AS NOVAS TERRAS DO SEM-FIM: EXPANSÃO CAPITALISTA E ACUMULAÇÃO PRIMITIVA NO BRASIL RURAL

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    AS NOVAS TERRAS DO SEM-FIM: EXPANSO CAPITALISTA EACUMULAO PRIMITIVA NO BRASIL RURAL

    THE NEW LANDS OF UNENDING: EXPANSION CAPITALISTAND PRIMITIVE ACCUMULATION IN RURAL BRAZIL

    Wendell F!"e# Te$e#% A&&&[email protected]

    Eu e Joaquim enchemos mata e mata de cacau, plantamos mais mesmo que um bando

    de jupar que bicho que planta muito cacau, que adiantou? [...] O coronel Horcio

    fe um ca!i!e mais "r. #ui tomaram a ro$a que n%s ha&ia plantado. 'he(ou disse que a

    terra era dele, que Joaquim n)o era dono. *eio com os ja(un$os mais uma certid)o docart%rio, botou a (ente pra fora, ficaram at com o cacau que j ta&a secando

    prontinho pra &ender +Jor(e mado, -erras do em /im, 0123 4 #omance que narra a

    e!pans)o cacaueira no ul da 5ahia.

    Re&'()

    O trabalho procura compreender as reconfiguraes territoriais desencadeadas no meiorural brasileiro durante os anos 2000, sobretudo em virtude da ampliao dosmonocultivos de cana direcionados a produo de agroenergia. om base na ideia de!ue no interior do capitalismo h" uma continuidade dos mecanismos de acumulao

    primitiva, sugere !ue o avano da pecu"ria e do agroneg#cio de so$a em direo % regio&ma'(nica tem desencadeado processos de e)propriao territorial !ue despo$amcomunidades camponesas e povos tradicionais. *or fim, analisa o discurso dedisponibilidade de terras propalado pelo +overno rasileiro no -mbito do oneamento&groecol#gico da ana contrapondo/o %s tenses e conflitos !ue perpassam asdemandas por reforma agr"ria e por reconhecimentos de territ#rios tradicionais. *arasustentar essas an"lises o artigo se vale de dados e observaes empricas coletadasdurante a reali'ao de tr1s trabalhos de campo, dois em "reas de e)panso damonocultura de cana, nos estados de inas +erais, 3o *aulo e ato +rosso do 3ul, e,um no Oeste do *ar" em 'ona marcada pelos conflitos de e)panso da fronteiraagrcola.

    P%l%*#%&-C"%*e&: 4ronteira &grcola. &groneg#cio. &cumulao *rimitiva.

    A+&,#%!,

    5he paper see6s to understand the territorial reconfigurations triggered in rural ra'ilduring the 2000s, mainly due to the e)pansion of sugar cane plantations directed the

    production of bioenergy. ased on the idea that within capitalism there is a continuity ofthe mechanisms of primitive accumulation, suggests that the advance of farming and

    agribusiness soy towards the &ma'on region have initiated e)propriation proceedings

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    territorial plunder peasant communities and traditional people. 4inally, it analy'es thediscourse of land availability heralded by the ra'ilian government under the &gro/:cological oning of 3ugarcane contrasting it to the tensions and conflicts that pervade

    the demands for agrarian reform and recognition of traditional territories. 5o supportthis analysis the article draws on empirical data and observations collected during thee)ecution of three fieldwor6, two areas of e)pansion of monoculture of sugarcane, inthe states of inas +erais, 3o *aulo and ato +rosso do 3ul, and a in western *ar" inthe area mar6ed by conflicts e)pansion of the agricultural frontier.

    1e23)#d&:&gricultural frontier. &gribusiness. *rimitive accumulation.

    In,#)d'0/)

    & lucratividade da produo canavieira tem colocado em marcha um movimento

    de reconfigurao territorial !ue desloca, principalmente, a pecu"ria e o cultivo de so$a

    em direo a novas terras na fronteira agrcola.i & migrao dessas atividades

    agropecu"rias incide, por sua ve', sobre os modos de produo e de ocupao territorial

    praticados por populaes e povos tradicionais locali'ados nas 'onas de fronteira

    impondo/lhes, no raro de forma violenta, um processo de e)propriao de suas terras.

    ;o mesmo modo, nas "reas de e)panso, propriamente ditas, ocorre um reordenamento

    territorial decorrente do cercamento promovido pelo agroneg#cio/monocultor de cana,

    !ue imprime uma nova forma de ocupao e ocasiona conflitos territoriais e ambientais,

    tais como< deslocamento de agricultores familiares, !ueda na produtividade da

    agricultura camponesa, inviabilidade de novos assentamentos e reservas indgenas,

    desmatamentos, !ueimadas, alterao das atividades agrcolas, flu)o migrat#rio de

    trabalhadores, presso sobre e!uipamentos urbanos e adensamento de pe!uenas e

    m=dias cidades.

    *ara lograr demonstrar a ocorr1ncia destes conflitos, o artigo ir" se basear na

    reali'ao de tr1s trabalhos de campo !ue foram precedidos de uma etapa inicial

    marcada pelo levantamento de dados bibliogr"ficos !ue possibilitaram estabelecer as

    "reas consideradas pelo agroneg#cio como priorit"rias para e)panso da monocultura de

    cana e so$a. ;e posse dessas informaes, iniciou/se a fase seguinte !ue se fundamentou

    na reali'ao dos trabalhos in loco e transcorreu em dois momentos> o primeiro entre os

    dias 22? e 27?2?200A, e, o segundo no perodo de 08 a 2B?0C?200. Do somat#rio das

    duas incurses foram percorridas regies de !uatro estados brasileiros< 5ri-ngulo

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    ineiro, em inas +erais> Oeste *aulista, em 3o *aulo, mesorregio 3udoeste do

    ato +rosso do 3ul e Oeste do *ar" ii.

