As Telecomunicacoes Apos Uma Decada Da Privatizacao a Face Oculta Do Sucesso

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As telecomunicações após uma década da privatização: a face oculta do sucessoSávio Cavalcante 1 Resumo: Por meio de dados e índices disponibilizados por diversos órgãos de pesquisa, analisamos neste artigo tendências da prestação de serviços de telecomunicações no Brasil após uma década de privatização. Da análise, são assinalados elementos que relativizam o propagado sucesso do modelo de privatização e indicam problemas estruturais cuja solução está cada vez mais longe dos mecanismos supostamente livres de mercado. Palavras-chave: Privatização; telecomunicações; telefonia; ideologia privatista. Resumen: A través de datos e índices proporcionados por diversas instituciones de investigación, en este artículo se analizan las tendencias de la prestación de servicios de telecomunicaciones en Brasil, después de una década de su privatización. El análisis de tales datos indica elementos que relativizan el éxito difundido del modelo de privatización, así como problemas estructurales cuya solución está cada vez más distante de los mecanismos supuestamente libres de mercado. Palabras-clave: Privatización, Telecomunicaciones; Telefonía; Ideología de la privatización. Abstract: Using data and indexes provided by several institutes of research, this article analyzes trends in the provision of telecommunications services in Brazil after a decade of privatization. From the analysis, some elements pose questions about the “success” of the privatization model and indicate structural problems whose solution is increasingly far from the “free” market mechanisms. Key-words: Privatization, Telecommunications; Telephony; Ideology of privatization. I. Introdução No início de 2010, no último ano do governo Lula, uma proposta concreta de reorientação de políticas do Estado para o setor de telecomunicações foi aventada pelas discussões para criação do Plano Nacional de Banda Larga e pela possível reativação da Telebrás. Embora destacados opositores do modelo privatista de FHC fazem ou fizeram parte do governo atual, estes projetos, bem como qualquer indício de retomada do poder de Estado sobre o setor, são vistos como um retrocesso aos avanços inquestionáveisda privatização. Esta avaliação foi amplamente sedimentada pelos meios de comunicação dominantes e por certa ideologia resultante 1 Mestre em Sociologia e Doutorando em Sociologia, IFCH, Universidade Estadual de Campinas. Autor do livro Sindicalismo e privatização das telecomunicações no Brasil . São Paulo, Expressão Popular, 2009.

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  • As telecomunicaes aps uma dcada da privatizao: a

    face oculta do sucesso

    Svio Cavalcante1

    Resumo: Por meio de dados e ndices disponibilizados por diversos rgos de pesquisa, analisamos neste artigo tendncias da prestao de servios de telecomunicaes no Brasil aps uma dcada de privatizao. Da anlise, so assinalados elementos que relativizam o propagado sucesso do modelo de privatizao e indicam problemas estruturais cuja soluo est cada vez mais longe dos mecanismos supostamente livres de mercado. Palavras-chave: Privatizao; telecomunicaes; telefonia; ideologia privatista.

    Resumen: A travs de datos e ndices proporcionados por diversas instituciones de investigacin, en este artculo se analizan las tendencias de la prestacin de servicios de telecomunicaciones en Brasil, despus de una dcada de su privatizacin. El anlisis de tales datos indica elementos que relativizan el xito difundido del modelo de privatizacin, as como problemas estructurales cuya solucin est cada vez ms distante de los mecanismos supuestamente libres de mercado. Palabras-clave: Privatizacin, Telecomunicaciones; Telefona; Ideologa de la privatizacin. Abstract: Using data and indexes provided by several institutes of research, this article analyzes trends in the provision of telecommunications services in Brazil after a decade of privatization. From the analysis, some elements pose questions about the success of the privatization model and indicate structural problems whose solution is increasingly far from the free market mechanisms. Key-words: Privatization, Telecommunications; Telephony; Ideology of privatization.

    I. Introduo

    No incio de 2010, no ltimo ano do governo Lula, uma proposta concreta de

    reorientao de polticas do Estado para o setor de telecomunicaes foi aventada

    pelas discusses para criao do Plano Nacional de Banda Larga e pela possvel

    reativao da Telebrs. Embora destacados opositores do modelo privatista de FHC

    fazem ou fizeram parte do governo atual, estes projetos, bem como qualquer indcio

    de retomada do poder de Estado sobre o setor, so vistos como um retrocesso aos

    avanos inquestionveis da privatizao. Esta avaliao foi amplamente

    sedimentada pelos meios de comunicao dominantes e por certa ideologia resultante

    1 Mestre em Sociologia e Doutorando em Sociologia, IFCH, Universidade Estadual de

    Campinas. Autor do livro Sindicalismo e privatizao das telecomunicaes no Brasil. So Paulo, Expresso Popular, 2009.

  • das promessas do livre jogo do mercado, a qual apreende o efetivo crescimento dos

    servios de forma descolada do uso efetivo, da distribuio regional e social ou

    mesmo das condies de acesso.

    Neste sentido, temos como propsito, neste artigo, levantar alguns

    questionamentos sobre a prestao de servios de telecomunicaes no Brasil, por

    meio da discusso de certos condicionantes do processo que pouco so lembrados

    quando se sentencia o xito das privatizaes. Diferentemente de outros servios

    privatizados, como foi o caso do setor eltrico, em que os prprios idealizadores

    reconhecem insuficincias e fracassos, o servio tradicional das empresas de

    telecomunicaes, a telefonia, avanou rapidamente pelo pas, at mesmo para

    famlias cuja renda antes impedia o acesso a alguma forma de comunicao. Isto

    significa que estas avaliaes no podem ser feitas simplesmente com comparaes

    com o sistema estatal anterior, notadamente restrito, mas sim sob o prisma daquilo

    que se deixou de construir e desenvolver numa rea to essencial ao desenvolvimento

    social e econmico. Em outras palavras, no se trata de negar, numa atitude simplista,

    os avanos obtidos, mas ir ao fundo da questo e mostrar os sentidos desses

    avanos, o que nos leva, segundo os apontamentos deste artigo, a perceber

    claramente seus limites e problemas estruturais.

