Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

7
– 7 – Introdução O Departamento Nacional de Infra-estrutura em Transporte (DNIT), por meio de convênio celebrado com o Instituto Militar de Engenharia (IME), no período de novembro de 1996 a dezembro de 1997 desenvolveu um estudo de pré-viabilidade para selecionar as melhores rotas de ligação rodoviária com os países do Mercosul. Desse estudo resultou a indicação da duplicação da BR-101, trecho Florianópolis/SC–Osório/RS, como ação prioritária para a realização de investimentos na área de projetos rodoviários do governo federal. A rodovia integra o principal eixo viário longitudinal da região Sul e apresenta volume de tráfego que ultrapassa a média de 10.500 veículos diários, com Aspectos legais e ecológicos da avaliação de árvores imunes ao corte: o caso da duplicação da BR-101 no Rio Grande do Sul *MELO JÚNIOR, J. C. F. de; BARTZ, M. C.; FISCHER, T. Laboratório de Anatomia Vegetal – Xiloteca – Departamento de Ciências Biológicas Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE Campus Universitário, s/nº – Bairro Bom Retiro CEP 89201-972 – Joinville – SC *e-mail: [email protected] Entrada: 5/7/07 Aceite: 10/10/07 Resumo: Este trabalho é parte integrante das avaliações técnicas realizadas ao longo do trecho da obra de duplicação da rodovia federal BR-101 no Estado do Rio Grande do Sul (RS), as quais compõem o Subprograma de Proteção à Flora, de maneira a atender as recomendações do Código Florestal desse Estado (Lei nº 9.519, de 21 de janeiro de 1992), no tocante às espécies imunes ao corte. Por intermédio das avaliações técnicas realizadas, levantaram-se aspectos da biodiversidade e da distribuição de espécies dos gêneros Ficus e Erythrina ocorrentes na área de estudo, caracterizaram-se as principais fitopatologias observadas nas populações mapeadas e apontaram-se as principais ações compensatórias aferidas na mesma área, considerando as discussões atuais sobre restauração ambiental de áreas degradadas e o incremento da biodiversidade. Palavras-chave: árvores imunes ao corte; figueira; corticeira; fitopatologia; restauração ambiental. Abstract: The present study is an integrant part of the technical evaluations carried out along the segment of the federal highway BR-101 duplication work in the state of Rio Grande do Sul (RS), which compose the Subprogram of Flora Protection, in order to follow the recommendations of the Forestall Code from this state (Law n.º 9519 of January 21, 1992), concerning the immune cut species. Though the technical evaluations, biodiversity aspects and species from the genus Ficus and Erythrina distribution occurring in the study area were analysed, the main pathologies observed in the mapped populations were characterized and the main compensatory actions suggested in this area were pointed out, considering the current discussions about the environment restoration of degraded areas and the increment of biodiversity. Keywords: immune cut trees; figueira; corticeira; fitopathology; environment restoration. um elevado índice de acidentes. Nas áreas urbanizadas, a duplicação da rodovia é uma antiga reivindicação das comunidades (DNIT, 2007). Contudo a implantação de estradas e rodovias pode ser considerada uma ação humana que acarreta, sobremaneira, a geração de impactos ambientais, já que para a construção do seu traçado necessita suprimir trechos de floresta, elevando o estresse das comunidades vegetais e aumentando consideravelmente a taxa de mortalidade de árvores próximas às bordas e a formação de clareiras, o que altera a estrutura e a composição da floresta (Primack & Rodrigues, 2001). A Resolução CONAMA nº 001, de 23 de setembro de 1986, conforme o artigo l, estabelece a definição de impacto ambiental:

Transcript of Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

Page 1: Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

– 7 –

Introdução

O Departamento Nacional de Infra-estruturaem Transporte (DNIT), por meio de convêniocelebrado com o Instituto Militar de Engenharia(IME), no período de novembro de 1996 a dezembrode 1997 desenvolveu um estudo de pré-viabilidadepara selecionar as melhores rotas de ligaçãorodoviária com os países do Mercosul. Desse estudoresultou a indicação da duplicação da BR-101,trecho Florianópolis/SC–Osório/RS, como açãoprioritária para a realização de investimentos na áreade projetos rodoviários do governo federal. Arodovia integra o principal eixo viário longitudinalda região Sul e apresenta volume de tráfego queultrapassa a média de 10.500 veículos diários, com

