecusável, insofismável, que permite a prisão do seu autor, sem

mandado, por ser considerado a “certeza visual do crime”.9

Procedimento

É a sucessão, o ordenamento, a concatenação dos atos processuais do processo

(interrogatório, ouvida de testemunhas, perícias, etc.).10

5 CARVALHO, Protásio de. Do êxtase à loucura. Paraná: O Formigueiro, 1972. p. 48. 6 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 76. 7 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13° ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 324 8 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 475. 9 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 370. 10 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 475.

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Processo

A solução da lide é realizada através de atos em que cada uma das partes tem

oportunidade de demonstrar a prevalência de seu interesse sobre o da outra: a

acusação em obter o reconhecimento da pretensão punitiva; a defesa em não

sofrer restrição ao seu direito de liberdade. Ao conjunto desses atos, que visam à

aplicação da lei ao caso concreto, se dá o nome de processo.11

Tóxico

Chama-se a droga ou preparação efetuada com drogas, que administrada ao

organismo vivo, produz efeitos nocivos. Conseqüentemente, medicamentos e

tóxicos são drogas.12

Usuário

A partir do momento em que o indivíduo estabelece o primeiro contato com a

substância capaz de causar dependência, a par de ser considerado o potencial

farmacológico da droga, no sentido de ocasionar modificações bioquímicas e

metabólicas típicas, variáveis de substância a substância, há, indubitavelmente,

importante concausa relacionada com a personalidade do usuário.13

11 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 28. 12 CARVALHO, Protásio de. Do êxtase à loucura. Paraná: O Formigueiro, 1972. p. 49. 13 VARGAS, Heber Soares. Prevenção geral das drogas. São Paulo: Ícone, 1993. p. 18.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................... XI

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................. 3

A LEGISLAÇÃO ANTITÓXICO............................ .............................. 3 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA. ............................ ....................................................3 1.2 ASPECTOS DESTACADOS DA LEI 6368/76............. .....................................5 1.2.1 DA PREVENÇÃO ...............................................................................................6 1.2.2 DO TRATAMENTO E DA RECUPERAÇÃO ..............................................................8 1.2.3 DOS CRIMES E DAS PENAS..............................................................................10 1.2.4 DO PROCEDIMENTO CRIMINAL .........................................................................10 1.2.5 DISPOSIÇÕES GERAIS DA LEI 6.368/76............................................................12 1.3 DOS CRIMES DE TÓXICOS ..........................................................................13 1.3.1 TRÁFICO OU ENTREGA A CONSUMO .................................................................13 1.3.2 MAQUINISMOS E OBJETOS DESTINADOS AO TRÁFICO........................................15 1.3.3 ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ........................................................................16 1.3.4 PRESCRIÇÃO OU MINISTRAÇÃO CULPOSA ........................................................17 1.3.5 PORTE PARA USO PRÓPRIO ............................................................................19 1.3.6 VIOLAÇÃO DE SIGILO ......................................................................................20 1.3.7 DO AUMENTO DE PENA ...................................................................................20 1.3.8 EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INIMPUTÁVEL OU SEMI-RESPONSÁVEL .........21 1.4 ASPECTOS DESTACADOS DA LEI 10.409/02........... ..................................22 1.4.1 DISPOSIÇÕES GERAIS .....................................................................................22 1.4.2 DA PREVENÇÃO, DA ERRADICAÇÃO E DO TRATAMENTO ......................................23 1.4.2.1 Da Prevenção e da Erradicação.............. ...............................................23 1.4.2.2 Do Tratamento.............................. ...........................................................24

CAPÍTULO 2 ......................................... ........................................... 25

PROCEDIMENTO CRIMINAL NA LEI 10.409/02 ............. ................ 25 2.1 DO INQUÉRITO POLICIAL .......................... ..................................................25 2.1.1 DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE ................................................................25 2.1.2 DO INQUÉRITO POLICIAL ..................................................................................27 2.1.2.1 Prazo para conclusão do inquérito policial . .........................................28 2.1.2.2 Classificação do delito .................... .......................................................30 2.1.2.3 Diligências complementares................. .................................................33

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2.2 DA DENÚNCIA.................................... ...........................................................34 2.2.1 DO ARQUIVAMENTO ........................................................................................35 2.2.2 DA REQUISIÇÃO DE DILIGÊNCIAS ......................................................................36 2.2.3 DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. ...................................................................37 2.2.4 DO NÃO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA .............................................................38 2.3 CITAÇÃO DO ACUSADO PARA APRESENTAR DEFESA PRELI MINAR...39 2.4 DEFESA PRELIMINAR .............................. ....................................................40 2.5 INTERROGATÓRIO PRELIMINAR ...................... ..........................................43 2.6 RECEBIMENTO DA DENÚNCIA........................ ............................................46 2.7 DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO ......... ...........................47

CAPÍTULO 3 ......................................... ........................................... 49

OUTRAS QUESTÕES PROCESSUAIS DAS LEIS ANTITÓXICOS. 49 3.1 APLICABILIDADE DA LEI 10.409/02 ................ ............................................49 3.2 LEI 11.343 – A NOVA LEI ANTITÓXICOS............ .........................................53 3.2.1 BENEFÍCIOS PROCESSUAIS NO CRIME DE PORTE ILÍCITO DE ENTORPECENTES ......53 3.2.2 NOVOS INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO ........................................................57 3.2.2.1 Infiltração de policiais................... ..........................................................57 3.2.2.2 A não-atuação policial ..................... .......................................................59 3.2.2.3 Do acesso a provas acobertadas por sigilo .. .......................................62 3.2.3 TRANSAÇÃO ENTRE O INDICIADO E O MINISTÉRIO PÚBLICO .................................63 3.2.3.1 Colaboração antes do oferecimento da denúnc ia................................63 3.2.3.2 Colaboração após o oferecimento da denúncia ...................................65 3.2.4 LAUDO DE CONSTATAÇÃO E EXAME PERICIAL DEFINITIVO ...................................67 3.2.4.1 Prova pericial............................. ..............................................................67 3.2.4.2 Perito oficial............................. ................................................................69 3.2.5 DAS DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES ...............................................................70 3.2.6 DO INQUÉRITO POLICIAL ..................................................................................70 3.2.7 DA INSTRUÇÃO CRIMINAL ................................................................................71

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................... 72

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... .................... 75

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RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade principal o estudo

das dúvidas processuais que a lei 10.409/02 trouxe. Esta lei entrou em vigor no

dia 28 de fevereiro de 2002 vindo para inovar e completar a Lei 6.368/76, no

entanto, por questões técnicas a lei sofreu diversos vetos, deixando os

dispositivos defasados e confusos. Desta forma surgiram várias discussões

doutrinárias e jurisprudenciais, trazendo principalmente a questão da

aplicabilidade ou não das disposições acerca do procedimento e da instrução

criminal determinados pela nova lei, que fez sensíveis alterações no

procedimento. Nesse contexto, existem em vigor duas leis antitóxicos

parcialmente mutiladas face a inaplicabilidade de alguns dispositivos de uma e de

outra, proporcionado as mais diversas conclusões e confusões jurídicas no

campo interpretativo. Assim, a Lei que veio para aprimorar a sistemática da Lei

6.368/76, mas acarretou dificuldades na interpretação legal. conclui-se, então,

que aplica-se a nova, por ser mais ampla e benéfica ao acusado, e a antiga nos

casos em que houver lacunas.

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1

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto apresentar os

entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre os aspectos processuais na

legislação de tóxicos.

O objetivo institucional é compor uma monografia a fim de

obter o grau de bacharel em Direito pela Univali.

O seu objetivo geral é investigar a legislação de tóxicos no

Brasil, tendo como objetivo específico pesquisar sobre o procedimentos criminal

no tocante aos crimes de tóxicos.

Para tanto, principia–se o primeiro Capítulo tratando da

evolução histórica, confrontando as leis antitóxicos, mostrando de uma forma

ampla o disposto nelas e definindo aspectos sobre os crimes de tóxicos.

Já no Capítulo 2, realizar-se-á i, estudo do procedimento

criminal na Lei 10.409/02, discriminando suas fases e apresentando a sistemática

adotada por esta lei.

No terceiro e último Capítulo, será investigada a

aplicabilidade da Lei 10.409/02, e questões processuais controvertidas,

demonstrando quais os entendimentos acerca dos confusos dispositivos,

finalmente se efetuará uma abordagem da lei antitóxicos que veio para acabar

com os conflitos processuais que cercam os crimes de tóxicos.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados sobre o procedimento criminal nos crimes de tóxicos.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

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a) A Lei 10.409/02, embora tenha havido o veto dos crimes tipificados por ela, continuou vigorando no tocante ao procedimento criminal, sendo utilizada em conjunto com a Lei 6.368/76 até 08/10/2006.

b) A Lei 11.343/06, sancionada em 23/08/06, com entrada em vigor em 08/10/2006, revogou as Leis 6.368/76 e 10.409/02, tendo modificado não só a parte substantiva nos crimes de tóxicos como também o procedimento criminal.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

A LEGISLAÇÃO ANTITÓXICO

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA.

Os problemas causados pelos tóxicos geraram uma grande

preocupação para o mundo jurídico, tendo sua origem nas Ordenações Filipinas,

que, à época, o legislador previu em seu título 89, que “ninguém tenha em casa

rosalvar14, nem o venda, nem outro material venenoso”.15

Esta matéria não foi tratada no Código Criminal do Império,

tendo sido disciplinada apenas no Código Penal Republicano de 1890, que em

seu artigo 159, dispôs como crime “expor a venda ou ministrar substâncias

venenosas sem legítima autorização e sem as formalidades previstas nos

regulamentos sanitários. Pena: multa de 200 a 500 mil réis”.

Inspirado na Convenção de Haia de 1921, foi baixado o

Decreto nº 15.683, tentando impedir a onda de toxicomania. Contudo, a legislação

não teve condições de efetivação, obtendo difíceis resultados da repressão.16

Infundido na Convenção de Genebra de 1939, o Decreto-Lei

891/38 trouxe a classificação das substâncias consideradas entorpecentes, assim

como normas restritivas de sua produção, tráfico e consumo, não esquecendo da

internação e interdição dos toxicômanos, associando o Brasil ao modelo

internacional de combate às drogas.17

O Novo Código Penal de 1940 veio disciplinar a matéria em

seu artigo 281, que dispunha ser crime:

14 Minério de arsênico, de uso pirotécnico. 15 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 39. 16 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996, p. 39. 17 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996, p. 40.

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Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou de qualquer maneira entregar ao consumo substância entorpecente. Pena: 1 a 5 anos de reclusão e multa de 02 a 10000 cruzeiros.

Vários decretos foram editados para determinar as

substâncias que deveriam ser consideradas como tóxicas e outras disposições

para declarar a norma penal em branco do artigo 281, do Código Penal de 1940.18

Foi editado, a 10 de fevereiro de 1967, o Decreto-lei n° 159,

que equiparou as substâncias capazes de determinar dependência física ou

psíquica aos entorpecentes para fins penais e de fiscalização e controle. Nessa

matéria, o Brasil foi o segundo país do mundo a enfrentar o problema,

considerando tão nocivo quanto o uso de entorpecentes o uso, por exemplo, dos

anfetamínicos, ou dos alucinógenos.19

A Lei n° 5.726/71 disciplinou sobre medidas prevent ivas e

repressivas ao tráfico e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem

dependência física ou psíquica, modificando o artigo 281, do Código Penal de

1940, dando-lhe nova redação, alterando o rito processual para o julgamento dos

delitos previstos nesse artigo, figurando, assim, uma iniciativa mais completa e

válida na repressão aos tóxicos no âmbito mundial. Previu em seu artigo 4°,

dentre outras disposições, o seguinte:

No combate ao tráfico e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica serão aplicadas, entre outras, as seguintes medidas preventivas: I- A proibição de plantio, cultura, colheita e sativa, de todas as variedades dessa plantas, e de outras de que possam ser extraídas substâncias entorpecentes, ou que determinem dependência física ou psíquica; (...)

18 HARTMANN, Arlete. Uso de Drogas: Crime ou exercício de um direito? Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 36. 19 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 40.

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A Lei 6.368/76 veio substituir a Lei 5.726/71, retirando os

crimes de tóxicos do Código Penal. Referiu-se a Constituição Federal, em seu

artigo 5°, XLIII, como crime, inafiançável, insusce tível de graça e anistia, o tráfico

de entorpecentes.

A Lei 8.257, de novembro de 1991, regulamentou a

desapropriação de glebas nas quais se localizem culturas ilegais de substâncias

psicotrópicas, conforme o art. 243 da Constituição.20

Por questões técnicas, a Presidência da República viu-se

obrigada a vetar diversos dispositivos legais da matéria penal e processual penal,

especialmente porque afrontavam dispositivo constitucional e/ou princípios gerais

de direito.21

Sobre a vigência da Lei 10.409/02, Jorge Silva discorre:

Assim, vigem tanto a Lei 10.409/02 quanto a Lei 6368/76, e

somente é aferível a revogação (ou derrogação) da antiga, pela nova lei, através

de uma análise individual de um por um dos dispositivos legais da recente

legislação em relação ao conjunto previsto na norma anterior.22

A esta questão retornaremos mais adiante.

1.2 ASPECTOS DESTACADOS DA LEI 6368/76.

A Lei 6.368/76 veio como uma legislação especial para

combater o tráfico de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência

física ou psíquica, adotando um rito processual próprio, para desta forma, concluir

os feitos com maior agilidade.

Nesse sentido, Bezerra Filho preconiza:

Esta Lei promove a distinção de sanções para o indivíduo que concorre para o tráfico, de qualquer modo, mediante a sua posse,

20 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 43. 21 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. p. 14. 22 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. 2003. p. 14.

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guarda, transporte ou qualquer outra conduta envolvendo aquelas substâncias, daquele que se apresenta na qualidade de usuário solo, proveniente de uma dependência física ou psíquica.23

Dessa forma o legislador inseriu no seu art. 37 da referida

lei, a identificação adequada na conduta típica entre usuário e traficante. A

legislação cuidou também da reprovação da conduta delituosa do traficante, bem

como do agravamento penal quando se tratar de associação de pessoas para o

fim de tráfico.

A legislação busca punir aqueles que incentivam ou de

qualquer forma contribuem para o uso de drogas, elevando a conscientização da

sociedade no combate ao tráfico de drogas. Sobre esse assunto, discorre Greco

Filho:

Em suas linha gerais, seguindo a orientação aberta pela anterior Lei n° 5.726/71, o diploma procura ressaltar a impo rtância da educação e da conscientização geral na luta contra os tóxicos, único instrumento realmente válido para se obter resultado no combate ao vício, e por isso talvez seja o diploma legal mais completo e avançado sobre o assunto, dentre as legislações modernas.24

A lei contém 47 artigos, está dividida em cinco capítulos: Da

Prevenção; Do Tratamento e Da Recuperação; Dos Crimes e Das Penas; Do

Procedimento Criminal; e Disposições Gerais, que serão tratados abaixo.

1.2.1 Da Prevenção

A lei titula como dever jurídico das pessoas físicas e

jurídicas a colaboração na prevenção e repressão ao tráfico, porém não foi

especificada a forma como esta se dará. As pessoas jurídicas que recebem

auxílios ou subvenções da União, Estado e Municípios, ou órgãos da

administração descentralizada, se não colaborarem no combate ao tráfico serão

punidos com a perda destes benefícios. Já as pessoas físicas, não sofrem

23BEZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribuna is (doutrina, jurisprudência e processo penal). Curitiba: Juruá, 1999. p. 27. 24GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão . p. 47.

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nenhuma sanção, “isto pelo fato de que, política e socialmente, interessa mais a

colaboração espontânea do que a compulsória, em face da necessidade de ampla

integração comunitária”.25

Com a proibição do plantio, cultura, colheita e exploração

das plantas das quais possa ser extraída substância entorpecente ou que

determine dependência física ou psíquica, visou-se evitar a produção da matéria-

prima dessas substâncias em solo nacional. Pois, “quem planta, colhe, faz a

cultura e explora planta psicotrópica, revela a intenção de colocar no mercado

criminal aquele produto entorpecente, agindo assim na qualidade de traficante,

aja da forma que for”.26 Somente as entidades públicas podem cultivar e plantar

os referidos vegetais, devidamente autorizadas pela autoridade competente, as

demais plantas encontradas sem autorização legal, ou que, comprovada o seu

caráter entorpecente, serão destruídas pela polícia.