    As telecomunicaes constituem, nos dias de hoje, um setor fundamental das

    economias nacionais e do sistema produtivo mundializado, pois fornecem a base

    necessria sobre a qual se sustenta a circulao de informaes para a acumulao

    de capital (Chesnais, 1996; Dantas, 2002). No entanto, essas mesmas tecnologias

    podem ser dirigidas a finalidades distintas daquelas estabelecidas pelo mercado e

    seus usos coletivos podem escapar aos mecanismos de controle que buscam auferir

    ganhos s companhias do setor. Reside a uma contradio inerente ao

    desenvolvimento das telecomunicaes, que incide sobre os programas do Estado e

    na sua relao com as empresas.

    Mas importante lembrarmos que, quando nos referimos a um setor de

    telecomunicaes, estamos, na verdade, retratando as diversas imbricaes das

    formas de comunicao tradicional, como a telefonia e o audiovisual, com os

    desenvolvimentos tecnolgicos diversos da informtica, que propiciaram novos ramos,

    como a internet, e que continuam a se proliferar com o auxlio de sistemas de

    informao baseados em softwares e na linguagem digital. Embora no atinja a

    totalidade dessas reas, este artigo busca analisar questes fundamentais

    concernentes s atividades tradicionais do setor, em especial a telefonia e seus

  • servios coligados, os quais so prestados por empresas privadas desde a dissoluo

    e venda das companhias do Sistema Telebrs pelo governo FHC em 1998.

    II. O modelo privatista e a concentrao de capital

    De forma resumida, pode-se dizer que, durante o governo FHC, as

    transformaes no setor foram efetivadas em trs etapas (Leal, 2000). A primeira a

    deciso de quebra do monoplio e desestatizao do setor desde incio de 1995, com

    a aprovao de Emenda Constitucional e a elaborao do PASTE (Programa de

    Recuperao e Ampliao do Sistema de Telecomunicaes e do Sistema Postal),

    buscando a valorizao das companhias para a futura venda. A segunda etapa

    inaugurada com a Lei Mnima de 1996, que possibilita e regulamenta explorao

    privada de servios considerados no essenciais, como a telefonia celular. A terceira e

    derradeira fase vem com a aprovao da LGT (Lei Geral das Telecomunicaes), que

    substitui o Cdigo de 1962 exceto em relao radiodifuso, e a concretizao da

    venda do Sistema Telebrs em julho de 1998, aps ser fatiado em quatro regies, que

    agrupavam as antigas teles estaduais: trs reas de telefonia fixa local (assumdias por

    Telefnica, Telemar e Brasil Telecom) e uma de longa distncia, a Embratel2, todas

    essas operando em regime pblico de concesso. Fora deste regime, a ANATEL

    concedeu autorizaes para a atuao de empresas-espelhos, para que essas

    pudessem competir com as concessionrias. Entraram no mercado, ento, Vsper,

    GVT (fixas) e Intelig (longa distncia).

    Na telefonia celular que considerado servio de carter privado, executado

    por meio de autorizaes o governo dividiu o territrio nacional em 10 reas e criou

    uma banda A, para as empresas criadas pelas estatais estaduais e ento vendidas no

    leilo, e a banda B, para empresas concorrentes, o que resultou em mais de duas

    dezenas de operadoras de telefonia celular.

    Invertendo a lgica fragmentria adotada pelo governo ou, na verdade,

    somente acompanhando a tendncia internacional de formao de grandes

    companhias, presencia-se, atualmente, a centralizao dessas empresas em blocos

    de abrangncia nacional. Do segmento de banda B, por exemplo, surgiu a empresa de

    telefonia celular Claro, de controle majoritrio da Telmex (a ex-Telebrs mexicana),

    congregando a Americel, Tess, BCP e ATL. Da maioria das antigas estatais divididas

    em empresas de telefonia celular regionais surgiu outro grande conglomerado, o maior

    2 Para detalhamento das regies e controle acionrio ver Cavalcante (2009) e Dantas (2006).

  • do Brasil, a empresa Vivo, controlada pela Portugal Telecom e Telefnica, reunindo a

    Telesp Celular, a Tele Centro-Oeste Celular, a Tele Sudeste Celular, a Tele Leste

    Celular e ainda a CRT Celular. At mesmo nas operadoras de telefonia fixa h

    presses pela unificao, o que obrigou a mudanas na LGT. J em 2004, as trs

    operadoras regionais de telefonia fixa Telefnica, Brasil Telecom e Telemar (hoje Oi)

    cogitavam unir-se para disputar a Embratel, a qual se encontrava venda pela MCI,

    esta, por sua vez, imersa em uma grave crise financeira. Como no podiam assumir

    outra operadora, as trs teles tentaram criar um consrcio com uma suposta empresa

    laranja. Ao fim, contudo, a Embratel acabou sendo vendida Telmex (mexicana). Em

    2009, aps mudana na LGT pelo governo Lula, que se mostra disposto a financiar

    uma grande operadora de capital nacional, a Oi iniciou processo de fuso com a Brasil

    Telecom.

    A concentrao do mercado por grandes conglomerados transnacionais , por

    sinal, a marca das telecomunicaes na Amrica Latina, que presencia o domnio

    extenso da Telefnica e do grupo Carso (do mexicano Carlos Slim, proprietrio da

    Telmex e Amrica Mvil). Com os dados de 2008, v-se que, em conjunto, esses dois

    grupos possuem de 50% a 70% dos principais servios de telecomunicaes na

    Amrica Latina3 (Cf. Atlas Brasileiro de Telecomunicaes - ABT 2007, 2008).

    Em outro estudo (Cavalcante, 2009), apontamos como essa concentrao

    contrasta com os planos de aumento da concorrncia e possvel ampliao mais

    igualitria dos servios de telecomunicaes nos pais4. importante lembrar que o

    projeto privatizante, ao se propor aumentar a oferta de servios, elegia como motor de

    crescimento a concorrncia entre as empresas e o as inovaes tecnolgicas que

    surgiriam. A fiscalizao, nos moldes de agncias reguladoras, estaria a cargo da

    Anatel.

    Como indicamos, h bons nmeros para se sustentar a idia de sucesso do

    modelo. Os terminais de telefonia fixa duplicaram (pelo menos os instalados), o

    crescimento da telefonia celular foi gigantesco (pelo menos, os pr-pagos) e, boa

    parte da populao excluda dos servios anteriormente, tem sido ofertado algum

    mecanismo de comunicao social.