Aspectos legais e ecológicos da avaliação de árvoresimunes ao corte: o caso da duplicação da BR-101 no

Rio Grande do Sul

*MELO JÚNIOR, J. C. F. de; BARTZ, M. C.; FISCHER, T. Laboratório de Anatomia Vegetal – Xiloteca – Departamento de Ciências Biológicas

Universidade da Região de Joinville – UNIVILLECampus Universitário, s/nº – Bairro Bom Retiro

CEP 89201-972 – Joinville – SC*e-mail: [email protected]

Entrada: 5/7/07Aceite: 10/10/07

Resumo: Este trabalho é parte integrante das avaliações técnicas realizadas ao longo do trecho da obra de duplicação darodovia federal BR-101 no Estado do Rio Grande do Sul (RS), as quais compõem o Subprograma de Proteção à Flora, demaneira a atender as recomendações do Código Florestal desse Estado (Lei nº 9.519, de 21 de janeiro de 1992), no tocanteàs espécies imunes ao corte. Por intermédio das avaliações técnicas realizadas, levantaram-se aspectos da biodiversidade eda distribuição de espécies dos gêneros Ficus e Erythrina ocorrentes na área de estudo, caracterizaram-se as principaisfitopatologias observadas nas populações mapeadas e apontaram-se as principais ações compensatórias aferidas na mesmaárea, considerando as discussões atuais sobre restauração ambiental de áreas degradadas e o incremento da biodiversidade.Palavras-chave: árvores imunes ao corte; figueira; corticeira; fitopatologia; restauração ambiental.

Abstract: The present study is an integrant part of the technical evaluations carried out along the segment of the federalhighway BR-101 duplication work in the state of Rio Grande do Sul (RS), which compose the Subprogram of Flora Protection,in order to follow the recommendations of the Forestall Code from this state (Law n.º 9519 of January 21, 1992), concerningthe immune cut species. Though the technical evaluations, biodiversity aspects and species from the genus Ficus andErythrina distribution occurring in the study area were analysed, the main pathologies observed in the mapped populationswere characterized and the main compensatory actions suggested in this area were pointed out, considering the currentdiscussions about the environment restoration of degraded areas and the increment of biodiversity.Keywords: immune cut trees; figueira; corticeira; fitopathology; environment restoration.

um elevado índice de acidentes. Nas áreasurbanizadas, a duplicação da rodovia é uma antigareivindicação das comunidades (DNIT, 2007).

Contudo a implantação de estradas e rodoviaspode ser considerada uma ação humana queacarreta, sobremaneira, a geração de impactosambientais, já que para a construção do seu traçadonecessita suprimir trechos de floresta, elevando oestresse das comunidades vegetais e aumentandoconsideravelmente a taxa de mortalidade de árvorespróximas às bordas e a formação de clareiras, o quealtera a estrutura e a composição da floresta(Primack & Rodrigues, 2001).

A Resolução CONAMA nº 001, de 23 desetembro de 1986, conforme o artigo l, estabelece adefinição de impacto ambiental:

Page 2: Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

– 8 –

Aspectos legais e ecológicos da avaliação de árvores imunes ao corte: o caso da duplicação da BR-101 no Rio Grande do Sul

[...] qualquer alteração das propriedades físicas,químicas e biológicas do meio ambiente causada porqualquer forma de matéria ou energia resultante dasatividades humanas que direta ou indiretamenteafetam: I – a saúde, a segurança e o bem-estar dapopulação, II – as atividades sociais e econômicas,III – a biota, IV – as condições estéticas e sanitáriasdo meio ambiente, e V – a qualidade dos recursosambientais (PNMA, 1986).

Especificamente com relação às obras deduplicação da rodovia federal BR-101, trechoOsório–Torres do Estado do Rio Grande do Sul,seus efeitos sobre a vegetação devem ser mitigadosconsiderando-se o Código Florestal do referidoEstado (Lei nº 9.519, de 21 de janeiro de 1992,capítulo l, art. 33). Esse documento proíbe aremoção de certas espécies arbóreas nativas, sendoestas consideradas imunes ao corte.