A norma legal determinou a criação do Sistema Nacional

Antidrogas, que tem a finalidade de uniformizar as medidas de combate aos

tóxicos em todo o País, onde os órgãos encarregados exercem atribuições em

nível federal, estadual e municipal.

Os dirigentes de estabelecimentos de ensino ou

hospitalares, ou de entidades sociais, culturais, recreativas ou beneficentes, têm a

obrigação de “adotarem todas as medidas necessárias à prevenção do tráfico

ilícito e uso indevido de substâncias tóxicas, de comum acordo e sob a orientação

técnica de autoridades especializadas”.27 Em caso de descumprimento dessa

obrigação, será cominada a responsabilidade penal e administrativa.

Foram impostas nos curso de formação de professores a

inclusão de medidas educacionais para a prevenção do uso de substâncias

entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica. A Organização

Mundial da Saúde ressaltou a importância da introdução nos programas

educacionais para a prevenção atóxicos. 25 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76 . Campinas: Bookseller, 2001. p. 28. 26 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte . São Paulo: Editora de Direito, 1999. p. 38. 27 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. p. 56.

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É privativa do Ministério da Saúde a competência para

legislar sobre a proibição, limitação, fiscalização e controle de produção, do

comércio e do uso de substâncias entorpecentes ou que causem dependência

física ou psíquica. No que tange a fiscalização, poderá ser delegada à órgãos dos

Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Os Municípios não têm essa

competência delegada, porém podem prestar sua colaboração através de meios

onde os órgãos possam agir com maior eficiência nas suas áreas de ação.

A prevenção e a repressão aos entorpecentes são matérias

da competência da União, mas isso não quer dizer que os Estados não possam

colaborar, pois é até recomendável que se façam convênios com os Estados,

buscando uma harmonia nas ações e uma colaboração indispensável.

1.2.2 Do Tratamento e da Recuperação

Mesmo que não tenha cometido nenhuma infração, estarão

sujeitos a um tratamento os dependentes de substâncias entorpecentes. 28

As redes dos serviços de saúde dos Estados, Territórios e

Distrito Federal devem adotar providências no sentido de criação de

estabelecimentos apropriados para o tratamento dos dependentes de substâncias

entorpecentes. Contudo, não é o que acontece hoje no nosso país, como discorre

Aluízio Bezerra:

A política de saúde pública no Brasil não vem tendo a prioridade que deveria ter em razão da sua importância para as população mais carentes de recursos materiais, ainda mais, agravada pela recessão econômica que tem provocado crescente e elevados índices de desemprego. Assim é que a rede pública de saúde apresenta-se desprovida de estrutura de suporte capaz para atendimento à clientela dos seus usuários, assim como, os quadros de pessoal são insuficientes e perceberam remunerações

28 BEZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribuna is (doutrina, jurisprudência e processo penal) . 1999. p. 43.

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que deixam a desejar por uma prestação de serviços de qualidade e digna do respeito à cidadania.29

A lei torna obrigatório o tratamento do toxicômano sob o

regime de internação hospitalar quando o quadro clínico assim o exigir. Essa

internação é tida, em determinados casos, como violência, por ser considerada

medida extrema, por isso é passiva de hábeas corpus.30 “Trata-se em regra de

violência legal imposta pela lei, e é justificada tendo o grau de periculosidade que

o doente possa apresentar; comprometendo a segurança da sua família e da

sociedade”.31

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:

Crime contra a saúde pública. Posse de entorpecente. Acusado considerado inimputável por toxicofilia. Absolvição. Imposição, todavia, de medida de segurança de tratamento ambulatorial em estabelecimento adequado, a critério do Juízo das Execuções, por prazo mínimo determinado. Inadmissibilidade. Conversão deste pelo tempo necessário à recuperação. Apelação provida. Declaração de voto. Inteligência dos artigos 16 e 29 da Lei 368/76.32

Será dispensado de tratamento o dependente preso ou

cumprindo medida de segurança detentiva por ter cometido qualquer outro delito,

mesmo que não tenha sido por infração a lei reguladora do combate as drogas.

Isso aplica-se ao dependente imputável, que durante o cometimento do crime,

não estava sob o efeito de substância entorpecente e tinha condições de entender

o caráter ilícito do fato, não esquecendo do condenado que se tornou dependente

dentro do presídio.33

29 BEZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribuna is (doutrina, jurisprudência e processo penal) . 1999. p. 43. 30 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p. 58. 31 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p. 59. 32 TJSP – Ap. 15.783-3 - 4ª C – J. 11.02.83 – Rel. Dês. Jefferson Perroni – RT 576/364. 33 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 100.

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1.2.3 Dos Crimes e das Penas

O bem tutelado pela norma penal nos crimes de tóxicos é a

incolumidade pública, por tratar-se de crime de perigo. Embora não seja o único

bem tutelado, pois a vida, a saúde, a família, a integridade física e a própria

segurança nacional também o são, tendo em vista que o tráfico tem tomado

proporções assustadoras entre as nações.34

Contudo, os crimes serão tratados mais adiante em

particular, especificando-se cada um deles.

1.2.4 Do Procedimento Criminal

Será aplicando subsidiariamente o Código de Processo

Penal nos casos em que a lei especial não dispuser de modo diverso.

A autoridade policial deverá remeter ao juiz competente, em

cinco dias, o auto de prisão em flagrante e demais peças que entender

necessárias. Já o prazo para a conclusão do inquérito policial é de trinta dias,

podendo ser prorrogado mediante autorização do juiz.35

Recebidos os autos em juízo, o Ministério Público terá 05

(cinco) dias para oferecer denúncia e requerer diligências que achar necessárias.

Para a lavratura do auto de prisão em flagrante, basta o laudo de constatação da

substância firmado por perito oficial, que não estará impedido de participar do

laudo definitivo.36Contudo, Paulo Franco diverge desse pensamento:

Apenas com o auto de constatação de substância de natureza tóxica que é provisório, entendo que o Ministério Público não poderá ofertar a denúncia contra o indiciado, em que pese, nesse auto os peritos atestarem a substância de natureza tóxica da droga apreendida. Assim entendemos, porque somente o laudo

34 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei especiais: aspectos penais. 4ª ed. São Paulo: Editora Universitária de Direito, 1993. p. 11/12. 35 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 236. 36 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 247.

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oficial é que determinará realmente a materialidade do crime neste caso.37

O juiz, após receber a denúncia, determinará a citação do

réu e designará a data e hora do interrogatório. O réu será indagado pelo juiz

sobre eventual dependência, alertando-o das conseqüências de suas

declarações. Logo, será dado vistas à defesa para apresentar defesa prévia,

arrolar testemunhas e requerer diligências, no prazo de 03 (três) dias.38

“A lei adotou o sistema da audiência concentrada, em que as

testemunhas de acusação e defesa são ouvidas na mesma oportunidade”.39

Quando couber fiança, a autoridade policial poderá

determinar o recolhimento domiciliar do menor de 21 anos que não tem condições

de prestá-la. Isso acontece para evitar o problema da contaminação carcerária.40

“Após a remessa dos autos de flagrante ou de inquérito,

poderão ser, ainda, juntadas as diligências e ou laudo toxicológico, desde que até

a audiência de instrução e julgamento”.41 Saliente-se que todos os documentos

destinados a ação penal serão mantidos em sigilo, salvo para efeito excluindo de

atuação profissional.

Como visto anteriormente, em caso de absolvição do agente

por causa de dependência, reconhecida por perícia oficial, esse será submetido

ao tratamento médico em virtude da incapacidade de entender o caráter ilícito do

fato ao tempo da ação ou omissão. Após recuperação comprovada, será

encerrado o processo, conforme discorre o artigo 29 da Lei 6.368/02.

Todos os veículos e maquinismos utilizados para prática dos

crimes definidos na Lei 6368/76 serão entregues à custódia da autoridade

competente.42

37 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p. 224. 38 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 249/250. 39 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. p. 145. 40 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996. p. 147/148. 41 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 277. 42 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 299.

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1.2.5 Disposições Gerais da Lei 6.368/76

De acordo com o artigo 36 da lei, somente serão

consideradas substâncias entorpecentes ou capazes de determinar dependência

física ou psíquica aquelas previstas nesta lei, ou as relatadas pelo Serviço

Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, do Ministério da Saúde.

Impõe-se à “Autoridade que proceda à valoração dos

diversos aspectos circunstanciais para adequar os fatos constatados à prevenção

legal apropriada, estabelecendo assim, que o conjunto das particularidades deve

definir a conduta típica devida”.43

As autoridades sanitárias, policiais e alfandegárias deverão

organizar estatísticas e informes à respeito de atividades direcionadas a

repressão e prevenção às drogas. Paulo Alves evidencia a importância que

representa esses dados:

A estatística para a prevenção da criminalidade representa um valioso estudo e é feita demonstrando os locais de maiores ou menores índices de criminalidade. Principalmente no que tange aos delitos relacionados com o entorpecente: tráfico e uso de drogas, ela é altamente valiosa porque é através dela que os órgãos policiais especializados irão dar combate aos citados delitos.44

Durante a instrução processual, a droga apreendida ficará

sob a guarda da polícia, João Vicente explica:

Somente a polícia com seu aparato de segurança tem condições efetivas de zelar pela custódia da substância até que a sentença seja prolatada e transite em julgado, oportunidade em que a droga pode e deve ser incinerada, pois perdeu interesse para o processo penal.45

43 BEZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribuna is (doutrina, jurisprudência e processo penal) . 1999. p. 250. 44 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p.294. 45 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 324.

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Para que ocorra um rígido controle na produção, compra e

comercialização de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência

física ou psíquica, estabeleceu-se um poder amplo e irrestrito de fiscalização

pelos órgãos competentes.46

Todo estrangeiro que praticar qualquer das infrações

definidas na lei antitóxicos, será expulso após o devido cumprimento da

condenação imposta, ressalvada a expulsão imediata por interesse nacional.47

Os policiais deverão possuir especialização adequada pra

exercerem atividades nos setores de repressão a entorpecentes do Departamento

de Polícia Federal. “As polícias federal e estadual agem com método,

sistematizado no combate ao tráfico e uso indevido de entorpecentes”.48

1.3 DOS CRIMES DE TÓXICOS

1.3.1 Tráfico ou Entrega a Consumo

Guimarães entende que “o tráfico ganha um sentido jurídico-

penal muito mais amplo do que o de comércio ilegal: a expressão abrangerá

desde atos preparatórios às condutas mais estreitamente vinculadas à noção

lexical de tráfico”.49

Nogueira tem considerações altamente pertinentes ao tráfico

de drogas. Diz ele:

Com o advento da Lei n. 8.072/90, que trata dos crimes hediondos e que equiparou o tráfico ilícito de drogas a esses crimes, é de se ver que, dado o rigorismo da lei, que não admite liberdade provisória, com ou sem fiança, bem como prevê o cumprimento da pena em regime fechado, é de se ver que muitos traficantes, ainda

46 BEZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribuna is (doutrina, jurisprudência e processo penal) . 1999. p. 268. 47 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996. p. 176. 48 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p. 306. 49 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2003. p. 37.

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que ocasionais, preferem ser enquadrados como viciados para obter tratamento mais benigno.50

O caput do artigo 12 desta Lei, contém 18 ações típicas, que

podem ser praticadas isolada ou seqüencialmente, mas de qualquer modo haverá

somente um único crime (principio da alternatividade).51

A respeito da unidade ou pluralidade de crimes em face do

conteúdo variado das figuras típicas, há uma discussão, existindo duas correntes:

uma diz que a alternatividade que conduz à unidade delituosa exige que os fatos

estejam descritos no mesmo tipo penal (caput, parágrafo ou inciso); a outra

defende que se definidos em tipos distintos há concurso de crimes (p. ex, no

caput e em parágrafo).52

Pode-se citar algumas definições dos crimes, feitas por

Victor Gonçalves:

Importar consiste em fazer entrar o tóxico no país, consumando-se no momento em que a droga entra no território nacional. Exportar é enviar o entorpecente para outro país. Remeter é deslocar a droga de um local para outro do território nacional. Preparar consiste em combinar substâncias não entorpecentes formando uma tóxica. Produzir é criar. Fabricação é a produção por meio industrial. Adquirir é comprar. Vender é alienar mediante contraprestação em dinheiro ou outro valor econômico. Expor à venda consiste em exibir a mercadoria aos interessados na aquisição. Oferecer significa abordar eventuais compradores e fazê-los saber que possui a droga para venda. Fornecer é sinônimo de proporcionar.53

50 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei especiais: aspectos penais. 1993. p. 15. 51 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 102. 52 JESUS, Damásio E. Lei antitóxicos anotada. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 31. 53 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondo, tóxicos, terrorismo, tortura. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 31.

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Em tese, comportam a forma tentada, as modalidades de

natureza instantânea nos núcleos de importar, exportar, vender, oferecer,

ministrar, adquirir e prescrever.54

Trata-se de crime de perigo abstrato, todo delito que se

inclui entre os que ofendem a incolumidade pública, sob particular aspecto da

saúde pública.55

As figuras típicas assemelhadas constituem formas

subsidiárias. Somente têm aplicação quando o fato não se enquadra nos tipos

descritos no caput do dispositivo.56

1.3.2 Maquinismos e Objetos Destinados ao Tráfico.

Sobre os maquinismos e objetos destinados ao tráfico, as

condutas típicas são semelhantes às do artigo 12, caput. “Entretanto, são elas

ligadas a máquinas ou objetos em geral destinados à fabricação ou produção de

substâncias entorpecentes.”

No entendimento de Damásio de Jesus,

O fornecimento gratuito de um instrumento destinado à preparação de droga para uso próprio, embora capitulado no artigo 13 desta Lei, não tem natureza jurídica. Por isso essa hipótese não pode ser equiparada a crime hediondo, desprezando-se, em conseqüência, a aplicação da Lei n. 8.072/90.57

Já João Rodrigues diverge desse entendimento, alegando

que “para a lei é indiferente a preparação ou não da droga e seu destino (uso ou

tráfico), se contentando com as modalidades de detenção do objeto destinado à

produção de droga”.58

54 BEZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribuna is (doutrina, jurisprudência e processo penal) . p. 50. 55 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. p. 82. 56 JESUS, Damásio E. Lei antitóxicos anotada. 1999. p. 45. 57 JESUS, Damásio E. Lei antitóxicos anotada. 1999. p. 63. 58 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. p. 102.

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Com relação ao exame pericial, Paulo Franco descreve que,

“o exame de prova desses instrumentos, aparelhos ou objetos deve ser

cuidadoso, para que fique apurada a efetiva destinação deles a qualquer das

ações no texto incriminadas”.59

1.3.3 Associação para o Tráfico

O legislador tratou de punir o crime de associação de forma

autônoma ou cumulativamente com a espécie de crimes que vierem a praticar,

tendo em vista o crime organizado, que exige a participação de várias pessoas e

que constitui um sério perigo social, já que atualmente os crimes graves são

praticados por quadrilhas, quando somente uma ou duas pessoas não têm

condições de cometê-los.60

Os requisitos da figura típica desse crime são assim

elencados por Damásio: “1) duas ou mais pessoas; 2) acordo dos parceiros; 3)

vínculo associativo; 4) finalidade de traficar tóxicos”.61

Deve ser cumpridamente provado o animus associativo

(ajuste prévio no sentido de formação de um vínculo associativo de fato), por ser

figura integrante do tipo.62

No entanto, “se se tratar de associação eventual, sem ânimo

associativo duradouro, o concurso de agentes no caso de tráfico de

entorpecentes determina a incidência da majorante prevista no artigo 18, inciso III

da lei antitóxicos” (RT 658/361).

Há entendimento de que a associação a que se refere o

artigo 18, inciso III, seria apenas aquela que envolvesse menores de 18 anos.

