Asbestose

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S 66 Terra Filho M, Freitas JP, Nery LE J Bras Pneumol. 2006; 32(Supl 2):S66-S71 Doenças asbesto-relacionadas* Asbestos-related diseases MÁRIO TERRA FILHO 1 , JEFFERSON BENEDITO PIRES DE FREITAS 2 , LUIZ EDUARDO NERY 3 O asbesto, ou amianto, fibra mineral abundante na natureza, vem sendo utilizado pelo homem des- de o início da civilização. São fibras que apresen- tam grande resistência ao fogo e à abrasão mecâ- nica e química, além de serem um material isolante acústico e térmico. Os primeiros relatos científicos relacionando a exposição a essas fibras com agra- vos à saúde foram publicados no início do século passado. Os principais comprometimentos pleuro- pulmonares são: derrame pleural, espessamento pleural circunscrito ou placas pleurais, espessamento pleural difuso, atelectasia redonda, asbestose, cân- cer pulmonar e mesotelioma maligno de pleura. DOENÇAS PLEURAIS NÃO MALIGNAS RELACIONADAS AO ASBESTO As reações pleurais ao asbesto podem se ma- nifestar através de espessamentos pleurais cir- cunscritos ou difusos, com ou sem calcificações, derrame pleural e atelectasia redonda. Estas al- terações foram inicialmente descritas em 1931, como espessamento pleural e, em 1942, fez-se a primeira descrição típica de espessamento (pla- ca) pleural. (1) No final da década de 1940, foi reconhecida a calcificação pleural bilateral como efeito da exposição ao asbesto. (2-3) O derrame pleural secundário a este tipo de exposição e a atelectasia redonda foram descritos na década de 1960. (4-5) INTRODUÇÃO * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor-HCFMUSP; no Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; e na Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Estado de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil 1. Professor Associado do Departamento de Cárdio-Pneumologia, Disciplina de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor-HCFMUSP. São Paulo (SP) Brasil. 2. Professor Associado Coordenador da Área Temática em Saúde do Trabalhador do Município de São Paulo; Professor Instrutor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP) Brasil. 3. Professor Adjunto; Chefe da Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil. Endereço para correspondência: Mario Terra Filho. Rua Pintassilgo, 519, apt. 80 - CEP: 04514-032, São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3069-5695. E-mail: [email protected] RESUMO Apresenta-se uma revisão bibliográfica das doenças asbesto-relacionadas. São discutidos e atualizados os critérios diagnósticos, as características radiológicas, tomográficas e funcionais das alterações benignas de pleura, da asbestose, do câncer de pulmão ocupacional e do mesotelioma maligno de pleura. Descritores: Doenças ocupacionais; Exposição ambiental; Neoplasias pulmonares; Tuberculose pulmonar/induzido quimicamente; Silicose; Dióxido de sílicio; Condições de trabalho; Exposição ocupacional ABSTRACT This chapter presents a bibliographic review of asbestos-related diseases. The latest diagnostic, radiological, computed tomography and lung function aspects of benign pleural disease, asbestosis, occupational lung cancer and mesothelioma are discussed. Keywords: Occupational diseases; Environmental exposure; Lung neoplasms; Tuberculosis, pulmonary/chemically induced; Silicosis; Silicon dioxide; Working conditions; Occupational exposure Capítulo 8

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S 66 Terra Filho M, Freitas JP, Nery LE

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Doenças asbesto-relacionadas*Asbestos-related diseases

MÁRIO TERRA FILHO1, JEFFERSON BENEDITO PIRES DE FREITAS2, LUIZ EDUARDO NERY3

O asbesto, ou amianto, fibra mineral abundantena natureza, vem sendo utilizado pelo homem des-de o início da civilização. São fibras que apresen-tam grande resistência ao fogo e à abrasão mecâ-nica e química, além de serem um material isolanteacústico e térmico. Os primeiros relatos científicosrelacionando a exposição a essas fibras com agra-vos à saúde foram publicados no início do séculopassado. Os principais comprometimentos pleuro-pulmonares são: derrame pleural, espessamentopleural circunscrito ou placas pleurais, espessamentopleural difuso, atelectasia redonda, asbestose, cân-cer pulmonar e mesotelioma maligno de pleura.

