As Relações Internacionais Entre 1875 e 1941

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As relações internacionais entre 1875 e 1941: expansão pacífica ou luta pelo poder. A conquista política e inserção econômica da África 1 INTRODUÇÃO O período do triunfo liberal vivido até pouco depois da metade do século XIX terminou com uma crise econômica iniciada na década de 1870, marcando o início de um período bastante diferente. De agora em diante, as grandes corporações industriais são atores de relevância no cenário internacional e a intervenção governamental na economia é uma prática comum à maioria dos Estados. Tal fato se dá, pois os atores se encontravam em situação de interdependência, influenciando-se mutuamente, visto que a presença estrangeira no país, e vice-versa, estimulava o protecionismo pelas duas partes. O capitalismo ingressa numa nova era tecnológica, a crescente renda das massas e o crescimento demográfico permitem o desenvolvimento de uma economia de mercado de consumo doméstico, a acirrada competição entre economias industriais nacionais rivais dá fim ao antigo monopólio da Inglaterra e, por fim, o mundo entra assim no período do imperialismo. Tem-se aí a integração dos países “subdesenvolvidos” à economia mundial, que é dominada pelos países “desenvolvidos”. No grupo dos primeiros podem incluir-se as colônias asiáticas, latino-americanas e africanas. Já o segundo envolve potências européias como exemplo a França, Inglaterra, Alemanha e Bélgica e também não-europeus como Estados Unidos e Japão. Cria-se aí mais uma forma de relacionamento envolvendo a influência mútua, visto que as potências colonizadoras dependerão dos “subdesenvolvidos” como fornecedores de matérias-primas e mercado consumidor, e esses, por sua vez, agora inseridos na economia mundial dependerão dos “desenvolvidos” para venderem seus produtos primários e suprirem-se de matérias primas. Ao analisar o fenômeno do imperialismo, Lênin coloca este em função desse novo contexto econômico e político, aprofundando na idéia de passagem do capitalismo para uma fase mais agressiva com destaque para o capital monopolista. As relações internacionais entre 1871 e 1914 foram intensamente influenciadas pela corrida para a partilha da África. Possessões coloniais, que nos anos 60 e início dos 70, eram exploradas de forma indireta e não tinham tanta utilidade econômica, passaram a ser alvo de cobiça de vários Estados europeus, resultando em uma corrida por novas terras surpreendentemente rápida e com grandes extensões geográficas. Então a chamada Conferência de Berlim é realizada entre os países que tinham interesses no assunto da expansão colonial. Os principais objetivos desta conferência não era propriamente partilhar as terras da África, mas sim garantir condições para o livre-

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A conquista política e inserção econômica da África. Expansão pacífica ou luta pelo poder?

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  • As relaes internacionais entre 1875 e 1941: expanso pacfica ou luta

    pelo poder. A conquista poltica e insero econmica da frica

    1 INTRODUO

    O perodo do triunfo liberal vivido at pouco depois da metade do sculo XIX

    terminou com uma crise econmica iniciada na dcada de 1870, marcando o incio de um

    perodo bastante diferente. De agora em diante, as grandes corporaes industriais so

    atores de relevncia no cenrio internacional e a interveno governamental na economia

    uma prtica comum maioria dos Estados. Tal fato se d, pois os atores se encontravam

    em situao de interdependncia, influenciando-se mutuamente, visto que a presena

    estrangeira no pas, e vice-versa, estimulava o protecionismo pelas duas partes.

    O capitalismo ingressa numa nova era tecnolgica, a crescente renda das massas e

    o crescimento demogrfico permitem o desenvolvimento de uma economia de mercado de

    consumo domstico, a acirrada competio entre economias industriais nacionais rivais d

    fim ao antigo monoplio da Inglaterra e, por fim, o mundo entra assim no perodo do

    imperialismo.

