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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural. 23 AS ORAÇÕES ADVERBIAIS REDUZIDAS DE GERÚNDIO NAS VARIEDADES DO PORTUGUÊS Ana Maria Paulino COMPARINI 1 RESUMO: O objetivo central deste estudo é verificar, nas variedades lusófonas, a forma de expressão das orações adverbiais reduzidas de gerúndio, levando em conta a necessidade de descrever e explicar empiricamente as línguas a partir da definição de um fenômeno particular da estrutura delas, e de testar os fundamentos metodológicos da Gramática Discursivo-Funcional (GDF). PALAVRAS-CHAVE: Adverbiais. Funcionalismo. Variedades Lusófonas. Gerúndio. Introdução 2 Este estudo pretende analisar a forma de expressão das orações adverbiais reduzidas de gerúndio, as quais têm sido incluídas, pela tradição lingüística, entre os processos de subordinação, sendo, assim denominadas, por apresentarem o verbo na forma não-finita e por dispensarem um nexo subordinativo explícito. As orações adverbiais reduzidas de gerúndio são equiparadas às orações desenvolvidas, ou seja, àquelas que apresentam o verbo na forma finita e um conectivo explícito. Segundo Lehmann (1988), no processo de redução, tal como no processo de ‘decategorização’ gradual, perdem-se as propriedades de uma oração, isto é, perdem-se 1 Pós-Graduação - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP – São José do Rio Preto – SP – Brasil. Endereço para correspondência: Travessa Breda, 58 – Franca – SP – Brasil CEP: 14400-620 - E-mail: [email protected]. 2 O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa denominado Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional (GPGF) da UNESP/São José do Rio Preto coordenado por Erotilde Goreti Pezatti. A proposta do projeto é examinar as construções subordinadas nas variedades portuguesas, a fim de descobrir as motivações funcionais subjacentes às estruturas morfossintáticas usadas para codificar as relações subordinadas e as situações conceituais que elas expressam.

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.

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AS ORAÇÕES ADVERBIAIS REDUZIDAS DE GERÚNDIO NAS VARIEDADES DO PORTUGUÊS

Ana Maria Paulino COMPARINI1

RESUMO: O objetivo central deste estudo é verificar, nas variedades lusófonas, a forma de expressão das orações adverbiais reduzidas de gerúndio, levando em conta a necessidade de descrever e explicar empiricamente as línguas a partir da definição de um fenômeno particular da estrutura delas, e de testar os fundamentos metodológicos da Gramática Discursivo-Funcional (GDF). PALAVRAS-CHAVE: Adverbiais. Funcionalismo. Variedades Lusófonas. Gerúndio. Introdução2

Este estudo pretende analisar a forma de expressão das orações adverbiais

reduzidas de gerúndio, as quais têm sido incluídas, pela tradição lingüística, entre os

processos de subordinação, sendo, assim denominadas, por apresentarem o verbo na

forma não-finita e por dispensarem um nexo subordinativo explícito. As orações

adverbiais reduzidas de gerúndio são equiparadas às orações desenvolvidas, ou seja,

àquelas que apresentam o verbo na forma finita e um conectivo explícito.

Segundo Lehmann (1988), no processo de redução, tal como no processo de

‘decategorização’ gradual, perdem-se as propriedades de uma oração, isto é, perdem-se

1 Pós-Graduação - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP – São José do Rio Preto – SP – Brasil. Endereço para correspondência: Travessa Breda, 58 – Franca – SP – Brasil CEP: 14400-620 - E-mail: [email protected]. 2 O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa denominado Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional (GPGF) da UNESP/São José do Rio Preto coordenado por Erotilde Goreti Pezatti. A proposta do projeto é examinar as construções subordinadas nas variedades portuguesas, a fim de descobrir as motivações funcionais subjacentes às estruturas morfossintáticas usadas para codificar as relações subordinadas e as situações conceituais que elas expressam.

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.

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os componentes da oração que permitem fazer referência a um estado de coisas – o

estado de coisas é ‘tipificado’, ao mesmo tempo em que a oração subordinada adquire

propriedades não-finitas, inclusive a ponto de tornar-se um constituinte nominal de uma

oração matriz.

Pretende-se, neste estudo, verificar o grau de sentencialidade das orações

adverbiais reduzidas de gerúndio, considerando que as construções subordinadas

nominalizadas caminham em direção ao encaixamento, na medida em que adquirem

propriedades distribucionais de uma expressão nominal.

Material e Método

Para a análise são utilizadas ocorrências reais de uso extraídas de um corpus

denominado Português oral organizado pelo Centro de Lingüística da Universidade de

Lisboa, em parceria com a Universidade de Toulouse-le-Mirail e a Universidade de

Provença-Aix-Marselha e desenvolvido no âmbito do Projeto Português Falado:

variedades Geográficas e Sociais. Constituído por 86 gravações, o corpus contem

amostragens de variedades do português falado em Portugal, no Brasil, nos países

africanos de língua oficial portuguesa – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,

Moçambique e São Tomé e Príncipe e em Timor-Leste. Tais gravações abrangem um

período de tempo que vai de 1970 a 2001, com uma incidência de 70% na última

década.