Contudo, para Victor Gonçalves:

A redação desse dispositivo é bastante clara no sentido de que apenas a parte final do inciso refere-se a menores. Não tendo, portanto, qualquer relação com a associação eventual. A doutrina,

59 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p. 130. 60 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei especiais: aspectos penais. 1993. p. 18. 61 JESUS, Damásio E. Lei antitóxicos anotada. 1999. p. 72. 62 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 162.

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portanto, refuta esse entendimento por existir no mencionado inciso III uma conjunção alternativa “ou” separando as hipóteses.63

Para que haja a associação, João Rodrigues explica que,

“não é necessária proximidade física entre os associados, razão pela qual mesmo

que estejam em países diferentes, incide o tipo penal. A forma de cooperação

pode ser material, financeira, intelectual ou laboral, pouco importa”.64

Após a entrada em vigor da Lei 8.072/90, tornou-se confusa

a compreensão do crime de associação para fins de tráfico. Visto que o

dispositivo, não tendo sido expressamente revogado pela Lei dos Crimes

Hediondos, resultou controvérsias doutrinais quando posto em confronto com o

determinado por esta lei.65

Nesse diapasão, Greco Filho preceitua:

Como não se pode, em termos interpretativos, combinar leis para fazer uma terceira, as penas do artigo 288 do Código Penal, com os limites da Lei n. 8.072/90, só poderão ser aplicadas se se entender revogado o artigo comentado. E essa revogação, que em nosso entender ocorreu, se aplica integralmente, inclusive quanto aos elementos do tipo. É estranho, porém, que a mesma Lei 8.072/90, pelo artigo 10, ao introduzir parágrafo único ao artigo 35 da lei comentada, duplicando os prazos, refere o artigo 14, que entendemos tacitamente revogado pelo seu artigo 8º. A Jurisprudência, porém, tem entendido que não ocorreu a derrogação.66

1.3.4 Prescrição ou Ministração Culposa

Somente as pessoas indicadas no artigo 15 podem figurar

como agentes, tratando-se de crime próprio. “A enumeração é taxativa, não

admitindo ampliação por analogia ou interpretação extensiva. Assim, o tipo não

63 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondo, tóxicos, terrorismo, tortura. 2002. p. 47. 64 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 163. 65 GUIMARÃES, Issac Sabbá. Tóxicos, comentários, jurisprudência e prática. 2003. p. 75. 66 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996. p. 103.

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alcança outras pessoas que não as indicadas, como o balconista de farmácia e o

veterinário”.67

Sobre as ações definidas no tipo legal, Issac Sabbá

preconiza:

As ações culposas consistem no ato de prescrever, com a significação de receitar, determinar o uso de medicamento; ou de ministrar, que tem o significado de administrar, aplicar (medicamento). Mas uma vez aqui encontramos novas peculiaridades do tipo penal. E que os atos de prescrever (receitar) e de ministrar podem ser realizados tanto pelo médico, quanto pelo dentista. No entanto, somente os profissionais da medicina e da odontologia é que estão habilitados a prescrever, de forma que se este ato for praticado por farmacêutico ou por profissional de enfermagem, poderá haver configuração do crime, em tese, descrito no caput do artigo 12”.68

Paulo Franco define as modalidades de culpa que são:

Imprudência, negligência e imperícia. Admite-se neste caso a negligência e a imprudência, mas nunca a imperícia. Se o médico e o dentista são formados em ciências médicas, jamais serão imperitos para tal mister. Se o farmacêutico é formado em curso de farmácia, jamais será imperito para ministrar o medicamento.69

O crime pode ocorrer por duas formas: 1) prescrever ou

ministrar em dose evidentemente maior que a necessária; 2) prescrever ou

ministrar em desacordo com determinação legal ou regular. Sobre as formas,

João Gaspar explica:

Há no primeiro caso uma inobservância culposa dos princípios da terapêutica, enquanto no segundo há uma violação de preceitos administrativos. O advérbio evidentemente figura no texto com a manifesta finalidade de chamar a atenção para a disparidade que deve existir entre a dose recomendada pela terapêutica e a prescrita ou receitada. Nota-se que o tipo não se refere à quantidade da substância recomendada ao paciente, mas sim à

67 JESUS, Damásio E. Lei antitóxicos anotada. 1999. p. 82. 68 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. 2003. p. 81/82. 69 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p. 147.

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dose indicada. A prescrição de dose inferior é penalmente indiferente, constituindo-se em mero erro de terapia, desprovido de maiores conseqüências imediatas.70

Ocorre a consumação do delito “quando o médico ou

dentista entrega a receita ao paciente ou a terceiro. Não haverá crimes se o

agente guardá-la, ou mesmo rasgá-la, antes de entregá-la ao usuário ou terceiro,

porque não há tentativa no crime culposo”.71

Importante ressaltar a situação quando um enfermeiro, por

descuido, injeta droga em paciente diverso daquele que lhe fora determinado.

1.3.5 Porte para Uso Próprio

São elencadas apenas três condutas típicas: a) adquirir

(obter a propriedade, a título oneroso ou gratuito; b) trazer consigo (é sinônimo de

portar, conduzir pessoalmente a droga); c) guardar (é manter a droga em algum

local).72

O perigo social que sua conduta representa é a razão

jurídica da punição daquele que adquire, guarda ou traz consigo para uso

próprio.73

Para Issac Sabbá:

Há a necessidade de apurar-se a ocorrência das condutas em relação à droga, o que requer sua apreensão. O agente que consumiu completamente a droga e que não deixou vestígios da ação física, não pode ser conduzido à condenação por falta de configuração do delito.74

Sobre o princípio da insignificância, João Rodrigues

preceitua:

70 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 175/176. 71 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996. p. 109. 72 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondo, tóxicos, terrorismo, tortura. 2002. p. 47. 73 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996. p. 113. 74 GUIMARÃES, Issac Sabbá. Tóxicos, comentários, jurisprudência e prática. 2003. p. 91/92.

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A conduta de portar pequena quantidade substância entorpecente, embora formalmente se amolde ao tipo penal, não apresenta nenhuma relevância material. Assim, afasta-se liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. Enfim, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. O direito penal não se ocupa de bagatelas.

1.3.6 Violação de Sigilo

A conduta típica do delito consiste em violar o sigilo

determinado pelo antigo 26 desta lei, referente a registros, documentos ou pe;cãs

de informação em procedimentos policiais ou judiciais por crime concernente a

tóxicos, ressalvadas as exceções legais.75

A violação pode se dar de qualquer forma: verbal, por

escrito, fornecimento de cópias, permissão de leitura das peças.76 Trata-se de

crime de perigo que se consuma com a simples divulgação, independentemente

de qualquer prejuízo às investigações ou a alguém.77

O sujeito ativo só pode ser o funcionário público. É, portanto,

um crime próprio, ou de mão própria.78

1.3.7 Do Aumento de Pena

A pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços)

no caso de trafico internacional, “quando configurada a existência de um vínculo

entre nacionais e/ou estrangeiros em atividade ‘reiterada ou não’, ensejando o

fluxo com o exterior”.79

Outro aumento de pena é o caso de abuso de função

pública, guarda ou vigilância, como dispõe Damásio:

A disposição é aplicável, em primeiro lugar, às pessoas que exercem função pública relacionada com o combate à

75 JESUS, Damásio E. Lei antitóxicos anotada. 1999. p. 82. 76 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 207. 77 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondo, tóxicos, terrorismo, tortura. 2002. p. 56. 78 FRANCO, Paulo Alves. Tóxico, tráfico e porte. 1999. p. 192. 79 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 213.

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criminalidade, como delegados de polícia. Em segundo lugar, incide sobre o fato do sujeito que, não exercendo função pública, tenha missão de guarda ou vigilância, como vigias de depósito de drogas.80

Aumenta-se, também, a pena “se a substância é ministrada,

vendida, fornecida ou prescrita a menor de 21 anos ou a que tenha, por qualquer

causa, diminuída ou suprida a capacidade de discernimento ou de

autodeterminação”.81

E, por fim, “o agravamento da pena decorre do local em que

o fato é cometido, ou seja, nas imediações ou no interior de um dos locais

expressamente elencados”82 no inciso IV, do artigo 18 da lei em comento.

1.3.8 Exclusão da Culpabilidade por Inimputável ou Semi-responsável

A inimputabilidade decorre de um estado de inconsciência

em que os atos praticados não são orientados pela vontade. Se não há

manifestação de vontade, conseqüentemente não podem ser considerados ações

penalmente relevantes. É uma conduta não finalista e, portanto, não pode ser

considerada uma conduta humana.83

Sobre a determinação da inimputabilidade, Paulo Nogueira

discorre:

Muito embora tenha sido criada uma nova espécie de inimputabilidade pela Lei Antitóxicos, não só para os delitos nela previstos, como para todos os demais crimes, a verdade é que a inimputabilidade do agente só será determinada por exame pericial de insanidade como ocorre em todos os casos, pois o exame de dependência só tem como conseqüência o tratamento

80 JESUS, Damásio E. Lei antitóxicos anotada. 1999. p. 104. 81 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos, prevenção e repressão. 1996. p. 121. 82 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondo, tóxicos, terrorismo, tortura. 2002. p. 59. 83 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 227.

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especial que o viciado recebe da própria lei com pena detenção ou tratamento adequado.84

Na hipótese de semi-imputabilidade previsto no parágrafo

único do artigo 19, é prevista apenas a redução da reprimenda penal, sem

imposição de tratamento médico (o que só é cabível quando o agente é

dependente e inimputável, conforme dispõe o artigo 29), quando o agente, ao

tempo da ação ou omissão, não possuía a plena capacidade de entender o

caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento. Nada

impede que o juiz com amparo no artigo 10, submeta o semi-responsável a

tratamento medico.85

1.4 ASPECTOS DESTACADOS DA LEI 10.409/02

1.4.1 Disposições Gerais

O artigo 1° da lei foi revogado, vindo em seu artig o 2° dizer

sobre o dever do cidadão de colaborar, livre e voluntariamente, com o órgão

oficial de controle de substâncias ou drogas, apenas nas medidas de prevenção,

porém, a decisão de não colaborar implica numa conduta de neutralidade.

Em relação as pessoas jurídicas (nacionais ou estrangeiras),

podem sofrer sanções de caráter administrativo, quando, injustificadamente ,

negarem-se a colaborar com os preceitos da lei. Contudo, o poder político pode

submeter-se ao controle judicial através de mandado de segurança.

A substituição da expressão “substância entorpecente ou

que determinem dependência física ou psíquica” por “produtos, substâncias ou

drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica”, tornou-se mais

precisa em relação à Lei 6.368/76.

Ampliou-se a possibilidade da União de celebrar convênios

não apenas com os Estados, mas, também, com o Distrito Federal, Municípios,

84 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei especiais: aspectos penais. 1993. p. 8. 85 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da lei n° 6.368/76. 2001. p. 234.

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entidades públicas e privadas e organismos estrangeiros, buscando à repressão,

ao tratamento, à fiscalização, ao controle, à repressão ao tráfico e ao uso indevido

de produto, substância e drogas ilícitas. Importante ressaltar que a lei não exige

que estes produtos, substâncias ou drogas ilícitas causem dependência física ou

psíquica.

Constitui-se importante medida de prevenção, orientadora

de políticas públicas, pois as autoridades sanitárias, judiciárias, policiais e

alfandegárias organizarão e manterão estatísticas, registros e demais informes

das respectivas atividades relacionadas com a prevenção, a fiscalização, o

controle e a repressão das drogas, obtendo-se dados concretos para identificar a

realidade do que se busca cuidar.

A SENAD ( Secretaria Nacional Antidrogas) e os órgãos de

defesa ao consumidor foram incluídas como entidades legítimas para requisitarem

as inspeções. O requisitante poderá estar presente na inspeção ou designar um

técnico especializado. No caso de liquidação de empresas ou de

estabelecimentos referidos na lei, as substâncias ou drogas não alienadas em

hasta pública serão destruídos.

Somente pessoas jurídicas devidamente habilitadas na área

da saúde ou de pesquisa científica poderão adquirir as drogas, especialidades

farmacêuticas ou substâncias consideradas ilícitas, isso tudo através de uma

licitação.

1.4.2 Da prevenção, da erradicação e do tratamento

1.4.2.1 Da Prevenção e da Erradicação

No que se refere as plantas das quais se possam extrair

substâncias ou drogas que causem dependência física ou psíquica, a lei também

trata dos substratos, que são as partes essenciais da planta.

O órgão competente para controlar e fiscalizar as atividades

envolvendo essas substâncias é o Ministério da Saúde, que emitirá autorização,

no caso de plantio, cultura ou colheita dos vegetais dos quais se extraem as

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drogas que causam dependência, sendo cassada a autorização se comprovado o

desvirtuamento da finalidade. “A destruição das plantas, será feita pelas

autoridades policiais, mediante prévia autorização judicial com o parecer do

Ministério Público”.86

As atividades típicas exercidas nos laboratórios

farmacológicos, distribuidoras, farmácias e hospitais devem ter licença da

autoridade sanitária competente, a intenção foi exercer um maior controle sobre

as atividades destes setores.

Ampliou-se o rol de estabelecimentos e entidades co-

responsáveis pela política de prevenção, tendo estes o dever de implantarem em

seus respectivos locais de trabalho, direcionando as ações aos empregados e às

suas famílias.

1.4.2.2 Do Tratamento

A atual lei discorre genericamente sobre o tratamento

ambulatorial e internação, ao dependente ou usuário, sem restrição de qualquer

natureza.

As empresas privadas poderão receber benefícios da União,

Estados, Distrito Federal e Municípios, se desenvolverem programas de

reinserção no mercado de trabalho, do dependente ou usuário de produtos,

substâncias ou drogas ilícitas, devidamente encaminhados pelo órgão oficial.

Todos os óbitos decorridos de uso de produto, substância ou

drogas ilícitas deverão ser comunicadas ao SENAD.

Passamos, então, ao estudo do procedimento criminal

adotado pela Lei 10.409/02.

86 GUIMARÃES, Issac Sabbá. Tóxicos, comentários, jurisprudência e prática. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2003. p. 159.

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CAPÍTULO 2

PROCEDIMENTO CRIMINAL NA LEI 10.409/02

2.1 DO INQUÉRITO POLICIAL

2.1.1 Do auto de prisão em flagrante

A fase pré-processual, que se refere, essencialmente, à fase

policial, está prevista, nos artigos de 28 a 34, inserida no Capítulo IV da Lei

10.409/02.

Com propriedade e de forma objetiva, Frederico Marques

conceitua flagrante delito:

É o crime cuja prática é surpreendida por alguém no próprio instante em que o delinqüente executa a ação penalmente ilícita. Há, assim, a certeza visual do crime, pelo que a pessoa, que assiste à cena delituosa, pode prender o seu autor, conduzindo-se, em seguida, à autoridade competente.87

Conforme dispõe o art. 5°, LXI, da Constituição Fed eral,

“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de

transgressão militar ou por crime propriamente militar, definidos em lei”.

A comunicação do flagrante deve ser imediata, antes mesmo

de encerrarem-se as atividades investigatórias. Pois, é direito fundamental do

preso, nos ermos do art. 5°, LXII, Constituição Fed eral. “E a providência se

impõem para que haja o controle da legalidade, pois se não atendidas as

condições gerais do flagrante, descritas nos arts. 302 e seguintes do Código de

87 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 593

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Processo Penal, deverá o juiz anular o ato da autoridade policial e determinar o

relaxamento da prisão”.88

Em vista da previsão destes dispositivos constitucionais,

Renato Marcão dispõe:

Embora não se exija a prévia formalização de uma ordem de prisão com expedição de mandado, uma vez realizada é necessária, para a validade e legalização do ato, sua formalização com a lavratura do respectivo auto, impondo-se para esse mister estrita observância das regras ditadas pelo art. 304 do Diploma Processual Penal, com posterior expedição e entrega de nota de culpa, consoante o art. 306, comunicando-se o juiz competente, conforme determina o princípio do controle jurisdicional imediato, lastreado no art. 5°, LXII, da CF. 89

Por essa razão, Jorge Vicente Silva entende que:

É indispensável a homologação da prisão em flagrante comunicada ao juízo competente. Esta assertiva cinge-se no fato de que não teria sentido a Lei Maior determinar a comunicação da prisão formalizada através de auto prisional, sem a obrigatoriedade da autoridade judiciária competente aferir a legalidade da prisão.90

A Constituição Federal estabelece o direito fundamental de

ter-se a casa como asilo inviolável, significando isto que somente por autorização

do morador é que nela se poderá penetrar (art. 5°, XI). “Note-se que o flagrante

delito, causa de exceção ao direito, não se condiciona ao horário, como se dá no

caso de determinação judicial”.91

Por isso, já se decidiu não haver transgressão ao direito

fundamental nos seguintes casos:

88 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 176 89 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 565 90 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 38 91 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 177

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“Não obstante a regra contida no art. 5°, XI, da Ca rta Magna, é possível o ingresso em residência sem mandado judicial para se efetivar prisão em flagrante, já que a casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto respeitada sua finalidade precípua de recesso do lar. Isso porque o direito constitucional de inviolabilidade domiciliar não se estende a lares desvirtuados, tais como locais ou pontos clandestinos de drogas”. (TJSP, JTJ 141/394)

“A própria Carta Magna permite o ingresso não autorizado na residência, em caso de flagrante delito, face a expressa restrição dispensa a expedição de mandado judicial, vez que se trata de medida eminentemente cautelar, não sujeita a ordem escrita, conforme se dessume da própria CF, art. 5°, LXI”. ( TJRN, RT 737/675).