    Tem-se a a integrao dos pases subdesenvolvidos economia mundial, que

    dominada pelos pases desenvolvidos. No grupo dos primeiros podem incluir-se as

    colnias asiticas, latino-americanas e africanas. J o segundo envolve potncias europias

    como exemplo a Frana, Inglaterra, Alemanha e Blgica e tambm no-europeus como

    Estados Unidos e Japo. Cria-se a mais uma forma de relacionamento envolvendo a

    influncia mtua, visto que as potncias colonizadoras dependero dos subdesenvolvidos

    como fornecedores de matrias-primas e mercado consumidor, e esses, por sua vez, agora

    inseridos na economia mundial dependero dos desenvolvidos para venderem seus

    produtos primrios e suprirem-se de matrias primas.

    Ao analisar o fenmeno do imperialismo, Lnin coloca este em funo desse novo

    contexto econmico e poltico, aprofundando na idia de passagem do capitalismo para uma

    fase mais agressiva com destaque para o capital monopolista.

    As relaes internacionais entre 1871 e 1914 foram intensamente influenciadas pela

    corrida para a partilha da frica. Possesses coloniais, que nos anos 60 e incio dos 70,

    eram exploradas de forma indireta e no tinham tanta utilidade econmica, passaram a ser

    alvo de cobia de vrios Estados europeus, resultando em uma corrida por novas terras

    surpreendentemente rpida e com grandes extenses geogrficas.

    Ento a chamada Conferncia de Berlim realizada entre os pases que tinham

    interesses no assunto da expanso colonial. Os principais objetivos desta conferncia no

    era propriamente partilhar as terras da frica, mas sim garantir condies para o livre-

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    comrcio nas regies disputadas pela Gr- Bretanha, Frana e Blgica. Alm disso, tambm

    definiria as formalidades que teriam de ser observadas para que suas conquistas no

    continente fossem consideradas efetivas.

    A questo das disputas envolvendo a bacia do Congo que despertar o interesse

    maior por parte de Bismarck para realizar a conferncia, visto que essa poderia ser uma

    sada para afastar a ateno dos franceses, investidos de revanchismo contra a Alemanha.

    Por tratar-se de uma regio geograficamente estratgica, despertar interesses

    principalmente de ingleses, franceses, portugueses e belgas, sendo que estes ltimos j

    exerciam influncia na regio.

    Diante do fato que esses Estados j encontrarem-se em situao de

    interdependncia, a conquista de vantagens comerciais por um deles causaria, ento

    situaes de vulnerabilidade ou sensibilidade nos outros. Assim, todos colocavam-se

    dispostos a lutar pela regio do Congo, no entanto um conflito entre eles seria oneroso e as

    perdas decorrentes dele, ainda mais prejudiciais em termos de sensibilidades e

    vulnerabilidades. Essa situao ento solucionada pacificamente pela Conferncia de

    Berlim, atravs de concesses belgas, permitindo o livre acesso das outras potncias no

    territrio. Nessa conferncia, as potncias optam pela via da cooperao em virtude da sua

    situao de dependncia mtua.

    2 - DESENVOLVIMENTO

    No ltimo quartel do sculo XIX, o continente europeu v um impressionante

    crescimento do comrcio internacional e da produo, apesar da Grande Depresso iniciada

    em 1873. A partir dela, ocorre uma concentrao de capital, uma vez que abre espao para

    o surgimento de novos atores, as grandes empresas, ou como posto por Lnin, a

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    emergncia de grandes monoplios. Isso fruto da incorporao daquelas mais fracas e

    mais atingidas pela crise, pelas mais fortes e com maior capital.

    A emergncia desses novos atores, aliada a outros fatores como a recente

    unificao alem e sua acelerada industrializao, reestruturam o contexto europeu,

    contribuindo para uma mudana no equilbrio de foras. Alm disso, o aumento da produo

    tendo em vista o aumento da taxa de lucro no foi concomitante ao desenvolvimento de um

    mercado de massa para bens de consumo, visto que esse ainda desenvolvia-se devagar por

    volta da dcada de 1870. A conseqncia disso o acirramento da competio comercial,

    uma vez que agora se tem agora menos empresas, no entanto maiores e mais fortes,

    disputando em um mesmo mercado que comeava a apresentar-se restrito.