    3 A recente luta, at mesmo jurdica, encetada pela Telefnica contra a Portugal Telecom pelo

    controle da Vivo demonstra quo lucrativo e estratgico o setor para as grandes operadoras internacionais, que so, importante notar, patrocinadas pelos seus Estados de origem. O atual governo portugus chegou a usar sua golden share para tentar impedir a venda, mesmo sabendo de sanes que pode receber da Unio Europia. Tal disputa vai de encontro s idias sobre fim do Estado-nao, bem como tese de que as grandes corporaes no possuem uma base nacional. 4 Outro trabalho que levanta uma discusso no mesmo sentido o de Dantas (2006).

  • Porm, necessrio irmos alm das anlises que ficam restritas a mdias ou

    ndices absolutos, bem como a idia de que, simplesmente pelo fato de celulares

    serem comprados em qualquer esquina, tal situao representaria uma

    democratizao dos servios. A situao muito mais complexa e contraditria do

    que a tese do sucesso da privatizao faz crer e acaba por ocultar tenses

    existentes e projetos alternativos de desenvolvimento5.

    II. Os limites da expanso da telefonia fixa: o fracasso da universalizao

    De incio, vejamos as tendncias em relao ao servio mais tradicional das

    operadoras de telecomunicaes, a telefonia fixa. De forma resumida, pode-se dizer

    que, aps a privatizao, este servio mais do que duplicou num intervalo de pouco

    mais de seis anos. A razo do crescimento foram as metas impostas pelo governo ao

    distribuir as concesses e no se relaciona, como tambm foi aventado no plano, por

    presses da competio entre empresas6. Em 1998, existiam no pas cerca de 20

    milhes de terminais de telefonia fixa instalados. J em 2005, este nmero aumentou

    para 52,8 milhes de linhas. A teledensidade, que o nmero de linhas por 100

    habitantes, chegou a um pico de 29,7% em 2004, decaindo para 28,72% em 2005, um

    crescimento significativo tendo em vista os 11,2% de 1998 (Cf. ABT, 2006), mesmo

    que este seja um ndice modesto se comparado aos pases centrais.

    Essas mais de 50 milhes de linhas, contudo, no representam o total de linhas

    que as antigas empresas estatais, agora privadas, construram, mas incluem as linhas

    disponibilizadas pelas empresas-espelhos. Em 2009, as concessionrias

    apresentavam 43,7 milhes de linhas instaladas, sendo que apenas 33,5 milhes em

    servio. Em outras palavras, depois de dez anos do processo, as empresas

    devidamente modernizadas (com dinheiro pblico, nunca demais lembrar), criaram

    13 milhes a mais de linha telefnicas (em servio). Para se ter uma idia, durante

    parte do perodo estatal (com empresas paquidrmicas, com baixos investimentos e

    ainda no sistema no qual o usurio era scio da Telebrs o que tornava o preo de

    aquisio da linha telefnica um impeditivo maior parte da populao), de 1988 a

    1998, foram criadas cerca de 12 milhes de linhas em servio. certo que a

    5 Estas tenses foram expostas na I CONFECOM (Conferncia Nacional de Comunicao),

    realizada em 2009. 6 Ainda hoje, em 2010, no possvel afirmar que a competio pressione, na maior parte dos

    casos, ao aumento dos servios de telecomunicao, pois ela somente existe em grandes centros urbanos, que so vistos como rentveis. No h interesse nem estrutura adequada para que a competio seja alavanca de universalizao da telefonia fsica, como se percebe nas discusses acerca da indefinio do unbundling, (ver Revista Teletime, abril 2010).

  • comparao comporta suposies indevidas devido ao novo quadro de mercado e

    tecnolgico criado no setor, mas pode servir de indicativo de que, ao contrrio do

    defendido pela ideologia privatista, as companhias estatais no impediam, por si

    mesmas, o crescimento dos servios, o qual poderia ser conquistado com os devidos

    investimentos e construo de um efetivo projeto pblico.

    Entretanto, desde 2002, em decorrncia do cumprimento das metas do

    governo, constatam-se a estagnao do crescimento e, a despeito do aumento do

    nmero de linhas, a diminuio do uso dos servios pela populao, perfazendo uma

    situao em que h mais telefones e o povo est falando menos (Dantas, 2002, p.

    16). Esse fato comprovado pela margem de no utilizao das linhas, ou seja, entre

    o nmero de telefones instalados e aqueles em servio h uma coeficiente de

    ociosidade que, por lei, precisa ser de apenas 5% para reserva tcnica. No Brasil,

    essa taxa tem oscilado sempre em nveis muito elevados, em torno de 20% desde

    2001. Em 2008, este ndice atingiu um pico de 29%, fazendo com que o nmero de

    linhas efetivamente em uso fosse de 41,2 milhes, diante das 57,9 milhes instaladas,

    proporo que se manteve em 2009, segundo o ABT 2010, e que demonstra, entre

    outros fatores, o desinteresse e/ou dificuldade de operadoras e do governo em

    contornar essa situao (Cf. Dantas, 2002, e ABT, 2006).

    A grande ociosidade das linhas traz, conseqentemente, uma diminuio da

    verdadeira teledensidade do pas, ou seja, levando-se em conta somente os terminais

    em uso, pelos nmeros de 2008, h somente 21,65 telefones para cada 100

    habitantes, taxa pouco expressiva se lembradas as promessas do projeto privatista,

    que previam uma teledensidade em torno de 33% (Cf. ABT 2009; Anatel, 2002).

    fundamental tambm destacar que mesmo esses ndices representam

    mdias nacionais e grandes disparidades regionais so ocultadas quando se remetem

    aos ndices sem a sua a devida territorializao. Em meados da dcada de 2000,

    enquanto os principais centros econmicos do pas apresentam ndices de

    teledensidade em torno de 40%, 50% e at 60%, milhares de outros municpios

    brasileiros tm valores muito mais baixos, menores at do que a mdia quando o

    sistema ainda era estatal. Como exemplo, em 2004, apenas 58 municpios brasileiros,

    que correspondem metade do IPC nacional,7 possuam 58% do total de linhas

    instaladas no pas. Se elevarmos , ainda pequena, quantia de 331 municpios, que

    representam 75% do IPC, encontraremos a 81% de todas as linhas telefnicas

    nacionais. Mais de 4,5 mil municpios apresentam teledensidade igual aos valores de

    7 ndice Potencial de Consumo, que reflete a porcentagem de cada municpio sobre o consumo

    de bens e servios no pas.