As árvores imunes ao corte englobam todas asespécies nativas de figueiras do gênero Ficus e decorticeiras do gênero Erythrina, as quais sãosalvaguardadas de qualquer processo de supressãovegetal. Ecologicamente, tais espécies apresentamimportantes funções na dinâmica dos ambientesque colonizam, servindo como fonte de alimentospara a fauna circundante ou participando dacomposição florística de estágios sucessionaispioneiros, secundários ou clímax. Nesse sentido,em um ecossistema parcialmente afetado por umempreendimento entende-se que a finalidade dotransplante de árvores é dar continuidade à funçãodesse indivíduo, estando ele na fase adulta ou emetapas anteriores de desenvolvimento.

Contudo, conforme o artigo 34 da referida lei,o corte dessas espécies poderá ser autorizado peloórgão florestal estadual em caráter excepcional,quando a medida for imprescindível à execuçãode obras de relevante utilidade pública ou deinteresse social do Estado e as espécies não sejampassíveis de transplante sem risco a suasobrevivência.

Na hipótese prevista no caput, o responsávelpela obra ficará obrigado a replantar 15 exemplarespara cada espécime cortado, de preferência emlocal próximo àquele em que ocorreu o corte ou acritério do órgão florestal do Estado (parágrafoúnico).

No caso da implementação de obras de grandeenvergadura e interesse social, como rodovias,

ferrovias, gasodutos, portos, entre outras, torna-se impreterível o conhecimento sistematizado dabiota, dos recursos e da qualidade ambiental daárea influenciada, direta e indiretamente, peloempreendimento, assim como a interfaceestabelecida entre biota, recurso e uso humano.

A implantação de ações e medidas preventivase mitigadoras e a recuperação das áreas de passivosambientais em locais florestados com altadiversidade devem ser analisadas à luz da visãoecológica. Um processo de restauração não deveser visto isoladamente, mas sim como algointegrante de uma paisagem com muitosecossistemas naturais e antrópicos; devem-se levarem conta os conceitos de ecologia da paisagem,tais como permeabilidade da matriz, fragmentação,conectividade da paisagem, corredores biológicos,fluxo gênico e de organismos (Galvão, 2003).

A ecologia da paisagem estuda a relação dotamanho e distribuição das manchas de hábitat ecomo são influenciadas pelas populações einterações entre as espécies. As plantas e os animaispodem utilizar uma mancha de hábitat somentese tiverem acesso a ela através de corredoresnaturais. No entanto as mudanças no uso da terrapelos seres humanos têm dificultado cada vez maisesse acesso, deixando as subpopulações pequenase isoladas em fragmentos onde as espécies ficammais vulneráveis à extinção (Ricklefs, 1996).

A floresta tropical é extremamente complexa,e sua dinâmica está assentada, entre outros fatores,na interação planta X animal. Os animais sãoresponsáveis pela manutenção das diferentesespécies de plantas nos ecossistemas, por meio desua participação nos processos de polinização edispersão de sementes (Macedo, 1993).

Os métodos de restauração devem serelaborados de forma que seus resultados estejampróximos às características originais, garantindo apermanência da biodiversidade.

A biodiversidade abrange todos os grupos deseres vivos e desce a níveis inferiores à espécie,como o gene. Por isso, idealmente a reabilitaçãodeve se dar com espécies nativas do local, cujospropágulos tenham um conteúdo genéticoadequado quanto à origem e à variabilidade.Espécies introduzidas devem ser evitadas, poisprejudicam, em graus variados, a evolução e asucessão secundária local (Embrapa, 2001).

Page 3: Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 8, n. 2, dez. 07

– 9 –

Materiais e métodos

Área inventariadaÁrea inventariadaÁrea inventariadaÁrea inventariadaÁrea inventariada

Do ponto de vista biogeográfico, pelalocalização e pela história geológica recente, a zonacosteira do Rio Grande do Sul caracteriza-se porser uma área de encontro de contingentesflorísticos e faunísticos originados fora dela(Rambo, 1951), o que resulta num baixo númerode endemismos acompanhado de grandes variaçõesinternas.

Esse compartimento destaca-se pelo complexosistema de lagoas costeiras, algumas conectadas emrosário, desaguando no mar através do RioTramandaí, pelo qual também recebem aportes deágua salgada. Outras lagoas já se isolaram ou seconectam por meio de banhados. A variação desalinidade, associada à ação dos ventos emorfometria, cria uma diversidade de ambientesde áreas úmidas. A região configura-se, dessaforma, como um importante divisor biogeográfico.Destacam-se ecossistemas das provínciasgeomórfica da planície costeira e fitogeográfica dafloresta de encosta atlântica (Reitz et al., 1983;Leite & Klein, 1990) (figura 1).