    Da perspectiva te#rico/metodol#gica a!ui empregada, o processo de acumulaoprimitiva = estrutural e est" sempre se reatuali'ando e ressurgindo> assim, o argumento

    se vale da ideia de uma acumulao primitiva incessante. ar) E9BCF $" descreve uma

    gama de mecanismos !ue consistem na e)propriao do produtor rural e na retirada de

    seus meios de reproduo social. :sse processo denominado acumulao primitiva

    representa, na viso do autor, a mola propulsora do capitalismo e desempenha papel

    an"logo %!uele do pecado original reverenciado na teologia crist. & descrio feita por

    ar) permite locali'ar a e)ist1ncia de mecanismos da acumulao primitiva !ue sefi'eram presente no nascedouro do capitalismo e ainda seguem integrando a realidade

    hodierna, dentre os !uais se destacam> e)propriao violenta de populaes camponesa>

    transformao dos direitos coletivos sobre a terra> usurpao de terras comuns,

    coletivas, do :stado ou da Ggre$a> perda da cone)o entre agricultura e terra comunal>

    mercantili'ao da fora de trabalho, supresso de formas alternativas de

    produo?consumo e rapina por meio dos processos coloniais e neocoloniais de

    apropriao de ativos Erecursos naturais e fora de trabalhoF iii.

    :mbora ar) no alicerce suas formulaes te#ricas sob a vig1ncia de um

    capitalismo monopolista e tenha em mente o ambiente de livre concorr1ncia,

    vislumbram/se em seus escritos indicaes sobre os alargamentos da acumulao

    primitiva !ue possibilitam pensar no desenvolvimento subse!uente de formas

    concentradas de organi'ao da produo N&JL: 200PF.

    om essa orientao, Josa Mu)emburgo E9B0F formula a ideia de uma

    acumulao primitiva incessante onde a !uesto referente aos elementos materiais da

    acumulao de capital, longe de estar resolvida pela forma material da mais/valia,transforma/se em outra !uesto< para utili'ar produtivamente essa mais/valia reali'ada,

    torna/se imprescindvel !ue o capital progressivamente disponha de maior !uantidade

    de terras para poder fa'er uma seleo !uantitativa e !ualitativamente ilimitada de seus

    meios de produo. O capital no pode, assim, desenvolver/se sem contar com os meios

    de produo e foras de trabalho e)istentes no mundo inteiro. *ara se estender, sem

    obst"culos, o movimento da acumulao necessita dos tesouros naturais e das foras de

    trabalho disponveis em toda superfcie terrestre.

    om base nesse raciocnio, os argumentos mobili'ados nesse artigo procuraro

    evidenciar !ue os monocultivos de cana para a produo de agrocombustveis

    representam um alargamento das bases de acumulao de capitais e de controle sobre

    novos territ#rios, ao mesmo tempo em !ue engendram novas formas de depend1ncia,

    tais como subordinao de pe!uenos agricultores, e)propriao de populaes

    camponesas, mercantili'ao da nature'a, oferta %mobilidade do capital, deslocali'ao

    dos investimentos e pressuposio da fragilidade dos mecanismos de controle do

    :stado/nao. Da vig1ncia dessas novas formas de depend1ncia se mant1m a

    reproduo ampliada do capital em intercone)o com o contnuo processo de

    acumulao primitiva.

    &!ui essa abordagem !ue enfati'a a continuidade dos mecanismos de

    acumulao primitiva ser" mesclada com a perspectiva da sociologia dos conflitos

    ambientais!ue, por sua ve',procurafocali'ar as disputas simb#licas e materiais entre

    distintos significados e formas de apropriao dos recursos territoriali'ados

    E&3:MJ&;, 200PF. *or fim, vale destacar, !ue o trabalho lanar" mo das entrevistas

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    em profundidade reali'adas durante os trabalhos de campo com populaes

    camponesas, integrantes de movimentos sociais e lideranas polticas. O intuito ser"

    evidenciar as assimetrias e conflitos reinantes no campo de produo das monoculturasenerg=ticas.

    O e(%#%n"%d) %4#)ne45!)-()n)!'l,)#: Dn6(!%& e de&l)!%(en,)& e( d#e0/) 7#)n,e#%

    & competio por terras entre as monoculturas de so$a e cana tem intensificado a

    especulao fundi"ria em 'onas consideradas estrat=gicas para e)panso de ambos os

    plantios. &o mesmo tempo em !ue representa uma dificuldade para manuteno depe!uenas e m=dias propriedades situadas no entorno das "reas de monocultura, o

    aumento no preo das terras vem forando e impulsionando a ocupao de novas "reas

    locali'adas na fronteira agrcola. :ssa disputa = travada por grandes conglomerados

    agroindustriais onde cada !ual visa impor seu modus operandi de e)plorao dos

    recursos naturais,iv !ue, no raro, impacta negativamente formas distintas e no

    hegem(nicas de apropriao dos territ#rios. *ara artins E2007F isso torna cada ve'

    mais difcil promover !ual!uer tipo de reforma na estrutura agr"ria brasileira, uma ve'

    !ue ho$e a propriedade da terra = de interesse de todos os setores poderosos da

    economia, os bancos, as multinacionais, os grandes grupos econ(micos, todos tem

    interesses na propriedade fundi"ria.