DOENÇAS PLEURAIS NÃO MALIGNASRELACIONADAS AO ASBESTO

As reações pleurais ao asbesto podem se ma-nifestar através de espessamentos pleurais cir-cunscritos ou difusos, com ou sem calcificações,derrame pleural e atelectasia redonda. Estas al-terações foram inicialmente descritas em 1931,como espessamento pleural e, em 1942, fez-sea primeira descrição típica de espessamento (pla-ca) pleural.(1) No final da década de 1940, foireconhecida a calcificação pleural bilateral comoefeito da exposição ao asbesto.(2-3) O derramepleural secundário a este tipo de exposição e aatelectasia redonda foram descritos na décadade 1960.(4-5)

INTRODUÇÃO

* Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo - InCor-HCFMUSP; no Departamento de Medicina Social da Faculdade deCiências Médicas da Santa Casa de São Paulo; e na Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Estado de SãoPaulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil1. Professor Associado do Departamento de Cárdio-Pneumologia, Disciplina de Pneumologia do Instituto do Coração doHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor-HCFMUSP. São Paulo (SP) Brasil.2. Professor Associado Coordenador da Área Temática em Saúde do Trabalhador do Município de São Paulo; Professor Instrutordo Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP) Brasil.3. Professor Adjunto; Chefe da Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federalde São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.Endereço para correspondência: Mario Terra Filho. Rua Pintassilgo, 519, apt. 80 - CEP: 04514-032, São Paulo, SP, Brasil.Tel: 55 11 3069-5695. E-mail: [email protected]

RESUMOApresenta-se uma revisão bibliográfica das doenças asbesto-relacionadas. São discutidos e atualizados os critériosdiagnósticos, as características radiológicas, tomográficas e funcionais das alterações benignas de pleura, da asbestose,do câncer de pulmão ocupacional e do mesotelioma maligno de pleura.

Descritores: Doenças ocupacionais; Exposição ambiental; Neoplasias pulmonares; Tuberculose pulmonar/induzidoquimicamente; Silicose; Dióxido de sílicio; Condições de trabalho; Exposição ocupacional

ABSTRACTThis chapter presents a bibliographic review of asbestos-related diseases. The latest diagnostic, radiological, computedtomography and lung function aspects of benign pleural disease, asbestosis, occupational lung cancer and mesotheliomaare discussed.

Keywords: Occupational diseases; Environmental exposure; Lung neoplasms; Tuberculosis, pulmonary/chemically induced;Silicosis; Silicon dioxide; Working conditions; Occupational exposure

Capítulo 8Capítulo 8

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Espessamento pleural circunscrito - placas pleuraisOs espessamentos pleurais circunscritos ou

placas pleurais são as mais freqüentes manifesta-ções de exposição ao asbesto e podem ocorrerapós a inalação de qualquer dos tipos dessas fi-bras.(6-7) Manifestam-se como áreas focais de fi-brose irregular, formadas por material hialino nacamada submesotelial da pleura parietal, no ní-vel das margens costais, diafragma e áreas para-vertebrais, surgindo primariamente na pleura pa-rietal. Podem também estar localizadas na pleuradiafragmática, pericárdica ou mediastinal. Geral-mente, corpos ou fibras de asbesto não são en-contrados nas placas pleurais.(3) O tempo de la-tência para seu aparecimento é em média de 30anos, mas têm sido relatados casos mais rápidos,com tempo inferior a três anos, assim como su-perior a 50 anos.(3)

As placas pleurais são melhor visualizadas nasmetades inferiores das paredes laterais do tórax,em radiografias póstero-anteriores. Em caso deplacas unilaterais, deve-se fazer o diagnóstico di-ferencial com reações pleurais decorrentes de fra-turas de costelas, e doenças inflamatórias e/ouinfecciosas como, por exemplo, a tuberculose.Quando vistas de frente (face on) na radiografiade tórax, elas podem simular pequenos tumoresou nódulos. Estas anormalidades pleurais neces-sitam ser diferenciadas de gordura extrapleural(notadamente em pacientes obesos), o que podeser muito difícil contando somente com a radio-grafia de tórax. A tomografia computadorizadade tórax é útil, principalmente porque revela commaior precisão a localização e as característicasde tamanho, espessura e presença de calcifica-ção das placas quando em comparação com aradiografia simples de tórax. Permite também fa-zer a diferenciação entre espessamento, gorduraextrapleural e lesões intrapulmonares.(8) Um estu-do,(9) no qual 828 ex-trabalhadores expostos aoasbesto na indústria do fibrocimento foram sub-metidos à realização da tomografia computado-rizada de alta resolução de tórax com cortes fi-nos (TCAR), mostrou que 246 deles eram porta-dores de placas pleurais. Apesar da boa especifi-cidade da radiografia de tórax observada nesseestudo, a TCAR apresentou um melhor resultadopara o diagnóstico de espessamentos pleuraispequenos e diagnóstico diferencial entre o es-pessamento pleural e gordura extrapleural.