“A garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio cede espaço nos casos de flagrante delito (CF/88, art. 5°, XI), não merecendo censura a ação policial intentada com o objetivo de efetuar prisão no interior da residência, após constatar a realização de comércio ilícito de entorpecente. Recurso ordinário desprovido”. (STJ – Ord. Em HC 9.526 – SP – rel. Min. Vicente Leal – j. em 17.08.2000 – DJ 04.09.2000).

A autoridade policial deverá lavrar termo circunstanciado

para os crimes previstos os artigos. 15, 16 e 17 da Lei 6368/76, remetendo estas

peças ao juízo competente para as providências previstas na Lei 9.099/95, art. 69.

O citado artigo determina que o acusado será encaminhado ao juízo competente

juntamente com o auto circunstanciado.92

2.1.2 Do inquérito policial

O Inquérito Policial está regulado no Título II do Código de

Processo Penal Brasileiro, artigos. 4° a 23.

A finalidade do inquérito policial é “apurar a ocorrência de

uma infração penal, determina sua autoria e materialidade, examinar os vestígios

92 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 40

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deixados pela sua prática (se houver), a fim de possibilitar o Ministério Público o

oferecimento da denúncia contra o infrator”.93

A propósito importa observar que o inquérito policial é

facultativo e dispensável para o Ministério Público, porquanto dele é possível

prescindir. “Sendo assim, a inexistência de inquérito policial não impede a

denúncia, que poderá estar lastreada em elementos de convicção não colhidos

necessariamente em inquérito policial”.94

Na mesma linha de raciocínio, afirma Damásio de Jesus que

“o inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento da denuncia ou queixa,

desde que a peça acusatória tenha fundamento em dados de informação

suficientes à caracterização da materialidade e autoria da infração penal (STF,

RTJ 76/741)”.95

Sendo o inquérito policial mero procedimento informativo e

não ato de jurisdição, leciona Julio Fabbrini Mirabete:

Os vícios nele acaso existentes não afetam a ação penal a que deu origem. A desobediência a formalidades legais pode acarretar a ineficácia do ato em si (prisão em flagrante, por exemplo), mas não influi na ação já iniciada, com denúncia recebida. Eventuais irregularidades podem e dêem diminuir o valor dos atos a que se refiram e, em certas circunstâncias, do próprio procedimento inquisitorial globalmente considerado, merecendo consideração no exame do mérito da causa. Contudo, não se erigem em nulidades, máxime para invalidar a própria ação penal subseqüente.96

2.1.2.1 Prazo para conclusão do inquérito policial

A lei antitóxicos 10.409/02 dilatou o prazo para conclusão do

inquérito policial, estando o indiciado preso, passando de 05 (cinco) dias,

93 MATTOS, Eduardo Vasconcellos; PEZZOTO, Eny Ribeiro. Processo penal para provas e concursos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. pág. 27/28. 94 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 577 95 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado . 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. pág. 7. 96 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. pág. 80.

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conforme seu artigo 29, quanto ao indiciado solto, o prazo estabelecido pela lei é

o mesmo da anterior, qual seja, 30 (trinta) dias.97

Guimarães explica que “o legislador, no entanto, dispôs

prazos para a conclusão das investigações policiais, os quais poderão ser

duplicados por concessão do juiz após apreciados os motivos invocados pela

autoridade policial”. 98

Diante da complexidade das investigações, “a autoridade

policial que preside o inquérito, deverá encaminhar os autos ao Juízo competente,

antes do vencimento do prazo, e solicitar, justificadamente, a duplicação deste”. 99

Somente poderá ocorrer a duplicação do prazo para

encerramento do inquérito policial, quando houver pedido devidamente justificado

da autoridade policial, e mediante deferimento da autoridade judiciária. Como bem

observa Jorge Vicente Silva:

Não é possível ser duplicado esse prazo atendendo a pedido da autoridade policial sem a demonstração dos fundamentos da sua necessidade e também não pode ser concedido de ofício pelo juiz, sem que demonstre o motivo. Por isso cremos que mais ágil seria a utilização de requerimento via ofício, e antes de encerrado o prazo inicial para encerramento do feito extrajudicial. E lógico, instruído com cópia de peças do inquérito suficiente a demonstrar a necessidade da prorrogação do prazo.” 100

Em contrapartida, Renato Marcão dispõe:

À primeira vista seria possível dizer que tal proceder acarretaria vantagens em termos de celeridade, pois não haveria a paralisação das diligências durante a tramitação do pedido de duplicação. Não nos parece correta, todavia, tal conclusão. Com efeito. E se o Ministério Público discordar da duplicação, ou,

97 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006. 98 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 80 99 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 581 100 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 87

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concordando, o Juiz não a conceder? Estando o inquérito na Delegacia de Polícia, estaria ocorrendo constrangimento ilegal, caso vencido o prazo de conclusão em se tratando de investigado preso. A conseqüência inevitável seria o relaxamento da prisão, em se tratando de flagrante.101

Respeitando posições em contrário, Jorge Vicente Silva

entende que:

“O juiz antes de deferir ou negar o pedido de prorrogação do prazo, não necessita ouvir o Ministério Público, devendo apenas lhe dar ciência da decisão quando concessivo. Cremos que este procedimento deve ser adotado, porque os prazos são exíguos e perder-se-iam alguns dias para o tramite do pedido no caso de remessa ao Ministério Público, e a decisão ocorrer somente após o seu retorno ao juízo.” 102

Por fim, é importante destacar que a duplicação de prazos

pelo Juiz “é cabível apenas no que tange aos prazos de conclusão do inquérito e,

assim, não há que se confundir tal regra com aquela, já revogada, do parágrafo

único do art. 35 da Lei n. 6.368/76 (art. 10 da Lei 8.072/90)”. 103

Ademais, o parágrafo único do artigo 29 prevê apenas

possibilidade de duplicação dos prazos, “de maneira que, ao que parece, não é

mais possível a prorrogação reiterada de prazos, praxe comum na esfera policial

devido ao grande volume de expedientes”. 104

2.1.2.2 Classificação do delito

Ao final do procedimento inquisitivo, “a autoridade policial

relatará sumariamente as circunstâncias do fato e justificará as razões que a

levaram à classificação do delito, com indicação da quantidade e natureza do

produto, da substância ou da droga ilícita apreendida, o local ou as condições em

101 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 581 102 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 88 103 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 582 104 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. O fracasso da Lei 10.409/02. disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4998. Acessado em 15/07/2006.

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que se desenvolveu a ação criminosa e as circunstâncias da prisão, a conduta, a

qualificação e os antecedentes do agente”, (artigo 30 da Lei 10.409/02).

Sobre o relatório do inquérito policial, Rômulo de Andrade

preconiza:

“Excepcionalmente a lei determina que o relatório do inquérito policial indique, expressa e justificadamente, a qualificação jurídica do fato, evitando-se, assim, que arbitrariamente sejam indiciados meros usuários como traficantes, com todas as conseqüências daí decorrentes, como, por exemplo, a impossibilidade de prestar fiança ou mesmo de se livrar solto. Doravante, deverá o delegado de polícia explicitar em suas conclusões o que o levou ao indiciamento pelo art. 12 e não pelo art. 16, regra absolutamente inédita e inovadora em nosso sistema processual”. 105

A providência mais importante neste ato processual sem

dúvida é a classificação do delito, pois, em função dela, será fixada a

competência do juízo e principalmente porque, no caso de o indiciado encontrar-

se preso, será mantido no cárcere ou colocado em liberdade.106

Desta forma, exige-se da autoridade uma maior cautela,

devendo meticulosamente, expressar concretamente as razões que fizeram optar

por esta ou aquela classificação. Nesse sentido, Jorge Vicente Silva ensina, “no

caso de não haverem elementos nos autos de inquérito para romper esta barreira

de dúvida, a classificação jurídica deve ser aquela que for mais favorável ao

indiciado, aplicando-se o princípio do in dúbio pro reo”. 107

Na mesma corrente, Renato Marcão preceitua que “após a

necessária apreciação dos parâmetros indicados, pairando dúvida sobre a

capitulação do delito, a classificação se resolverá em favor do investigado”.108

105 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei de tóxicos, aspectos processuais . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4161. Acessado em 14/07/2006. 106 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 90 107 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 91 108 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 583

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A classificação é feita pela autoridade policial, que deverá

justificar o seu convencimento. Desta maneira, Isaac Sabbá preconiza:

Tal providência preliminar é fundamental, pois, já a partir da prisão em flagrante ou do inquérito policial, surgem as repercussões processuais quanto ao agente: ao preso a quem se imputa a prática de tráfico não será concedida, a princípio, liberdade provisória, já o indiciado pela prática delituosa descrita no art. 16 poderá obtê-la; aquele pode ter seus bens confiscados, para ale, de estar sujeito à pena restritiva de liberdade em regime integralmente fechado, este poderá obter a suspensão condicional do processo etc.109

E, ainda, Jorge Vicente Silva complementa:

A lei não determina nenhuma justificativa, e a autoridade policial não indica os motivos que levaram a esta ou àquela classificação jurídica. Cremos que, apesar de não haver obrigação legal de motivar a tipificação do ilícito, especialmente quando o indiciado tiver que ser mantido preso justamente em função dessa incidência penal, deverá a autoridade policial fundamentar a classificação dada ao ilícito penal nos moldes previsto no art. 30 ora em comento também no momento da comunicação da prisão em flagrante. 110

A classificação feita pela autoridade policial não é definitiva,

dela podendo discordar o representante do Ministério Público. Neste caso, Isaac

Sabbá aponta quais as repercussões processuais geradas:

O preso indiciado pela prática de tráfico, se denunciado por crime de menor potencial ofensivo, poderá obter imediata liberdade provisória; ou, por outro lado, o indiciado como autor de crime de uso, sendo denunciado pelo crime de tráfico, poderá ter cassada a fiança. 111

109 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 182 110 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 93 111 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 182/183

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Por último, o próprio juiz poderá dar outra classificação ao

crime, aplicando conforme o caso, os artigos 383 e 384, CPP. Assim é o

entendimento de Jorge Vicente Silva:

O juiz ao receber o inquérito policial relatado, poderá discordar da classificação jurídica posta pela autoridade policial. No caso de o réu encontrar-se preso face à tipificação do crime, e o convencimento do juiz seja de classificar o ilícito dentre os delitos considerados de pequeno potencial lesivo, deverá de imediato relaxar a prisão, e somente após ouvir o Ministério Público.112

2.1.2.3 Diligências complementares

A lei 10.409/02 previu no artigo 31 que “findos os prazos

previstos no art. 29, os autos de inquérito serão remetidos ao juízo competente,

sem prejuízo da realização de diligências complementares destinadas a

esclarecer o fato”. Arremata o parágrafo único do citado artigo que “as conclusões

das diligências serão juntadas aos autos até o dia anterior ao designado para a

audiência de instrução e julgamento”.

Jorge Vicente Silva aponta, basicamente, duas mudanças

relevantes havidas na nova lei em relação à antiga:

As diligências complementares e laudos serão juntados aos autos até a data anterior da audiência designada para instrução e julgamento, enquanto pela lei antiga essa providência era possível até a data do citado ato. A nova lei não faz expressa referência à realização e juntada aos autos do exame de dependência toxicológica, cuja matéria é regulada pela lei anterior.113

Ainda a propósito deste dispositivo, assevera Rômulo de

Andrade Moreira:

Tais diligências complementares são aquelas que não possam impedir ou inviabilizar a feitura da peça acusatória, ou seja, têm caráter efetivamente complementar (secundário) e não fundamental. E evidente que o inquérito policial deve trazer os fatos já suficientemente esclarecidos, sob pena de não ser

112 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 92 113 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 93

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possível ao Promotor de Justiça determinar e indicar na peça acusatória a causa de pedir. Caso contrário, os autos retornarão para complementação das investigações, sob pena de admitirmos uma denúncia inepta. 114

Tal situação é hoje claramente inconciliável com o

imperativo legal que permite às partes igualdade de armas, inclusive no exame de

provas, para além de repelir situações de surpresa processual, como dispõe Isaac

Sabbá:

As partes e o juiz deverão ter ciência das perícias, havendo oportunidade para concordarem com seus termos ou repudiá-las invocando nulidades. Por outro lado, se as perícias necessárias ao julgamento do feito não forem juntadas até o prazo prescrito no parágrafo único deste artigo, o juiz deverá designar nova data, além de requisitar as providências para a conclusão dos exames.115

Em relação à delação premiada e os meios investigatórios,

estes serão tratados mais adiante.

2.2 DA DENÚNCIA

A idéia sobre a não aplicabilidade do procedimento da nova

Lei de Tóxicos tem sido generalizada, pois o argumento central em que se funda

a assertiva reside na redação artigo 27 da lei nova.116 Para Renato Marcão, essa

conclusão não parece correta, uma vez que “a não observância do procedimento

estabelecido terá nulidade absoluta, porquanto violaria, inclusive, da ampla

defesa, já que as regras inovadoras instituídas, notadamente as do artigo 38,

proporcionaram maior amplitude defensória”.117

114 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei de tóxicos, aspectos processuais . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4161. Acessado em 14/07/2006. 115 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 185 116 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 605 117 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 605

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O artigo 37 prevê as providências que o Ministério Público

pode adotar, entre elas estão: arquivamento, requisitar diligências que entender

necessário, oferecer denúncia, ou, deixar de propor a ação penal, devendo ser

justificada. “O rol apresentado ao Ministério Público nos incisos I a IV do artigo 37

não é taxativo, apenas exemplificativo”.118 Esse artigo traz uma inovação no

prazo de oferecimento da denúncia, pois após o recebimento os autos do

Inquérito Policial, o Ministério Público terá dez dias para adotar uma das

providências.119

2.2.1 Do arquivamento

Poderá ser requerido o arquivamento em razão da extinção

da punibilidade, atipicidade do fato, autoria desconhecia, falta de justa causa,

ausência de interesse de agir, etc.120 Saliente-se que o juiz não poderá determinar

o arquivamento do inquérito policial, sem o requerimento ou manifestação

favorável do Ministério Público.121

Outra questão importante sobre o arquivamento é que, de

acordo com a nova lei, deverá ser feita a remessa dos autos ao Procurador-Geral,

e não apenas peças de informações do inquérito, como a norma instrumental

geral prevê.122

Jorge Vicente Silva expõe quais as alternativas que o

Procurador-Geral tem, quando feita à remessa dos autos à sua apreciação:

No caso de o Procurador-Geral entender que não seja o caso de arquivamento, ou oferecerá de imediato a denúncia ou designará outro representante do parquet para esta providência. No caso de os fundamentos da rejeição do arquivamento estiverem embasados em questões diversas do oferecimento da denúncia naquele momento, não haverá o oferecimento da denúncia,

118 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 606 119 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. O fracasso da Lei 10.409/02. disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4998. Acessado em 15/07/2006. 120 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei de tóxicos, aspectos processuais . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4161. Acessado em 14/07/2006. 121 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 103 122 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 103

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apenas o Procurador-Geral designará outro representante do Ministério Público para oficiar no inquérito. Sendo mantido o entendimento do Ministério Público pelo Procurador-Geral, o juiz terá que acatar a decisão e proceder ao arquivamento.123

2.2.2 Da requisição de diligências

Devido à situação apresentada no inquérito policial, o

representante do Ministério Público pode, em vez de oferecer a denúncia,

determinar outras providências. Assim, caso os indícios sejam escassos, poderá

requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, para novas diligências. 124

Nesse sentido, Jorge Vicente preceitua da seguinte forma:

No caso de requerimento de outras provas, entendemos que o Ministério Público somente poderá requerer, após este ato, aquelas que possam ser consideradas como notícia ou fato novo, cujo conhecimento a acusação teve somente após apresentada a exordial acusatória. Do contrário, neste momento encerra-se o prazo para requerer a produção de provas, isto não impede que faça requerimento ao juiz para que este requisite ou produza como prova do juízo, tal qual é possível em relação à tomada de depoimentos serodiamente requeridos.125

Importante ressaltar, que o dispositivo legal não fala em

devolução dos autos à Delegacia de origem para a realização de diligências.