As ocorrências de orações reduzidas de gerúndio são analisadas de acordo com

os seguintes critérios:

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- no Nível Interpessoal: 1. Presença de marcador discursivo; 2. Função retórica;

- no Nível Representacional: 3. Identidade dos participantes das orações

envolvidas; 4. Factualidade;

- no Nível Morfossintático: 5. Tipo de oração principal; 6. Tipo de oração

inserida; 7. Tipo de Operador; 8. Forma Verbal da oração subordinada; 9. Posição da

oração subordinada em relação à matriz; 10. Codificação do sujeito do evento

dependente;

- no Nível Fonológico: 11. Quebra entonacional.

Entendendo que as orações adverbiais reduzidas de gerúndio podem codificar

relações semânticas diferenciadas, são analisadas as diversas relações que podem ser

transmitidas por essas orações: modal, temporal, condicional, causal e concessiva.

Fundamentação teórica

Alguns gramáticos consideram um período composto por subordinação quando

há nele uma oração denominada principal e uma ou mais subordinadas, denominadas

dependentes, as quais são orações sem autonomia gramatical, que funcionam como

termos essenciais, integrantes ou acessórios da oração principal (CUNHA, 1980;

KURY, 1987). Bechara (2001) considera subordinação quando uma oração passa a

funcionar como membro de outra oração, passando, assim, para uma camada inferior.

Desse modo, a oração subordinada será sempre um termo ou parte de um termo de outra

oração, desempenhando sempre uma função sintática nessa oração, ou seja, geralmente

definido com bases em critérios morfossintáticos, o conceito de subordinação considera,

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que uma oração encaixada é uma oração que funciona como um constituinte de uma

outra oração. Outro critério morfossintático utilizado pela gramática tradicional na

definição de subordinação é o uso de formas verbais não-finitas: infinitivos, gerúndios e

particípios.

Hengeveld e Mackenzie (2008, p. 352), ao discutirem o termo subordinação,

postulam que “as orações podem ocorrer como constituintes de outras orações como

orações adverbiais, completivas e predicativas. Suas formas, e em alguns casos também

seus templates, podem ser radicalmente diferentes da oração principal”. Mas, alegam os

autores que nem todas as línguas possuem orações subordinadas, e que algumas fazem

menos uso delas do que outras, usando, então, construções paratáticas.

Ainda segundo a visão funcionalista dos autores, as orações subordinadas podem

ser distinguidas umas das outras pela presença ou ausência de conjunção, pela presença

ou ausência de formas verbais especiais ou pela presença ou ausência de marcas

especiais de argumentos.

Cristofaro (2003) emprega uma noção de subordinação bastante diferenciada da

noção tradicional apresentada. Segundo a autora, os critérios morfossintáticos têm

aplicabilidade limitada em comparação interlinguística, pois, alega que nem todas as

línguas dispõem das mesmas estruturas morfossintáticas ou usam orações encaixadas ou

não-finitas para expressar uma relação particular entre eventos. Desse modo, para

Cristofaro, a noção de subordinação deve ser definida em termos independentes de

línguas individuais, ou seja, em termos funcionais, que compreendem aspectos

nocionais, cognitivos e semântico-pragmáticos. Essa proposta permite que se inclua em

uma análise casos que tenham uma manifestação morfossintática diferente, mas a

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mesma estrutura cognitiva subjacente, não deixando, entretanto, de explicar, também, as

orações adverbiais encaixadas, nosso objeto de estudo.

A noção de subordinação será vista aqui, nos termos de Cristofaro (2003), como

um modo particular de construir uma relação cognitiva entre dois eventos, de maneira

que a um deles - chamado evento dependente - falta um perfil autônomo, que é

construído na perspectiva do outro evento – chamado evento principal.

Subordinação Adverbial

Segundo Neves (2008, p. 26), as orações subordinadas adverbiais formam uma

classe “cujo tratamento é bastante complexo, pela multiplicidade de fatores que se

entrecruzam na sua configuração”, ao que ela denomina difusa zona adverbial.

Bechara (2001) postula que há dois grupos de orações com funções da natureza

do advérbio: 1- as orações subordinadas propriamente ditas, que exercem função própria

de advérbio ou locução adverbial e, que podem ser substituídas por um destes,

incluindo, aqui, as que exprimem noções de tempo, lugar, modo, causa, concessão,

condição e fim; 2- as orações subordinadas denominadas comparativas e consecutivas,

que, segundo o autor, “guardam certa analogia com as adjetivas porque dependem de

um antecedente, de natureza quantificadora (adjetivo ou advérbio) e só mantêm relação

direta com o núcleo verbal da oração junto com seu antecedente” (p.473).

