As possibilidades pedagógicas artísticas na visão de Oscar Guanabarino
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V SIM_UFRJ 2014
As possibilidades pedagógicas artísticas na visão de Oscar Guanabarino
Maria Aparecida dos Reis Valiatti PassamaeUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
ResumoEste trabalho sintetiza as possibilidades pedagógicas artísticas na visão de Oscar Guanabarino (1851-1937) baseado nos seus textos publicados no Jornal do Commercio, no ano de 1922. O pensamento pedagógico de Guanabarino se articula segundo três eixos de processos: a pedagogia para a manutenção das práticas culturais da denominada arte erudita; a pedagogia para o desenvolvimento das práticas culturais do gosto artístico intermediário e a pedagogia para o desenvolvimento das práticas culturais do gosto artístico popular, na cidade do Rio de Janeiro. Palavras-chaveEducação artística e musical – Pedagogia do ensino das artes – Oscar Guanabarino.
The artistic pedagogical possibilities in the point of view of Oscar Guanabarino
AbstractThis paper summarizes the artistic pedagogical possibilities in the point of view of Oscar Guanabarino (1851-1937) based on his texts published in the Jornal do Commercio in 1922. The pedagogical thought of Guanabarino is articulated along three processes axes: a pedagogy to maintaining the cultural practices of so-called classical art; a pedagogy to developing the intermediary level of artistic appreciation and finally, a pedagogy to developing the popular artistic appreciation based, the last two ones, on their own cultural practices in the city of Rio de Janeiro.KeywordsArtistic and musical education – Pedagogy of teaching the arts – Oscar Guanabarino.
Oscar Guanabarino (1851-1937) é reconhecido como um dos principais críticos
de arte do Brasil desde a segunda metade do século XIX até as três primeiras décadas do
século XX. Foi também escritor e educador. O objetivo deste trabalho é apresentar os
fundamentos de seu pensamento pedagógico e de idealizador de instrumentos e
mecanismos, para a educação artística tanto popular quanto erudita, utilizando-se, de um
lado, os costumes e habilidades das artes do povo e, por outro lado, de elevado padrão
de educação técnica e artística para os elementos da cultura erudita.
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Articulando suas crenças nos princípios republicanos e alto grau de cultura
estética, firmou seu pensamento pedagógico na crença de que o gosto estético é
evolutivo e intimamente dependente da educação. Para alcançar estes objetivos, a
educação deveria ser alinhada com três fases ou momentos do desenvolvimento do
gosto: a manutenção dos altos padrões do gosto acessível apenas às elites, a busca deste
padrão por meio do desenvolvimento dos padrões intermediários do gosto estético e,
finalmente, o desenvolvimento do gosto estético, em sua visão, primário, para alcançar,
em etapas, os outros dois padrões.
A fase final do desenvolvimento do gosto artístico
A fase final do gosto estético pressupunha, em sua visão, um desenvolvimento
baseado em educação intensa e constante pela leitura dos clássicos – Virgílio, Dante,
Camões, Victor Hugo, Hegel, Taine, Spencer, Hanslick 1, por exemplo – sem o que, não
poderia haver o entendimento crítico da obra que se apresenta. Sem reflexão
comparativa com o que se conhece, não há progresso do conhecimento nem evolução
estética. Um bom exemplo dessa interface pode ser a ópera O Guarani. A possibilidade
de evoluir com ela significava conhecer a obra literária e a música dos grandes mestres
para se ter uma visão crítica da obra de Carlos Gomes, isto é, o desconhecimento não
permite a crítica particular, sem crítica não há reflexão e sem reflexão não há
desenvolvimento, qualquer que seja: científico, político, moral, estético.
Neste ponto, foi um educador rigoroso e disciplinado. Abordou, em diversas
oportunidades, as questões da educação artística e, em especial, a educação musical.
Argumentava com muita frequência a necessidade do desenvolvimento dos recursos
humanos capazes de proporcionar ao meio artístico carioca as condições de manutenção
de artistas profissionais para um processo permanente de produção das artes. Insistia
que, para se alcançar os objetivos ideais, seriam necessárias décadas de educação
estruturada e gerações para se desenvolver uma população com identidade própria.
Como professor de piano, manteve uma famosa escola, que aplicava de
maneira muito especial o método de estudo de técnica intensiva. A escola estava
localizada nos salões do sobrado do velho Teatro Lírico e funcionou ali até sua
demolição, em 1933. Como mestre do piano, tinha alunas durante todo o dia.