Assim, em primeira análise, é de se concluir que os autos permanecerão com o

Ministério Público e as diligências requisitadas deverão ser realizadas pela

autoridade policial em apartado. Contudo, poderão os autos serem devolvidos à

Delegacia de origem para a realização das diligências requisitadas.126

No caso de eventual necessidade de realização de

diligências imprescindíveis, e se tratando de investigado preso, poderá acarretar a

123 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 104 124 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 212 125 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 107 126 MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei nº 10.409/2002 (nova lei anti-tóxicos). Procedimentos e instrução criminal . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2712. Acessado em 14/07/2006.

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sua imediata soltura. Agora, se tratando de investigado solto, a autoridade policial

deverá providenciar o necessário dentro do prazo que for fixado.127

Dessa forma, se o Ministério Público, mesmo estando com

os autos de inquérito, requisitar diligências por ofício, e se foram realizadas dentro

do restante do prazo de 10 (dez) dias concedido pelo caput do art. 37, “poderá o

Ministério Público, ainda dentro de seu prazo total, e após a realização das

diligências requisitadas e realizadas em apartado, oferecer a denúncia, não

decorrendo de tal prática constrangimento ilegal.”128

2.2.3 Do oferecimento da denúncia.

O inciso III do artigo 37 prevê que o Ministério Público

poderá “oferecer denúncia, arrolar até 05 (cinco) testemunhas e requerer as

provas que entender pertinentes”. Este inciso não pode ser integrado ao disposto

no artigo 46, Código de Processo Penal, “porque o legislador não fez qualquer

referência sobre o estado do indiciado (se preso ou solto). De forma que o prazo

será sempre de dez dias para o oferecimento da denúncia.” 129

Nessa corrente, Renato Marcão prescreve:

A lei estabelece o prazo de 10 (dez) dias, sem fazer qualquer distinção entre investigado preso ou solto, o que nos parece uma falha grave, já que historicamente o legislador sempre estabeleceu prazos mais curtos visando imprimir celeridade aos feitos que envolvem pessoa presa, com o recomendável intuito de evitar maior tempo de encarceramento cautelar. 130

Neste contexto, Simone Moraes explica a diferença do inciso

III para o inciso II do artigo 37 da lei ora em comento:

127 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 610 128 MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei nº 10.409/2002 (nova lei anti-tóxicos). Procedimentos e instrução criminal . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2712. Acessado em 14/07/2006. 129 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 212 130 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 611

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Este dispositivo traz a situação em que, concomitantemente ao oferecimento da denúncia, outras provas serão requeridas, para apreciação no curso da instrução criminal, diferentemente do que ocorre no inciso II, onde as novas provas são requeridas a fim de melhor elucidar os fatos para tomada de decisão do membro do Ministério Público (requer arquivamento ou oferecer denúncia).131

Jorge Vicente explica que “o representante do Ministério

Público não fica vinculado à classificação do crime lançada pela autoridade

policial, seja para tipificar, mais ou menos severamente, a conduta do agente.”132

2.2.4 Do não oferecimento da denúncia

Grande inovação trouxe o inciso IV do artigo 37, pois admite

claramente mitigação ao princípio da obrigatoriedade, prestigiando o princípio da

oportunidade.133

Em relação à aplicabilidade do estabelecido no inciso IV do

artigo 37, Renato Marcão dispõe:

Esta se aplica ao colaborador que revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, contribui para os interesses da Justiça (art. 32, § 2°). 134

Não há que se falar em negativa de propositura da ação

penal em virtude da aplicação do princípio da insignificância, pois o Presidente da

República vetou o artigo 32, caput, o capítulo em que autorizava a aplicação

desta benesse legal aos crimes de tóxicos.135

Sobre o princípio da insignificância, Issac Sabbá leciona:

131 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006. 132 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 107 133 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. O fracasso da Lei 10.409/02. disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4998. Acessado em 15/07/2006. 134 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 37 135 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 108

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Não se pode empregar um entendimento extensivo ao inciso IV, ora em exame, por um fato muito simples: é que a ratio do artigo 32 previa a possibilidade de o Ministério Público pedir o arquivamento do inquérito policial atendendo ás circunstâncias do fato, à personalidade do indiciado, à insignificância de sua participação no crime, parte que foi vetada após os muitos reclamos de diversos segmentos intervenientes no processo legislativo, principalmente o do Ministério Público. Para, além disso, a construção jurisprudencial que admite o princípio da insignificância não se coaduna com o modelo de processo penal brasileiro, que determina a obrigatoriedade da ação penal pública. Portanto, e à guisa de arremate, podemos dizer que a medida do inciso IV só se emprega quando verificadas as condições do §2°, do mencionado artigo 32.”136

2.3 CITAÇÃO DO ACUSADO PARA APRESENTAR DEFESA PRELI MINAR

O artigo 38 é o que mais celeuma trouxe à comunidade

jurídica. Alvo de intensas discussões, prevê o caput dispositivo mencionado que

“oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do

acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias,

contado da data da juntada do madato aos autos ou da primeira publicação do

edital de citação, e designará dia e hora para o interrogatório, que se realizará

dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 05 (cinco) dias,

se preso”.

A regra é a citação por mandado que é realizada

pessoalmente por oficial de justiça, podendo ocorrer por carta precatória (CPP,

art. 353), de ordem, ou rogatória (CPP, artigo 368), quando o acusado residir fora

da jurisdição do juízo processante.137

Sobre a citação do acusado, a jurisprudência já vem

decidindo:

“Conforme inteligência da Nova Lei Antitóxicos, antes de receber a denúncia, deve o dirigente processual determinar a citação do

136 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 213/214 137 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág.113

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denunciado para, no prazo de dez dias contados da juntada do mandado nos autos, oferecer defesa preliminar. Ofertada a resposta escrita, deve o representante ministerial ser ouvido. Após, o magistrado se manifestará sobre o recebimento da denúncia”(TJGO, SER 7.548-2/220, 1ª Câm. Crim., rel. Dês. Paulo Teles, j. 26-12-2002).

O oficial de justiça deverá proceder às tentativas possíveis

de localização do réu. Não o encontrando, certificará que se encontra em local

incerto e não sabido, o que permitirá a publicação de edital de citação.138

Jorge Vicente explica de que forma se procede a citação por

edital:

Na citação por edital cuida-se de procedimento excepcional, o qual somente tem cabimento quando não for possível efetivar-se a ciência pessoal ao acusado dos termos da acusação, constituindo-se por isso forma indireta dessa comunicação ao réu, sendo por esta razão chamada de ficta, face à presunção de que, através das publicidades dadas, presume-se que o acusado tenha tomado ciência do chamamento ao processo.139

2.4 DEFESA PRELIMINAR

Após a citação, o acusado deverá apresentar defesa

preliminar por escrito, no prazo de dez dias, contado da data da juntada do

mandado aos autos ou da primeira publicação do edital de citação.

Temos, efetivamente, uma defesa prévia, anterior ao

recebimento da peça acusatória, dando-se oportunidade ao denunciado de

contrariar a imputação feita pelo Ministério Público, rechaçando-a e tentando

obstaculizar a instauração da ação penal.140Na resposta, consistente de defesa

prévia e exceções, o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as

razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que

138 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 216 139 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 117 140 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei de tóxicos, aspectos processuais . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4161. Acessado em 14/07/2006.

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pretende produzir e arrolar testemunhas.141 Observe-se que nesse momento

processual serão realizadas diligências voltadas à formação da convicção do juízo

no tocante ao recebimento ou rejeição da denúncia.142

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a

resposta escrita deverá atacar, inclusive, o mérito da acusação, e deverá conter o

rol das testemunhas cuja oitiva se pretenda no curso da instrução, não havendo

outro momento para a indicação. 143

O acusado não pode apresentar defesa preliminar, devendo

constituir um advogado para tal. Caso o acusado não constitua advogado, um

defensor dativo deverá ser nomeado para apresentar defesa preliminar, como

explica Isaac Sabbá:

A resposta escrita, faz parte da defesa técnica. Portanto, em primeiro lugar, deverá ser produzida por advogado constituído. Se não houver qualquer manifestação dentro do decêncio legal, o juiz nomeará defensor, concedendo-lhe igual prazo ( de 10 dias ) tanto, que o juiz prontamente nomeie defensor àquele que se declarar carecedor de recursos financeiros para contratação de advogado. Em segundo lugar, parece-nos fora de questão a possibilidade do acusado. Além de que, a falta de nomeação de advogado para dar início à defesa técnica implicará nulidade absoluta (art. 564, III, c, CPP), entendimento, aliás, consolidado na súmula 523 do STF.144

Importante ressaltar a diferença entre defesa preliminar e

defesa prévia, como aponta Jorge Vicente:

Defesa preliminar possui inúmeras características que diferem da defesa prévia contemplada no Código de Processo Penal. Também com possibilidade de conseqüências jurídicas diferentes:

141 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 619 142 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006. 143 MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei nº 10.409/2002 (nova lei anti-tóxicos). Procedimentos e instrução criminal . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2712. Acessado em 14/07/2006. 144 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 217

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a) a defesa prévia é apresentada após o interrogatório, enquanto a defesa preliminar ora em comentário deve ser apresentada antes do recebimento da denúncia; b) a defesa preliminar é de obrigatória apresentação enquanto a defesa prévia é uma faculdade; c) o juiz pode pôr de imediato termo ao processo acolhendo as razões da defesa prévia. Neste caso somente poderá acatá-las ao proferir sentença após transcorrido todo o curso da instrução criminal.145

Dessa forma, “nova Lei de Tóxicos permite que o juiz, antes

ainda de receber a denúncia, analise as questões postas pela defesa, podendo

pôr fim à acusação conforme for o caso.”146

Em relação à apresentação da defesa preliminar, a

jurisprudência entende:

Conforme inteligência da Nova Lei Antitóxicos, antes de receber a denúncia, deve o dirigente processual determinar a citação do denunciado para, no prazo de dez dias contados da juntada do mandado nos autos, oferecer defesa preliminar. Ofertada a resposta escrita, deve o representante ministerial ser ouvido. Após, o magistrado se manifestará sobre o recebimento da denúncia. (TJGO, SER 7.548-2/220. 1ª Câm. Crim., rel. Dês. Paulo Teles, j. 26-12-2002).

Um ponto que gerou várias discussões foi a expressa

referência a “mandato” feita pelo legislador, que tem por significado aquele que,

quando são eleitos, eles recebem dos seus eleitores.

Por este deslize já se pode imaginar o cuidado que tiveram

os responsáveis pelo processo legislativo para aprovação da lei ora em

comentário. Apesar dos discursos destas autoridades ressaltando a importância

da prevenção e punição dos crimes de tóxicos.147

145 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág.126 146 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág.127 147 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág.128.

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2.5 INTERROGATÓRIO PRELIMINAR

Questão das mais controvérsias, ainda no âmbito do artigo

38 da Lei 10.409/02, é a do interrogatório. Afirma a doutrina que há indiscutível

contradição entre o artigo 38 e o artigo 41 da lei antitóxicos. 148

Há indiscutivelmente uma contradição entre os artigos 38 e

41, Rômulo de Andrade Moreira preferiu adotar o seguinte posicionamento:

A realização de apenas um interrogatório, na fase processual, não advindo daí nenhum prejuízo, até porque o denunciado terá a oportunidade de alegar qualquer fato em sua defesa escrita. Não faz sentido este primeiro interrogatório, ainda que esteja preso o indiciado. Aliás, a prevalecer a interpretação literal, nesta hipótese de indiciado preso o interrogatório antecederia mesmo a resposta preliminar.149

Em contrapartida, Jorge Vicente alega:

Não cremos que seja esta a melhor interpretação e nem que tenha sido a intenção do julgador ao regular esta matéria. Caso pretendesse não prever a realização do interrogatório antes de recebida a denúncia, não haveria deixado expresso que, no ato que determina a citação, será designado dia e hora para ouvida de acusado. Veja-se que a lei é taxativa, não deixando à faculdade do juiz terceira pessoa do futuro do presente (“designará”). Pretendesse o contrário teria usado os verbos “poderá designar”.150

Registre-se que a disposição legal que estabelece a

existência de dois interrogatórios na fase de instrução criminal, ainda é muito

controversa. Sobre essa divergência, Simone Moraes comenta:

De um lado, há de notar-se que a intenção da nova lei é a ampliação de possibilidade de defesa do acusado, e sendo assim, há de admitir-se a existência de dois interrogatórios. De outro

148GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. O fracasso da Lei 10.409/02. disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4998. Acessado em 15/07/2006. 149 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei de tóxicos, aspectos processuais . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4161. Acessado em 14/07/2006. 150 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág.137

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lado, se aceitável for a existência de dois interrogatórios, haveria aumento demasiado da pauta dos juízes.151

É de se concluir que, pela redação do art. 38, haveria uma

data anterior à audiência de instrução e julgamento para a realização do

interrogatório. Entretanto, para conciliar tais dispositivos, deduz-se que a data

designada para o interrogatório, em virtude do despacho a que se refere o art. 38,

deverá ser aproveitada para a instrução e julgamento, conforme se determinar em

segundo despacho, a ser prolatado em razão do recebimento da inicial acusatória

(artigo 40), uma vez que a audiência é una e a inquirição das testemunhas será

realizada após o interrogatório, na mesma audiência.152

Contudo, Isaac Sabbá discorda da realização do

interrogatório antes do recebimento da denúncia:

Tal prazo, ao nosso ver, só deverá ser contado após o transcurso da fase de admissibilidade, quando, efetivamente, o juiz receber a denúncia. Desta forma, o interrogatório não poderá ser determinado no despacho inicial, como dá a entender a redação do caput do art. 41. É a conclusão lógica a que se chega pela interpretação conjunta dos dispositivos referidos à fase de admissibilidade (arts. 38 e 40) e àquele referido à audiência de instrução e julgamento (art. 41).153

Outro grande problema é apontado por Renato Marcão:

A impossibilidade de realização do interrogatório dentro do prazo de 5 (cinco) dias, em se tratando de acusado preso, pois não é possível admitir seja ele interrogado antes da apresentação de sua resposta escrita, para a qual dispõe do prazo de 10 (dez) dias,

151 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006. 152 MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei nº 10.409/2002 (nova lei anti-tóxicos). Procedimentos e instrução criminal . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2712. Acessado em 14/07/2006. 153 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág 218

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contado da juntada do mandato de citação aos autos ou da primeira publicação do edital de citação.154

Para Renato Marcão, a parte final do artigo 38, caput, da lei

não reúne condições de aplicabilidade:

Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 horas, deverá ordenar a citação do denunciado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias... Nesta ocasião não deverá designar data para interrogatório, pois deverá aguardar o momento do art. 40, quando então, recebendo a denúncia, designará data para a audiência em que se procederá ao interrogatório, instrução, debates e julgamento, o que se revela mais adequado, considerando, inclusive, o disposto no art. 41 da Lei n. 10.409/02.155

Neste sentido, colhe-se entendimento jurisprudencial:

“Inadmissível, pelo procedimento previsto no art. 38 da Lei n. 10.409/02, designar data para o interrogatório do denunciado antes de vencido o prazo de 10 (dez) dias para oferecer resposta à acusação”. (TAPR, HC 0244911-0-Pinhais, 4ª Câm. Crim., rel Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo, j. 19-2-2004, v.u.).