Segundo Kury (1987), uma oração subordinada adverbial é aquela que exerce a

função de um adjunto ou complemento adverbial da oração principal de que depende,

podendo apresentar-se desenvolvida e reduzida. Para o autor, as orações desenvolvidas

conexas “começam por uma conjunção ou locução conjuntiva subordinativa

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circunstancial (= não-integrante), clara ou elíptica, que não desempenha qualquer outra

função sintática na oração” (p. 86). As chamadas desenvolvidas sem conjunção são de

dois tipos: 1- puramente justapostas; 2- introduzidas por advérbio com função dentro da

oração subordinada. As orações reduzidas são as que apresentam o verbo na forma

nominal (de infinitivo, de gerúndio, de particípio). A classificação das orações

adverbiais é feita pelo autor de acordo com a circunstância que exprimem: causal,

comparativa, concessiva, condicional, conformativa, consecutiva, final, locativa, modal,

proporcional e temporal.

Cunha (1980), assim como Kury, postula que a oração subordinada adverbial

funciona como adjunto adverbial das outras orações, sendo, normalmente, introduzida

por conjunção subordinativa, e sua classificação é determinada por essa conjunção ou

locução conjuntiva que a encabeça.

Ao descreverem uma oração adverbial como aquela que funciona como um

advérbio do predicado principal e que é sintaticamente parte da oração principal, as

definições tradicionais, descritas acima, capturam uma propriedade básica da definição

de Cristofaro (2003), segundo a qual as relações adverbiais ligam dois estados-de-coisas

de tal modo que um deles, o dependente, corresponde a circunstâncias sob as quais o

outro, o principal, acontece.

Mas, tais noções de encaixamento tornam-se inapropriadas em uma perspectiva

translinguística, visto que há muitas línguas que expressam significados adverbiais por

meio de orações não-encaixadas ou línguas em que o significado adverbial pode ser

expresso por meio de justaposição de orações não-encaixadas, desenvolvendo

subordinadores somente em estágio posterior. A definição funcional de Cristofaro

(2003) se constitui em uma proposta que libera a noção de relação adverbial de qualquer

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correlato sintático específico, sendo capaz de explicar orações de diferentes estruturas

sintáticas, incluindo as orações adverbiais encaixadas.

Cristofaro (2003) postula que, nas relações adverbiais, nenhum dos estados-de-

coisas ligados envolve referência ao outro. Em outras palavras, é a própria relação

adverbial que envolve referência a dois distintos estados-de-coisas e define os traços

semânticos que as caracterizam. A autora faz referência à Hierarquia de Argumento

Adverbial (Adverbial Argument Hierarchy) e à Hierarquia de Rebaixamento das

Adverbiais (Adverbial Deranking Hierarchy), sendo que esta última fornece uma

tipologia de ligação de orações. Cristofaro mostra, a partir de seis parâmetros, os

aspectos mais importantes da formação de sentenças complexas. Desses parâmetros,

citamos o de dessentencialização de orações subordinadas, utilizando, para tanto, a

figura 1, adaptada de Lehmann, 1988, p.189:

sentencialidade nominalidade

oração construção não-finita nome verbal Figura 1: Dessentencialização

Segundo Lehmann (1988), existe uma importante relação entre a escala de

dessentencialização progressiva, vista na Figura 1, e a escala de ausência de traços

gramaticais, como se pode ver a seguir:

a) restrições/perda de elementos ilocucionários > restrições/perda de elementos

modais > restrições/perda de tempo e aspecto > dispensabilidade de

complementos > perda de conjunção de pessoa/conversão do sujeito a

oblíquo > ausência de polaridade > conversão de regência verbal em

regência nominal > dispensabilidade de sujeito/restrições nos complementos.

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b) combinalidade com adposições/afixo de caso.

Ainda, de acordo com Lehmann, nesse processo de redução a oração

subordinada adquire propriedades não-finitas, à medida que vai perdendo componentes

que permitem fazer referência a um estado de coisas, chegando a ponto de tornar-se um

constituinte nominal de uma oração matriz.

Baseados na Figura 1, é possível citarmos algumas conseqüências do processo

de dessentencialização da oração subordinada:

- orações subordinadas, na medida em que se aproximam do pólo direito do

continuum, vão perdendo sua própria força ilocucionária;

- restrição das categorias verbais de tempo, aspecto e modo; este último ligado

diretamente à perda de força ilocucionária da construção finita ao passar, gradualmente,

para não-finita;

- a dessentencialização da oração subordinada afeta a relação do predicado

verbal com seus argumentos, pois o sujeito de uma predicação subordinada, que se

enfraquece, converte-se em um obliquo, ou até mesmo, desaparece a sua posição.

- por meio da nominalidade progressiva, a construção encaixada adquire

propriedades distribucionais do nome, entre elas, a possibilidade de combinar-se com

adposições e afixos de caso.

Como já citado anteriormente, no continnum proposto por Lehmann (1988),

encontramos, no extremo esquerdo a parataxe, processo em que não há relação

hierárquica entre duas orações que formam a sentença complexa, e no extremo direito a

subordinação, processo em que há uma oração encaixada governada por uma oração

principal.

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A dessentencialização da oração subordinada contribui para sua integração com

a oração principal, uma vez que as construções subordinadas nominalizadas caminham

em direção ao encaixamento, conforme adquirem propriedades distribucionais de uma

expressão nominal. Desse modo, as orações adverbiais reduzidas de gerúndio serão

analisadas considerando-se seu grau de sentencialidade.