    Desse cen"rio, os embates para ocupao de terras na regio entro/3ul do pas,

    mais caras e com acesso %s melhores condies logsticas, t1m favorecido o

    agroneg#cio sucroalcooleiro em virtude de sua melhor rentabilidade econ(mica. Gsso

    tem resultado numa migrao dos plantios de so$a em direo %s fronteiras agrcolas da

    regio &ma'(nica, onde a fragilidade da fiscali'ao dos desmatamentos aliada %s

    atividades ilegais de grilagem tem facilitado o aumento das "reas dedicadas %

    so$icultura. & esse respeito, a tabela L, apresentada a seguir, demonstra !ue na regio

    Dorte o crescimento dos monocultivos de so$a no perodo 200/2008 foi seis ve'es

    superior % m=dia nacional.

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    T%+el% I: 8#e% .l%n,%d% !)( &)9% B#%&l e Re4e& ;

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    O c"lculo mercantil, no raro, perpassa a deciso pelo arrendamento tanto de

    pe!uenos e m=dios agricultores, !uanto de grandes propriet"rios de terra. Do entanto, os

    pe!uenos e m=dios agricultores ativam os significados de pertencimento ao lugar, bemcomo da manuteno ou inviabilidade do pluricultivo ou da atividade leiteira, como

    mecanismos !ue influem na deciso de arrendar ou no as terras. Os !ue optam pelo

    arrendamento, invariavelmente, migram para as sedes urbanas dos municpios

    canavieiros, passando a ter como principal ingresso monet"rio a renda auferida do

    arrendamento. :sses agricultores !ue outrora produ'iam os alimentos destinados %

    reproduo social de suas famlias, !ue dependendo das demandas da propriedade

    geravam empregos, assim como abasteciam os mercados locais com a venda de g1nerosalimentcios, passam % condio de rentistas da terra, ao mesmo tempo em !ue dei)am

    de ofertar alimentos e comeam a demand"/los.

    *or essa via, os arrendamentos para monocultura de cana alteram as din-micas

    de oportunidades de trabalho, de disponibilidade e demanda de alimentos, al=m de

    incidirem sobre os preos do mercado imobili"rio rural e urbano, contudo, no

    desencadeiam processos de e)propriao direta, uma ve' !ue as transaes obedecem

    aos imperativos do mercado de terras. Os traos !ue evidenciam essa din-mica podem

    ser notados nas entrevistas transcritas a seguir, reali'adas com o presidente do 3indicato

    dos 5rabalhadores Jurais de Rberaba e com um pe!ueno agricultor de Tgua omprida,

    municpios locali'ados no 5ri-ngulo ineiro.

    & cana como falei foi boa para os comerciantes l" da cidade. Lem gente da'ona rural, a pessoa precisa do alimento, a vai l" comprar no mercado. *arao pe!ueno produtor !ue sempre viveu da terra a!ui, ele agora est" vivendo dealuguel, do arrendamento das terrinhas dele, esses !ue $" foram para cidadetem !ue comprar alimento l". 5e pergunto cad1 a fartura dentro da cidadeU

    Do tem. E:ntrevista com V. presidente do 35J de Rberaba, ?0C?200F.

    Do meu ponto de vista antes da chegada da cana a!ui na nossa regio apopulao rural estava mais ligada ao campo, a a oferta de alimentao eramaior e com isso os preos na cidade eram melhores. &gora com o abandonoda 'ona rural para o plantio de cana isso mudou. &!uele pe!ueno produtor!ue produ'ia seu sustento e vendia a sobra na cidade, agora comarrendamento ele precisa = comprar por!ue parou de produ'ir suaalimentao. & fartura no = mais de alimento, mas de dinheiro no bolsoE:ntrevista com pe!ueno agricultor +, Tgua omprida, 2?0C?200F.

    ;iferentemente dessa l#gica de deslocamento !ue afeta pe!uenos e m=dios

    agricultores, o arrendamento ou a venda de grandes propriedades ocupadas com so$a ou

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    pecu"ria, coloca em marcha um processo de alargamento da fronteira agrcola levado a

    cabo por mecanismos de acumulao primitiva em associao com din-micas do

    mercado de terras. Do caso da e)plorao mercantil o c"lculo = estritamente econ(mico,os grandes propriet"rios arrendam ou vendem suas terras locali'adas no entro/3ul para

    a implantao da monocultura de cana, transferindo seus neg#cios de gado e so$a para

    espaos locali'ados na regio &ma'(nica, onde os preos por hectare so mais atrativos

    e as possibilidades de a!uisio fraudulenta maiores. &l=m das terras ad!uiridas

    legalmente na fronteira possibilitarem um aumento das propriedades em virtude do

    menor preo por hectare, esse deslocamento da pecu"ria e da so$a catapulta a

    e)propriao violenta de populaes camponesas e tradicionais, !ue por no deterem atitulao dos territ#rios secularmente habitados, ficam su$eitas %s presses e)ercidas por

    so$icultores e pecuaristas. *or essa via ocorre um contnuo processo de mercantili'ao

    das terras alimentando um rearran$o $urdico na estrutura fundi"ria, a terra na fronteira

    !ue parecia larga, farta e sem fim, de sWbito ganha outra fisionomia social> o solo !ue

    antes parecia um elemento secund"rio e mesmo irrelevante passa a desempenhar um

    papel econ(mico e sociopoltico central, tendo em vista a sua contnua incorporao nos

    circuitos de acumulao do capital EG&DDG, 9B9F.