Assim, Jorge Vicente Silva conclui que “o interrogatório

previsto no artigo 38 ora em comentário tem por finalidade a colheita do

depoimento pessoal do acusado, cuja prova também poderá servir para embasar

o juiz quanto ao recebimento ou rejeição da denúncia”. E reafirma dizendo que

“não há nenhuma barbárie legal nisso, mas sim, uma previsão para colheita de

mais um tipo de prova, a fim de dar maior segurança ao juiz no momento de

decidir quanto à instauração ou não da ação penal”.156

154 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 630 155 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 632 156 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág.139.

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2.6 RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

Ao receber a denúncia, o juiz deverá designar dia e hora

para que se dê a audiência e instrução e julgamento, mandando liminar, para o

ato, o acusado, o Ministério Público e, se for o caso, o assistente de acusação.157

Na sistemática da Lei Antitóxicos, para Renato Marcão a

questão tem novo relevo:

Com efeito, no mesmo despacho deverá o Juiz decidir, entre outros temas, sobre o recebimento ou rejeição da inicial acusatória e, recebendo-a, decidir desde já sobre as provas requeridas (art. 37, inc. III, e art. 38, § 1º). Assim, considerando a amplitude da decisão a ser proferida, resulta evidente que a ausência do referido despacho acarretará inegável nulidade do feito. A nosso ver, nulidade absoluta, que deverá ser reconhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição.158

O atual procedimento exclui o despacho saneador previsto

no artigo 23, da Lei 6.368/76, que tinha por objetivo escoimar do processo seus

vícios e colocá-lo em ordem para julgamento e que precedia a designação da

audiência de instrução e julgamento. Para Isaac Sabbá, “tal fase é dispensável,

uma vez que as questões prejudiciais, como as exceções, são tratadas ainda na

fase da resposta escrita do réu após a manifestação do Ministério Público”.159

Há discussão quanto à necessidade de o juiz fundamentar

ou não o despacho que recebe a denúncia, sendo majoritária a corrente que

dispensa a motivação deste ato judicial. 160

Alegando que ocorrerá nulidade do feito devido a ausência

do despacho que recebe ou rejeita a denúncia, Renato Marcão afirma, ainda, “ser

157 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006. 158 MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei nº 10.409/2002 (nova lei anti-tóxicos). Procedimentos e instrução criminal . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2712. Acessado em 14/07/2006. 159 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág 221/222 160 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág.142/143

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imprescindível uma fundamentação adequada ao momento processual, sem

análise profunda de mérito, devendo a apreciação restringir-se à constatação da

existência do delito imputado, indícios suficientes da autoria e condições da

ação”.161

Para as hipóteses de recebimento ou rejeição da denúncia,

Jorge Vicente Silva alega:

No caso de decisão que rejeita a denúncia, não cabe esta restrição, devendo ela enfrentar todas as questões de fato e de direito, motivar devidamente o julgado com análise de todo o conjunto probatório, porque a rejeição desta peça, salvo as hipóteses de sua ocorrência em razão de vício formal, faz coisa julgada sobre o mérito da acusação. Já o julgado que recebe a inicial acusatória não pode fazer incursões aprofundadas sobre o material cognitiva carreado para os autos, relacionados com a autoria do crime, sob pena de julgar e condenar o acusado já neste despacho, o que é vedado.162

Embora a lei não faça qualquer menção, Renato Marcão

aponta outra questão muito importante:

O Juiz deverá também determinar, no mesmo despacho, a intimação do defensor e das testemunhas arroladas na inicial acusatória e na defesa prévia (resposta escrita), bem como a cientificação da autoridade policial e dos órgãos dos quais dependa a remessa de peças ainda não constantes dos autos. 163

2.7 DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

A lei de tóxicos dispõe no artigo 41 que, “na audiência de

instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das

testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do

Ministério Público e ao defensor do acusado, pelo prazo de 20 (vinte) minutos

161 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 638 162 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág. 144 163 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 639

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para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz, que, em seguida,

proferirá sentença”.

“Nota-se que o legislador resolveu concentrar os atos de

instrução numa só audiência que, a princípio é indivisível.”164 “Em audiência única

o acusado é interrogado, ouvidas as testemunhas das partes e do juízo, se for o

caso, e, finalmente proferida sentença”.165

No interrogatório, o juiz deve indagar o acusado sobre a

dependência toxicológica deste. “Mesmo sendo a resposta do acusado positiva, o

juiz não está obrigado a instaurar o incidente, caso não estejam presentes os

elementos indicadores da dependência”.166

Aliás, dessa forma entende o Supremo Tribunal Federal.

Veja-se:

A necessidade do exame pericial de dependência toxicológica não se restringe à declaração de viciado do acusado, mas deve se coadunar com outros elementos de convicção durante a instrução probatória.

“Dessa forma, verificada a necessidade da realização do

exame, o juiz deve determinar a realização da prova, e, após a juntada do laudo

nos autos, designar nova data para os debates e sentença”.167

Nesse sentido, afirma Renato Marcão:

Considerando que a real constatação da necessidade de realização ou não do exame de dependência deverá ocorrer na audiência em que se procederá ao interrogatório, instrução, debates e julgamento, deverá o Magistrado colher toda a prova e só depois, uma vez constatada a real necessidade a seu ver e

164 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 225 165 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 161 166 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006. 167 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006.

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sentir, conforme decorrer notadamente do interrogatório, determinar a realização do exame.168

Não sendo o caso de se determinar a apuração pericial da

condição de dependente ou usuário, preceder-se-á conforme o disposto no artigo

41. Contudo, havendo necessidade de se proceder à apuração pericial da

condição de dependente ou usuário, colhida a prova oral em audiência, deverá o

juiz determinar a realização do exame, podendo designar nova data para a

audiência, ou até mesmo determinar que as partes apresentem memoriais.169

Dessa forma pudemos constatar o estudo do procedimento

criminal da Lei 10.409/02, analisando todas as suas fases. Passamos, então, ao

estudo das questões processuais mais divergentes na Lei Antitóxicos.

CAPÍTULO 3

OUTRAS QUESTÕES PROCESSUAIS DAS LEIS

ANTITÓXICOS

3.1 APLICABILIDADE DA LEI 10.409/02

A Lei 6.368/76 rege as medidas de prevenção e repressão

ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinam

dependência física ou psíquica ao indivíduo. Em seu contexto, estão contidas

regras relativas à prevenção (arts. 1° a 7°), trata mento e recuperação (arts. 8° a

11°), crimes e penas (arts. 12° a 19°), procediment o criminal (arts. 20° a 35°) e

disposições gerais (arts. 36° a 47°).

Ocorre que, depois de mais de 25 anos em vigor, esta lei se

tornou defasada e necessitada de mudanças, em virtude das grandes mudanças

168 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 646 169 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 647

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a que vem passando a sociedade bem como o Direito Criminal, ao longo desse

tempo.

A Lei 10.409/02 tramitou no Congresso Nacional durante 11

anos, visando a atualização e ao aprimoramento da Lei 6.368/76. Nesse

diapasão, Flúvio Cardinelle discorre:

Criada para regular toda a matéria relativa aos entorpecentes ilícitos, a nova lei, que entrou em vigor em 28 de fevereiro de 2002, haveria de ser inovadora e completa, dispondo sobre prevenção, tratamento, fiscalização, controle e repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica. Entretanto, a citada lei, que originalmente continha cinqüenta e nove artigos, sofreu inúmeros vetos por parte da Presidência da República, restando menos da metade de seu texto.170

No mesmo sentido, dispõe Jorge Vicente:

A Presidência da República, por questões técnicas, viu-se obrigado a vetar diversos dispositivos legais da lei, dentre eles os que tratavam de matéria penal e processual penal, especialmente porque afrontavam dispositivo constitucional e/ou princípios gerais de direito.171

“De fato, a sistemática adotada pela nova lei antitóxicos é

extremamente confusa, pouco técnica e dá azo a grandes discussões

interpretativas”.172 Desta forma, Renato Marcão comenta:

Longas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, verdadeiros embates deverão sobrevir, como já se percebe pela inquietação reinante na comunidade jurídica e até mesmo na sociedade em

170 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. O fracasso da Lei 10.409/02. disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4998. Acessado em 15/07/2006. 171 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 14 172 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. O fracasso da Lei 10.409/02. disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4998. Acessado em 15/07/2006.

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geral, cada vem mais preocupadas com as questões relacionadas com a criminalidade, notadamente nos dias atuais.173

Na mesma linha, Flúvio Cardinelle afirma:

Ao contrário do que se quis, a Lei n. 10.409/02 não trouxe solução para as questões jurídico-penais e processuais atinentes à prevenção e à repressão do uso e tráfico de drogas ilícitas, antes, constitui-se num grande problema de hermenêutica jurídica.174

São pesadas as críticas tecidas acerca da Lei 10.409/02.

Simone Moraes toca o ponto fundamental de nosso estudo:

Desde a entrada em vigor da nova Lei Antitóxico, Lei 10.409/02, mesmo com inúmeros vetos do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, grande polêmica envolve a questão da aplicabilidade ou não das disposições acerca do procedimento e da instrução criminal determinados pela nova lei.175

Inúmeras alterações no procedimento foram feitas pela nova

lei, trazendo grandes inovações. Algumas destas inovações são apresentadas por

Jorge Vicente:

Em termos de processo, a nova lei alterou sensivelmente os procedimentos em relação ao Código de Processo Penal e outras legislações especiais. Tanto em relação à fase policial quanto na judicial, e em especial pela implantação da obrigatoriedade de apresentação de defesa preliminar antes do recebimento da denúncia, inclusive prevendo nesta fase o interrogatório do acusado, autorização para infiltração de policiais junto a quadrilhas, grupos, organização ou bandos, para fins de investigação, concentração de audiência única, na qual realizar-se-à o interrogatório do acusado, oitivas das testemunhas da

173 MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei nº 10.409/2002 (nova lei anti-tóxicos). Procedimentos e instrução criminal . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2712. Acessado em 14/07/2006. 174 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. O fracasso da Lei 10.409/02. disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4998. Acessado em 15/07/2006. 175 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006.

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acusação e defesa, apresentação das alegações pelas partes e sentença etc.176

Como resultado, encontram-se em vigor duas leis antitóxicos

parcialmente mutiladas face a inaplicabilidade de alguns dispositivos de uma e de

outra, proporcionado as mais diversas conclusões e confusões jurídicas no

campo interpretativo. De acordo com Renato Marcão, in verbis:

Estamos diante de uma Lei que, a pretexto de melhorar a antiga sistemática da Lei 6.368/76 não a revogou. Não define crimes; estabelece um procedimento que não se aplica a nenhuma hipótese, a nenhum delito; não trata de inúmeras questões inevitáveis, que permanecem regidas pela Lei 6.368/76, como as pertinentes à semi-imputabilidade e inimputabilidade, tratadas nos arts. 19 e 29 do Diploma que se pretendeu minimizar como superado.177

O artigo 59 que previa a revogação da Lei 6.368/76 foi

vetado pela Presidência da República, estando, dessa maneira, tanto a antiga

quanto a nova lei, em vigor, acarretando dificuldades de interpretação, como

salienta Jorge Vicente:

Há necessidade para isso da aplicação de uma justaposição entre as duas normas para aferir qual é aplicável, cuja conclusão extrai-se do confronto entre as duas leis, e, quando elas conflitarem, aplica-se a nova, incidindo a antiga nos pontos em que não houver conflito.178

“O procedimento aplicável aos crimes de tóxicos deve ser o

da nova lei, por ser este mais amplo e benéfico ao acusado, e, no caso de lacuna,

aplica-se disposições da Lei 6.368/76”.179

176 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 16 177 MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei nº 10.409/2002 (nova lei anti-tóxicos). Procedimentos e instrução criminal . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2712. Acessado em 14/07/2006. 178 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 17 179 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006

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3.2 LEI 11.343 – A NOVA LEI ANTITÓXICOS

Sancionada no dia 23 de agosto pelo presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, a Lei n°11.343, de 2006, cria o Sist ema Nacional de Políticas

Públicas sobre Drogas (Sisnad). O objetivo é articular, integrar, organizar e

coordenar as atividades de prevenção, tratamento e reinserção social de usuários

e dependentes de drogas e de repressão ao tráfico. A Lei entra em vigor 45 dias

após a sua publicação.

Os crimes de tóxicos estavam previstos no art. 12 e

seguintes da Lei 6.368/76, que foram vetados na Lei 10.409/02. Agora, os crimes

estão previstos na nova lei de drogas, Lei 11.343/06, no art. 33 e seguintes,

devendo seguir o procedimento especial contido na mesma lei no art. 50 e

seguintes, ou seja, inquérito policial, oferecimento de denúncia, defesa preliminar,

recebimento ou rejeição da denúncia, audiência de instrução debates e

julgamento etc.

3.2.1 Benefícios processuais no crime de porte ilíc ito de entorpecentes

O art. 16 da Lei 6.368/76 previa a pena de detenção, de 06

(seis) a 02 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa,

para o agente que adquiri, guarda ou traz consigo substância entorpecente.

Contudo, o uso de drogas em si jamais foi considerado crime, como explica

Daniel Nery:

De fato, o artigo 16 da Lei 6.368/76 incrimina aquele que adquire, guarda ou traz consigo a substância proibida. O legislador não pune o agente por ser consumidor, mas sim por circular ou permitir a circulação das substâncias psicotrópicas. É a aplicação do princípio da alteridade , em que o direito penal não pode punir quem só faz mal a si mesmo. Só interessam as condutas que transcendam a figura do autor e se tornem capazes de ferir o interesse do outro, ou neste caso, da sociedade. O que se coíbe

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na Lei 6.368/76 é o perigo social resultante da circulação da droga!180

A lei 6.368/76 equiparava o usuário a um criminoso, pois ao

invés de buscar uma cura para o vício, a lei até então punia uma pessoa que

poderia se restabelecer se acaso houvesse o correto tratamento psicológico,

médico e social.

O sujeito que fosse preso em flagrante com droga seria

conduzido até a autoridade policial, para se lavrar o competente auto de prisão

em flagrante. O sujeito então seria submetido ao Juizado Especial Criminal, pois,

“quando este preencher os requisitos contidos no art. 89 da Lei 9099/95, ser-lhe-á

facultada, ab initio, a suspensão condicional do processo”.181

O art. 89 e parágrafos seguintes instituem sobre a

suspensão condicional do processo, também chamado de sursis processual. O

sursis processual alcança os crimes em que pena mínima cominada for igual ou

inferior a 1 (um) ano, abrangidos ou não pela Lei dos Juizados Especiais.

Segundo a Lei 9.009/95, são consideradas infrações penais

de menor potencial ofensivo as contravenções e crimes cuja pena máxima não

supere 1 (um) ano, não se aplicando o procedimento dos Juizados Especiais se

tais infrações tiverem um outro procedimento especial previsto em lei (art. 61).

Dessa forma, caso haja a frustração na tentativa de transação na audiência

preliminar, o procedimento a ser seguido em juízo será o rito sumaríssimo da Lei

9.009/95 e não o rito especial da Lei de Tóxicos, já que o delito passou a ser

considerado de menor potencial ofensivo.182

Até pouco tempo atrás, cogitava-se a idéia de despenalizar o

usuário de substâncias entorpecentes, devendo-se aplicar medidas que fossem

180 NERY, Daniel Christianini. A lei brasileira e os usuários de drogas. Disponível em http://www.revistaautor.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=462&Itemid=44. Acessado em 05/09/2006. 181 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 95 182 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. O novo conceito de menor potencial ofensivo. Disponível em http://www.damasio.com.br/?page_name=art_027_2002&category_id=34. Acessado em 05/09/2006.