Orações Adverbiais Reduzidas de Gerúndio

As orações reduzidas são definidas pela gramática tradicional como orações

subordinadas/dependentes, que não se iniciam por pronome relativo nem por qualquer

conjunção subordinativa e têm o verbo numa das formas nominais: infinitivo, gerúndio

ou particípio (CUNHA, 1980), contrapondo-se às orações que têm o verbo no

indicativo, subjuntivo ou imperativo, recebendo então o nome de desenvolvidas ou

explícitas (KURY, 1987). De acordo com Bechara (2001, p.514), “o que caracteriza a

reduzida é a forma infinita ou nominal do verbo (principal ou auxiliar): infinitivo,

gerúndio e particípio”. É consenso entre os autores que as orações reduzidas podem ser

desdobradas quer em orações adjetivas, quer em orações adverbiais.

Em relação às adverbiais reduzidas de gerúndio, Bechara (2001) postula que são

as que têm o verbo, auxiliar ou principal, no gerúndio e equivalem a uma oração causal,

consecutiva, concessiva, condicional, temporal ou a uma oração que denota modo,

meio, instrumento. Segundo Cunha (1980), as adverbiais reduzidas de gerúndio, na

maioria dos casos, correspondem a orações subordinadas adverbiais temporais, mas

podem também equivaler a orações subordinadas adverbiais causais, concessivas ou

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condicionais. Para Kury (1987), as reduzidas de gerúndio podem se apresentar como

causais, concessivas, condicionais, modais e temporais. Alega o autor que “muitas vezes

uma oração adverbial reduzida de gerúndio se presta a mais de uma classificação, e nem

sempre é possível fixar-nos numa delas como sendo a melhor” (p. 109).

Conforme Braga (2002, p. 240), que investigou amostras de um corpus falado, o

registro oral do português do Brasil revelou que “as orações reduzidas de gerúndio

podem codificar relações semânticas diferenciadas, referendando, assim, as descrições

das gramáticas tradicionais”. E, concordando com Kury (1987), a autora postula que “a

identificação da relação semântica codificada pelas as orações de gerúndio é muitas

vezes problemática, já que elas tendem a favorecer a superposição de relações

proposicionais” (p.242).

Em nosso corpus de análise, foram observadas duas ocorrências (tabela 1), que

autorizam duas interpretações. Observem-se os enunciados:

(1) - como o pró[...], como a própria sociedade é estática, tanto é que você, fazendo uma análise histórica, você sabe que nós começamos numa, numa, fase de produção escravista, passamos para uma fase de produção, eh, feudal onde existia o servo e o escravo e não se parou por aí. (Bras87: Economia e Sociedade, grifo nosso).

(2) - os subsídios que eram dados nos, nos clubes não eram suficientes para a sobrevivência.

então é daí que o nosso desporto começou a, a quebrar-se. mas olhando para esse momento em que, as pessoas já estão a despertar a atenção nisso, nós vemos que há de novo uma participação na área desportiva. (Moç97: Sentimento Desporto, grifo nosso)

É possível indicar, igualmente para as duas ocorrências, dois diferentes valores

semânticos: temporal e condicional:

- em (1), é possível fazer uma leitura temporal, se entendermos como: ...ao fazer

uma análise histórica...; ou uma leitura condicional: ...se você fizer uma análise

histórica...;

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- em (2), podemos perceber uma leitura temporal como: no momento em

que/quando olhar para esse momento, destacando que a própria palavra momento

reforçaria a idéia de temporalidade; ou uma leitura condicional em: ...se olhar para esse

momento.

Para Braga (2002), as orações de gerúndio, pela própria redução a que são

submetidas, têm maior tendência a exibir essa aglomeração de sentidos, requerendo um

esforço maior por parte do ouvinte na identificação do significado. Segundo Decat

(1999), provavelmente as superposições de relações proposicionais podem ser

decorrência de gêneros discursivos diferentes, de diversificados graus de formalidade ou

do próprio sotaque sintático do falante.

Ainda tratando das relações semânticas, a tabela 1 ilustra os resultados

encontrados em nossa análise:

Tabela 1: Valor semântico das orações adverbiais reduzidas de gerúndio Modal Condicional Temporal Concessiva Causal Temp/Cond. Total

n. % n. % n. % n. % n. % n. % 6 23 8 30 7 27 1 4 2 8 2 8

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Os resultados encontrados apontam que a maioria das ocorrências codifica

relações semânticas com valor condicional (30%), temporal (27%) e modal (23%), as

quais podem ser ilustradas pelos respectivos exemplos:

(3) - se o es[...], se pode alcançar um apoio do Estado, muito bem! mas se não pode, pode fazer qualquer coisa. Por exemplo, uma pessoa formada pode, com o pequeno que, no, no, qualquer soma que tiver, pode arranjar uma máquina, eu também comecei assim, em princípio com uma máquina, duas, três, quatro e cinco e pouco a pouco a pessoa se desenvolve, tendo vontade. (To-Pr96:Costureira, grifo nosso)