    A compresso da taxa de lucro enfrentada pelas firmas dentro de cada pas,

    associada essa nova dificuldade, que o aumento da competio, leva os Estados a

    adotarem uma postura protecionista, intervindo diretamente nas suas economias. Nesse

    momento, tal medida mostrava-se necessria para a perpetuao das empresas nacionais,

    exceto para o caso britnico devido a certas particularidades desse pas. As tarifas

    protecionistas tornaram-se, ento, elemento permanente no cenrio econmico mundial,

    assim como prticas de dumping e cartis. Isso se dava, pois na mesma medida que as

    empresas precisavam vender o produto nacional no mercado internacional para que este

    absorvesse a produo, era necessrio proteg-lo da insero daquele de outra

    nacionalidade que chegava ao pas. Ao mesmo tempo em que a penetrao do produto no

    mercado internacional era dificultada pelos outros Estados, a prpria nao exportadora

    fazia o mesmo.

    Cada Estado tornara-se dependente do mercado do outro, uma vez que o mercado

    interno no absorvia toda a produo nacional. Trata-se de um momento no qual a forma

    conhecida e largamente adotada para contornar o problema da contrao da taxa de lucro

    era por meio de um aumento da produo. V-se, ento, por parte dos Estados, a

    percepo de que se no adotassem a via do protecionismo, as empresas nacionais seriam

    ainda mais afetadas pela concorrncia, ou at mesmo destrudas por ela. Tal fato poderia

    determinar uma srie de situaes de sensibilidade e vulnerabilidade ao pas, devido a uma

    srie de fatores que a falncia dessas poderia acarretar, como por exemplo, altos ndices de

    desemprego e maior dependncia das exportaes.

    Uma das alternativas encontradas para escapar dessa crise foi a corrida imperialista,

    o que torna possvel caracterizar a economia mundial do perodo que vai de 1875 a 1914

    como abrangendo uma base geogrfica maior que antes. H um crescimento do mercado

    de produtos primrios e tambm das reas destinadas sua produo, bem como a

    integrao destas ao mercado mundial. A globalizao da economia no era um fato novo,

    no entanto, foi acelerada no sculo XIX.

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    ento possvel desenvolver a idia de que o imperialismo se deu, em primeira

    instncia, por questes econmicas. Como foi argumentado por Eric Hobsbawn, ao rejeitar

    explicaes econmicas para esse fato, estas s poderiam ser, ento encontradas em

    argumentos de ordem psicolgica, ideolgica, cultural e poltica. Entretanto, tais explicaes

    obscurecem o tema e se limitam a negar fatos que eram bastante bvios essa poca e

    ainda so. (Hobsbawm, 1988 p.94)

    Segundo esse autor, trata-se da criao de uma economia global nica, que atinge

    progressivamente diversas regies do mundo, formando uma rede cada vez mais densa de

    transaes econmicas, comunicaes e movimentos de bens, dinheiro e pessoas ligando

    pases desenvolvidos entre si e ao mundo no desenvolvido (Hobsbawm, 1988 p.95).

    Quando trata dessa questo, Lnin coloca que, no fim do sculo XIX, o mundo

    encontra-se em meio a uma peculiar poltica colonial, uma vez que esta agora estava

    atrelada a uma nova fase do desenvolvimento do capitalismo, que a fase da passagem do

    capital monopolista para o capital financeiro. Essa mudana pode ser percebida no caso da

    Inglaterra, diante do fato de que entre os anos 1840 e 1860 o pas viveu o perodo de

    florescimento da livre concorrncia e, condizentemente com o pensamento liberal, os

    dirigentes polticos eram contrrios poltica colonial. No entanto, j no final deste mesmo

    sculo, com a concentrao do capital nas mos das grandes empresas, fruto da Grande

    Depresso de 1873, h uma mudana nessa mentalidade, sendo que agora os dirigentes

    burgueses preconizavam o imperialismo.