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mais eficazes à recuperação do usuário em relação ao vício. Nesse sentido,

Reynaldo Costa discorre:

Melhor seria optar pela descriminalização da conduta de uso de tóxicos, proposta muito comentada pela mídia. Ocorre que ao chegamos a este ponto e, com aplicação do art. 89 da Lei 9.009/95 aos processos do crime do art. 16 da Lei 6.368/76, vislumbra-se uma nova possibilidade de correção e ressocialização do toxicômano. Sujeito ao período de prova e a condições especiais fixadas pelo juiz nos termos do §2°, do art. 89, o usuário de drogas tem responsabilidade e uma oportunidade de encontrar “orientação” para sua recondução ao convívio social sadio, longe do vício e dos traficantes. Esse entendimento é plenamente justificável, adequando-se de forma técnica ao nosso ordenamento jurídico.183

Antes da Lei 9.009/95, o art. 16 era tratado pela polícia,

adotando-se a política da criminalização. Após a Lei 9.009/95, permitiu-se a

transação penal e a suspensão condicional do processo, afastando-se a resposta

penal dura precedente, sem retirar o caráter criminoso do fato, abrindo-se, dessa

forma, a primeira perspectiva despenalizadora em relação à posse de droga para

consumo pessoal.184

A ampliação do conceito de infração de menor potencial

ofensivo para todos os delitos punidos com pena até dois anos veio com a Lei

10.259/01, sendo mais um passo para a depenalização em relação ao art. 16, que

passou a ser considerado infração de menor potencial ofensivo. O advento da Lei

11.313/06 veio consolidar essa tendência, pois com a alteração do art. 61,

admitiu-se como infração de menor potencial ofensivo todas as contravenções,

bem como os delitos punidos com pena máxima não excedente de dois anos.185

Nessa corrente, Victor Gonçalves preceitua: 183 COSTA, Reynaldo Lúcio Moutinho. Aplicação da suspensão condicional do processo aos casos dos usuários de drogas. Disponível em http://orbita.starmedia.com/jurifran/ajsus.html. Acessado em 05/09/2006. 184 GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal. Disponível em http://www.juristas.com.br/revista/coluna.jsp?idColuna=1954. Acessado em 28/08/2006. 185 GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal. Disponível em http://www.juristas.com.br/revista/coluna.jsp?idColuna=1954. Acessado em 28/08/2006.

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Existe entendimento no sentido de que as novas regras não seriam aplicáveis aos crimes de porte de entorpecentes, porte de armas e calúnia, porque esses delitos são apenados com detenção, de seis meses a dois anos, e multa, e a Lei n. 10.259/02 só as admitiria se a pena fosse de dois anos, ou multa. Para os seguidores dessa corrente, o fato de haver previsão cumulativa de multa excluiria a competência dos Juizados Especiais Criminais. Tal raciocínio, entretanto, é absurdo. Inicialmente, porque se fosse essa a intenção do legislador, o texto deveria ser expresso. Em segundo lugar, porque existe uma vírgula separando a pena privativa de liberdade – máxima de dois anos – da menção à pena de multa. Além disso, considerando que o art. 61 da Lei n. 9.009/95 está derrogado, o acolhimento dessa interpretação acabaria excluindo da competência dos Juizados crimes como desobediência (detenção de um a seis meses, e multa), favorecimento pessoal (detenção de um a três meses, e multa), favorecimento real (detenção de um a seis meses, e multa).

A Lei 11.343/06, nova lei de tóxicos, em seu art. 28, veio

dispor sobre o usuário de drogas. Contudo, a pena cominada é de advertência,

prestação de serviços à comunidade e medida educativa, conforme os incisos I,II,

e III.

Sobre a punição do usuário, Luiz Flávio Gomes ensina:

Não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Em outras palavras: a nova lei de tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “infração penal” porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração penal no nosso país. Em conclusão: nem é ilícito “penal” nem “administrativo”: é um ilícito “sui generis”.186

186 GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal. Disponível em http://www.juristas.com.br/revista/coluna.jsp?idColuna=1954. Acessado em 28/08/2006.

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O art. 48, §1°, da nova lei, dispõe que o procedime nto penal

a ser adotado será o previsto no art. 60 e seguintes da Lei 9.009/95, caso o

agente cometa algumas das condutas tipificadas no art. 28 da Lei Antidrogas.

Dessa maneira, Luiz Flávio Gomes preconiza:

As infrações contempladas no art. 28 (posse de droga para consumo pessoal – art. 28, caput – e semear, cultivar ou colher plantas tóxicas também para consumo pessoal – art. 28, §1°) são também de menor potencial ofensivo. Aliás, todas as infrações com sanção até dois anos de prisão são de menor potencial ofensivo. O processamento delas segue, em regra, o dispondo no art. 60 e ss. Da Lei 9.009/95 (lei dos juizados especiais). Precisamente isso é que está dito no art. 48, §1°, da nova lei de drogas.187

Grande inovação na lei de drogas é a impossibilidade da

lavratura do auto de prisão em flagrante e não condução ao cárcere. O agente

surpreendido pela polícia na posse de droga para consumo próprio, será

abordado, visando à cessação do ilícito penal. Após isso, deverá ser

encaminhado, mesmo que de forma coercitiva, ao juízo competente, na falta

deste, assumirá o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo

circunstanciado, perante a autoridade policial, de acordo com o art. 48, §§ 2° e 3°.

3.2.2 Novos instrumentos de investigação

3.2.2.1 Infiltração de policiais

Novos métodos de investigação dos crimes de tóxicos foram

introduzidos pela Lei 10.409/02, além daqueles já indicados na chamada lei do

crime organizado. A lei regula “a infiltração de agentes policiais visando colher

informações sobre a atuação de grupo de pessoas que se unem para a prática de

crime”,188 mediante autorização judicial. “Quanto à infiltração de policiais, não é

187 GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal. Disponível em http://www.juristas.com.br/revista/coluna.jsp?idColuna=1954. Acessado em 28/08/2006. 188 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 50

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praticamente uma novidade, já que tal procedimento era previsto na Lei do Crime

Organizado desde 2001, sendo acrescentado pela Lei 10.217/01”.189

O agente se infiltra para que possa obter informações sobre

o crime. Sobre a função do agente infiltrado, Isaac Sabbá explica:

O agente infiltrado, que mantém sua verdadeira identidade encoberta ao passo que adota uma falsa para ganhar a confiança do criminoso ou criminosos, passa a conviver no meio criminoso, inclusive fazendo parte dos planos e ações criminosas, mas não induz quem quer que seja ao crime. Não dá causa ao crime e nem determina uma conduta criminosa.190

Contudo, a lei não estabeleceu de que forma deverá ser a

atuação do agente infiltrado. Nesse contexto, Jorge Vicente preceitua:

A matéria relacionada com a infiltração de policiais apenas constou nos dispositivos legais que dela trataram, sem que haja norma legal regulando e disciplinando a atuação do agente infiltrado, o que gera enorme insegurança tanto para a autoridade que autoriza este procedimento quanto para o agente que irá infiltrar-se. Não se sabe quais os limites desta infiltração, o tempo que deve durar, a identidade que deverá usar o infiltrado, sua situação no caso de ser descoberta a verdadeira identidade etc.191

Em casos que os limites de infiltração não forem fixados pela

lei, quem deverá desempenhar este papel serão a doutrina e a jurisprudência.

Pois é gritante a necessidade de essa matéria ser regulada, para que, dessa

forma, possam ser colocadas em prática, sem os temores que a incerteza hoje

gera.192

Outro ponto importante é que a lei autoriza a infiltração não

só durante o inquérito policial, como também no curso da ação penal. Para que

isso ocorra é necessário a manifestação do Ministério Público, bem como a 189 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006 190 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 204 191 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 51 192 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 52

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autorização do juiz, devendo este autorizar mediante o prévio conhecimento de

indícios da autoria e materialidade, pois não observado isto, ferirá os direitos

fundamentais à intimidade e à vida privada, conforme o disposto no artigo 5°, X,

da CF.193

Concordando em parte, Jorge Vicente preconiza:

Esta infiltração pode ocorrer em qualquer fase da persecução criminal (Lei 9.034/95, art. 2°, caput). Portanto, a medida é cabível tanto na fase policial quanto na judicial, necessitando em qualquer uma das hipóteses de permissão judicial. Sempre, antes de decidir sobre esta modalidade de solicitação, o juiz deverá previamente ouvir o Ministério Público. Apesar de opiniões em contrário, entendemos que não há necessidade da existência de fortes indícios de autoria e materialidade do delito, bastando que uma delas seja razoavelmente de conhecimento da autoridade.194

Insta ressaltar que a infiltração justifica-se à prevenção

repressão, mantendo um mínimo de ética. Sob este aspecto escreveu Rômulo

Moreira, “a depender evidentemente de cada caso concreto, que, nada obstante a

conduta típica, estaríamos diante de um estrito cumprimento do dever legal se o

ato praticado fosse rigorosamente necessário, excluindo a ilicitude”.195

3.2.2.2 A não-atuação policial

Está disciplinado pelo inc. II do art. 33, da nova Lei de

Tóxico “a não-autuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou

drogas ilícitas que entrem no território brasileiro, dele saiam ou nele transitem,

com a finalidade de, em colaboração ou não com outros países, identificar e

responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e

distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”.

“Busca-se uma autuação mais eficaz no sentido de

conseguir um maior conjunto de informação sobre a atuação de todos os

193 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 207 194 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 53 195 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei de tóxicos, aspectos processuais . Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4161. Acessado em 14/07/2006.

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envolvidos”.196 Isso quer dizer que ocorrerá a “prisão retardada” em flagrante,

para obter um maior êxito das diligências, contando sempre com o monitoramento

da polícia que manterá o domínio da situação, bem como controlará a ação dos

investigadas.197

Foi necessária a introdução dessa modalidade na previsão

legal, como bem anotou Jorge Vicente:

Justifica-se a necessidade de previsão legal para esta modalidade de atuação da autoridade policial porque este tipo de crime (especialmente o tráfico), normalmente é de características permanentes, possuindo as autoridades e agentes o dever jurídico de efetuarem a prisão em flagrante quando encontrarem alguém portando substância tóxica sem a devida autorização dos órgãos competentes. A omissão Poe implicar responsabilidade tanto administrativa quanto penal.198

Há discussão se este inciso aplica-se a somente tráfico

internacional ou, se a tráfico interno também. Nesse diapasão Renato Marcão

dispõe:

As disposições do inciso II do art. 33 só se aplicam aos casos de tráfico internacional, conforme se depreende da literalidade de seu texto, reforçada pelas disposições dos incisos I e II do parágrafo único do mesmo artigo. Em se tratando de tráfico interno, a possibilidade de “não-atuação policial sobre os portadores” fica afastada.199

A impressão que passa esse inciso é que realmente a regra

não se aplica ao tráfico interno. Pois aqui surge uma crítica a esta limitação, ora,

grande prova se faz os jovens viciados em nosso país, demonstrando que o

tráfico interno é tão nocivo quanto é o externo. Em vista desses fatos, Jorge

Vicente ensina:

196 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 600 197 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 600 198 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 43 199 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 600

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Não é esta a interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal em contrário, porque esta norma prevê “a não-atuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que entrem no território brasileiro, dele saiam ou nele transitem”. A expressão “nele transitem”, autoriza a incidência desta norma sempre que tiverem transitando substâncias ilícitas de entorpecente e drogas afins, mesmo internamente em nosso território e sem destino ao exterior.200

Outra questão importante é a identificação tanto dos agentes

do delito, como do itinerário. Desta forma, Isaac Sabbá afirma:

É claro que a operação deve ser realizada com certas garantias para o êxito do fim almejado. A polícia deverá contar com informações acerca do itinerário provável dos traficantes, para além de ter determinada a identificação destes e dos colaboradores.201

Em contrapartida, Jorge Vicente entende:

Por isso, entendemos que não há necessidade da identificação precisa, mas apenas provável dos agentes infratores controlados para que seja autorizado este tipo de operação. Também o conhecimento do itinerário provável dos agentes infratores como condição para deferimento dessa medida poderá gerar dificuldades para que esta medida investigatória possa ser colocada em prática, pois, nem sempre no momento em que a autoridade toma conhecimento de uma operação de tráfico, - com pessoas em estado de flagrância -, tem conhecimento, mesmo que provável, quanto ao itinerário a ser seguido pelos agentes que desencadeiam a operação criminosa.202

O artigo 53, I e II, da Lei 11.343/06, comprova que a nova lei

de tóxicos não alterou e muito menos acrescentou nada sobre os meios

investigatórios, tornando a matéria defasada, não impondo limites e,

principalmente, proteção para aqueles que procedem como agentes infiltrados.

200 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 55 201 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 208 202 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 56

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3.2.2.3 Do acesso a provas acobertadas por sigilo

O art. 34 da nova lei de tóxicos refere-se à persecução

criminal e à adoção dos procedimentos investigatórios previstos no art. 33.

Renato Marcão comenta quais as possíveis providências

tomadas para a persecução criminal:

Havendo indícios suficientes da prática criminosa, o Ministério Público poderá requerer, para a persecução criminal e adoção dos procedimentos investigatórios previstos no art. 33, o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, patrimoniais e financeiras; a colocação, sob vigilância, por período determinado, aos sistemas informatizados das instituições financeiras e a interceptação e a gravação das comunicações telefônicas, por período determinado, observado o disposto na legislação pertinente e no Capítulo II da Lei n. 9.034, de 1995.203

Será o juiz quem vai presidir as diligências realizadas por

pessoas por si requisitadas, ficando estas incumbidas de lavrar o termo

circunstanciado das etapas investigatórias. Correndo tudo sob sigilo para evitar o

manuseio pelos funcionários do cartório judicial.204 Contudo, as partes mais

interessadas poderão ter acesso a essas diligências, como explica Isaac Sabbá:

Entendemos, no entanto, que as partes diretamente intervenientes, como o Ministério Público e a autoridade policial deverão ter acesso franqueado a tais diligências, dando encerradas as diligências, o próprio réu e seu defensor terão conhecimento das diligências, as quais, no entanto, permanecerão em autos separados e mantidos em segredo.205

Importa lembrar, como bem observou Renato Marcão que,

“não há previsão expressa quanto à possibilidade de ataque recursal contra a

203 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 602 204 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 210 205 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 210

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decisão que defere ou indefere o pedido formulado com base no art. 34 da Lei n.

10.409/02”.206

A lei autoriza em sentido amplo a quebra judicial do sigilo,

ou seja, se estende não só aos investigados como também a toda e qualquer

pessoa ou instituição, devidamente comprovada a necessidade das

investigações.207

Não há necessidade de citação dos interessados sobre a

sentença que decreta a quebra de sigilo, pois somente após o vencimento do

período de sigilo necessário para a colheita da prova é que serão intimados. Nem

mesmo o advogado tem direito a ter acesso ao feito durante a fase sigilosa.208

Sobre o acesso a provas acobertadas por sigilo, a nova lei

não faz nenhuma menção.