1 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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Acompanhava os “[...] exercícios das alunas com uma atenção que nada perdoava e a
que nada, a bem dizer, podia escapar”.2 Rigoroso do ponto de vista técnico-pedagógico,
mas, pessoalmente, bem humorado.
O foco pedagógico de Guanabarino era, sem dúvidas, o ensino do piano numa
abordagem acadêmica, erudita. Publicou, em 31 números, ao longo de 1880, na Revista
Musical e de Belas Artes, um conjunto de guias pedagógicos que foram intitulados pelo
autor de O professor de piano: a arte de educar um pianista desde os rudimentos até o
ensino transcendental, cujo subtítulo prossegue enunciando o propósito de servir de
guia aos professores novos e aos discípulos adiantados que queiram estudar por si só.
Esse conjunto de textos se encontra tabulado no quadro apresentado na página seguinte.
Como pode ser observado no quadro referenciado, Guanabarino dividiu sua
pedagogia em quatro estágios denominados Épocas. O autor pretende abranger todo o
processo pedagógico do ensino do piano. Começa o trabalho com uma discussão
relativa à idade ideal para o início dos estudos do instrumento, chegando a sugerir
também um período de tempo adequado de dedicação para que o estudante pudesse
obter o melhor desempenho.
A leitura do trabalho mostra certa aderência às modernas técnicas pedagógicas.
Um exemplo da contemporaneidade das citadas técnicas pode ser verificado no capítulo
intitulado Da passagem da primeira para a segunda época. O autor recomenda que a
passagem do primeiro estágio para o segundo não deve ter um caráter exclusivamente
temporal (tempo de estudo), mas deve se pautar notadamente no desenvolvimento
físico-motor do aluno. De maneira geral, o procedimento pode ser expandido,
considerando-se as devidas diferenças no desenvolvimento físico-motor dos alunos em
seus diferentes estados de desenvolvimento, para os estágios seguintes de estudo. É um
guia completo e estruturado de forma progressiva.
Tratam-se, tanto o guia pedagógico quanto suas atividades de professor do
instrumento, de uma das principais contribuições de Oscar Guanabarino para a
consecução de seu ideal estético-pedagógico: formar recursos humanos capazes de
contribuírem para a manutenção do interesse em se frequentar os teatros para a audição
da música dos grandes mestres.
2 Jornal do Commercio: 17-1-1937, p. 10.
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Quadro 1 – O professor de piano: a arte de educar um pianista desde os rudimentos até o ensino transcendental3 Fonte: BNRJ: PR- SOR_03317_146633. Sistematizado pela autora.
3 BNRJ: PR- SOR_03317_146633 (www.hermotecadigital.bn.br).(*) Nota: A parte publicada em 7-8-1880, às páginas 160 e 161, do no. 20, encontra-se denominada parte IV.
Entretanto, pela lógica da estrutura do trabalho, deveria ser denominada de VI. Da mesma forma, o texto publicado em 27-11-1880, à página 288 do no. 36, designado como parte III, pela lógica da estrutura do trabalho, leva à conclusão de que deveria ser a parte IV.
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A fase intermediária do desenvolvimento do gosto artístico
As possibilidades pedagógicas são também identificadas no teatro popular: o
cômico e de operetas. A manutenção constante desse contato da população com o belo,
independente do formato da manifestação, “[...] mesmo as de mais simples aparência”, é
um espaço a ser conquistado e uma política cultural a ser cultuada. Ora, como “[...] a
opereta e a revista são dois gêneros que atraem o público em massa”4, as obras ligeiras
seriam motivadoras de dois interesses básicos: frequentar o teatro e provocar o interesse
cada vez maior pela música, pela literatura e demais expressões artísticas pelas artes
acessórias a esses formatos: a pintura e a escultura por meio da cenografia, por exemplo.
