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O objetivo deste artigo é demonstrar que as mulheres que chefiavam domicílios no começo do século XIX em Campinas (SP) vivenciaram estratégias específicas de sobrevivência em relação ao seu status étnico, à prole remanescente no lar, e à composição geral dos arranjos domésticos. Tais especificidades contrastavam com os arranjos de outras famílias que experi- mentavam a fase monoparental mas que, por sua vez, eram chefiadas por homens. Estas últimas tinham um comportamento semelhante ao das famílias que passavam pela fase biparental. Busca-se, então, a partir da segmen- tação das fases de desenvolvimento familiar, analisar os comportamentos de convivência em relação às estratégias dos arranjos domésticos a partir de dois mo- mentos, isto é, o biparental e o mono- parental. 1 E, finalmente, integrar a noção de chefia feminina de domicílios ao con- ceito relativo às fases do desenvolvimento familiar. Este último objetivo deve-se ao fato de que as análises até então operadas têm enfatizado uma visão estática, em que o domicílio não é pensado de forma mais dinâmica. Este artigo está dividido em cinco seções. A primeira trata de como as noções de família e domicílio apareceram em al- gumas obras internacionais importantes so- bre o tema família. Em seguida, mostra-se como essas noções se difundiram em traba- lhos sobre o tema no Brasil, demonstrando grande relevância e influência acadêmicas. Na segunda seção examina-se em que medida o status étnico e matrimonial influen- ciou a constituição do ciclo de família. Na terceira observa-se a presença da prole na constituição do referido ciclo. A quarta trata de como tais ciclos se desenvolveram à luz da presença de agregados, escravos, e da exposição dos domicílios aos diversos seto- res econômicos. A quinta seção tenta avan- çar algumas explicações sobre a origem e As mulheres chefes de domicílios e a formação de famílias monoparentais: Brasil, século XIX * Dora Isabel Paiva da Costa ** O objetivo do artigo é examinar o fenômeno chefia feminina de domicílios. O autor introduz uma metodologia que aborda os arranjos domésticos à luz do ciclo de desenvolvimento da família e alguns dados comparativos com outras localidades. Observa-se que estas famílias vivenciaram estratégias específicas de sobrevivência quando houve mudanças na organização produtiva da sociedade e nas fases do ciclo de família. Tal especificidade contrastou os arranjos chefiados por homens e mulheres. * Este artigo constitui parte de minha tese de doutoramento, intitulada Herança e ciclo de vida: um estudo sobre família e população em Campinas, São Paulo, 1765-1850, defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, em 1997. Uma versão anterior foi apresentada no GT População e História, no XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu, MG, 1998. ** Professora do Departamento de Economia da Unesp, campus de Araraquara. 1 Veja o conceito de ciclo de desenvolvimento familiar em relação às fases pré-parental, biparental, monoparental e pós-parental em Legaré & Landry (1987).

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O objetivo deste artigo é demonstrarque as mulheres que chefiavam domicíliosno começo do século XIX em Campinas(SP) vivenciaram estratégias específicas desobrevivência em relação ao seu statusétnico, à prole remanescente no lar, e àcomposição geral dos arranjos domésticos.Tais especificidades contrastavam com osarranjos de outras famílias que experi-mentavam a fase monoparental mas que,por sua vez, eram chefiadas por homens.Estas últimas tinham um comportamentosemelhante ao das famílias que passavampela fase biparental.

Busca-se, então, a partir da segmen-tação das fases de desenvolvimentofamiliar, analisar os comportamentos deconvivência em relação às estratégias dosarranjos domésticos a partir de dois mo-mentos, isto é, o biparental e o mono-parental.1 E, finalmente, integrar a noçãode chefia feminina de domicílios ao con-ceito relativo às fases do desenvolvimento

familiar. Este último objetivo deve-se ao fatode que as análises até então operadas têmenfatizado uma visão estática, em que odomicílio não é pensado de forma maisdinâmica.

Este artigo está dividido em cincoseções. A primeira trata de como as noçõesde família e domicílio apareceram em al-gumas obras internacionais importantes so-bre o tema família. Em seguida, mostra-secomo essas noções se difundiram em traba-lhos sobre o tema no Brasil, demonstrandogrande relevância e influência acadêmicas.