    No entanto, enquanto a Inglaterra mantinha-se defensora do liberalismo comercial,

    absorvendo grande parte das importaes no comrcio internacional, outras potncias como

    a Frana e a Alemanha - recm unificada e em processo acelerado de industrializao -

    tinham o Estado cada vez mais presente nas suas economias, para proteger as empresas

    nacionais diante do acirramento da competio internacional. Dirigentes britnicos passaram

    a enxergar o imperialismo como uma soluo econmica, como tambm poltica e social

    diante da concorrncia com que se choca agora a Inglaterra no mercado mundial por parte

    da Alemanha, da Amrica e da Blgica (Lnin, ANO? p. 79).

    Lnin destaca como particularidade fundamental do capitalismo moderno a presso

    exercida pelas grandes empresas que concentram o capital. Essas empresas adquirem

    maior solidez quando conquistam as fontes de matrias-primas, passando a controlar as

    diversas etapas da produo, e esforam-se para vencer a concorrncia das outras. Para

    isso, os Estados so pressionados lanarem-se na disputa colonial, de forma a garantir

    esses atores, as empresas, condies de competir no mercado internacional.

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    As grandes potncias ingressam, ento em uma corrida para a ocupao do

    continente africano, fazendo com que as rivalidades se acentuassem medida que menos

    territrios permaneciam disponveis sua ocupao e as reas de influncia aumentavam.

    Estados como Inglaterra, Frana e Portugal j dominavam regies na frica, sendo que em

    1876, a Frana iniciou sua expanso na frica Ocidental, e trs anos depois, o rei da

    Blgica, Leopoldo II, patrocinou uma instituio privada que objetivava explorar

    economicamente os territrios adjacentes bacia do Rio do Congo. O risco de conflitos

    crescia entre as potncias coloniais, sendo inevitvel que os imperialismos se

    confrontassem no centro da frica (Milza, 1995. p. 65), ou seja, na bacia do rio Congo.

    Reaparecem, ento, prticas tradicionais da diplomacia europia, sendo elas a

    partilha por territrios desejados, polticas de compensao, trocas e criao de um Estado

    tampo para delimitar zonas de influncia entre as potncias, no entanto, agora aplicadas

    em nvel mundial. A criao do Estado Independente do Congo inclui-se nessa ltima

    prtica, evitando o choque direto entre os imperialismos.

    A regio do rio Congo sofreu um rpido crescimento do comrcio de marfim, leo de

    palma e borracha, sendo que 1870 o valor desse comrcio j se aproximava daquele do

    delta do rio Nger. No entanto, ainda assim os europeus conheciam muito pouco do interior

    do continente para alm das vias fluviais. Foi ento que Stanley, um jornalista americano, foi

    incumbido, pelo rei da Blgica de conhecer a regio em nome da Associao Internacional

    Africana, criada e presidida pelo prprio Leopoldo II. Stanley partiu do leste e cruzou a

    frica Central at a costa do Atlntico, revelando a existncia de uma rede fluvial navegvel

    pela qual a floresta equatorial poderia ser penetrada. Entre 1879 e 1882 o jornalista

    percorreu a extenso da bacia do Congo criando postos de vigilncia e apoderando-se do

    pas (Milza, 1995 p.66).

    Do ponto de vista francs, tratava-se de uma intromisso belga que colocava em

    risco ambies francesas e germnicas, resultando em um atrito entre os pases. Bismarck

    assistia essa controvrsia com interesse, vendo nela uma oportunidade para encorajar os

    interesses coloniais franceses, e, consequentemente, afastando seu foco da poltica

    europia e de desejos revanchistas em relao Alemanha. Tendo isso em vista, Bismarck

    convidou o presidente do Conselho de Governo francs a co-patrocinar uma conferncia

    com o intento de regular as diferenas sobre a frica Central.