Rambo (1951) observa que tal provínciafitogeográfica adentra no Rio Grande do Sul pelaregião nordeste do Estado através da chamada“porta de Torres”, configurando-se, assim, como aporção mais austral da floresta atlântica(Marchiori, 1991).

O clima na região é do tipo Cfa de Köeppen(Nimer, 1979), com temperaturas médias anuaisem torno de 19oC. A pluviosidade é de 1.600 mmanuais (Sevegnani & Baptista, 1996). O relevo naplanície varia de plano a suavemente ondulado,com altitudes máximas em torno de 20 m(Waechter & Jarenkow, 1998).

A área amostral corresponde àquelainfluenciada diretamente pelas obras de duplicaçãoda referida rodovia, compreendendo uma faixacontínua de 100 km de extensão, desde omunicípio de Torres até Osório (RS) (figura 2), aqual foi dividida em quatro unidades amostrais de25 X 60 m, totalizando cerca de 6 km2 amostrados.As unidades foram nomenclaturadas de acordocom o município de maior abrangência, sendo elas:Torres, Terra de Areia, Maquiné e Osório.

Figura 1 – Aspecto fitogeográfico da área amostral

Figura 2 – Localização geográfica do trecho de duplicaçãoda rodovia BR-101 entre os municípios de Torres e Osório,no Rio Grande do Sul

Florística das espécies imunesFlorística das espécies imunesFlorística das espécies imunesFlorística das espécies imunesFlorística das espécies imunes

O estudo florístico foi realizado por meio decaminhadas ao longo de toda a área amostral.Procedeu-se à coleta de material botânico fértil,com auxílio de tesoura de poda alta, paraidentificação taxonômica das espécies de Ficus e

Page 4: Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

– 10 –

Aspectos legais e ecológicos da avaliação de árvores imunes ao corte: o caso da duplicação da BR-101 no Rio Grande do Sul

Erythrina de ocorrência na região. O material foiobtido e processado de acordo com as técnicasconvencionais adotadas para coleta, herborizaçãoe preservação de material botânico propostas peloIBGE (1992). A determinação das espécies foi feitacom base em chaves analíticas e literaturaespecífica (Barroso, 1978; Agarez et al., 1994;Souza & Lorenzi, 2005; Marchiori, 1997a, 1997b;Marchiori & Sobral, 1997; Sobral, 2003), além decomparação com coleções de herbários. A validadedos nomes das espécies será verificada noInternational Plant Name Index (2005), sendoadotadas as abreviaturas dos nomes dos autoressugeridas por Brummit & Powell (1992).

AAAAAvaliação fitossanitáriavaliação fitossanitáriavaliação fitossanitáriavaliação fitossanitáriavaliação fitossanitária

Entre os parâmetros fitossanitários avaliados,destacam-se os conhecidos por sintomasnecróticos, os quais levam à degeneração ou mortedos tecidos. São eles, segundo Galli (1978) e Filhoet. al. (1995): amarelecimento dos tecidosclorofilados, morte dos ponteiros (die-back),mancha, perfuração, cancro, mosaico,bronzeamento e galhas. Juntamente com osparâmetros fitossanitários, foram observadas ascaracterísticas morfológicas de cada espécime e otipo de solo em que se encontravam.

Resultados e discussões

BiodiversidadeBiodiversidadeBiodiversidadeBiodiversidadeBiodiversidade

A florística da área estudada revelou aocorrência de cinco espécies de Ficus – F. enormis(Mart. ex Miq.) Miq., F. glabra Vell., F. insipidaWilld., F. monckii Hassler e F. organensis Miq. – eduas espécies de Erythrina – E. crista-galli L. e E.falcata Benth. Tais plantas pertencem,respectivamente, às famílias Moraceae eLeguminosae.

Popularmente as espécies de Ficus sãoconhecidas como figueira, mata-pau, figueira-branca, figueira-do-brejo, figueira-da-pedra,figueira-braba e figueira-do-mato; já as espécies deErythrina são chamadas de corticeira, corticeira-do-banhado, crista-de-galo, mulungu, corticeira-

da-serra, sanandu e suína (Marchiori, 1997a,1997b).