  • 2000, ou seja, menos de 20%, e cerca de 3 mil municpios tm ndices inferiores ao

    contexto pr-privatizao, ou seja, em torno de 12%. Por outro lado, apenas 40

    municpios tm teledensidade superior a 40% (ABT, 2005, p. 19).

    A ociosidade das linhas , evidentemente, tambm desigual pelo pas. Se a

    mdia nacional, que chegou a 30% em 2008, j considerada alta, no se pode

    esquecer que diversas regies de Estados como Par, Amazonas, Maranho, Piau,

    Pernambuco e Bahia, alm dos Estados inteiros do Amap e Roraima, apresentam

    ociosidade de linhas que variam de 40 a 50%. Num caso mais extremo, na regio

    Oeste do Par, em que vivem 1,1 milho de pessoas, dos 189 mil acessos instalados,

    somente 66 mil encontram-se em uso, o que gera a taxa de 65% de ociosidade de

    linhas (ABT, 2006, p. 26).

    Em nmeros mais recentes, de 2007, o estudo organizado pelo ABT ainda

    diagnosticava a penetrao insuficiente da telefonia fixa em vastas reas do territrio

    nacional: ano a ano, fica evidente que (...) o grande desafio da telefonia fixa e chegar

    onde ela mais necessria (ABT 2007). A distribuio desigual dos servios era

    atestada pelo fato de 10 municpios, nos quais residem 17% da populao, deter um

    tero de todas as linhas do pas.

    A soluo esperada seria o aumento da competio com empresas de outros

    segmentos - que tambm atuam no servio de televiso por assinatura, telefonia

    celular, ou VoIP - como o caso da parceria entre a NET e a Embratel (alm das

    operaes em telefonia fixa da GVT e TIM), mas, segundo os dados de 2008, essas

    empresas-espelho somente representam 5,5% dos usurios nas regies em que esto

    presentes. Em 2009, elas cresceram para quase 8 milhes de assinantes. Contudo,

    ainda que a tendncia seja de crescimento, este se realiza de maneira efetiva quase

    que exclusivamente nos grandes centros urbanos8 e, ao contrrio de ampliar o nmero

    de usurios do servio, esta competio tem somente transferido clientes j existentes

    de uma empresa a outra (Cf. ABT 2009). Em suma, a telefonia fixa no est crescendo

    no Brasil e no se trata de uma simples inflexo, mas uma tendncia de quase uma

    dcada.

    As razes para a falta de crescimento e o elevado ndice de ociosidade de

    linhas vm, logicamente, da renda insuficiente da maioria da populao em relao s

    tarifas cobradas, bem como da obrigatoriedade da assinatura bsica. Na viso das

    empresas, o problema todo se refere alta carga tributria e, assim, elas no

    8 Para sermos mais exatos, ela existe mais propriamente nos bairros rentveis dos grandes

    centros urbanos. Estas empresas levam suas redes e cabos somente s regies de interesse, ampliando o fosso da desigualdade de acesso.

  • poderiam ser responsabilizadas pela pobreza da populao (na linha: se nem almoo

    grtis existiria, como ironizava Milton Friedman9, quanto menos telefones).

    III. Mas qual universalizao?

    Assim, no exagero constatar bem ao contrrio da ideologia privatista um

    relativo fracasso da telefonia fixa, que pode ser dimensionada segundo os dados de

    2008 da PNAD (IBGE), que mostram que aumenta cada vez mais o nmero de

    residncias em que s existe a telefonia celular, 37,6% na mdia nacional. Em quatro

    das cinco regies do pas, a taxa superior a 40%, destacando-se a regio Norte em

    que 49% das residncias que tm telefone s usam a telefonia celular. Presencia-se,

    ento, um deslocamento das promessas da universalizao das telecomunicaes,

    que so aos poucos dirigidas telefonia celular, mas com uma observao muito

    importante, sobre a qual aludimos: os servios de telefonia celular no so prestados

    sob o regime de concesso pblica, o que colocaria, s empresas, obrigaes de

    universalizao e qualidade.

    A despeito desta condio, em 2009, o nmero de assinantes chegou a 175

    milhes, perfazendo a elevada teledensidade de 90 assinaturas por 100 habitantes.

    Aos poucos, tambm, as redes atingem um nmero maior de municpios e a

    tecnologia 3G tem avanado, permitindo a sintonia com a internet mvel. Para alguns,

    estaria, ento, atestada a democratizao dos servios de telecomunicaes por meio

    da universalizao da telefonia celular no pas. A pergunta a se fazer : se uma forma

    de universalizao est sendo realizada, ainda que as empresas no estejam

    obrigadas neste sentido, em que ela efetivamente consiste?

    Ocorre que a equao no assim to simples. Mesmo que este ndice

    indicasse o acesso de quase todos a uma conta mvel o que j incorreto, pois, na

    verdade, significa que uma parte da populao possui duas ou mais contas ele no

    significa que as pessoas faam uso efetivo de seus aparelhos para comunicao, os

    quais podem ser mais bem comparados a orelhes de bolso. Novamente,

    importante lembrar que isto representa sim um avano social10, mas os problemas

    ainda so muitos consistentes se o objetivo uma efetiva universalizao do acesso e

    do uso da telefonia pela populao.

    9 A frase quase um ditado, na verdade , no de sua autoria, embora Friedman, um dos

    mais importantes representantes da Escola de Chicago, a tenha usado em vrios artigos para revistas e jornais. 10

    A indicao dos limites e das insuficincias das telecomunicaes no perodo ps-privatizao no representa, todavia, a defesa do sistema anterior, marcado por um estatismo no-pblico. So fornecidos mais elementos deste debate em Cavalcante (2009).

  • A razo principal reside no fato de a telefonia celular no Brasil ser uma das

    mais caras do mundo. Segundo dados da UIT (Unio Internacional de

    Telecomunicaes11, 2010), o Brasil tem o quarto servio de telefonia celular mais

    caro na comparao com o restante dos pases, enquanto nos ndices coletados pela

    consultoria europia Bernstein Research, o pas passa segunda colocao no

    ranking de preos de telefonia mvel12. Segundo os dados da UIT, referentes a 2009,

    os valores das tarifas cobradas dos assinantes brasileiros s ficaram atrs do que

    pagaram japoneses, franceses e australianos. Em mdia, se paga no Brasil US$ 34,60

    mensais em um pacote de ligaes locais13. Em Hong Kong, pas mais barato, se paga

    US$ 0,75 pela mesma cesta de servios, enquanto no Paraguai, menor valor da

    Amrica do Sul, cobra-se US$ 5,31 (Cf. UIT, 2010).