    Tratava-se de uma regio, ento sob influncia do rei belga, que era cobiada por

    outros pases, uma vez que suas vias fluviais permitiam o deslocamento no centro do

    continente - uma rea de difcil acesso -, o que significava uma via de comunicao rpida e

    tambm econmica. Por sua vez, mais especificamente quanto aos interesses portugueses

    relacionados regio da bacia do Congo, estes se justificam pela posse, por parte de

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    Portugal, de colnias nos dois lados da foz do rio, sendo que o Estado pretendia controlar,

    com o apoio da Inglaterra, a costa do Cabinda em Angola, onde existe um acesso ao

    oceano Atlntico. J no caso dos franceses, estes estabeleceram as bases para uma nova

    colnia em um ponto do rio conhecido como Lago Stanley. Foi Brazza quem descobriu a via

    do rio Ogu e atingido por meio dela esse ponto do rio Congo localizado dentro da regio de

    influncia belga.

    No que diz respeito ao caso portugus, um tratado anglo-portugus de 1884

    assegurava Gr-Bretanha o controle da foz do rio Congo, o que cria uma oposio por

    parte da Frana e at mesmo da Alemanha, que v a possibilidade de conquistar vantagens

    sem se envolver na disputa. Diante disso, Bismarck tenta chamar a Frana para uma ao

    diplomtica e esta se coloca, nesse momento, disposta a um entendimento parcial com a

    Alemanha, em questes coloniais (Milza, 1995 p.66), acolhendo as propostas do chanceler

    alemo. Assim a dependncia mtua entre essas potncias faz com que Bismarck

    atenuasse sua poltica que pretendia isolar a Frana, sendo que esta, por sua vez, apia o

    chanceler alemo apesar do revanchismo francs. A partir da nasce a Conferncia de

    Berlim, de novembro de 1884 a fevereiro de 1885.

    Dela participaram os Estados que firmaram a ata final do Congresso de Viena e alm

    de outros, como Estados Unidos, Blgica, Itlia e Turquia, sendo que esses tambm tinham

    interesses no assunto da expanso colonial. Os principais objetivos desta conferencia no

    era partilhar propriamente as terras da frica, mas sim garantir condies para o livre-

    comrcio nas regies disputadas pela Gr- Bretanha, Frana e Blgica, mais precisamente

    o caso da bacia do Congo, e definir as formalidades que teriam de ser observadas para que

    suas conquistas no continente fossem consideradas efetivas. Por meio dela, as regras para

    ocupao territorial tornaram-se mais rgidas, estabelecendo a necessidade de ocupao

    efetiva do espao reinvidicado, o que no deveria ser contestada pela populao local. O

    resultado disso foi a intensificao da competio, a qual todas as potncias passaram a

    participar. O Estado ocupante deveria tomar medidas concretas para permitir o

    estabelecimento de sua soberania de fato nas terras reivindicadas e as novas conquistas

    teriam de ser notificadas s potncias signatrias da ata final. Essas medidas eram mais

    expendiosas do que apenas delimitar esferas de influncia por meio do comrcio legtimo,

    modelo praticado anteriormente, especialmente pela Inglaterra.

    Por fim, com o Congresso, a soberania do territrio congols era assumida por

    Leopoldo II, no entanto, sem estar diretamente subordinada ao reino da Blgica. Tratava-se

    do reconhecimento de um Estado internacional, o Estado Independente do Congo. O

    princpio defendido por Bismarck da liberdade comercial era reconhecido em toda a bacia do

    Congo, sendo que todas as mercadorias e navios teriam livre acesso ao rio e seus

    afluentes. Alm disso, todos os europeus teriam os mesmos direitos econmicos na regio.