Espessamento pleural difusoO espessamento pleural difuso é uma doença

da pleura visceral. Não é específico da exposiçãoao asbesto e pode aparecer como seqüela de umareação inflamatória relacionada, por exemplo, comtuberculose, cirurgia torácica, hemotórax decor-rente de traumas ou reação a drogas. O mecanis-mo que provoca essa alteração é desconhecido,mas acredita-se que, na maior parte dos casos,seja decorrente de um processo inflamatório dapleura associado a derrame pleural pelo asbesto.Em apenas uma parte dos casos comprova-se der-rame pleural anterior e, em vários casos, não exis-te história de tais episódios, provavelmente porserem subclínicos. Possivelmente, em casos em quenão exista história prévia de um processo inflama-tório da pleura, ele possa ser causado pela conflu-ência de espessamentos pleurais ou extensão deuma fibrose parenquimatosa subpleural dentro dapleura visceral. Em casos mais acentuados, o es-pessamento pleural difuso pode atingir os espaçosinterlobulares, levando a uma diminuição da ex-pansibilidade dos pulmões, mesmo na ausência defibrose pulmonar.(3,7,10)

O espessamento pleural difuso pode ser res-ponsável pela dispnéia de exercício e episódiosde tosse seca associados a uma significativa res-trição da função pulmonar,(6) podendo acometeruma ou as duas paredes laterais torácicas.(3) Emradiografias póstero-anteriores, o espessamentopleural difuso manifesta-se como uma linha pleu-ral com apagamento do ângulo do seio costofrê-nico, e a tomografia computadorizada acrescentapoucas informações adicionais.

Derrame pleural pelo asbestoReconhecido desde o início da década de 1960,

o derrame pleural cuja causa é relacionada à ex-posição ao asbesto tem um curso benigno e nãorequer tratamento específico. Deve-se suspeitar desua existência em trabalhadores que tenham sidoexpostos ao asbesto por um longo tempo.(4) Ge-ralmente o líquido se apresenta como exsudato,muitas vezes hemorrágico, com ausência de ma-lignidade, sendo importante frisar que a presençade líquido pleural com estas características em tra-balhadores expostos ao asbesto não necessaria-mente implica em mesotelioma. Amostras de pleu-ra obtidas através de biópsia por agulha revelamprocesso inflamatório inespecífico.

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O diagnóstico do derrame pleural pelo asbesto éretrospectivo, baseado na história de exposição e naexclusão de outras causas. É geralmente recorrente ebilateral, freqüentemente associado com dor torácica.(6)

Atelectasia redondaA atelectasia redonda, também denominada

síndrome de Bleskovsky's, é uma anormalidadepleuroparenquimatosa induzida pela exposição aoasbesto, causada por espessamento pleural focal,com retração, colapso parcial e torsão do pulmãoadjacente. Esta lesão tem uma forma arredonda-da, de 2 a 7 cm com base adjacente à pleura eapresenta como característica um feixe bronco-vascular direcionado do centro da massa para ohilo, denominado “rabo de cometa". Dificilmentedescrita na radiografia convencional de tórax, temsido, entretanto, freqüentemente relatada com oadvento da tomografia computadorizada e daTCAR.(3) Embora a lesão seja de natureza benigna,algumas vezes sua imagem radiológica é confun-dida com neoplasias malignas de pulmão, sendoque técnicas radiológicas especiais, além da to-mografia computadorizada, têm sido propostas natentativa de sua diferenciação.(11-13) A atelectasiaredonda é geralmente assintomática.

ASBESTOSE

Asbestose é considerada a fibrose intersticialpulmonar conseqüente à exposição à poeira de as-besto.(14-15) As características clínicas, radiológicase anatomopatológicas não são significativamentedistintas para separá-la de outras causas de fibrosepulmonar, sendo necessárias para estabelecimentodo nexo causal, história de significativa exposiçãoà poeira de asbesto no passado e/ou detecção defibras ou corpos de asbesto (fibra de asbesto reves-tida com íons férricos) no tecido pulmonar maiorque o descrito na população geral.(3,15-16)