    No somente est entre os valores mais altos, mas a cesta de servios no

    Brasil tambm aquela que mais afeta a renda pessoal, isto porque os gastos com

    telefonia celular representam 5,7% da renda bruta do brasileiro, enquanto no Japo,

    que tem o pacote mais caro, eles significam 1,4%. Comparando com os demais

    pases, o impacto da tarifa no dia a dia do brasileiro s perde para 40 pases (numa

    lista de 161), a maioria africanos14. Na pesquisa com os dados de 2008, o impacto era

    ainda maior, pois representava 7,5% da renda per capita

    O maior indicador do problema a grande discrepncia entre a quantia de ps-

    pagos e pr-pagos no pas. Em 2009, dos 175 milhes de assinantes, 143,6 milhes

    so portadores de pr-pagos (ou seja, 82,55%). Evidentemente, inegvel o lado

    positivo para a populao, pois mesmo nessas condies o celular pr-pago uma

    importante forma de comunicao, principalmente profissional. Ocorre que o quadro

    existente no Brasil, no qual as tarifas pr-pagas so muito mais elevadas do que as

    ps-pagas, contm uma forma desfavorecimento s classes populares. Para Dantas

    (2002), a consequncia um subsdio s avessas, isto , quem menos pode pagar

    tem um dispndio muito maior para usar o telefone, enquanto que os bons

    consumidores pessoas com maior renda e empresas possuem planos com

    aparelhos gratuitos e tarifas mais baixas.

    11

    Trata-se do brao das Naes Unidas (ONU) para o setor. 12

    Os resultados da pesquisa desta consultoria foram resumidos em Brasil tem a 2 maior tarifa de celular do mundo, Folha de So Paulo, 08.02.2010. 13

    Esta cesta de referncia, baseada nos critrios da OCDE, utilizada internacionalmente e compe-se de itens como tarifas entre a mesma operadora ou operadoras diferentes, mensagens de texto, ligaes para telefones fixos, etc. (Cf. UIT, 2010). 14

    Alguns indicadores da pesquisa da UIT podem ser vistos em Brasil tem 4 servio de telefonia celular mais caro do mundo, diz ONU, Folha de So Paulo, 24.02.2010.

  • O brasileiro paga cerca de 53 centavos de dlar por minuto de ligao pr-paga e menos de 20 centavos de dlar por minuto de ligao ps-paga. No Brasil, o preo da ligao pr-paga mais alto (o dobro) do que na Espanha, Itlia ou frica do Sul. Em compensao, o minuto ps-pago, no Brasil, dos mais baratos do mundo, inferior ao cobrado na frica do Sul, Mxico, Espanha, Itlia, Frana etc. (Dantas, 2002, p. 30).

    Como indicado, a explicao das operadoras para o valor alto das tarifas reside

    na carga tributria. Mas um elemento muito importante por vezes ignorado, qual

    seja, as tarifas de interconexo. Estas tarifas representam o custo que uma operadora

    tem ao usar as redes de uma concorrente. Quando a chamada final vai para uma rede

    de celular, as empresas cobram de R$ 0,40 a R$ 0,45 por minuto. Na prtica, uma

    parte fundamental das receitas das operadoras de celular constitui-se justamente pelo

    o que cobram de outras para usarem suas redes. Segundo Dantas (2006, p. 9), uma

    sbita mudana das regras de interconexo afetaria seriamente o equilbrio financeiro

    das operadoras, da os temores para que qualquer mudana no sistema seja

    efetivada.

    Para se ter uma proporo, entre o quarto trimestre de 2008 e o terceiro

    trimestre de 2009, TIM, Vivo e Oi angariaram R$ 4,9 bilhes com a interconexo. Este

    valor representa a diferena entre o que essas operadoras pagaram s demais pelo

    uso de suas redes e o que receberam quando seus clientes foram chamados (Cf.

    Brasil tem a 2 maior tarifa de celular do mundo, Folha de So Paulo, 08.02.2010). O

    que as operadoras mais querem evitar o trfego sainte, por isso fazem promoes

    para os que ligam para assinantes da mesma operadora. Para Paulo Mattos, diretor da

    Oi consultado na reportagem, 35% da receitas anual de todas operadoras de celular

    dizem respeito s tarifas de interconexo, que seriam 150% superiores s praticadas

    na Europa e EUA, e comenta:

    Isso infla o preo e deixa a chamada to cara que o cliente de celular, principalmente o pr-pago, recebe uma chamada e vai usar o telefone fixo para retorn-la. uma poltica que faz com que o trfego de voz do pas seja baixo.

    Mas... qual telefone fixo? Onde encontr-lo nas regies do pas em que 40%

    dos domiclios no o possuem? Parece haver algo de errado com a universalizao da

    telefonia quando um diretor de operadora admite que as pessoas precisam usar um

    servio que, como vimos, foi abandonado na prtica enquanto projeto de

    universalizao.

  • A questo das tarifas de interconexo torna-se mais interessante, pois revelam,

    basicamente, certo conflito 15 das operadoras de celular com as de telefonia fixa.

    Citando ainda os prprios empresrios, ao ser questionado sobre a situao dos que

    pagam muito na telefonia fixa, responde assim R. Lima, presidente da Vivo (apud Vivo

    questiona plano do governo para banda larga, Folha de So Paulo, 6.04.2010, itlicos

    nossos):

    L atrs, quando se decidiu que haveria um estmulo para o desenvolvimento do celular no pas, definiu-se o seguinte modelo. De toda ligao de uma operadora fixa que terminasse em um telefone celular, as mveis cobrariam das fixas uma tarifa de interconexo [pelo uso de suas redes] de R$ 0,40 por minuto. Para que esse sistema ficasse equilibrado, estabeleceu-se que as fixas cobrariam de seus clientes a assinatura bsica. Se no fosse assim, no teramos tantos acessos na telefonia mvel ou teramos de cobrar mais dos clientes que hoje no podem pagar. (...) Dependendo do ms, 40% de nossos clientes [pr-pagos] no fazem recargas. Se no fosse a VUM [tarifa de interconexo] cobrada quando essas pessoas recebem ligao de concorrentes, no teramos receita. E temos custos s para mant-los na base. Quando um pr-pago habilitado, pagamos R$ 26 Anatel. Para renov-lo a cada ano, mais R$ 13. Isso sem contar os custos quando ele acessa o call center, por exemplo. (...) Essa foi a forma encontrada para fazer distribuio de renda pelo sistema. Caso contrrio, no daria para atender o catador de papel, a empregada domstica.