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    No entanto, j em 1890 o rei no teve condies financeiras de manter o Estado, legando-o

    Blgica em troca de um emprstimo.

    Como colocado por Pierre Milza (1995), isso representou uma tentativa de

    internacionalizao dos interesses africanos da Europa (Milza, 1995 p. 67), sendo que a

    Conferencia de Berlim, permitiu uma sensvel diminuio da concorrncia entre Estados

    europeus na regio. Ou seja, a situao de interdependncia que caracterizava as relaes

    entre esses Estados causou uma diminuio dos efeitos da anarquia, o que permitiu a

    cooperao entre eles, embora houvesse custos para todas as partes.

    Nos termos da interdependncia complexa, a partilha da frica, a partir da

    Conferncia de Berlim, demonstrou o aspecto e os nveis de interdependncia, as

    sensibilidades e, at certo ponto, as vulnerabilidades dos estados do teatro europeu. O

    ponto especfico analisado, da Blgica, precisa ser colocado no contexto sistmico da

    poca, em que agentes intraestatais tinham forte peso nas decises das grandes potncias,

    ampliando a concorrncia a nveis globais, na busca de novos mercados e competitividade.

    Um dos pontos dessa corrida em direo a frica pode ser entendida como a busca

    dos pases europeus pela distenso de suas sensibilidades e vulnerabilidades, tornando-se

    menos dependentes das exportaes de insumos e matrias primas vindos de dentro da

    Europa, alm de terem um porto seguro para as novas formas do capitalismo financeiro.

    A Blgica, inserida no sistema como potncia de escala mdia tinha uma relao de

    assimetria acentuada de poder em relao a outras potncias europias, e detinha uma

    poro extremamente estratgica e altamente visada na frica: o Congo. A falta de poder

    para manter esse territrio fez o mesmo se tornar um territrio internacional, porm ainda

    sim submetido ao Rei da Blgica, Leopoldo II, mas por qu?

    Explicaes diversas, a partir da teoria da interdependncia complexa podem ser

    dadas, como as conexes formais institucionalizadas e informais feitas pelos atores.

    A agenda mltipla, que no tem definies prioritrias claras, pelas diversas

    questes internas dos estados, outro ponto a ser visto, e quanto maior a potncia

    envolvida, mais complexa fica essa agenda. Fator determinante para a negociao de

    Berlim foi justamente o tamanho da Blgica: estados menores tm a agenda menos

    complexa, e, portanto so mais facilmente negociadas, tanto internamente quanto

    externamente.

    O pode militar, apesar de ter um grande peso na balana das assimetrias, nem

    sempre se liga perfeitamente a outras reas que no a de segurana, apesar de sempre

    haver a possibilidade de sua utilizao, no o foi. Era menos custoso e de maior interesse

    criar uma espcie de estado tampo no meio da frica, controlado por uma potncia mdia,

    e com seu acesso aberto para as outras potncias coloniais e suas empresas explorarem os

    recursos econmicos. Nessa deciso se levou em conta as vontades diversas de vrios

  • 8

    atores estatais e interestatais, alm da barganha, primordial para o processo de implantao

    da conferncia de Berlim e no decorrer das negociaes.

    Entre 1885 e 1890 as grandes potncias coloniais reformularam suas polticas

    expansionistas e ao fim desses cinco anos, findou-se a partilha do continente africano.

    Teoria dos jogos aplicada Conferncia de Berlim

    A conferncia de Berlim, iniciada em 1885, teve papel institucional importante

    durante a partilha da frica, e permitiu aos seus participantes fazer clculos de ao mais

    precisos, ao contrrio do que aconteceria em caso de anarquia geral, tpica da estrutura

    internacional. As intenes, que no ambiente anrquico nem sempre so conhecidas, se

    fazem mais claras mediante as negociaes dentro das instituies.

