As ruas: para onde vamos? (Artigo publicado em BLOG DA REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO)

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Sociedade, Política e Educação (Artigo publicado em BLOG DA REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO)

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As Ruas: para onde vamos?

(Artigo publicado no BLOG DA REVISTA ACADÊMICA)

Em junho de 2013, no auge das manifestações no Brasil, arrisquei traçar um panorama

do fenômeno que chamava a atenção do mundo no blog Opinião Social. Como

manifestante, olhando de dentro, com um olhar legitimista, dei ao fenômeno o panorama

que consegui vislumbrar e o prognóstico que pude alcançar. Hoje, nas vésperas das

eleições de 2014, arrisco vislumbrar perspectivas e comentar como entendo o atual

dimensionamento de As Ruas e o seu impacto nas eleições 2014. Dividi minhas

ponderações em quatro partes.

Políticos vs. Anônimos

Um dos grandes feitos de As Ruas – vou chamar assim o movimento – foi o apartidarismo.

Não permitir em seu seio partidos políticos significava discordar deles, dizer “não!” a

uma possível apropriação indevida do movimento, que se distinguia do papel dos partidos

na política representativa atual. E é isto o que mais legitima As Ruas. Também a rejeição

de entidades estudantis – a UNE sequer foi mencionada, neste que é um movimento com

imensa participação de universitários – deixava claro o descrédito da forma como vem

sendo conduzida a democracia representativa. O movimento se mostrou puramente

ativista e de ação direta. A cara pintada evoluiu para a cara anônima. Além de ocultar o

rosto para fugir da repressão policial e dar maior vasão à catarse sociocoletiva, podemos

levar a simbologia da máscara para uma outra dimensão: o rosto oculto mostra que os

ativistas não querem se promover, e também dá à multidão, esse ator coletivo que

protesta, a justa igualdade de manifestação. O não interesse em autopromoção política foi

uma das maiores preocupações do Estado com As Ruas, pois se os manifestantes não

querem promoção política (nem anarquia vazia), tudo o que resta ao movimento é

realmente o desejo de mudança. Logo, se não querem se promover, não há como cooptá-

los para o poder. Se não há como cooptá-los, resta reprimi-los. E se não conseguirem

reprimi- los, cedo ou tarde terão que ceder às mudanças.

A acusação mais rigorosa contra As Ruas é a de que há vândalos no movimento.

Entretanto, o fato de atingir instituições bancárias e públicas com regularidade dentro do

seu desejo de justiça social, dá ao movimento um caráter ainda não visto em terras

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brasileiras. Devemos concordar que, sem atingir as instituições de controle do poder, As

Ruas teriam produzido menos impactos nos poderes constituídos. Nesse sentido, As Ruas

são os novos ludistas que sabem que o Estado não está disposto a dialogar sobre mudanças

profundas em sua estrutura central. O seu impacto foi tão forte que disparou um discurso

da presidente da república, que deixou o legislativo nacional em saia justa e, neste ano,

pouco antes do início da Copa do Mundo, veio a ecoar no decreto presidencial nº 8.243

de 23 de maio de 2014, que pretendeu dar as providências regulamentares necessárias

para a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de

Participação Social (SNPS), que é uma forma de institucionalizar a democracia

participativa e evitar brechas criminalizantes dos maus políticos contra os conselhos

populares.

Segregação vs. Ocupação

A onda das jornadas de junho de 2013 sacudiu outros setores da sociedade, provocando

reações conscientes e inconscientes. Entre vários acontecimentos, o fenômeno do

“rolezinho” se destaca. Embora já existisse anteriormente, ele eclodiu com mais vigor

após junho de 2013. Em sua “Etnografia do Rolezinho”, Rosana Pinheiro Machado diria:

“O ato de ir ao shopping é um ato político porque esses jovens estão se apropriando de

coisas e espaços que a sociedade lhes nega dia-a-dia”. E ainda completa: “Se há poesia

na política do rolezinho é que ela é um ato fruto da violência estrutural (aquela que é fruto

da negação dos direitos humanos e fundamentais): ela bate e volta. Toda essa violênc ia

cotidiana produzida… e (a) recusa do outro…voltará a assombrar quando menos se

espera”.

Em certa medida, a sua fala ecoa no poema de Ramil Rancun: “Não basta apenas eu ser

feliz / Se eu não me solidarizar com a miséria alheia / Um dia ela cresce e incendeia / Os

nossos direitos civis”. De repente, os filhos da classe trabalhadora ouviram o grito de As

Ruas e perceberam que teríamos uma Copa bilionária em um país socialmente pobre, com

desigual divisão de riquezas, traduzida, entre outras coisas, na segregação efetiva e

simbólica dos espaços de lazer para a juventude pobre das periferias das cidades. A

ocupação pacífica e divertida de shoppings por jovens e adolescentes das classes mais

baixas é um fenômeno da luta de classes na versão inconsciente e ingênua desta parcela

social da juventude.

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A “psolização”

Falei acima que a principal estrutura que legitima As Ruas é o seu apartidarismo. Muitas

bandeiras políticas foram publicamente banidas ao tentarem participar das manifestações.

Alguns partidos podem até estarem, agora durante as eleições, tentando se apropriar de

As Ruas, mas o PSOL é que parece receber a simpatia da maioria esmagadora do

movimento. Confesso que me surpreende a atual “psolização” das manifestações. Vejo o

PSOL como uma grande sigla partidária, dotada de ideologia, inteligência, capacidade e

com vocação para valorizar mais o ser humano em detrimento do capital. Mas se As Ruas

são um movimento apartidário, alguns fatos precisam ser esclarecidos: Por que os

candidatos do PSOL, desde sua excelente candidata à presidência da república,

candidatos a governadores e deputados, têm se apropriado de As Ruas nas campanhas?