    De volta matria com as consideraes do diretor da Oi, tambm vemos que:

    (...) para as operadoras fixas, esse comportamento do consumidor virou "pesadelo"[o pr-pago que pouco usa o telefone]. Isso porque, toda vez que um cliente usa um telefone fixo para chamar um celular, a operadora fixa tambm paga interconexo de cerca de R$ 0,40 o minuto. O problema que, no caminho inverso, a mvel paga somente cerca de R$ 0,025 por minuto. "As fixas esto subsidiando o desenvolvimento das mveis", diz Mattos.

    A moral da histria inusitada, pois quem tambm subsidia alguns servios

    so os mesmos da poca estatal: os prprios usurios, mas agora por outros

    caminhos. Anteriormente, este subsdio dava-se da seguinte maneira: eram cobrados

    valores altos para aquisio da linha telefnica, o que fazia do proprietrio um scio da

    Telebrs e este valor era investido, teoricamente, na expanso das linhas. Em

    contrapartida, os valores da assinatura mensal eram muito baixos (menos de um real

    antes dos reajustes de 1995, preparatrios para a venda), assim como as ligaes

    15

    As aspas justificam-se pelo fato de que no se trata precisamente de um conflito, j que a maioria das operadoras de celulares faz parte de conglomerados que so, tambm, proprietrios de empresas de telefonia fixa. Assim, h um rearranjo, privado, desse desequilbrio oramentrio.

  • locais, que eram subsidiadas pelas receitas de servios de grandes usurios (como

    DDD e DDI).

    O que se depreende dos relatos dos empresrios que as companhias ainda

    precisam de subsdios cruzados, mas de forma mais complexa, pois envolve o sistema

    como um todo. Para que a citada empregada domstica diga-se de passagem,

    aquela que compe a maior categoria profissional do pas, com quase 7 milhes de

    trabalhadores(as) tenha um celular, necessrio que se mantenha a assinatura

    bsica da telefonia fixa para preservar a sade financeira das empresas, mas que,

    por sua vez, cria um valor que a impede de possuir um telefone fixo. E a histria um

    tanto quanto perversa da pretensa universalizao se fecha quando lembramos que,

    sem telefone fixo e recarregando seu celular de forma escassa, ela paga muito para

    falar pouco ou quase nada. A linha de raciocnio de Lima leva a entender que, no

    fundo, se pratica distribuio de renda, permitindo aos que nunca tiveram acesso

    telefonia alguma forma de comunicao. Mas no revela que se trata de uma

    distribuio sui generis, para no dizer precria, pois s pode existir ao mesmo tempo

    em que se impem obstculos ao acesso mais igualitrio dessas camadas de renda

    mais baixa a outros servios.

    Outro problema que afligiu tambm os planos de universalizao por meio da

    telefonia celular, que s agora tem comeado a se reverter, foi o limitado alcance

    territorial em que o servio vinha sendo disponibilizado. A telefonia celular havia

    chegado majoritariamente aos centros urbanos e no apresentava interesse em

    expandir sua planta fsica para reas em que no exista retorno comercial.

    Privilegiando essas reas rentveis, a telefonia mvel conseguiu cobrir mais de 88%

    da populao; contudo, muito significativo que, em 2005, ela tenha deixado de estar

    presente em mais de 2,6 mil municpios brasileiros, nos quais vivem cerca de 20

    milhes de pessoas (Cf. ABT, 2006). Segundo a avaliao realizada nesse ano:

    O trabalho de expanso das teles celulares foi totalmente focado nas regies urbanas, como era de se esperar, e que ainda existe uma gigantesca mancha territorial no coberta pelos sinais dos celulares. Repare-se que a cobertura tende a acompanhar as principais artrias rodovirias e que a cobertura nas regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste est fortemente concentrada nos centros urbanos. Alis, proporcionalmente, os municpios nordestinos tm a menor presena de celular. Apenas 33% das cidades no Nordeste so atendidas por uma operadora mvel (...) pouco provvel que as empresas de telefonia celular ampliem sua expanso territorial. Os custos so muito altos para ganhos muito baixos (ABT, 2006).

    Mas houve sim uma ampliao em 2008 e 2009, e a telefonia mvel chegou a

    cerca de 4.500 municpios brasileiros em diversas regies do pas. Esta expanso,

  • contudo, pouco tem a ver com a possvel rentabilidade ou estratgias de competio.

    Tratou-se de obrigaes impostas pelo Estado para que as operadoras aumentassem

    suas reas de cobertura em troca da conquista de licenas de operao nas faixas

    3G.

    Com relao ao acesso internet, os nmeros ainda se mostram muito

    modestos se comparados aos dos pases centrais, no obstante o crescimento dos

    ltimos anos que se deu em ritmo alto (Cf. ABT 2010). Em 2008, em 31,2% dos

    domiclios no pas existiam computadores e a internet chegava a 23,8% de todos os

    lares brasileiros (Cf. UIT, 2010). No tocante banda larga, havia, em 2009, 8,4

    acessos por cem habitantes (Cf. ABT, 2010), mas a qualidade da conexo no pas

    sempre foi muito precria e s agora tem dado sinais de mudana. Em 2009, havia

    16,1 milhes de assinantes de banda larga, sendo que 17% (contra 8% de 2008) tm

    acessos acima de 2 Mbps. Mas ainda h 43% de conexes abaixo de 521 kbps, ou

    seja, quase a metade refere-se a velocidades muito baixas e que permitem pouco uso

    das potencialidades das redes de comunicao.

    Em termos gerais, as cifras brasileiras acompanham as mdias mundiais, o

    que as deixam, na verdade, longe ainda do que se apresenta nos pases

    desenvolvidos (segundo critrio da UIT), em que a penetrao da banda larga , em

    mdia, de 23,3%. E, em alguns quesitos, os ndices nacionais so inferiores at

    mesmo aos pases em desenvolvimento. Sem contar que para 27,3 milhes de

    brasileiros (que representam 14% da populao, mas esto em 37% dos municpios,

    isto , 2061 deles), no h nenhuma possibilidade de acesso a servios de banda

    larga16. Tal como aconteceu com a telefonia celular, somente as presses do Estado

    levaro o servio para as localidades ainda no atendidas.