    Com base na teoria da escolha racional, assume-se que os atores envolvidos

    sempre buscaro maximizar suas preferncias, mesmo dentro das instituies.

    Baseado na primeira varivel e na segunda premissa pode-se construir possveis

    matrizes de ao dos atores.

    Num primeiro momento, Portugal toma a iniciativa e prope o incio das negociaes

    sobre o futuro da frica, os estados europeus tm a opo de aceitar ou no negociar, caso

    no aceitem, existe a chance relativamente iminente do status quo ser alterado, j que a

    tenso criada pela emergncia da Alemanha unificada gera a probabilidade de conflito

    armado generalizado, devido a sua natureza de questionadora da estrutura que era vigente,

    gerando o status quo 1.

    Caso aceitassem, se iniciariam as negociaes sobre a partilha africana, que

    poderiam ser divididas em dois desdobramentos: caso bem sucedidas, o status quo 2 se

    instalaria com a adio das novas potncias a um papel de primeira escala dentro da

    estrutura. Caso a partilha no fosse bem concretizada, e a Alemanha voltaria a sua posio

    inicial, de questionadora da ordem internacional, instituindo o status quo 1.

    Dentro das possibilidades do status quo 1, a Alemanha poderia questionar a ordem

    internacional de forma incisiva, caso no fizesse, a situao seria a anterior ao da

    Conferncia, ou seja, o status quo inicial. Se questiona a estrutura, voltando a iminncia do

    conflito armado, o status quo 3 se instala, com um futuro incerto para a frica e uma nova

    ordem mundial.

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    3 CONSIDERAES FINAIS

    Diante da situao de depresso e acirrada concorrncia na qual encontravam-se as

    potncias europias ocidentais, o imperialismo foi umas sadas que logrou xito por meio de

    suas polticas de ocupao e dominao de territrios fora da Europa Ocidental, como o

    caso da ocupao do continente africano. Como colocado por Lnin, trata-se de uma

    resposta ao capitalismo monopolista que far com que as grandes empresas exeram maior

    presso tanto no mbito domstico quanto no interno.

  • 10

    Tais fatos incentivaro a postura protecionista por parte das potncias

    industrializadas e uma poltica imperialista dos Estados. A disputa por reas de maior

    interesse do ponto de vista econmico, que oferecesse melhores condies de transporte,

    disponibilidade de matrias-primas e menos dependentes de exportaes, por exemplo,

    colocava os diversos imperialismos em confronto, como o caso do Congo.

    Esta era uma regio que suscitava interesses, de forma a colocar Estados europeus

    diante da iminncia de um conflito nessa rea. No entanto, nos termos da interdependncia

    entre eles, o uso da fora no seria determinante nessa questo, visto que acarretaria

    maiores custos e o interesse primordial era de natureza econmica. Assim, a partir da

    Conferncia de Berlim, os interesses de atores estatais e transnacionais so atendidos por

    meio da criao de um Estado tampo.

    Isso foi possvel, j que a Blgica, potncia de mdia escala era a que j possua o

    domnio sobre a regio. Por ser uma potncia de menor grandeza, comparativamente com

    outros Estados europeus, sua agenda era menos complexa e as assimetrias determinadas

    pela relao entre eles determinavam maior projeo de poder por parte desses pases.

    Logo, a negociao nos termos de concesses belgas s outras potncias foi possvel e

    bem sucedida, determinado uma conquista pacfica sobre o territrio congols.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    HOBSBAWM, Eric. A era do capital. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997

    HOBSBAWN, Eric. A era dos imprios. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988

    MILZA, Pierre. As relaes internacionais de 1871 a 1914. Portugal: Edies 70, 1995

    LNIN, V.I., A partilha do mundo entre as grandes potncias, Imperialismo: Fase superior

    do capitalismo, 1916

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    KEOHANE, Robert, NYE, Joseph. Power and interdependence. Boston : Little Brown,

    1977