    :ssa din-mica da acumulao primitiva p(de ser percebida durante trabalho de

    campo reali'ado na regio Oeste do *ar", desenvolvido no -mbito da pes!uisa

    intitulada< :)peri1ncias em cartografia social e constituio de su$eitos em conflitos

    ambientais, !ue visava compreender o processo de destinao e titulao de terras no

    con$unto de glebas amurW/&rapiuns,vibem como analisar as formas de atuao das

    populaes tradicionais e movimentos sociais na construo de uma proposta contra/

    hegem(nica de uso e apropriao dos territ#rios E&33G3, 200F. Das glebas Dova

    Olinda GG e amurW !ue totali'am mais de A8C mil hectares de floresta, as 28

    comunidades ribeirinhas !ue tradicionalmente ocupam a "rea, t1m sido foradas a

    conviver com a presena ostensiva e conflituosa de empres"rios e grileiros !ue se

    organi'aram em duas Xcooperativas empresariaisY denominadas OO*:J&L: e

    OO*:J&L:. vii*or interm=dio da a!uisio aodada e fraudulenta essas frentes de

    e)panso do agroneg#cio inserem, no raro pelo uso da viol1ncia, novos espaos nos

    circuitos de acumulao do capital. omo se pode notar no fragmento de entrevista

    transcrito a seguir, fruto do trabalho de campo condu'ido no Oeste do *ar", h" um

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    continuo processo de e)propriao de comunidades ribeirinhas e povos tradicionais, !ue

    no obstante seguem mantendo de p= a resist1ncia, !ue no conte)to atual tem sido o

    Wnico instrumento capa' de afianar a perman1ncia em seus territ#rios>Os plantadores de so$a chegam com uma viol1ncia muito grande, parecemcordeiros, mas na verdade so lobos, comeam sendo bon'inhos, sendoamigos, mas num determinado momento eles comeam a operar. & primeiracoisa !ue eles fa'em = uma pes!uisa para saber como = !ue t" a situaoda!uela turma e se eles descobrem !ue as pessoas so apenas posseiros e notem nenhum processo iniciado, o !ue eles fa'em = di'er< voc1s no so donosmesmo disso a!ui, eu tenho a!ui um documento, a mostram um documento!ual!uer, o pessoal vai pensa !ue = verdadeiro e a eles vo avanando, seapoderando e se apossando mesmo de "reas. Disso as pessoas vo ficandoencurraladas, algumas famlias vo resistindo, resistindo, mas chega umdeterminado momento !ue elas no conseguem mais ficar, por !u1U *or!ue =

    tirado delas a passagem, = tirado delas o uso de determinado igarap= ou lagoe as cercas !ue no e)istiam passam a e)istir, nisso as comunidades vosendo e)pulsas E:ntrevista com liderana religiosa . unicpio deZbidos?*&, 0C?0A?202F.

    :mbora no se possa afirmar categoricamente !ue o deslocamento da so$a e da

    pecu"ria pela e)panso da monocultura de cana, tenha vinculao direta com essas

    formas violentas de ocupao na fronteira agrcola, a intensificao dos conflitos por

    terra nos Wltimos anos na regio &ma'(nica, em conson-ncia com as estatsticas oficiais

    de aumento do efetivo bovino e do plantio de so$a, possibilitam con$ecturar !ue a

    e)panso da monocultura de cana para atender a produo de agrocombustveis ao

    deslocar atividades em direo % fronteira agrcola tem colocado em curso processos de

    acumulao primitiva e de espoliao de populaes camponesas. omo se pode notar

    no gr"fico disposto a seguir, a e)pulso de famlias camponesas e de populaes

    tradicionaisviiifoi uma constante na regio ama'(nica durante o perodo 2007/2009, !ue

    coincide com a e)panso canavieira no entro/3ul do pas, sendo e)propriadas em

    m=dia 780 famlias por ano, ademais foram verificados dois picos nos anos de 200C e

    200B, !uando foram e)pulsas, respectivamente, 2PA8 e APP famlias. &o se comparar

    esse perodo com os dados do incio da d=cada, nota/se !ue nos anos 2000, 200 e 2002

    as e)pulses se situaram em um patamar e)tremamente inferior, !uando foram

    e)propriadas, respectivamente, 2C0, 770 e 7A famlias.

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    G#!) I F%(l%& E$.'l&%& d% Te##% n)& E&,%d)& d% A(%Jn% - ;

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    !ue se segue tanto o esgotamento do meio ambiente, !uanto uma perda r"pida de

    lucratividade da atividade econ(mica predat#ria. &ssim, podemos perceber, como

    postulava aio *rado ]unior E9BF, em sua an"lise da e)panso cafeeira, !ue a atualfrente de e)panso do agroneg#cio mant=m os traos comuns %s muitas e desmesuradas

    e)ploraes $" vivenciadas no pas D&:, 200PF. ) O discurso oficial do :stado apregoa a e)ist1ncia de

    Xterras livresY para monoculturas energ=ticas num conte)to de acirramento das lutas

    territoriais, al=m do mais, negligencia a ocupao desses lugares por parte de

    populaes tradicionais !ue ali reprodu'em suas formas de viver, preservar e produ'ir

    E+&MGODG, 200B> JG:GJO, 200AF. *ode/se argumentar !ue assim como o mito das

    terras va'ias legitimou o processo de coloni'ao portuguesa impulsionando o

    genocdio das populaes aut#ctones, agora se reconstr#i a f"bula das terras degradadas

    e livres, como forma de afianar o avano do agroneg#cio canavieiro e obscurecer a

    e)propriao de populaes tradicionais e camponesas. Desse processo de produo de

    legitimidade tanto a episteme, !uanto a produo de conhecimentos $ogam um papel

    crucial produ'indo um ide"rio de modernidade !ue apregoa a e)ist1ncia de um padro

    civili'at#rio superior, ao mesmo tempo em !ue apresenta a ocupao territorial e a

    e)plorao de recursos naturais como itiner"rios a serem seguidos para se alcanar o

    desenvolvimento.