Do ponto de vista histopatológico, observamoscomumente fibrose intersticial difusa e bilateral,predominante nas regiões póstero-basais dos lo-bos inferiores, próxima à superfície pleural. Em suaevolução, a fibrose avança para as porções cen-trais do parênquima. Nas fases mais avançadas,pode-se observar a formação de faveolamento.Como estes achados são inespecíficos, o diagnós-tico histológico de asbestose requer, portanto, aidentificação de fibrose intersticial difusa num

pulmão bem inflado, distante de regiões com le-sões tumorais ou outras massas e a presença dedois ou mais corpos de asbesto numa área de sec-ção de tecido de 1 cm2.(15) Em casos de suspeitade asbestose, em que não são detectados corposde asbesto, o diagnóstico diferencial com fibrosepulmonar idiopática deve ser feito somente pelacontagem de fibras não revestidas no tecido pul-monar, que deve situar-se acima do limite superi-or da normalidade obtido em estudos controles.

Com relação à epidemiologia, a asbestose temsido relacionada à magnitude e duração da exposi-ção ao asbesto. Quanto maior o tempo e a intensi-dade da exposição, maiores são as possibilidadesde ocorrência e a gravidade da doença. Emboratrabalhos das décadas de 1920 e 1930 façam refe-rência ao tempo de latência de cinco anos para oaparecimento da doença, os estudos das últimasdécadas têm referido períodos de latência de quin-ze anos ou mais para ocorrência de asbestose.(3)

Com as medidas atuais de controle ocupacional,longos períodos de latência (30 a 40 anos) e me-nores alterações pulmonares são esperados.(3,17)

Na avaliação clínica, a dispnéia é o sintoma pre-dominante e o sinal de exame físico mais descritosão estertores crepitantes nas bases pulmonares.Outros sintomas como tosse e expectoração sãoprovavelmente relacionados às doenças associadasdas vias aéreas. Dor torácica e baqueteamento di-gital são sintomas inespecíficos(17) e de ocorrênciarara em nosso meio. Em um estudo realizado pelonosso grupo,(18) a avaliação clínica de pacientes comasbestose provenientes da indústria do fibrocimen-to e da mineração mostrou que dispnéia foi o sin-toma mais referido e, dependendo da escala de disp-néia utilizada, sua ocorrência variou de 31% (Esca-la de Mahler) a 72% (Escala do Medical ResearchCouncil - MRC). A maioria dos casos referia dispnéiade leve a moderada intensidade. Estertores crepitan-tes foram raramente observados nestes pacientes.

A avaliação radiológica é realizada utilizando-se a radiografia de tórax e a TCAR. A radiografia detórax, realizada e classificada segundo as recomen-dações da Organização Internacional do Trabalhode 1980, ainda é o instrumento mais aceito para ainvestigação epidemiológica de populações comhistória de exposição ocupacional a poeiras. A pre-sença de pequenas opacidades irregulares (s,t,u),com profusão de grau 1 ou maior, visualizadas nosdois terços inferiores dos pulmões, é compatível

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com o comprometimento pulmonar. Nos estágiosmais avançados notamos acentuação do infiltra-do intersticial, culminando no faveolamento ouhoneycombing, associado a distorção significativado parênquima. Embora estas alterações não se-jam exclusivas da asbestose, quando associadasa placas pleurais o diagnóstico de asbestose temque ser considerado como de alta probabilidade,desde que comprovada a real exposição.(3,15-17) Nosúltimos anos, tem sido utilizada com maior freqüên-cia a tomografia computadorizada, principalmentea TCAR, no diagnóstico das alterações pleuropul-monares associadas ao asbesto.(19)

Embora a baixa disponibilidade e o custo eleva-do ainda limitem o uso da TCAR, seu emprego naavaliação clínica está se tornando imperativo, sen-do ela hoje praticamente indispensável na detec-ção das imagens intersticiais iniciais, no diagnósti-co das anormalidades pleurais e na investigação deprováveis neoplasias de pleura e pulmão.

A TCAR deve ser obrigatoriamente realizada emdecúbito ventral, sendo identificados na asbesto-se: espessamento dos septos interlobulares, ban-das que se estendem da pleura ao parênquima,pontos e linhas subpleurais e, nos estágios maisavançados, anormalidades císticas tipo faveolamen-to e bronquiolectasias de tração (sinais de altapredição de fibrose intersticial). Estas alteraçõessão habitualmente localizadas nas regiões perifé-ricas e posteriores dos lobos inferiores.(15,19-20) Vá-rios trabalhos, inclusive em nosso meio,(21) têmconstatado a maior sensibilidade da TCAR em re-lação à radiografia de tórax na identificação dasalterações intersticiais. Por outro lado, num nú-mero expressivo de indivíduos com alterações ra-diológicas (1/0 ou mais), a TCAR não mostrou com-prometimento intersticial pulmonar, o que mostratambém a maior especificidade deste exame.