(4) - eh, portanto, eh, eu, da forma em que eu vivi, não é, já estando num, num, portanto,

num órgão assim de informação, eu poderei comentar a minha vida a muitos daqueles que também vive a me[...], a mesma situação. (Ang97: Jovem Gaspar, grifo nosso)

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(5) - e finalmente Hopkins vem pela primeira vez falar de substâncias acessórias dos

alimentos, abrindo caminho para, para as vitaminas, que só vêm a ser descobertas neste século, como eu já vos falei, por Funk, em mil novecentos e onze. (PT89: PaiMedicina, grifo nosso)

Em (3), verificamos a realização do estado de coisas dependente é apresentado

como possível; o falante prediz o que pode acontecer, uma vez que há a implicação de

que, se o estado de coisas dependente ocorrer, o mesmo se observará com o principal,

ou seja, se a pessoa tiver vontade, ela se desenvolve. Na ocorrência (4), observamos um

valor temporal, em que os dois estados-de-coisas, o principal e o dependente, ocorrem

simultaneamente, o que é reforçado pelo uso do advérbio de tempo já junto ao verbo de

estado. Em (5), a ocorrência modal indica a maneira pela qual ocorre o evento expresso

na oração principal, em outras palavras, descreve o modo como Hopkins vem pela

primeira vez falar de substâncias acessórias dos alimentos.

Há ainda ocorrências que expressam relação de causa (8%), como em (6), a qual

é responsável por conectar dois estados-de-coisas, em que o dependente (que é factual)

fornece a motivação para a ocorrência do principal:

(6) - portanto, digamos que aquela diferença entre a cidade e o campo está-se a esbater... - ah, absolutamente! acho que sim. ma[...], e mais a mais, pronto, jovens, eh, sabendo

precisamente isso, os jovens do campo querem-se parecer mais com os jovens da cidade, apesar de isso não ser nenhuma vantagem, nem ser nada de... (Pt96: MeioPequeno, grifo nosso)

e relação de concessão (4%), em que a oração adverbial reduzida de gerúndio descreve

uma parte de informação tendo em vista que a informação contida na oração principal

não seria esperada, como mostra o exemplo (7):

(7) - que bom! ah, isso é bom. mas você deve ter sofrido imenso durante aquele, aquele tempo. - um bom bocado. e o que é, é que foram, parecendo que não, foram três anos! três anos a sofrer! (PT97: MalDesconhecido, grifo nosso)

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Além do levantamento das relações semânticas codificadas pelas orações

adverbiais reduzidas de gerúndio, nossas ocorrências, num total de 26, foram analisadas

segundo os critérios elencados no item Material e Métodos, descrito acima. Assim, por

supormos que a relação de gradação entre maior ou menor grau de sentencialidade

esteja vinculada ao nível e à camada de organização estrutural da oração, as ocorrências

são aqui analisadas segundo a organização postulada pela Gramática Discursivo-

Funcional.

No Nível Interpessoal a expressão lingüística é considerada segundo aspectos

que estejam ligados à relação falante/ouvinte, tendo em vista, principalmente, que uma

determinada expressão está associada a uma dada intenção comunicativa. Nele devem

ser descritas todas as propriedades pragmáticas de uma expressão lingüística, ou seja, é

no nível interpessoal que são representados todos os aspectos relativos ao conteúdo

comunicado pelo falante.

Desse modo, no Nível Interpessoal, foram analisados dois critérios: a

presença/ausência de marcadores discursivos, em outras palavras, qualquer elemento

considerado extra-oracional que apareça entre as duas orações, a principal e a

dependente, e a presença/ausência de Função Retórica, considerando as funções dadas

por Hengeveld e Mackenzie (2008), tais como: Motivação, Concessão, Orientação e

Correção. Os resultados podem ser vistos na tabela 2:

Tabela 2: Critérios do Nível Interpessoal Marcador Discursivo Função Retórica

Presença Ausência Presença Ausência n. % n. % n. % n. % 7 27 19 73 3 12 23 88

A análise revela que a maior parte das ocorrências, envolvendo orações

adverbiais reduzidas de gerúndio, encontradas em nosso corpus, não apresenta

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Marcadores Discursivos (73%) e Função Retórica (88%), o que pode denotar certo grau

de dependência das orações adverbiais. É interessante observar que as três ocorrências

marcadas pela presença de função retórica são aquelas em que as duas orações

(principal e dependente) expressam Atos Discursivos, pois de acordo com Hengeveld e

Mackenzie (2008) a dependência entre dois Atos Discursivos indica que o falante

atribui diferente estatuto comunicativo para cada ato e é mostrada na representação

subjacente por meio da presença de uma função retórica no Ato Discursivo Subsidiário,

como podemos ver em (8), a seguir, que apresenta a função retórica de Orientação, uma

vez que o falante orienta/direciona seu interlocutor no desenvolvimento de seu discurso:

(8) - [...] também falando um bocadinho das condições sociais, o Gaspar, por exemplo, tem à sua disposição um meio como um televisor, um, as suas condições, eh, em casa, tem meios que, que lhe sirvam para dizer que leva uma vida regular... (Ang97: Jovem Gaspar, grifo nosso)

O Nível Representacional diz respeito aos aspectos semânticos de uma

expressão linguística. Na GDF, o termo semântica se restringe: (i) ao modo em que uma

língua se relaciona ao mundo real ou imaginário que ela descreve e (ii) ao significado de

estruturas lexicais isoladas do modo como são usadas na comunicação. Assim, no Nível

Representacional as estruturas linguísticas são descritas em termos da denotação que

fazem de uma entidade e, portanto, a diferença entre as unidades desse nível é feita em

termos da categoria denotada.