    A pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada, 2010),

    referentes aos dados captados pela PNAD-2008, constata tambm este quadro. So

    12 milhes de domiclios no Brasil com acesso internet de banda larga, isto , 20,8%

    do total. O estudo, que faz uma minuciosa comparao com outros pases, conclui que

    a o servio apresenta, alm da baixa densidade, uma elevada desigualdade regional.

    Afirmam que aliada baixa renda da populao e carga de impostos, flagrante no

    16

    Os nmeros da PNAD 2008 tambm evidenciam uma desigualdade regional muito elevada. Como exemplo, enquanto a regio Sudeste apresenta 31,5% de seus domiclios conectados internet, esse ndice, nas regies Nordeste e Norte, de 11,6% e 10,6%, respectivamente (Cf. IBGE, PNAD, 2008).

  • pas a concentrao de mercado, o que impede diminuio dos preos17. Na

    comparao com os outros pases, a concluso que no ritmo atual, continuar

    aumentando a distncia que separa o Brasil do grupo de economias avanadas,

    quanto ao aspecto densidade de acesso em banda larga, caso no haja interferncias

    no mercado (IPEA, 2010, p. 12).

    A baixa qualidade da banda larga no pas e as disparidades regionais nos

    fazem entender as discusses atuais sobre o Plano Nacional de Banda Larga em que

    se aventa a participao por meio da reativao da Telebrs. Na verdade, trata-se do

    futuro das telecomunicaes que est em jogo, pois a maioria dos servios tradicionais

    tende a convergir para a internet de rpida velocidade, como a telefonia e o

    audiovisual. E, muito importante notar, esta tendncia de volta do Estado no setor no

    exclusiva do pas. O estudo do IPEA (2010) lista inmeras experincias mundiais em

    que a busca da universalizao traada via projetos estatais. digno de nota que

    mesmo pases de emblemtica tradio liberal, como EUA e Austrlia, venham

    desenvolvendo projetos nesse sentido. Na Austrlia, chegou-se criao de uma nova

    estatal responsvel pelo servio. A meta em ambos os pases que toda a populao

    possa ter acesso a 100 Mbps (IPEA, 2010).

    Todos esses elementos at aqui abordados abalaram at mesmo a filosofia

    da privatizao, pregada como a satisfao do consumidor. A corrida para

    antecipao das metas, pelas operadoras fixas, e o despejo de milhes de celulares

    no mercado resultaram em deficincias srias ao relacionamento das empresas com

    os usurios, que sofrem com problemas como as inmeras cobranas indevidas, falta

    de informao e resoluo de problemas nos call centers, precariedade da prestao

    de certos servios, etc. No toa que, desde a privatizao, so empresas de

    telefonia que lideram de forma absoluta as queixas em rgo de proteo ao

    consumidor18.

    17

    Segundo a pesquisa, Os dados sustentam que a oferta do acesso banda larga exageradamente concentrada, sobretudo considerando que a prestao do servio est sujeita ao regime de livre concorrncia (IPEA, 2010, p. 7). 18

    Segundo o Procon de So Paulo (2004), ao analisar as reclamaes de consumidores de celulares, verificou-se que, devido s diversas formas de m prestao de servio, a exploso na oferta no foi acompanhada de uma estrutura suficientemente adequada, capaz de atender aos consumidores em suas demandas fundamentais, tais como informaes claras e precisas, agilidade na resoluo de problemas e cumprimento oferta. Segundo a Anatel, constatam-se problemas como cobranas indevidas ou erro em conta, mau atendimento da operadora, bloqueio indevido de linha, cancelamento do servio e no cumprimento de clusulas contratuais (como concesso de bnus) (apud Operadora de celular ter mais fiscalizao, Folha de S. Paulo, 12.3.2005).

  • Esses fatores expem, na verdade, a fragilidade da agncia reguladora, a

    Anatel, ante o poder, mormente monoplico, das empresas que, em tese, deveriam

    ser amplamente fiscalizadas. Afinal, como conciliar a garantia de lucro das empresas e

    o interesse pblico de prestao de servios de qualidade e acessveis? Alm dessa

    contradio, a estrutura de pessoal e materiais que possui incompatvel com o

    tamanho do setor nacional, o que limita seu poder fiscalizador. Em 2003, segundo

    pesquisa realizada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor apud

    Agncias tm avaliao ruim, diz pesquisa, Folha de S. Paulo 12.3.2003) sobre a

    atuao das agncias reguladoras do pas, a avaliao pela populao da Anatel

    ruim e os motivos elencados so:

    permite a participao de consumidores em seus conselhos, mas predominam representantes das empresas; aplica multas irrisrias aps longos procedimentos administrativos, critrios para reajuste de assinatura desfavorecem o consumidor; inadimplncia permite a incluso de consumidor em cadastros de restrio ao crdito.

    Estela Guerrini, advogada do Idec, afirma que so raras as vezes que a

    agncia se volta para o consumidor contra os interesses da empresa (O lado mais

    fraco, Revista Teletime, jan/fev 2010). Em sua avaliao, a Anatel, preocupada em

    proteger o equilbrio econmico dos contratos, ignora o usurio como parte a ser

    tambm preservada. Na verdade, h vrias discusses sobre o papel poltico-

    institucional das agncias reguladoras, que vo alm dos limites deste artigo.

    possvel, contudo, indicar que a existncias de agncias independentes, embora

    sejam justificadas como forma de conter as influncias poltico-partidrias em rgos

    tcnicos, criam um mecanismo cuja finalidade assegurar que o mercado no sofrer

    influncias das alteraes polticas advindas pelo sufrgio universal. O que nos

    permite, ento, entender a proximidade deste modelo institucional com as reformas

    neoliberais. Na prtica, elas se tornam independente em relao aos trabalhadores do

    setor e aos usurios dos servios e mais prximas s companhias que deviam regular

    e fiscalizar rigorosamente19.