Todas as espécies encontradas são citadas naliteratura especializada sobre a flora do RioGrande do Sul. As figueiras são caracterizadascomo plantas perenifólias, heliófitas atémesófitas, seletivas xerófitas e com elevadaocorrência em áreas de estágio secundário e nafloresta clímax; as corticeiras são caracterizadascomo espécies decíduas, heliófitas, seletivashigrófitas, pioneiras e com maior dispersão nasformações secundárias (Marchiori 1997a;Carauta & Diaz, 2002; Backes & Irgang, 2004).

DistribuiçãoDistribuiçãoDistribuiçãoDistribuiçãoDistribuição

Foi amostrado um total de 315 árvores (210figueiras e 105 corticeiras), distribuídas nas quatrounidades amostrais. A distribuição por espécieestá apresentada na tabela 1.

Os parâmetros ecológicos indicam que aespécie com maior freqüência é Ficus organensis(38,73%), seguida de Erythrina crista-galli(29,52%) e Ficus insipida (15,55%). De acordocom Marchiori (1997a), Carauta & Diaz (2002),Backes & Irgang (2004), F. organensis é muitoabundante nas planícies quaternárias entre Torrese Osório, habitando preferencialmente orlas derios, lagoas, encostas úmidas e solos rochosos,enquanto E. crista-galli é característica de terrenosbrejosos e, apesar de pioneira, sua dispersão émaior nas formações secundárias, como capoeiras.

Entre as espécies com menor freqüência,destacam-se F. glabra (0,32%) e E. falcata(3,81%), as quais são citadas por Marchiori(1997a), Carauta & Diaz (2002), Backes & Irgang(2004) como plantas com populações nãohomogêneas e mais comuns em florestas clímaxno caso da primeira e como plantasrepresentativas de encostas, com distribuiçãoirregular e descontínua, ocorrendoprincipalmente em altitudes entre 500-900 m.

A maioria dos indivíduos de E. crista-galli ede F. organensis distribui-se entre a rodovia e asáreas de preservação permanentes das lagoas, emrelevo de baixada ou levemente ondulado e comsolos arenosos e úmidos, corroborando a literaturaconsultada.

Page 5: Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 8, n. 2, dez. 07

– 11 –

Tabela 1 – Número de ocorrências de indivíduos das espécies de Ficus e Erythrina nas quatro unidades amostrais e suasrespectivas freqüências absolutas

FitopatologiasFitopatologiasFitopatologiasFitopatologiasFitopatologias

Entre as fitopatologias diagnosticadas nas populações de figueiras e corticeiras, destacam-se a prevalênciade amarelecimento dos tecidos clorofilados, a morte de ponteiros, manchas e bronzeamento. Tais doenças sãocaracterizadas, respectivamente, pela destruição dos cloroplastídios, sendo comuns nas folhas; morte progressivadas pontas para as bases dos ramos, muitas vezes ocasionada pelos rigores do inverno, por ataques de fungosou por solos úmidos; áreas necróticas circulares, como resultado de invasão de fungos ou bactérias; coloraçãopeculiar cor de cobre apresentada algumas vezes pela epiderme das folhas verdes (Galli, 1978; Filho et. al.,1995). A figura 3 mostra as principais fitopatologias observadas em campo.

Observa-se maior ocorrência de patógenos nos indivíduos de F. organensis, com prevalência de manchase amarelecimento. Em E. crista-galli destacam-se morte de ponteiros e amarelecimento. Em todas asespécies foi verificado o ataque por herbívoros.

Ações compensatórias e modelo de restauraçãoAções compensatórias e modelo de restauraçãoAções compensatórias e modelo de restauraçãoAções compensatórias e modelo de restauraçãoAções compensatórias e modelo de restauração

Conforme o PBA (2001), referente ao Subprograma de Proteção à Flora, a execução do transplantede uma árvore de grande porte está associada à avaliação do seu estado fitossanitário e às característicastopográficas do local onde o indivíduo habita e dos seus aspectos morfológicos.

Figura 3 – Aspectos fitopatológicos observados em campo em folhas e ramos de Ficus organensisA: morte de ponteiros; B: bronzeamento em folhas; C: amarelecimento em folhas; D: manchas associadas ao ataque por fungos

Page 6: Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

– 12 –

Aspectos legais e ecológicos da avaliação de árvores imunes ao corte: o caso da duplicação da BR-101 no Rio Grande do Sul

A associação dos parâmetros de avaliaçãoadotados mostrou que, das 315 árvores imunesmapeadas, apenas 105 eram passíveis de transplante,devendo as demais serem suprimidas. De acordo como Código Florestal do Rio Grande do Sul, a supressãodessas árvores deve ser seguida de uma açãocompensatória, que recomenda o plantio de 15 mudasda mesma espécie para cada indivíduo abatido.