    & liberao de "reas para a cana no errado e a proibio de cultivos na regio

    &ma'(nia, ambas as medidas propagandeadas pelo +overno 4ederal e consagradas

    como principais tarefas do 'oneamento agroecol#gico da cana)i, apresentam/se como

    inefica'es na conteno dos desmatamentos na 4loresta &ma'(nica. omo se procurou

    demonstrar na seo anterior, os conflitos e impactos no so conse!u1ncia direta do

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    plantio de cana nos estados ama'(nicos, mas decorrem de atividades deslocadas para l"

    em virtude da instalao da produo canavieira, mormente, sobre 'onas de pecu"ria e

    so$a locali'adas no entro/3ul do pas. :mbora o 'oneamento agroecol#gico da canase$a anunciado pelo :stado como uma ferramenta !ue propiciar" o plane$amento da

    e)panso e o controle dos impactos negativos, uma mirada mais detida constata !ue

    esse mecanismo, revestido pela noo de neutralidade cientfica, integra um pro$eto

    poltico !ue apregoa a resoluo t=cnica como forma de gerir os conflitos e garantir a

    e)plorao capitalista dos espaos. & esse respeito, o trecho disposto a seguir e)trado

    do pr#prio oneamento = bastante elucidativo 28 dos P em

    200P e B dos 72 de 200C EGG, 200CF, perodo esse !ue coincide com a implantao

    dos primeiros monocultivos de cana nas pro)imidades das 5erras Gndgenas)v.

    & pes!uisa de campo de 200A tamb=m possibilitou identificar 'onas de e)panso

    do agroneg#cio canavieiro em terras circunvi'inhas a assentamentos da reforma agr"ria

    !ue so dedicados, sobretudo, % reproduo da agricultura camponesa. :m Gturama no

    5ri-ngulo ineiro a monocultura de cana havia dei)ado o &ssentamento Tgua

    Lermelha ilhado e os moradores afirmaram !ue eram constantes as propostas para

    arrendamento e?ou plantio de cana em "reas do assentamento. &l=m disso, os assentados

    relataram !ue a implantao dos canaviais havia encarecido e inviabili'ado seus

    cultivos de hortalias e frutferas, uma ve' !ue ap#s a introduo da cana nas

    propriedades vi'inhas, tinham sido forados a utili'arem uma s=rie de agrot#)icos para

    combaterem as pragas !ue migravam das plantaes canavieiras. :sse tipo de

    ocorr1ncia = ilustrado nas narrativas dispostas a seguir !ue foram coletadas durante

    entrevistas com assentados de Gturama?+, no 5ri-ngulo ineiro interfer1ncia do poderpoltico na ordenao do territ#rio> insero dos assentamentos ou da monocultura na

    economia regional e local> obteno e abertura de mercados> prioridade poltico/

    econ(mica dada ao agroneg#cio> investimentos desiguais em !ualificao profissional e

    ini!uidades entre pe!uena agricultura e agroneg#cio no !ue se refere ao

    desenvolvimento de cultivares e ma!uin"rios / torna/se factvel vislumbrar !ue a

    ocorr1ncia desses embates e)trapola a mera opo individual, este$a ela bali'ada por um

    c"lculo econ(mico/mercantil ou pela postura crtica poltico/ideol#gica. *ara 4errante Q&lmeida E2009F, a imposio da cana nos assentamentos = uma constatao !ue vem da

    pr#pria caracterstica da paisagem regional, na !ual se v1 homogeneamente a cultura

    canavieira e o comple)o agroindustrial estruturando as atividades econ(micas no meio

    rural e urbano. 3endo assim, longe de ser uma pele$a entre assentados com dese$os e

    ambies distintas, os conflitos !ue eclodem no interior dos assentamentos em virtude

    do plantio de cana elucidam as disputas territoriais entre diferentes pro$etos de

    desenvolvimento no campo.

    Rele$e& % 4'&% de !)n!l'&/)

    omo se procurou clarificar, as frentes de e)panso do agroneg#cio monocultor se

    entrelaam e se deslocam mutuamente, pressionando o alargamento da e)plorao

    territorial e o desmatamento de 'onas situadas na fronteira agrcola. :ssas din-micas da

    economia geogr"fica possibilitam a insero de novas terras nos circuitos de acumulao

    do capital, ao mesmo tempo em !ue promovem a e)propriao de camponeses epopulaes tradicionais, tais como ribeirinhos, !uilombolas e indgenas. om base nas

    refle)es te#ricas, trabalhos de campo e dados estatsticos cote$ados neste artigo se pode

    afirmar !ue no rasil as terras de fronteira foram e continuam sendo incorporadas sob os

    auspcios de uma estrat=gia !ue privilegia a produo capitalista no campo, sendo essa

    alicerada em incentivos e polticas de :stado !ue estimulam a continuidade da grande

    e)plorao territorial direcionada % insero brasileira na economia global, !ue nos anos

    recentes tem se tornado, ao mesmo tempo, perif=rica e periferi'ante.