Nessa perspectiva, Guanabarino identifica outras duas linhas, a título de
exemplo, de desenvolvimento da ação pedagógica: a decoração de ambientes e o
vitrinismo. A harmonização do ambiente decorado não “[...] se faz sem o gosto artístico,
nem com a ausência do artístico do belo da ordem”.5 Observa que uma vitrine apenas
expondo produtos não exerce atratividade ao transeunte. Aquela, porém, que contém
harmonia na disposição dos itens expostos, atrai. Atrai pelo gosto expresso “[...] pelas
combinações caprichosas”.6 Diferentemente de São Paulo, o Rio encontrava-se muito
atrasado nesse quesito. O escritor Rego Barros, que, além de escritor teatral também
gerenciava a empresa José Loureiro, informou a Oscar Guanabarino sobre um projeto
seu de estabelecer um concurso premiado “[...] de arrumação de vitrines”. O intento
declarado do escritor era estabelecer uma rivalidade entre expositores e entre os artistas
(pintores e desenhistas) “[...] de modo a generalizar o efeito artístico dessas
exposições”.7 São Paulo já contava com lojas que empregavam vitrinistas próprios
focados exclusivamente nessa tarefa.
O objetivo último, no entanto, é estabelecer um mecanismo subliminar de
educação artística com um método bastante simples consistindo em colocar o povo em
contacto com essa manifestação da arte com evidentes rebatimentos comerciais.
Portanto, ganham todos: expositor e transeunte. Guanabarino considera a relevância da
iniciativa, entretanto, para que os efeitos se tornem permanentes, observa que o
processo educativo, principalmente no campo das manifestações estéticas, requer “[...]
tempo, ordem, método e evolução progressiva, aproveitando-se as lições do passado”8
para superá-los, o que só se consegue com persistência e altruísmo.4 Jornal do Commercio: 22-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].5 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].6 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 7 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].8 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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A fase inicial do desenvolvimento do gosto artístico
Guanabarino não se limitou a comentar a educação acadêmica formal em suas
reflexões. Via a possibilidade e grande potencial pedagógico em festividades de caráter
eminentemente popular. Essa visão traz o rebatimento de sua formação republicana e
envolvia as abordagens transformadoras propostas pelo novo regime instaurado em
1889, pois, a partir deste marco histórico, intensifica-se o “discurso [que] incluía
modernizar não só a política do país, mas também as mais variadas vertentes da
sociedade, como (...) a arte e a educação”. Neste contexto, “o ensino de Artes e Música
surgia como parte integrante da educação moderna” (LEMOS, 2010, p. 1-2).
Mas, além disso, “(...) tornava-se imprescindível um ensino para as massas,
necessário para a formação de uma República em busca de uma identidade nacional”
independentemente dos matizes ideológicos correntes (LEMOS, 2010, p. 4).
Guanabarino não se permitia influenciar por ideologias em seu trabalho. Na
perspectiva da educação, a artística como foco, alinhava-se com o pensamento de
diferentes vertentes ideológicas, por exemplo, com a dos liberais. Tomando-se Rui
Barbosa como “um dos mais fiéis intérpretes da corrente liberal brasileira”, para quem
não há liberdade sem democracia e esta não se sustenta sem educação, ou seja, liberdade
é igual a democracia que é igual à instrução do povo, verifica-se, então, uma perfeita
aderência com o pensamento de Guanabarino (BARBOSA, 2012, p. 44).
Em março de 1922, Guanabarino parece relatar o momento da transição das
antigas sociedades carnavalescas para o que atualmente se denominam escolas de
samba. A transição ocorreu em decorrência de uma forçada mudança de foco. As
sociedades carnavalescas se baseavam em críticas, sátiras e em “[...] carros que
simbolizavam uma ideia” – ou enredo, desde muito antes dessa época – 1922.9 As
críticas e sátiras enveredaram para a injúria de tal modo que os diferentes grupos
partiram para ataques mútuos. Resultado: intervenções policiais para se evitarem
agressões físicas e materiais aos carros. Em algumas circunstâncias, a própria polícia,
com elementos descaracterizados, promovia os distúrbios com agentes provocadores,
notadamente na época “[...] em que se fazia a propaganda da abolição do elemento
servil”.10
9 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].10 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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Com as restrições às críticas e sátiras, as sociedades carnavalescas mudaram de
foco e “[...] enveredaram pelos deslumbramentos, com os carros movimentados e com o
grande auxílio da eletricidade”.11 Para tanto, tiveram de contar, então, com artistas e
cenógrafos em substituição aos carpinteiros de teatro. Estabelecem, portanto, entre si
uma rivalidade que estimulava, a cada ano, a apresentação de carros cada vez mais belos
e criativos.