Foi proposto como modelo de restauração ereposição da vegetação suprimida o sistema do talhãofacilitador, tendo como base o que já foi exposto econsiderando os pressupostos de que: 1) as caixas deempréstimo, as jazidas, as pedreiras, os bota-fora, ostaludes de corte, as saias de aterros altos, as travessiasde rios, as encostas instáveis e as regiões alagadiçassão áreas que tendem a sofrer uma acentuadadegradação como seqüela da construção viária; 2) asações de reposição da vegetação devem estarassociadas aos processos ecológicos de restauração enão serem estruturadas em simples projetospaisagísticos; 3) a escolha dos locais para a reposiçãodas mudas deve levar em conta os conceitos deecologia da paisagem.

O talhão facilitador diversificado é um plantiomisto, implantado de uma só vez com espécies nativasde várias guildas sucessionais, buscando estabelecerlocalmente a sucessão secundária auto-sustentável.Esse método valoriza os mecanismos facilitadores e aobtenção de vantagens silviculturais, especialmentea diminuição de limpeza e de desbastes. Paraplanejamento e aplicação, usa-se o sistema deBudowski (1965), aperfeiçoado e adaptado para oBrasil. O sistema reconhece quatro guildas: espéciespioneiras (EP), espécies secundárias iniciais (ESI),espécies secundárias tardias (EST) e espécies clímax(EC). Para decisão prática do enquadramento,recomenda-se considerar as características velocidadede crescimento, exigência em luz e duração de vida.O método a ser empregado é o plantio de espéciesalternadas dentro da linha, que prevê oestabelecimento de espécies de rápido crescimentocomo pioneiras (P) e secundárias iniciais (SI)alternadas na linha de plantio com secundárias tardias(ST) e clímax (CX), pressupondo uma proporção deaproximadamente 4:1 de plantas do grupo depioneiras para o de tardias. A figura 4 apresenta ummodelo de restauração ambiental proposto porGalvão & Medeiros (2002) e sugerido para a açãocompensatória da BR-101.

Figura 4 – Modelo do talhão facilitadorP: espécies pioneiras; SI: espécies secundárias iniciais; ST:espécies secundárias tardias; CX: espécies clímax

Não obstante, optou-se pelo enriquecimento dasáreas a serem restauradas, o que possibilita, porintermédio do aumento da biodiversidade, o incrementoda relação planta–animal, objetivando uma resiliênciasatisfatória. A escolha das espécies foi baseada nosaspectos apontados por Glufke (1999):• Característica quanto às exigências de luminosidade

(heliófita e esciófita);• Característica quanto à exigência de umidade

(xerófita e higrófita);• Adaptação a solos empobrecidos;• Capacidade de fixação de nitrogênio;• Com sistema radicular vasto e capacidade de conter

erosão;• Com frutos comestíveis (espécies bagueiras);• De potencial melífero.

Quanto maior o nível de interação entre as espéciesda fauna, da flora e da comunidade do solo, mais eficienteserá a dinâmica sucessional e, conseqüentemente, arecuperação da resiliência local, ou seja, quanto maior acapacidade de uma comunidade em atrair, nutrir e darcondições de reprodução, mais rápida será suarestauração (Reis et al., 2003).

Agradecimentos

Agradecemos à Pró-Reitoria de Extensão daUNIVILLE e ao DNIT/CENTRAN o apoioconstante na realização das expedições a campoe nas análises laboratoriais.

REFERÊNCIAS

Agarez FV, Pereira C, Rizzini CM (1994). Angiospermae:taxonomia, morfologia e reprodução. Chave para determinaçãode famílias. 2. ed. Âmbito Cultural, Rio de Janeiro, 256 p.

Page 7: Aspectos legais e ecologicos da aval de arvores imunes ao corte

Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 8, n. 2, dez. 07

– 13 –

Backes P, Irgang BE (2004). Árvores da mata atlântica. SOSMata Atlântica / Souza Cruz, Porto Alegre, 396 p.

Barroso GM (1978). Sistemática de angiospermas do Brasil.EDUSP, São Paulo, v.1-3, 325 p.

Brummit RK, Powell CE (1992). Authors of plant names.Royal Botanic Garden, Kew, Londres, 732 p.