Na análise da função pulmonar, distúrbio venti-latório restritivo tem sido descrito como característi-co da asbestose, e distúrbio ventilatório obstrutivode pequenas vias aéreas sugerido como anormalida-de funcional precoce. Entretanto, esta última é umaalteração inespecífica e mais comumente atribuídaao tabagismo. Redução de capacidade de difusãopulmonar e hipoxemia arterial desencadeada por es-forço físico são também identificadas, podendo ocor-rer mesmo nas fases iniciais da doença.(3,17,22)

No estudo supracitado,(21) em que foram avalia-das mais de 4.000 espirometrias em trabalhadores

e ex-trabalhadores expostos ao asbesto na minera-ção de crisotila, por volta de 20% delas estavamalteradas, e distúrbio ventilatório obstrutivo foi ob-servado em 80% dos casos. Especificamente, nospacientes com asbestose, das 33 espirometrias ana-lisáveis (2 pacientes não colaboraram na realizaçãodos testes), distúrbio ventilatório restritivo foi ob-servado em 9% e obstrutivo em 21% dos casos. Damesma forma, alterações difusionais e hipoxemiaao exercício foram encontradas em menos de 10%dos pacientes com asbestose estudados (n = 28).(15)

Estes dados refletem características clínicas e funcio-nais distintas das referidas em outros estudos. Desdea observação original de Murray, em 1907, têm sidodescritas mudanças progressivas na ocorrência egravidade das alterações funcionais ventilatórias ede trocas gasosas. Diferenças na exposição cumula-tiva, tipo de fibra utilizada e nos cuidados de prote-ção no ambiente de trabalho são os fatores que maisprovavelmente contribuíram para a mudança das ca-racterísticas da asbestose identificada atualmente,quando em comparação com os casos descritos naprimeira metade do século passado.(3,15-16,21-22)

CÂNCER DE PULMÃO

O adenocarcinoma de pulmão é consideradopor alguns como o tipo histológico mais comumde câncer relacionado ao asbesto. Entretanto, emuma meta-análise(23) de múltiplos estudos realiza-dos na literatura médica recente concluiu-se queos quatro grandes tipos histológicos (carcinomaepidermóide, carcinoma de pequenas células, car-cinoma de grandes células e adenocarcinoma)ocorrem nos indivíduos expostos na mesma pro-porção que nos grupos controles.

O risco de câncer nesta população é pelo me-nos dez vezes maior que no grupo controle,(24) e 50vezes superior se, além de exposto ao asbesto, oindivíduo for fumante.

Não existe nenhuma preferência quanto à locali-zação da neoplasia, central ou periférica, em lobossuperiores ou inferiores, quando comparamos po-pulações de expostos ao asbesto ou não. Entretan-to, não podemos deixar de registrar um trabalho(25)

de 1993 que identificou 108 trabalhadores expostosao asbesto portadores de câncer de pulmão locali-zados preferencialmente em lobos inferiores, inde-pendentemente da presença de asbestose.

Atualmente existe grande controvérsia se o risco

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de câncer de pulmão é aumentado em trabalhadoresexpostos ao amianto, independentemente da pre-sença de asbestose. A literatura médica é farta emtrabalhos que apontam a necessidade do encontrode asbestose para que possamos atribuir à exposi-ção ocupacional o risco aumentado de neoplasia depulmão. Por outro lado, existem pesquisas bem con-sistentes que concluem que a exposição ao asbesto,baseada nas histórias clínica e ocupacional, é sufici-ente para tal assertiva. Devemos considerar, entre-tanto, que a maioria destes trabalhos estudou osexpostos em bases clínicas, ocupacionais e radiolo-gia torácica convencional (ILO-1980).(26) Desde 1989,quando um estudo(27) demonstrou que de 169 tra-balhadores expostos ao amianto com radiografia detórax normal, a TCAR apontou alterações sugestivasde asbestose em 57 deles (34%), ficou evidente que,em termos de pesquisa, o estudo populacional coma utilização de propedêutica armada utilizando ape-nas a radiologia convencional é insuficiente para aidentificação de casos de asbestose.