    Em suma, passada mais de uma dcada desde o processo de privatizao,

    inmeros desafios ainda se colocam ruma a uma efetiva universalizao da telefonia

    no pas. Diversos problemas como os relativos a custos do servio, desigualdades

    19

    Um exemplo contundente da situao expresso na mesma entrevista: [reprter:] (...) O procurador Duciram Farina disse que a maior prova de que o consumidor no captura a agncia nenhum funcionrio sai da Anatel para trabalhar no Idec ou Procon. Tem algum que foi da Anatel trabalhando aqui? R: Jamais! Eles vo para as grandes empresas. (O lado mais fraco, Revista Teletime, jan/fev 2010).

  • regionais e qualidade de acesso ainda esto longe de serem plenamente resolvidos.

    Os nmeros, ao contrrio do que prega uma viso simplista, no falam por si.

    IV. Consideraes finais: crise da ideologia privatista?

    No comeo deste artigo, afirmamos que, a despeito de certa ideologia

    privatista, h srios problemas no modelo brasileiro de prestao de servios de

    telecomunicaes. Como procuramos demonstrar, o crescimento dos terminais, fixos e

    celulares, no implica numa efetiva universalizao do servio, tampouco em uma

    democratizao de acesso. Mas preciso considerar o sentido de ideologia de uma

    forma precisa: no nos referimos aqui concepo de ideologia enquanto falsa

    conscincia da realidade ou certo discurso ou idia que, criada por uns poucos,

    enganam a milhes de pessoas.

    Ainda que seja difcil escapar polissemia do conceito, entendemos por

    ideologia um discurso que se remete a relaes concretas, mas assim o faz de modo a

    construir uma explicao ausente de contradies, que possui, a despeito da

    realidade de seus elementos tomados de forma isolada, um contedo ilusrio20. Por

    conseguinte, ao tomarmos nosso caso, esta ideologia privatista apresenta uma funo,

    a saber, legitimar um tipo de poltica a neoliberal que alterou a forma de atuao

    do Estado em um setor com tradio de existncia de servios pblicos no

    mercantilizados. E, para completar este esquema de ideologia, ainda necessrio

    explicar sua necessidade: um discurso que precisa ser desta forma na medida em

    que diversas fontes de acumulao de capital esto disponveis s empresas. Ao

    indicar um crescimento dos servios que leva democratizao e universalizao

    dos acessos, postula-se que o objetivo s pode ser garantido pelas foras do

    mercado.

    Como exposto ao longo do texto, a linha de defesa da ideologia privatista a

    seguinte: com os investimentos privados e suposta competio, houve aumento

    significativo de linhas fixas e celulares e, devido manuteno da assinatura bsica

    na telefonia fixa, distribui-se renda aos portadores de pr-prago, que podem agora

    utilizar um telefone, mesmo que deste aparelho no seja feito um uso ativo21.

    20

    Esta noo de ideologia influenciada pelo esquema de aluso-iluso de Althusser (1985) e a anlise do fetichismo da mercadoria de Rubin (1980), ainda que no corresponda a nenhum autor integralmente. 21

    S em um modelo precrio como esse que se torna possvel uma campanha publicitria cujo mote : Vire um ligador. Ou no causa estranheza uma propaganda cujo argumento , simplesmente, poder usar (se que se pode) um servio que j teria sido universalizado?

  • Assim, telefones so oferecidos, em qualquer esquina, aos que estavam

    alijados do modelo estatal anterior. O que, por suposto, no pouca coisa. possvel

    dizer que a entrada macia de camadas populares neste setor potencializa a idia

    (no menos ideolgica, no sentido que traamos) de um cidado-consumidor. Mas,

    na prtica, muito melhor falar (ainda que pouco) em algo, do que no se comunicar

    de forma alguma.

    Contudo, um processo que se explica pelo fato de o neoliberalismo, como

    afirma Boito Jr. (2002, p.30), ter confiscado a revolta popular difusa contra o

    clientelismo e a cidadania restrita em favor de um objetivo reacionrio, qual seja, a

    construo do Estado-mnimo 22 e, para tanto, valeu-se do apoio miditico e da

    prpria mquina estatal (Cavalcante, 2009).

    Dada as insuficincias do sistema estatal anterior, o confisco obteve seu xito,

    mas nada parece garantir que os limites do modelo no se mostrem cada vez maiores

    e mais sentidos cotidianamente. Assim, as milhares de queixas dirias aos servios de

    telefonia, em rgos responsveis, podem ser um indcio popular da saturao do

    modelo, o que exigiu interveno do governo para criao de legislaes especficas

    (como as que definem as regras para call centers). Igualmente, a incapacidade em

    levar o servio a quem precisa e no s a quem pode pagar por ele colocou, numa

    conjuntura distinta, o Estado novamente em jogo.

    Como lembra Dantas (2006, p. 22), a efetiva universalizao implica em

    custos e taxas de retorno que o investimento privado, ainda mais quando submetido

    s presses da concorrncia, ter dificuldade de perseguir, sendo que os pases que

    obtiveram a universalizao assim o fizeram antes de privatizar os servios, e no

    posteriormente.

    Se, como afirma Dantas (2006, p. 22) e de certa forma como tambm dito

    pelos empresrios a pobreza s atendida se subsidiada, no possvel afirmar

    que este subsdio tem sido realmente exitoso, pelo contrrio, parece estar longe de

    uma lgica pblica universalista.

    Embora de forma limitada e preso s presses do mercado, o ltimo ano do

    governo Lula esboou a retomada de um modelo alternativo. preciso, pois, discutir

    sobre este modelo, as condies polticas nas quais se sustenta e sua viabilidade,

    elementos que ainda esto em aberto e somente sero compreendidos por meio de

    uma anlise das foras sociais que orientam os destinos do setor23. At o presente

    22

    Como lembra o autor, mnimo para os trabalhadores, mas grande permitir a realizao dos interesses dos capitais. 23

    O que esperamos poder contribuir em outros trabalhos.

  • momento, presencia-se uma indefinio do contexto poltico, no qual os projetos

    estatistas do governo podem no ser incompatveis com o sistema atual. A proposta

    de reativao da Telebrs um exemplo: ainda que criticada duramente pelas

    empresas, aos poucos foi sendo aceita desde que atendidas algumas condies para

    sua atuao. Ajudaram, neste sentido, os esforos do governo Lula em construir um

    grande operador nacional, por meio da Oi. necessrio, desta forma, que as

    discusses futuras se atentem a estas novas propostas e analisem o que significa,

    principalmente para uma perspectiva de desenvolvimento social, o grau de alcance

    dos projetos nacionalistas ou mesmo neodesenvolvimentistas na conjuntura interna

    e externa.

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