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    & concentrao fundi"ria vigente no pas constitui, portanto, espinha dorsal dos

    processos de acumulao capitalista no campo. *or essa via, pode/se sugerir !ue o

    estudo de uma frente atual de e)panso, a do agroneg#cio monocultor de cana, permitea an"lise concreta de um processo mais amplo !ue reprodu', em algumas de suas linhas

    gerais, uma etapa da pr#pria formao hist#rica do rasil, na medida em !ue as atuais

    frentes podem ser consideradas, de certa maneira, como as continuadoras da e)panso e

    coloni'ao territorial EL:MNO, 982F. Da trilha desse processo contnuo e incessante,

    = plausvel con$ecturar !ue o avano da monocultura de cana para produo de

    agrocombustveis representa uma forma contempor-nea dos m=todos da acumulao

    primitiva, !ue compe a escalada de mercantili'ao dos recursos ambientais globaisEterra, ar, "guaF, bem como impulsiona a degradao de ecossistemas e habitats,

    transformando/os em ob$etos da e)plorao agrcola atrav=s do emprego de pr"ticas

    capital intensivas. & partir da e)posio dos conflitos ambientais e territoriais, das

    din-micas de avano e e)propriao violenta de populaes camponesas, da sugesto de

    continuidade dos mecanismos de acumulao primitiva e dos reordenamentos

    desencadeados pelo avano da monocultura de cana, pode/se sugerir !ue o avano do

    agroneg#cio tem sido acompanhado de assimetrias e despo$os no tocante % utili'ao e

    apropriao territorial.

    N),%&iom a consolidao da ocupao produtiva do entro/Oeste na d=cada de 990, a e)panso agrcolacomeou a pressionar de forma mais direta as "reas de floresta e outras formaes vegetais da &ma'(niaMegal. O desmatamento causado pelas atividades de agropecu"ria e minerao tem sido respons"vel pelaalterao de grandes pores de "reas com cobertura vegetal nativa EG+:, 200BF.

    ii;urante os trabalhos de campo foram reali'adas entrevistas estruturadas e semiestruturadas com e semregistro em "udio, bem como anotaes em cadernos de campo. O ob$etivo foi contemplar uma gamavariada de atores sociais, !ue possibilitasse construir uma nova mirada acerca da e)panso dosmonocultivos de cana destinados % produo de agrocombustveis. &s entrevistas incluem representantesde sindicatos de trabalhadores rurais, entidades governamentais de assist1ncia t=cnica rural, integrantes de

    populaes indgenas, pe!uenos agricultores, representantes da omisso *astoral da 5erra, cortadores decana, representantes do entro Gndigenista ission"rio, comerciantes locais, garotas de programa,assentados da reforma agr"ria, arrendat"rios de terra, polticos e representantes de cooperativas rurais.&l=m disso, foram feitos registros gr"ficos e audiovisuais das visitas %s propriedades rurais,assentamentos da reforma agr"ria e 5erras Gndgenas, assim como da participao em reunies eaudi1ncias pWblicas.

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    iii Do tocante a esse Wltimo aspecto, ar) assinala em O apital, os possveis desdobramentos daacumulao primitiva, alcanando a intercone)o entre economias metropolitanas e coloniais< X&descoberta de ouro e prata na &m=rica, a e)tirpao, escravi'ao e aterramento das populaesaut#ctones nas minas, o comeo da con!uista e pilhagem nas ndias Orientais, a transformao da Tfrica

    numa esp=cie de coitada para a caada comercial dos peles negras, assinalaram o despertar da era daproduo capitalista. :sses processos idlicos so o ponto mais importante da acumulao primitivaYE&JK, 9BC, L. G KKKGF.

    iv :)emplo claro dessas din-micas se desenrola na localidade de Jio Lerde?+O, um municpio !ue =historicamente produtor de gros e !ue tem registrado a substituio paulatina da so$a pela de cana. ]" sesente fortemente os efeitos do crescimento do setor sucroalcooleiro nas din-micas territoriais, assim comoum acirramento dos conflitos sociopolticos entre os representantes de fraes do agroneg#cio canavieiroe so$icultor EL&M&GJ: et al, 2008F.

    v:m harmonia com os dados estatsticos !ue apontam um aumento do efetivo bovino nos estados daregio Dorte, as informaes !ualitativas coletadas nos trabalhos de campo de 200A e 200 indicaram osestados da &ma'(nia como novas fronteiras de acomodao do gado, !ue sucessivamente se deslocava e

    segue se deslocando em funo do avano do agroneg#cio canavieiro. Gsso pode ser percebido no trechodisposto a seguir, !ue foi e)trado de entrevista reali'ada com veterin"rio lotado em uma prefeitura do5ri-ngulo ineiro?+< XOs tradicionais criadores de gado a!ui da regio do 5ri-ngulo esto arrendandoou vendendo as terras pra cana e indo criar gado em 5ocantins, Jond(nia e ato +rossoY E:ntrevistacom veterin"rio da *refeitura de Gturama?+, 28??200AF. Os dados da *es!uisa *ecu"ria unicipalindicam !ue o aumento do efetivo bovino nos estados da &ma'(nia foi recorrente entre os anos2007?2008, !ue coincide com a e)panso canavieira em 'onas pecuaristas, nesse perodo os ndices decrescimento variaram em algumas mesorregies entre 9S e PBS, en!uanto a m=dia nacional se situouem 7,PS EG+:, 200F.