Com base nos conhecimentos atuais, podemosconsiderar que são necessárias altas exposições cu-mulativas ao asbesto (> 25 fibras/ano), e um in-tervalo de tempo de pelo menos dez anos da pri-meira exposição para que possamos atribuir o cân-cer pulmonar a esta fibra.(15) A presença de asbes-tose é um indicador de alta exposição e pode serconsiderada um risco adicional quando comparadacom a exposição apenas. A contagem e a identifi-cação dos tipos de fibras encontradas no pulmãopodem contribuir de maneira importante para oestabelecimento do vínculo causal.

A avaliação clínica, o diagnóstico e o tratamentodo câncer pulmonar ocupacional são realizados damaneira tradicional. Devemos considerar, entretanto,que o risco de ocorrência de neoplasias malignasno grupo de indivíduos expostos ao amianto émuito maior, de tal maneira que, diante de anorma-lidades clínicas e/ou radiológicas, devemos fazeruma exploração extensa e cuidadosa, freqüentementecom a utilização de métodos invasivos.

Uma particularidade do grupo de expostos aoasbesto é a maior prevalência de atelectasia re-donda, caracterizadas radiologicamente como opa-cidades, nódulos ou massas junto à pleura, e quemuitas vezes não pode ser diferenciada de neo-plasias malignas, mesmo com a utilização de to-mografias pulmonares. Aqui no Brasil, o Grupo In-terinstitucional de Estudo do Amianto tem utiliza-

do com bons resultados, na caracterização de ate-lectasia redonda, a tomografia por emissão de pó-sitrons (PET-SCAN), reduzindo de maneira acen-tuada as indicações de biópsia pulmonar.(12)

MESOTELIOMA

O mesotelioma maligno é um tumor raro quepode acometer a pleura e que, na grande maioriados casos, está relacionado com a exposição aoasbesto. Dentre os tipos de fibras relacionadas aodesenvolvimento desta neoplasia destacam-se osanfibólios (crocidolita, amosita, tremolita). A cri-sotila tem uma importância menor na gênese des-ta doença. Outro ponto de destaque é o longoperíodo de latência, 30 a 40 anos, entre a exposi-ção e o aparecimento do mesotelioma.

A história clínica, o exame físico e as altera-ções radiológicas e tomográficas sugerem o diag-nóstico. A principal característica do quadro clí-nico é a dor, acompanhada nos casos avançadosde perda de peso e dispnéia. O derrame pleural écomum e recidivante. A manifestação radiológicamais freqüente é uma imagem polilobulada e bo-celada, abrangendo principalmente a região axi-lar. A tomografia computadorizada evidencia, noscasos mais característicos, espessamento pleuralcom bordo interno irregular, por vezes nodular ecircunferencial (encarceramento pulmonar).(3,15)

Grandes fragmentos pleurais, obtidos por tora-coscopia ou biópsia a céu aberto, são necessáriospara o estabelecimento do diagnóstico de certeza.Infelizmente fragmentos pleurais obtidos através deagulhas geralmente são insuficientes para se reco-nhecer o mesotelioma. A diferenciação com relaçãoao adenocarcinoma em certos casos é bastante com-plexa, dificultando muito o reconhecimento destaneoplasia. Atualmente em grande número de casosé necessária a utilização de diversos marcadoresimunohistoquímicos para que se possa firmar umdiagnóstico de certeza.(28) O tratamento na maioriados casos é paliativo e feito com o propósito decontrole da dor e o prognóstico é reservado.

PROGNÓSTICO E SEGUIMENTO DASDOENÇAS RELACIONADAS AO ASBESTO

No Brasil existe um grande estudo que avalioutrabalhadores da indústria do fibrocimento,(29) en-tretanto não existe até o momento qualquer estudo

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epidemiológico prospectivo que tenha acompanha-do trabalhadores e ex-trabalhadores com doençasasbesto relacionadas. Em outros países, estudosapontam que cerca de 20% dos casos de asbestoseapresentam progressão da doença.(3,17) Exposiçãocumulativa, tipo de fibra utilizada e susceptibilida-de individual são fatores determinantes do maiorrisco de surgimento e progressão de doença.

No que diz respeito ao seguimento dos traba-lhadores expostos, mas sem anormalidades pleu-ropulmonares, recomendamos avaliação clínica,radiológica e espirométrica anual. Naqueles comalta exposição cumulativa, principalmente se cominício anterior a 1980, ou naqueles que trabalha-ram com anfibólios, indicamos, além do controledescrito, avaliação inicial e seguimento por TCAR.

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