Guanabarino considera soberbos os desfiles preparados pelas três mais
importantes sociedades carnavalescas para o carnaval de 1922. A denominada
Democráticos exibiu carros “[...] com agrupamentos belíssimos, linhas verdadeiramente
artísticas e corretas disposições de cores e luzes”.12
Oscar Guanabarino vislumbra nesse movimento uma enorme possibilidade
pedagógica: “[...] o povo que vai desenvolvendo o seu gosto pela arte ornamental e
exercitando a sua crítica”.13 O carnaval é tão envolvente que trafega pelas diferentes
classes sociais: “[...] nesses dias toda a gente canta pelas ruas, até as senhorinhas, das
mais finas, entoam as canções populares dentro de seus automóveis de luxo [...]. O povo
que canta é um povo alegre [...]”. Guanabarino identifica essa alegria “[...] na população
carioca, em estado latente, mas com grandes explosões em determinadas épocas”.14
Havia, nos desfiles das sociedades carnavalescas, os elementos de uma ópera:
música, cenografia da “idéia” – que, modernamente, se denomina de enredo –, dança,
figurinos, etc. Uma verdadeira ópera popular e nacional ao ar livre. O estabelecimento
de critérios de julgamento para esses elementos e a consequente premiação dos
melhores, poderia implicar em abordagens motivacionais para o desenvolvimento
artístico das populações envolvidas. Tratava-se, sob sua perspectiva, de excelente
instrumento para a educação e desenvolvimento artístico do povo.
Conclusão
Para Guanabarino, o gosto artístico se aprende. É, portanto, o resultado de um
processo evolutivo do aprendizado e intimamente vinculado à educação que também é
um processo em si. Resta, dessa forma, uma reflexão quanto aos métodos da
11 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 12 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 13 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 14 Jornal do Commercio: 8-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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aprendizagem. Na sua visão, a pedagogia para o aprendizado do gosto artístico deveria
conter, pelo menos 3 estágios: no degrau mais elevado, o apreciador é educado e possui
conhecimento para compreender a obra que aprecia. O segundo estágio, num degrau um
pouco menos desenvolvido, o apreciador se encontra num grau intermediário e aspira
alcançar o primeiro estágio. Finalmente, encontra-se o estágio mais básico do
conhecimento e do gosto artístico.
Nenhuma das etapas prescinde de educação tanto para os que produzem a obra
artística quanto para os que as apreciam. Variam apenas os métodos e os instrumentos
da aprendizagem. Guanabarino preconiza, então, uma metodologia pedagógica para
cada uma das etapas. Dessa forma, para o estágio mais elevado, sua pedagogia
pressupõe forte formação técnica para os artistas, de um lado, e, por outro lado, a busca
da erudição dos apreciadores para a compreensão crítica da obra para manter e
desenvolver ainda mais o gosto artístico, estágio em que o conhecimento adquirido deve
ser continuamente cultivado.
No estágio intermediário, o desenvolvimento do gosto artístico passa pelas
obras menos densas como as comédias ligeiras e operetas. No estágio mais básico, a
utilização de instrumentos da cultura popular é de cabal importância para o
desenvolvimento do gosto artístico.
Esses processos requerem tempo para se sedimentarem e se consolidarem, caso
contrário, como prática de apreciação artística, os processos permaneceriam estáticos
como simples costume folclórico restrito aos grupos sociais regionais. A educação
formal, ao utilizar elementos populares já consolidados, mantém a identidade dos
grupos sociais dos quais utiliza as práticas culturais e torna-se, ao mesmo tempo, um
elemento aglutinador de uma identidade maior e universal dos grupamentos sociais
envolvidos, de uma nacionalidade. Assim, o processo pedagógico deve se apropriar
desses elementos para que o processo ocorra de forma gradual e consistente dos
diferentes grupos.
Guanabarino contribuiu muito para esses processos como teórico (o guia
pedagógico) e com reflexões e sugestões para um programa nacional de política
educacional inclusiva por meio da educação artística com elementos da cultura e
práticas populares.
Referências
BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil, 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.
10
JORNAL DO COMMERCIO. Sítio do jornal. Disponível em: <h ttp://www.jcom.com.br/pagina/historia/2 >. Acesso em: 13 fev. 2012.
LEMOS JUNIOR, Wilson. Os defensores do ensino de música na escola brasileira durante a primeira metade do século XX. Revista eletrônica de musicologia. Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná - UFPR, v. XIII, set. 2010. Disponível em: <http://www.rem.ufpr.br/REM/REMv14/01/os_defensores_do_ensino_da_musica.html>. Acesso em: 16 maio. 2014.