Budowski G (1965). Distribution of tropical american rainforest species in the light of sucessional process. Turrialba15(1):40-2.

Carauta JPP, Diaz BE (2002). Figueiras do Brasil. UFRJ, Riode Janeiro, 250 p.

DNIT – Coordenadoria Geral de Meio Ambiente.Disponível em: <www.dnit.gov.br>. Acesso em: 25 maio2007.

EMBRAPA (2001). Curso sobre colheita e manejo.Conservação de sementes de espécies arbóreas da mata atlântica.Colombo, Paraná.

Filho AB, Kimati H, Amorim L (1995). Manual defitopatologia. Agronômica Ceres, São Paulo, 919 p.

Galli F (1978). Manual de fitopatologia. Agronômica Ceres,São Paulo, 450 p.

Galvão AP (2003). Restauração florestal: fundamentos e estudode casos. Embrapa Florestas, Colombo.

Galvão AP, Medeiros ACS (2002). A restauração da mataatlântica em áreas de sua primitiva ocorrência natural. EmbrapaFlorestas, Colombo, 132 p.

Glufke C (1999). Espécies florestais recomendadas pararecuperação de áreas degradadas. Fundação Zoobotânica doRio Grande do Sul, Porto Alegre, 70 p.

IBGE (1992). Manual técnico da vegetação brasileira.Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –DERNA, Rio de Janeiro, 91 p.

International Plant Name Index. Disponível em: <http://www.us.ipni.org/ipni/query_ipni.html>. Acesso em: out.2005.

Leite PF, Klein RM (1990). Vegetação. In: IBGE. Geografiado Brasil: Região Sul. Rio de Janeiro, p. 113-150.

Macedo AC (1993). Revegetação de matas ciliares e de proteçãoambiental. Fundação Florestal, São Paulo, 30 p.

Marchiori JNC (1997a). Dendrologia das angiospermas:leguminosas. UFSM, Santa Maria, 200 p.

Marchiori JNC (1997b). Dendrologia das angiospermas:magnoliáceas às flacurtiaceas. UFSM, Santa Maria, 270 p.

Marchiori JNC (1991). Florestas nativas privadas: umaanálise fitogeográfica e histórica do problema do Rio Grandedo Sul. Anais do I Seminário sobre a situação florestal doRio Grande do Sul. Santa Maria. p. 21-27.

Marchiori JNC, Sobral M (1997). Dendrologia dasangiospermas: Myrtales. UFSM, Santa Maria.

Nimer E (1979). Climatologia do Brasil. IBGE-SUPREN,Rio de Janeiro, 421 p.

PBA – Projeto Básico Ambiental (2001). Programa deProteção à Fauna e Flora. Subprograma de Proteção à Flora.DNER/IME, Brasília.

PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente (1986).Resolução CONAMA. Ministério do Meio Ambiente,Brasília.

Primack RB, Rodrigues E (2001). Biologia da conservação.Midiograf, Londrina.

Rambo B (1951). A imigração da selva higrófila no RioGrande do Sul. Anais Botânicos do Herbário BarbosaRodrigues. Itajaí. v. 3, n. 3, p. 55-91.

Reis A, Espíndola MB, Vieira NK (2003). Restauração deáreas degradadas: a nucleação como base para os processossucessionais. Revista Natureza e Conservação 1(1):28-36.

Reitz R, Klein RM, Reis A (1983). Projeto madeira do RioGrande do Sul. Sellowia 34/35:1-525.

Ricklefs RE (1996). A economia da natureza. GuanabaraKoogan, Rio de Janeiro, 358 p.

Schwarzbold A, Schäfer A (1984). Gênese e morfologiadas lagoas costeiras do Rio Grande do Sul. Amazoniana9(1):87-104.

Sevegnani L, Baptista LRM (1996). Composição florísticade uma floresta secundária, no âmbito da floresta atlântica,Maquiné, RS. Sellowia 45-48: 47-71.

Sobral M (2003). A família das Myrtaceae no Rio Grande doSul. Unisinos, São Leopoldo, 70 p.

Souza V, Lorenzi H (2005). Botânica sistemática: guiailustrado para identificação das famílias de Angiospermas daflora brasileira, baseado em APGII. Instituto Plantarum,Nova Odessa, 640 p.

Waechter JL, Jarenkow JA (1998). Composição e estruturado componente arbóreo nas matas turfosas do Taim, RioGrande do Sul. Biotemas 11:45-69.