Dois critérios foram analisados no Nível Representacional: a identidade dos

participantes das orações envolvidas, ou seja, a correferência de participantes e a

factualidade. Foram consideradas como factuais as orações encaixadas que descrevem:

(i) propriedade ou relação como aplicável; (ii) estados-de-coisas como reais; (iii)

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conteúdos proposicionais como verdadeiros ou (iv) Atos discursivos como assertivos. A

tabela 3 ilustra a análise:

Tabela 3: Critérios do Nível Representacional Correferência Factualidade

Há Correferência Não há Corref. Não se aplica Factual Não-factual n. % n. % n. % n. % n. % 14 54 3 23 9 23 20 77 6 23

Segundo Hengeveld e Mackenzie (2008), o rebaixamento das orações

subordinadas concerne, entre outros fatores, à realização de argumentos dentro da

oração subordinada, podendo ser distinguidos dois diferentes casos: (i) um argumento

não pode ser expresso dentro da oração subordinada, (ii) um argumento é expresso de

uma maneira que seja diferente de sua marcação da oração principal. Verificamos que

em 54% de nossas ocorrências há correferência entre os participantes das orações

envolvidas. Essa identidade entre participantes denota certo grau de rebaixamento das

orações reduzidas de gerúndio em relação à principal. A ocorrência (9) ilustra um caso

em que há correferência obrigatória entre participantes, em que o sujeito não aparece

expresso na oração rebaixada; em (10) e (11), verificamos, respectivamente, um caso

em que não há correferência entre os sujeitos e um caso em que o critério de

correferencialidade não se aplica:

(9) - porque ela terá direito a que se lhe transmita o direito ao arrendamento desde que o seu com[...], companheiro não seja casado, portanto, seja solteiro, viúvo ou divorciado ou desde que, sendo casado, esteja separado judicialmente da mulher. (PT89: LeiCotidiano , grifo nosso)

(10) - ... que além de você mostrar o filme, não foi assim só para a gente ver o filme. teve um fundamento, você fez aprender, ensinar para a gente também, vendo o filme... e a letra da música. (Bra93: FestaEstudante, grifo nosso)

(11) - ficou todo raspado, do, do meu lado, do lado que eu conduzia com o lado em que ele conduzia, tiveram que tirar portas, foi um friso todo novo, aquilo ficou tudo bonito! quase que valeu a pena! depois de tantos problemas; mas enfim... - e, e tirando isso não tem havido mais problemas com o carro? (PT72: AoVolante)

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Em relação ao critério factualidade, podemos perceber que a maior parte de

nossas orações reduzidas de gerúndio (77%) podem ser consideradas factuais. Isso se

deve ao fato de essas orações descreverem, em sua maioria, conteúdos proposicionais

apresentados como verdadeiros, como em (12), ou por introduzirem estados-de-coisas

considerados reais, como em (13), respectivamente:

(12) - mas eu... acho que, talvez hoje já não se lembrem bem, que a primeira instituição de carácter superior, tirando uma vaga escola médico-cirúrgica do século dezanove que nunca funcionou para formar gente aqui, a primeira instituição de ensino superior foram os Estados Gerias Universitários... (ang97: Ensino Angola, grifo nosso)

(13) - eu cheguei a recorrer - porque depois as vizinhas começaram a chatear a cabeça à

minha mãe e nos meios pequenos há sempre aquela tendência "o seu, o seu Pedro anda embruxado". chegaram-me a levar à bruxa, a essas senhoras que dizem que fazem... magias negras e não sei quê, cheguei a recorrer a esse tipo de gente, levando só dinheiro possivelmente... inventaram para ali umas histórias quaisqueres para, para comer algum dinheiro, e eu... (PT97: Mal Desconhecido, grifo nosso)

Nossa análise considerou, também, critérios do Nível Morfossintático. Segundo

Hengeveld e Mackenzie (2008), os Níveis Interpessoal e Representacional tratam da

formulação, isto é, da transição das intenções conceituais para as estruturas linguísticas

específicas. A codificação é uma tarefa dividida entre os níveis Morfossintático e

Fonológico. A tarefa do Nível Morfossintático é pegar o input duplo de entrada dos

níveis Interpessoal e Representacional e fundir os dois em uma única representação

estrutural que seja convertida em uma construção fonológica no nível seguinte. Assim,

foram analisados os seguintes critérios no Nível Morfossintático: tipo de oração

principal e de inserida (Move, Ato, Conteúdo Comunicado, Conteúdo Proposicional,

Episódio, Estado Coisas, Propriedade Lexical); tipo de operador (conjunção,

preposição, relativo, zero); forma verbal da oração dependente (indicativo, subjuntivo,

gerúndio, particípio, infinitivo); posição da oração subordinada em relação à matriz