    viO comple)o de glebas amurW/&rapiuns se locali'a na poro oeste do estado do *ar" e se espraiapelos municpios de &veiro, 3antar=m e ]uruti, fa'endo fronteira ao norte com o rio &ma'onas, ao sulcom o *ar!ue Dacional da &ma'(nia e com a 5erra Gndgena &ndir"/arau, a leste com a Jeserva:)trativista 5apa$#s/&rapiuns e a oeste com o :stado do &ma'onas EG5:J*&, 2009F. &s terras !uecompem o con$unto de glebas amurW/&rapiuns so matriculadas e arrecadadas em nome do :stado do*ar" e perfa'em um total de milho e 72 mil hectares de florestas contnuas, !ue representam grandeimport-ncia no !ue se refere % preservao ambiental e a reproduo social de comunidades tradicionaisE&33G3, 200F. &demais, essa regio possui um enorme potencial para e)trao de recursos naturais,sobretudo, nos segmentos da e)plorao madeireira e mineral, por ser uma poro territorial muitodistante das sedes municipais e o acesso dificultado pela !uase ine)ist1ncia de vias terrestres, sendo osrios a principal forma de interligao, tem se verificado uma aus1ncia do poder pWblico na fiscali'ao daocupao ilegal de so$icultores e madeireiros, fator !ue potenciali'a os conflitos e o uso de formasviolentas de atuao empresarial.

    vii& ooperativa de ;esenvolvimento &gro/4lorestal e 4lorestal de amurW e &veiro EOO*:J&L:F= composta por 2C XassociadosY, !ue a partir de 99C iniciaram um processo contnuo e violento degrilagem de terras na +leba amurW, tendo como modo operativo a e)pulso de camponeses eribeirinhos ocupantes hist#ricos dessas terras e a posterior demarcao de lotes de 2.C00 hectaresdestinados % e)plorao ilegal de madeira. ]" a ooperativa &grcola de Jeforma &gr"ria de &veiroEOO*:J&L:F = formada por grileiros advindos do ato +rosso e ato +rosso do 3ul, !uedemarcaram inWmeras "reas !ue medem apro)imadamente 2.7C0 hectares e so utili'adas para aagropecu"ria de larga escala, sobretudo, criao de gado e plantio de so$a E&33G3, 200F. *ara se ter umaideia da pu$ana e viol1ncia desses empreendimentos, em 2002 os grileiros principiaram a aberturaclandestina da estrada X5rans$urutiY !ue daria acesso aos lotes e seria utili'ada para escoar a produomadeireira e agropecu"ria, essa construo somente foi interrompida ap#s ao con$unta do G&& e da*olcia 4ederal EG&&, 200B> G;:4MOJ *&O4, 2008F.

    viii ;e acordo com o 4#rum *ermanente das Daes Rnidas para *opulaes &ut#ctonesapro)imadamente A0 milhes de pessoas no mundo todo correm o risco de serem e)pulsas de suas terras

    para cederem lugar aos cultivos necess"rios % produo de agrocombustveis ENOR5&J5, 200F.

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    i) Os investimentos estrangeiros diretos aplicados na produo brasileira de "lcool cresceramrapidamente e de forma muito e)pressiva, P2.000S no intervalo de tr1s anos, passando de R3 C,Pmilhes em 200P, para mais de R3 2,7 bilhes em 200B, ano no !ual as transaes atingem seu ponto

    culminante E?;:3G+, 200F.

    ) & demarcao destes territ#rios para e)panso de monoculturas, escolhidos por suas e)tensas "reasplanas !ue facilitam a mecani'ao, desconsidera a import-ncia dos ecossistemas de chapadaspredominantes no errado ontnuo, !ue so respons"veis pela recarga hdrica das principais baciasbrasileiras E&:55O, 200CF.

    )i O 'oneamento agroecologico da cana foi lanado em 2009 e recorre a uma tentativa !uim=rica deharmoni'ar e)plorao capitalista da nature'a com preservao ambiental. :ssa pr"tica utili'a umdiscurso de autoridade cientfica !ue procura legitimar divises e classificaes arbitr"rias dos territ#rios,ao mesmo tempo em !ue hierar!ui'a os olhares e formas de uso e apropriao dos recursos naturais. Os'oneamentos se aliceram no paradigma da moderni'ao ecol#gica / entendido como sendo o processoatrav=s do !ual instituies polticas internali'am preocupaes ecol#gicas com prop#sito de conciliar

    crescimento econ(mico e problemas ambientais, dando 1nfase % economia de mercado, ao gerenciamentot=cnico/cientfico e a crena no consenso e na resoluo dos conflitos E&3:MJ&;, 2000F.

    )iiO relat#rio foi fruto das discusses e entendimentos reali'ados no seio da omisso undial sobreeio &mbiente e ;esenvolvimento E&;?ODRF reunida durante os anos 98P/98B. :ssa comissose constituiu como organismo independente, vinculado aos governos e ao sistema das Daes Rnidas,mas no su$eito ao controle por parte dessas inst-ncias, suas atribuies contemplavam tr1s ob$etivos

    b"sicos< ree)aminar as !uestes crticas relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento, formularpropostas realsticas para abord"/las e propor novas formas de cooperao internacional. *ortanto, visavaorientar aes em direo %s mudanas necess"rias % manuteno do desenvolvimento, bem como

    proporcionar aos governos, indivduos, organi'aes volunt"rias, empresas e institutos uma maiorcompreenso dos problemas ambientais EJRD;5M&D; Q ^N&MG;, 99F.