Poderíamos dizer que democraticamente tais candidatos, enquanto cidadãos, tinham e têm

o direito de participar das manifestações. Mas isto perde o sentindo quando se ouve a

própria Sininho – uma verdadeira heroína – dizendo que As Ruas receberam ajuda

política, pois afinal “…eles deram dinheiro sim…”. Todavia, se o movimento se

apresentou apartidário, não deveria ter aceitado ajuda política ou de políticos, pois isto

não configura um apartidarismo. Talvez meus pares me contestem, mas estou apoiado em

fatos. Hoje, o apartidarismo de As Ruas, diante da visão do cidadão de senso comum

(absurda maioria), corre riscos devido a atual “psolização”. Repare: As Ruas não correm

risco de legitimidade ideológica, e sim o risco da “psolização” pôr em xeque o

apartidarismo do movimento.

O efeito político de As Ruas nas eleições 2014

Sou “arruaceiro”. Fui e vou em As Ruas como manifestante e pretenso pesquisador. Mas

há fatos que precisam ser avaliados. Ao atacar toda forma de poder representativo, As

Ruas também atacaram o governo federal (que se apresenta como de Esquerda), mas sem

a certeza pragmática de uma estratégia pós-ataque que assegurasse manter uma Esquerda

no poder, depois de enfraquecer a Esquerda atualmente empoderada. A questão é simples :

As Ruas, ao atacarem o poder representativo central, não apresentaram nenhuma

estratégia com grande possibilidade de vitórias que pudesse substituir o atual grupo no

poder em Brasília. As Ruas não têm este plano, ou o plano que possuem só surtirá efeito

em alguns anos, quem sabe décadas, já que o PSOL (praticamente o único partido que As

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Ruas aceitam), ao se apropriar das manifestações, se propõe a ser a substituição do poder

central atual.

Acontece que o PSOL ainda não tem condições de ganhar uma eleição presidencial, e o

partido sabe disso. E As Ruas também. Concordo que as mudanças que As Ruas desejam

precisam ser intensificadas agora para surtirem efeito no futuro. A falha está na proposta

de apenas enfraquecer, sem de fato poder substituir agora o poder central (que queiramos

ou não se diz de Esquerda, e isto é melhor do qualquer Direita), e sem tomar cuidado para

que a Direita ou o Centro na venham a assumir tal poder. Ao causar um enfraquecimento

sem um plano imediato de ocupação representativa ou de enfraquecimento da Direita

nacional também, As Ruas abriram maior possibilidade e risco de que o poder central seja

assumido por outro grupo qualquer (atualmente Mariana Silva, que é claramente o mais

novo investimento disfarçado da Direita, ou quem sabe o neoliberalismo do PSBD). Ora,

qualquer esquerdista convicto, mesmo que indignado com o atual governo, mas ainda sã,

prefere a sua continuação a ver o Brasil novamente nas mãos dos neoliberais. As Ruas

brigaram com a Esquerda que ocupa o poder central, mas sem perceberem o risco de isso

abrir uma porta para a Direita. Deveriam ter atacado a Direita em nível nacional também.

No que se refere às eleições proporcionais, também quem mais perde é a Esquerda.

Embora o PSOL deva crescer nestas eleições, cultuado pela massa universitária, outras

frentes da Esquerda deverão perder espaço, como o PT. O fato de Dilma ter sido ativista

contra a Ditadura Militar, e alguns quadros do PT, como Lindbergh que foi líder de uma

manifestação decisiva para derrubar um presidente, somados ao pouco interesse do eleitor

de senso comum por informações mais precisas, fazem parecer para estes eleitores

(esmagadora maioria) que o PT é o grande criador oculto ou o motivador de As Ruas,

com o objetivo de, a partir do caos, instalar uma absurda proposta comunista,

enfraquecendo as estruturas democráticas e o direito à livre concorrência e à propriedade.

Juntemos a isso o fato do que o eleitor mais conservador (maioria no Brasil) receoso pela

velha rotulação equivocada de um improvável Comunismo, pela demonização que a

mídia coorporativa fez de As Ruas e pelo medo de mudanças mais profundas, se apoia no

voto conservador para se sentir mais seguro. Por fim, devemos lembrar que muitos

caciques endinheirados da política continuarão mantendo o velho e repudiante “curral

eleitoral”, já que trabalham para manter o eleitor dependente deles e viciado a ganhar

favores durante as eleições, diferentemente da Esquerda que não trabalha nas eleições

com grandes financiamentos. Por tudo isso, arrisco projetar um crescimento da Direita e

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do Centro nestas eleições, tanto nos mandatos executivos, mas principalmente nos

proporcionais. Repare que os candidatos de Esquerda e de Direita que já têm eleitores

fiéis devem se reeleger em sua maioria, mas já no que se refere à renovação, poderemos

ter um número maior de candidatos da Direita e do Centro ganhando um primeiro

mandato. E isto pode significar uma sociedade menos livre, nas entrelinhas das leis e do

conservadorismo, e governos mais aparelhados para a repressão. Se a Direita e o Centro

crescerem além do normal nestas eleições, teremos uma herança amarga e inesperada de

As Ruas.

Referências

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* SERGIO LUIZ RIBEIRO é graduando em Ciências Sociais da UFRRJ; Diretor de

Pesquisas e Projetos Tecno-Sociais na Secretaria de Ciência e Tecnologia da Prefeitura

de Itaboraí – RJ; Presidente do Partido do Meio Ambiente – RJ.