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(inicial, medial, final); codificação do sujeito do evento dependente (lexical,

pronominal, zero, quando recuperado pelo contexto, ou oração sem sujeito). As tabelas

4 e 5 são representativas dos resultados obtidos no Nível Morfossintático:

Tabela 4: Critérios do Nível Morfossintático

Tipo oração principal Tipo oração inserida Ato Conteúdo

Proposicional Estado de

Coisas Ato Conteúdo

Proposicional Estado de

Coisas Propriedade

Lexical n. % n. % n. % n. % n. % n. % n. % 3 12 5 19 18 69 3 12 9 35 8 30 6 23

Em relação ao tipo de oração principal, percebemos que a grande maioria se

constitui em estados-de-coisas (69%), algumas em Conteúdos Proposicionais (19%) e

apenas 12% em Atos Discursivos.

Entendemos que a maior incidência de estados-de-coisas se deva ao fato de as

orações principais constituírem-se em entidades que, segundo Hengeveld e Mackenzie

(2008), podem ser locadas em um tempo relativo e avaliadas em termos de seu estatuto

de realidade, podendo (não) ocorrer, (não) acontecer, ou (não) ser o caso em algum

ponto ou intervalo no tempo, como ilustra a ocorrência (14):

(14) - a água da chuva, é, são, zonas que continua a chover intensamente. essa água da chuva cai directamente no solo, desagregando esse solo e arrastando-o depois para os rios. (Ang97: Guerra e Ambiente, grifo nosso)

A tabela 4 nos revela, ainda, que 35% das orações adverbiais reduzidas de

gerúndio encontradas em nosso corpus de análise caracterizam-se como Conteúdos

Proposicionais, consideradas constructos mentais que não existem no espaço ou no

tempo, podendo ser avaliadas em termos de sua verdade. De acordo com Hengeveld e

Mackenzie (2008), proposições podem ser factuais (quando são partes do conhecimento

ou opinião moderada sobre o mundo real), ou não-factuais (quando são esperanças ou

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desejos com relação a um mundo imaginário). Dada a sua natureza, os Conteúdos

Proposicionais são caracterizados pelo fato de que podem ser qualificados em termos de

atitudes proposicionais (certeza, dúvida, descrença), e/ou em termos de sua origem ou

fonte (conhecimento partilhado, evidência sensorial, inferência). No exemplo (15)

vemos Conteúdo Proposicional não-factual da oração dependente, pois apresenta uma

condição:

(15) - eh, olhando para todo esse panorama ambiental, assim, é possível fazer-se qualquer coisa para evitar que esta degradação seja ainda acentuada nos próximos tempos que, já que as consequências são visivelmente graves? (Ang97: Guerra e Ambiente, grifo nosso)

Percebemos, também, na tabela 4, orações reduzidas que se caracterizam como

estados-de-coisas (30%); Propriedades Lexicais (23%), e como Atos Discursivos (12%).

São exemplos, respectivamente: (16), relatando um acontecimento factual em uma

ocorrência com valor semântico temporal; (17) com valor modal factual e (18), na qual

aparecem dois Atos Discursivos dependentes e função retórica de Orientação na oração

dependente:

(16) - no seu equilíbrio de... ele rever-se no lar, o homem agasalhou-se. não há dúvida que manteve-se ali fiel ao, ao lar, lutando sempre com a pena para fazer sobreviver ao lar, porque não havia outro rendimento que não fosse a pena dele. (PT97: Amores Camilo, grifo nosso)

(17) - eh, os portugueses, conforme o que eu tinha ouvido, os pais me contaram de que

conseguiram não fazer desaparecer a, a religião tradicional, mas a, conseguiram assim introduzir o cristianismo em Timor, utilizando assim a, um, uma, uma maneira muito, muito, muito suave, digamos assim, que, para aqueles que, na altura, queriam que os filhos fossem assim educados nas escolas, tinham que aceitar a ser baptizados. (TL99: Identidade Povo, grifo nosso)

(18) - e voltando um bocadinho no tempo e no espaço, eh, como é que começam a aparecer

então, para além da, daqueles casos isolados que já disse, os primeiros doutores, ou aqueles que aparecendo talvez fossem os assimilados daquela altura, com um nível mais ou menos equiparado ao doutoramento? há casos isolados, como é que se explica estas, bom, estes que aparecem? (Ang97: Guerra e Ambiente, grifo nosso)

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A tabela 5, abaixo, apresenta os resultados da análise dos critérios: Posição da

oração Subordinada em relação à matriz e Codificação do Sujeito do evento dependente

também no Nível Morfossintático.