    )iii*ara se ter uma dimenso deste processo, em pes!uisa reali'ada sobre os 'oneamentos reali'ados nos:stados do &cre, Jond(nia, e &map", +utberlet E2002F concluiu !ue a adoo deste procedimento notinha conseguido anteceder nem acompanhar as din-micas locais de avano do XdesenvolvimentoY. &stransformaes ambientais e sociais ocorreram de forma to acelerada !ue os levantamentos reali'ados setornaram ultrapassados antes mesmo de serem concludos e divulgados. &o contr"rio de plane$ar e contera ocupao territorial, os diagn#sticos dos 'oneamentos fornecem informaes importantes sobre o

    potencial biofsico das regies estudas, tais como aptido agrcola, vocao produtiva, recursos minerais,tipo de infraestrutura e)istente e?ou plane$ada, declividade dos solos, dentre outros.

    )iv:spao ambiental = um importante indicador na compreenso da problem"tica ambiental. ;e maneirasint=tica, significa a busca de um espao propcio % vida humana !ue re!ueira entre o mnimo para asnecessidades sociais e o m")imo !ue pode ser assimilado pela ecosfera. :sse c"lculo = processado a partirde cinco elementos b"sicos< energia, "gua, madeira, solos e recursos no/renov"veis. Rtili'ando/se dessa!uantificao = possvel determinar !uanto cada pas ou segmento produtivo est" consumindo al=m do!ue seria aceit"vel. &!ui reside a fecundidade desse instrumento como importante indicador deini!idades na distribuio do uso do meio ambiente. N" !ue se ter ressalvas !uanto ao uso e)agerado determinaes !uantitativas sobre um ob$eto !ue = eminentemente !ualitativo e cultural. ontudo, umaleitura mais substantiva nos permite e)trair vantagens da utili'ao desse instrumental E*T;R&, 999F.

    )vDas aldeias ]aguapirW e oror# as entrevistas clarificaram !ue na viso dos lderes indgenas o espaodestinado % reserva no supre as necessidades de reproduo social do grupo. Da mesma direo, aslideranas focali'am !ue o trabalho de indgenas no corte de cana decorre dessa e)gua !uantidade deterra e contribui para distanci"/los do pertencimento e da relao com a aldeia. Os ecos dessasin!uietaes podem ser percebidos no fragmento disposto a seguir e)trado de entrevista reali'ada comum caci!ue +uarani/^aiow"< :u sei !ue esse trabalho na cana atrapalha no nosso problema maior !ue = aluta pela terra. O parente vai trabalhar na cana e es!uece como = viver a!ui na nossa aldeia H...I. uando ondio vai trabalhar na cana ele no valori'a a luta, por!ue ele no est" pensando na terra, no direito pela

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    terra !ue = dele. :le est" pensando somente na cana E:ntrevista com liderana +uarani/^aiow" reali'adana &ldeia ]aguapirW [ regio de ;ourados?3, 02?2?200AF.

    )vi:mbora se tenha noticia de plantios de cana em terras de assentamentos desde 997, essa estrat=gia no

    era ainda reali'ada por interm=dio de contratos de arrendamento, nem tampouco havia sido implantadaem 'onas de e)panso situadas fora do estado de 3o *aulo onde essa pr"tica passou a ser $uridicamentelegitimada a partir da portaria BC?2002 do G5:3* [ Gnstituto de 5erras do :stado de 3o *aulo !ueadmitia a parceria entre assentados e agroindWstria canavieira como forma de Xsuprir as indWstrias demat=ria/prima de fonte agrcola, al=m de aumentar, paralelamente a "rea plantada com g1neros essenciais% alimentao, consolidar os sistemas de produo e)istentes e at= implantar unidades artesanais para o

    processamento dos produtosY EG5:3*, portaria BC, 2P?0?02F.

    )vii&l=m disso, ao assumir as operaes de corte, carregamento e transporte as usinas passam a ter direitode deciso sobre a colheita, podendo definir o momento, o m=todo e forma de reali'ao. :ssas medidastero refle)os diretos nos resultados econ(micos dos assentados, especialmente, no rendimento dacolheita, na produtividade, na sanidade e longevidade dos canaviais E5J:D5GDG > 3&:3, 200F.

    Ree#en!%& B+l)4#!%&

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, . !""-#17, a$r., %&1#

    B)ene#4% ;isponvel em< boell/latinoamerica.org?download. &cesso em C out.200A.

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    raslia, An%& IV En!)n,#) N%!)n%l d% ANPPAS, 2008.

    L:MNO, Otavio +uilherme. F#en,e& de e$.%n&/) e e&,#','#% %4##%: e&,'d) d).#)!e&&) de .ene,#%0/) n'(% #e% d% T#%n&%(%Jn!%Jio de ]aneiro< 9B2.

    NORJG, &. Q MG&, ;. . . &ntropologia e a *r")is 3ocioambiental< 4erramentas&nalticas e a &tuali'ao da ritica :col#gica. Gn< ;% Re'n/) B#%&le#% deAn,#).)l)4%, Olinda, 200P

    Jecebido em B?0B?207&ceito para publicao em B?02?20P.