3.2.3 Transação entre o indiciado e o ministério pú blico

3.2.3.1 Colaboração antes do oferecimento da denúnc ia

O §2° do artigo 32 traz grandes novidades, como com enta

Simone Moraes:

É uma inovação na persecução penal contra crimes de tóxicos a chamada “colaboração processual”, decorrente de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, ensejando a prisão de um ou mais de seus membros; tomar possível a apreensão da droga ilícita ou que, de qualquer maneira, contribuir para os interesses da Justiça.209

206 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 602 207 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 602 208 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 60 209 SANTOS, Simone Moraes dos. Anotações sobre o procedimento e a instrução crimin al à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4689. Acessado em 15/07/2006

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O que o legislador pretendeu dizer foi que havendo o

acordo, o Ministério Público poderá deixar, justificadamente, de propor ação

penal, como dispõe o artigo 37, inciso V da lei em comento.210

Note-se que os requisitos exigidos são a espontaneidade e a

relevância da revelação, como observa Isaac Sabbá:

Deve preponderar, portanto, a vontade de colaborar com a polícia judiciária ou com a Justiça, nada impedindo, no entanto, que a polícia alerte o autor do ilícito quanto à responsabilidade de obtenção de um dos benefícios.211

Cabe ao juiz avaliar os resultados obtidos, valorando até que

ponto houve resultado pela colaboração do agente. Nesse sentido, Jorge Vicente

analisa:

Apesar do termo técnico equivocado, porque antes da denúncia não há processo, e portanto, não se pode sobrestá-lo, é bastante razoável esta interpretação, a fim de possibilitar que seja checada a veracidade das informações dadas pelo acusado a título de colaboração para o processo, assim como a sua importância, sob pena deste instituto ficar exposto a “malandragem”, onde até mesmo informações sutilmente desvirtuando a persecução criminal, sirvam para beneficiar infratores que na verdade nada delataram.212

Ponto importante é que a lei “nada fala da atuação do juiz no

controle da regularidade da transação, intervenção esta que nos parece

imprescindível face ao modelo de processo penal que adotamos”.213 Na mesma

corrente, Jorge Vicente:

Mesmo com a maior boa vontade não haveria com excluir o juiz de atuar nesta relação jurídica (acordo), porque, no caso de aplicação da benesse na modalidade de diminuição da pena,

210 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 72 211 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 191 212 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 72 213 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 192

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primeiro terá que haver uma sentença condenatória, cabendo ao julgador aplicar as causas de diminuição da reprimida.214

Contudo, Renato Marcão discorda alegando que:

O acordo realização não precisa ser submetido à homologação do Poder Judiciário; entretanto, documentado nos do processo, acarretará a incidência da norma em comento, desde que verificada a hipótese nos termos em que regulada, vale dizer, desde que comprovadamente alcançados os objetivos da avenca.215

O acordo firmado, além de ser submetido ao juízo, deverá o

representante do Ministério Público deverá justificar as razões de sua realização,

seja em ata ou por petição.216

3.2.3.2 Colaboração após o oferecimento da denúncia

Diferente do disposto no §2°, o §3° expressa que o

destinatário dos benefícios estipulados deve fazer parte da quadrilha, do bando,

do grupo ou organização que delata.217

O acordo previsto na fase do inquérito policial não poderá

mais ser aplicado, cuidando-se, agora, de causa de diminuição de pena e de

perdão judicial. Lembrando que estes benéficos só poderão ser aplicados após o

oferecimento da denúncia, sendo esta recebida ou não.218

Para que o acusado possa ser beneficiado, “basta que faça

revelação eficaz acerca dos demais integrantes da organização criminosa ou da

localização do produto, da substância ou droga ilícita”.219 Da mesma maneira,

ensina Jorge Vicente:

214 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 74 215 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 593 216 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 76 217 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 594 218 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 79 219 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 193

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A citada norma exige “revelação eficaz” dos demais integrantes da quadrilha ou bando. Observe-se que não há necessidade de que um ou todos os integrantes da quadrilha ou bando sejam presos, bastando a identificação de todos os outros integrantes desta modalidade de associação de infratores. Há necessidade que “todos” sejam no mínimo identificados, independentemente de ser ou não instaurada a persecução criminal.220

Na mesma corrente, Isaac Sabbá:

De qualquer forma, a revelação deve ser eficaz, ou seja, deve produzir efeitos práticos quanto aos demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou na localização do produto, substância ou droga ilícita. Repare-se que aqui o legislador não refere sobre “a prisão de um ou mais” dos integrantes da organização criminosa, mas, tão-somente, na “revelação, eficaz, dos demais integrantes”. Esta “revelação eficaz”, ao que nos parece, não pode ser entendida como sinônima da prisão: é um conceito mais genérico, que tanto pode implicar a prisão dos demais integrantes da quadrilha, grupo ou organização criminosa, como a sua identificação para posteriores atividades policiais.221

Depois de verificados os requisitos legais, ou seja, a

revelação eficaz, “o juiz, por proposta do representante do Ministério Público, ao

proferir a sentença, poderá deixar de aplicar a pena, ou reduzi-la de 1/6 (um

sexto) a 2/3 (dois terços), justificando a sua decisão”.222

Em face do exposto, Jorge Vicente complementa:

Portanto, independentemente da proposta do Ministério Público, o juiz, ao proferir sentença condenatória, no momento da fixação da pena em atendimento ao critério trifásico previsto no art. 68 do Código Penal, deverá enfrentar fundamentadamente a aplicação ou não desta causa de diminuição de pena ou perdão judicial,

220 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 79 221 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 193 222 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 594

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inclusive demonstrando as razões de preferir um dos benefícios em detrimento de outro.223

“A concessão do benefício é individual, ou seja, destina-se

ao colaborados. De forma que, havendo mais de um réu n processo-crime,

somente o colaborados será beneficiado”.224

Com relação a transação entre o indiciado e o Ministério

Público, a nova lei não comporta nenhuma matéria que trate da delação

premiada, nem antes ou após o oferecimento da denúncia.

3.2.4 Laudo de constatação e exame pericial definit ivo

3.2.4.1 Prova pericial

Para a lavratura do auto de prisão em flagrante “é suficiente

o laudo de constatação da natureza e quantidade do produto, da substância ou da

droga ilícita” (art. 28, §1°).

Para a condenação dos crimes que envolvem produto,

substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, é

imprescindível a prova pericial.225 É ela que demonstra, ainda que precariamente,

a materialidade do delito.226

A lei estabelece a lavratura do auto de prisão em flagrante,

sem presença do laudo pericial definitivo, bastando apenas o laudo provisório que

constata a natureza e quantidade do produto, da substância ou da droga ilícita.227

Sobre a importância do laudo definitivo, Jorge Vicente dispõe:

Apesar de a citada disposição legal fazer expressa referência a que o laudo provisório serve para estabelecer provisoriamente a autoria do delito, dita previsão é equivocada, porque a

223 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 80 224 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 194 225 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 572 226 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 43 227 MARCÃO, Renato. Tóxicos, leis n. 6.368/76 e 10.409/02, anotadas e i nterpretadas . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. pág. 572

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demonstração da efetiva constatação de o material apreendido ser substância entorpecente não implica a comprovação de que este ou aquele indivíduo seja o autor da infração.228

No mesmo sentido, Isaac Sabbá afirma:

Trata-se, na realidade, de uma perícia precária, realizada apenas com o fito de oferecer o mínimo de certeza acerca do crime. É a forma de sua positivação, assim concebida para não obstar a celeridade exigida à marcha processual. É, também, a condição mínima e imprescindível à regularidade do início da ação penal, pois será com base nas constatações do perito que o Ministério Público poderá deduzir a denúncia.229

Com esse entendimento, em processos por crimes de porte

de entorpecente, a jurisprudência vem decidindo:

“O auto de constatação é provisório e não tem o condão de substituir a prova técnica especializada de forma a gerar certeza do caráter toxicológico, subscrito por peritos oficiais; que se vale de aparelhamento técnico adequado e utilizam método de exame científico, poderá comprovar que a substância apreendida é mesmo uma daquelas consideradas entorpecentes ou causadora de dependência física ou psíquica”.230

Além de o laudo ter que conter se a substância apreendida é

capaz de causar dependência física ou psíquica, “também é indispensável que

indique a natureza e a quantidade do produto apreendido”.231

Em decorrência desse fato, Isaac Sabbá ressalta a

importância da fundamentação do laudo:

Em nosso entender, o laudo de constatação provisório deve ser justificado segundo o princípio de funcionalização do processo, uma vez que a perícia toxicológica, realizada pelo departamento especializado da polícia judiciária, é mais demorada (e para não cairmos na obviedade sobre a questão, basta lembrarmos das

228 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 43 229 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 173 230 TJSP, RT 710/272 E 714/357; TJMT, RT 549/352. 231 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 44

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dificuldades por que passam nossas polícias). Isto não quer dizer, no entanto, que o laudo de constatação vá substituir aquela perícia, que, a todas as luzes, constituirá a prova material do ilícito relacionado à droga, e que sustentará a apreciação judicial dos fatos.232

Do mesmo modo, a jurisprudência entende:

“A falta de fundamentação do laudo pericial toxicológico, que deve identificar, tecnicamente, a qualidade da substância apreendida, equivale à inexistência dessa importante peça na constituição do delito de tráfico, por se tratar de infração que deixa vestígios”.233

Em virtude da deficiência de fundamentação do laudo, o

momento oportuno para argüir é por ocasião da prévia ou da audiência de

julgamento, pois se trata de omissão de formalidade do ato, resultando nulidade

relativa, sendo sanada pelo silêncio da parte na ocasião oportuna, nos termos dos

arts. 571, II e III, e 572, I, do CPP.234

3.2.4.2 Perito oficial

Devida as peculiaridades que envolvem os delitos de tóxico,

o legislador contentou-se com apenas um perito, podendo inclusive não ser

oficial.

“Diferentemente do que determina o art. 159, e seu §1°, do

CPP, a nova Lei Antitóxicos não exige a subscrição do laudo provisório por mais

de um perito ou por mais de uma pessoa com formação técnica”.235 Desta análise,

Jorge Vicente observa:

O perito não oficial atuará quando houver falta de perito oficializado para desempenhar o encargo, devendo ser escolhido entre pessoas idôneas, dando-se preferência àquelas que possuem habilitação técnica, como por exemplo, estudo em matérias relacionadas com farmácia química etc. Na praxe

232 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 174 233 (TACrim SP, RT 539/311). 234 TJSP, RT 571/320. 235 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: comentários, jurisprudência e prática. Curitiba: Juruá, 2002. pág. 175

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verifica-se que, na maioria das autuações, os laudos são subscritos pelos próprios agente que efetuaram as diligências para prender o infrator, o que por si só não gera nulidade capaz de comprometer o procedimento penal.236

Em razão da previsão legal específica, é importante

considerar que não se aplica a Súmula 361 do E. Supremo Tribunal Federal;

verbis: “no processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito,

considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência”.

Em vista desse fato, o laudo de constatação poderá ser

realizado por um único perito, não obstando que este participe da realização do

exame toxicológico definitivo, contrariando os termos da citada súmula.

A nova lei manteve em seu artigo 50, §§ 1° e 2°, qu e é

suficiente o laudo de constatação da natureza ou da quantidade da droga para a

lavratura do auto de prisão em flagrante. Bem como que o perito que subscrever o

laudo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.

3.2.5 Das diligências complementares.

O art. 31, parágrafo único da Lei 10.409/02 previa que as

diligências complementares poderiam ser juntadas até 1 (um) dia antes da

audiência de instrução e julgamento.

A nova lei, no art. 52, parágrafo único, incisos I e II,

estabelece que as diligências deverão ser juntadas até 3 (três) dias antes da

audiência de instrução e julgamento.

3.2.6 Do inquérito policial

A Lei 10.409/02 previa o prazo para conclusão do inquérito

policial em 15 (quinze) dia, se o acusado estivesse preso, e em 30 (trinta) dias, se

solto, como dispunha o art. 29.

236 SILVA, Jorge Vicente. Tóxicos. Curitiba: Juruá, 2003. pág 45

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Foi estipulado um prazo maior para a conclusão do inquérito

policial, podendo ser em 30 (trinta dias) se o acusado estiver preso, e em 90

(noventa) dias, se solto, de acordo com o art. 51 da nova lei.

3.2.7 Da instrução criminal

O art. 38 da Lei 6.368/76 previa que após oferecida a

denúncia, o juiz deveria ordenar a citação do acusado, para que, no prazo de 10

dias, apresentasse defesa preliminar e ficasse ciente do dia e hora do

interrogatório, que era feito antes do recebimento da denúncia.

Grande alteração faz a nova lei, pois ficou excluído o

interrogatório antes do recebimento da denúncia, e o legislador estipulou que o

indiciado fosse “notificado” para apresentar defesa preliminar, em conformidade

com o art. 55.

A resposta consiste na defesa preliminar, bem como as

exceções, “o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de

defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende

produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas”, art. 55, §1°.

Assim, pudemos verificar que a Lei 10.409/05 veio para

aprimorar a antiga lei de tóxicos, mas acabou sofrendo vários vetos, trazendo,

desta forma, inúmeros pontos obscuros resultando em entendimentos doutrinários

e jurisprudenciais divergentes. Espera-se que a nova lei antitóxicos venha suprir

as dúvidas e controversas que geram em torno desta lei.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 6.368/76 surgiu como uma legislação especial para

combater o tráfico de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência

física ou psíquica, adotando um rito processual próprio, para desta forma, concluir

os feitos com maior agilidade. A lei está dividida em cinco capítulos: da

prevenção; do tratamento e da recuperação; dos crimes e das penas; do

procedimento criminal; e das disposições gerais, distribuídos em 47 artigos.

Em virtude das grandes mudanças a que vem passando a

sociedade bem como o Direito Criminal, ao longo desse tempo, a lei ficou

defasada, necessitando de novas alterações. Visando a atualização e o

aprimoramento da Lei 6.368/76, tramitou no Congresso Nacional durante 11 anos

a Lei 10.409, entrando em vigor em 28 de fevereiro de 2002. No entanto, a nova

lei que veio para regular a matéria relativa aos entorpecentes ilícitos, sofreu

inúmeros vetos por parte da Presidência da República, ocasionando uma

sistemática extremamente confusa, pouco técnica e dando origem a grandes

discussões interpretativas.

Devido a preocupação com as questões relacionadas à

criminalidade, surgiu uma grande inquietação na sociedade e principalmente na

comunidade jurídica, gerando longas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Pois, ao contrário do que se pretendeu, a lei não trouxe solução para os

problemas referentes à prevenção e à repressão do tráfico e uso de drogas

ilícitas.

Com isso, encontravam-se até 08/10/02 em vigor duas leis

antitóxicos parcialmente mutiladas face a inaplicabilidade de alguns dispositivos

de uma e de outras, proporcionando as mais diversas conclusões e confusões

jurídicas no campo interpretativo. Deve-se adotar a lei nova, por ser mais ampla e

benéfico ao acusado, e quando haver lacuna, aplica-se a lei antiga.

Uma das inovações trazidas pela Lei 10.409/02 foram os

métodos de investigações dos crimes de tóxicos, regulando a infiltração de

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agentes policiais para obter informações sobre a atuação de grupo de pessoas

que se unem para a prática de crime, ocorrendo somente com autorização

judicial. Em contrapartida, a lei não estabeleceu de que forma deverá ser a

atuação do agente infiltrado, pois não há uma norma legal regulando e

disciplinando esta matéria.

Outra questão é que a lei estabelece que, para a lavratura

do auto de prisão em flagrante, basta apenas o laudo provisório que constata a

natureza e quantidade do produto, da substância ou da droga ilícita, sem que haja

a presença do laudo pericial definitivo.

Entretanto, o laudo provisório serve para estabelecer

provisoriamente a autoria do delito, o laudo deverá ser fundamentado,

identificando a natureza e a quantidade do produto apreendido. Mas isto não quer

dizer que o laudo de constatação irá substituir o exame pericial definitivo, o qual

constituirá a prova material do ilícito relacionado à droga, e que sustentará a

apreciação judicial dos fatos.

No dia 23 de agosto, foi sancionada pelo Presidente da

República a Lei 11.343, de 2006, criando o Sistema Nacional de Políticas

Públicas sobre Drogas (Sisnad), com o objetivo de articular, integrar, organizar e

coordenar as atividades de prevenção, tratamento e reinserção social de usuários

e dependentes de drogas e de repressão ao tráfico. Espera-se que a nova lei

venha suprir as controvérsias surgidas no âmbito dos crimes de tóxicos.

No tocante as hipóteses, estas restaram totalmente

confirmadas, pois constatou-se que a Lei 10.409/02 trazia um artigo referente a

revogação da anterior, o qual foi vetado. Dessa forma, vigoraram até 08/10/2006

as duas leis antitóxicos, a Lei 10.409/02 em sua parte procedimental, por ser mais

benéfico ao réu, e a Lei 6.368/76 no que se refere aos crimes de tóxicos, tendo

em vista que naquela lei foi vetado o capítulo que travava dos crimes.

Com o intuito de dirimir as discussões doutrinárias e

jurisprudenciais que envolviam a legislação antitóxicos, entrou em vigor no dia

08/10/2006 a Lei 11.343/06, a nova lei de tóxicos, que revoga as Leis 6.368/76 e

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10.409/02, trazendo grandes alterações nos crimes de tóxicos, bem como no

procedimento criminal.

Registra-se que para a importância do estudo bem como as

novidades no mundo jurídico trazido pela Lei 11.343/06, o seu estudo deverá ter

continuidade.

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