Tabela 5: Critérios do Nível Morfossintático Posição da subordinada Codificação do Sujeito

I m f l p z / n. % n. % n. % n. % n. % n. % n. % 9 35 5 19 12 46 0 0 2 8 13 50 11 42

Todas as ocorrências de orações subordinadas reduzidas de gerúndio são aqui

apresentadas sem nenhum tipo de operador, o que é próprio das reduzidas e,

principalmente, em posição final em relação à principal (46%). Esse resultado é

indicativo de relação entre estados-de-coisas, como ilustra a ocorrência (16), aqui

repetida:

(16) - no seu equilíbrio de... ele rever-se no lar, o homem agasalhou-se. não há dúvida que manteve-se ali fiel ao, ao lar, lutando sempre com a pena para fazer sobreviver ao lar, porque não havia outro rendimento que não fosse a pena dele. (PT97: Amores Camilo, grifo nosso)

Quanto à codificação do sujeito do evento dependente, percebe-se um equilíbrio,

pois em 13 ocorrências (50%) é possível recuperar o sujeito no próprio contexto por

meio de anáfora zero, como em (19), e em 11 ocorrências (42%) as reduzidas

apresentam-se sem sujeito (20):

(19) - mas, acho que sim, está bem, mas um jogador sente sempre, não é, fazer uma falta a um gajo ou fazer uma falta a uma mulher é sempre, não se sente bem à vontade. ou se está uma mulher à baliza, não é, a gente não vai mandar um bojardão sabendo que pode acertar na cabeça da mulher [...] (PT95: Futebol, grifo nosso)

(20) - ah, o primeiro aspecto é que, se o conseguir, deverá tentar resolver a dissolução do casamento através do divórcio por mútuo acordo. será aconselhável, será preferível. para isso terá que resolver fundamentalmente três problemas, se é que eles existem todos. Havendo filhos menores terá que resolver o problema dos filhos menores, entrar em consenso com a mulher sobre... chamada regulação do poder paternal dos filhos menores. (PT89: Lei Cotidiano, grifo nosso)

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Esses dados são bastante interessantes, uma vez que a redução de argumentos

inerente à formação das orações reduzidas nos leva a caracterizá-las como formas

rebaixadas, levando, nos termos de Lehmann (1988), a adquirir propriedades não-

finitas, a ponto de tornar-se um constituinte nominal de uma oração matriz.

Finalmente, a tabela 6, aponta os resultados em relação ao critério Quebra

Entonacional, analisado no Nível Fonológico:

Tabela 6: Critérios do Nível Fonológico Quebra Entonacional

Presença Ausência n. % n. % 11 42 15 58

Esse critério parece relevante na medida que a quebra entonacional pode sugerir

a (não) dependência entre a oração principal e a subordinada. Em nosso corpus 58% não

apresentaram qualquer tipo de acidente prosódico, reforçando a idéia de dependência

em relação às orações reduzidas de gerúndio. Os exemplos (21) e (22) ilustram a

presença e ausência de quebra entonacional, respectivamente:

(21) - havia muita terra abandonada, começou a ser, eh, trabalhada, e havia um uso abusivo, com a plantação de cereais, que de algum modo também começou a ser... repensado, e começou a faz[...], começaram a fazer-se culturas de uma outra dimensão, não é, deixando os pousios, fazendo culturas rotativas, enfim, digamos que houve uma gestão mais racional da terra. de qualquer das formas, houve... aqui questões político-partidárias... (PT97: Trabalho Posse Terra, grifo nosso)

(22) - [...], a fortuna foi adquirida no Brasil e que ele que era um homem bastante adinheirado, mas que era homem para ir ao Porto com umas côdeas de pão no bolso, para chegar a casa só comer à noite para não gastar dos grandes rendimentos que ia buscar das acções que tinha, de rendimentos através do banco... do Brasil. ele sabendo esses pormenores, viu que a mulher que passou a parte, a maior parte do tempo... adoentada, entrevada, no leito de sofrimento, começou então a desenvolver isso e escreveu a célebre "Brasileira de Prazins”... (PT97: Amores Camilo, grifo nosso)

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Considerações finais

Neste artigo, foram investigadas as orações reduzidas de gerúndio. Utilizando a

noção de subordinação fornecida por Cristofaro e critérios estabelecidos de acordo com

os Níveis e Camadas da Gramática Discursivo-Funcional, pudemos perceber que fatores

como ausência de marcadores discursivos e de função retórica, a correferência entre os

participantes das orações envolvidas, a factualidade e a ausência do sujeito do evento

dependente auxiliam em sua caracterização como formas rebaixadas e, portanto, em

processo de dessentencialização.

Outro fator a se considerar é a variedade de relações semânticas estabelecidas

pelas orações reduzidas de gerúndio, permitindo, muitas vezes, dupla interpretação

quando ocorre superposição dessas relações.

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HENGEVELD, Kees; MACKENZIE, J. Lachlan. Functional discourse grammar: a typologically-based theory of language structure. Oxford: University Press, 2008. KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. 3.ed. São Paulo: Ática, 1987. LEHMANN, Cristian. Towards a tipology of clause linkage. In: HAIMAN, John.; THOMPSON, Sandra. (Eds.). Clause combining in grammar and discourse. Amsterdam: John Benjamins, 1988. p. 181-225. NEVES, Maria Helena de Moura. A difusa zona adverbial. O caso da combinação de orações. In: Linguística, v.20, p.25-47, 2008.