Na segunda seção examina-se em quemedida o status étnico e matrimonial influen-ciou a constituição do ciclo de família. Naterceira observa-se a presença da prole naconstituição do referido ciclo. A quarta tratade como tais ciclos se desenvolveram à luzda presença de agregados, escravos, e daexposição dos domicílios aos diversos seto-res econômicos. A quinta seção tenta avan-çar algumas explicações sobre a origem e

As mulheres chefes de domicílios e aformação de famílias monoparentais:

Brasil, século XIX*

Dora Isabel Paiva da Costa**

O objetivo do artigo é examinar o fenômeno chefia feminina dedomicílios. O autor introduz uma metodologia que aborda os arranjosdomésticos à luz do ciclo de desenvolvimento da família e alguns dadoscomparativos com outras localidades. Observa-se que estas famíliasvivenciaram estratégias específicas de sobrevivência quando houvemudanças na organização produtiva da sociedade e nas fases do ciclo defamília. Tal especificidade contrastou os arranjos chefiados por homens emulheres.

* Este artigo constitui parte de minha tese de doutoramento, intitulada Herança e ciclo de vida: um estudo sobre família e populaçãoem Campinas, São Paulo, 1765-1850, defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, em 1997. Uma versão anteriorfoi apresentada no GT População e História, no XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu, MG, 1998.** Professora do Departamento de Economia da Unesp, campus de Araraquara.1 Veja o conceito de ciclo de desenvolvimento familiar em relação às fases pré-parental, biparental, monoparental e pós-parentalem Legaré & Landry (1987).

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a natureza do fenômeno. A conclusão doartigo trata, enfim, do surgimento do fenô-meno a partir de um caso concreto, enfo-cando a região de Campinas na primeirametade do século XIX. No anexo são apre-sentadas algumas tabelas referentes aosGráficos 2, 3 e 4, para que o leitor tenhaidéia da dimensão da população envolvida.

Mulheres chefes de domicílios: atrajetória do problema

O objetivo desta seção é apresentaralguns autores internacionais e nacionaisque se utilizaram dos conceitos de família edomicílio e demonstrar como estes eramintercambiáveis. Em seguida, mostrar-se-áque tais conceitos foram utilizados de formamoralista, ideológica e até autoritária poralguns pensadores brasileiros, ao identi-ficarem as formas de famílias dos segmen-tos mais modestos como anômicas.2

Os conceitos de família e de domicílioapresentavam uma forte identidade nassociedades européias do passado, tendosido estes dois termos intercambiáveis. Notrecho que segue pode-se observar comoo conceito de família estava vinculado a umaidéia de estrutura e organização, e que asoutras formas mais simplificadas de famíliatendiam a ser vistas como anômicas.

O Universal Lexicon de 1735 definiu afamília como “diversas pessoas sujeitas aopoder e à autoridade do chefe do domicílioseja por natureza ou por lei”. Um folcloristaescrevendo sobre Waldviertel, na Áustria,notou que os empregados eram incluídoscomo parte da família. Um inglês escreveuem 1660 em seu diário que tinha moradoem Axe Yard, tendo “a sua mulher e a criadaJane, e não havia mais na família que os

três”. Jean Louis Flandrin, pesquisandodicionários franceses e ingleses dos sécu-los XVI e XVIII, mostrou que o conceito defamília estava muito próximo ao de co-resi-dência e parentesco, e evocava duas ima-gens: um conjunto de parentes que não resi-diam juntos, e um conjunto de co-residentesque não estavam necessariamente ligadospor laços de sangue ou de casamento.

Philipe Ariès, ao estudar a família e ainfância, definiu a primeira como abran-gendo a unidade conjugal, a prole, empre-gados, amigos e “protegés”. Em Portugaldo século XVIII, a família definia-se como aspessoas de que se compõe uma casa, ouseja, os pais, os filhos e os domésticos. Su-zanne Chantal sustenta que essa definiçãoera comum. Antonil incluía na família dosenhor de engenho tanto os filhos como osescravos. O ouvidor Durão, ao escreversobre o Piauí colonial, afirmou que, “alémdos senhores ou seus feitores, vaqueiros,escravos e mais pessoas habitavam afazenda de gado, como uma só família”.3

Como visto acima, a noção de famíliacomo estrutura extensa e complexa não temraízes apenas aqui no Brasil. Reformadoressociais e estudiosos europeus dos meadosdo século XIX, preocupados com a degra-dação dos costumes no período de indus-trialização na Europa, pesquisaram as mu-danças dos costumes em relação às famí-lias. Tendiam a acreditar que a integridadeda sociedade e da nação dependia daestabilidade da família, da autoridade doschefes de família, da lealdade e obediênciados dependentes.4

De modo análogo, aqui no Brasil apare-ceram vertentes que se utilizaram desta no-ção de família muito mais como um arqué-tipo, imbuído de grande valor ideológico.5

2 Cf. Correa (1994, pp. 15-42) e Samara (1987, pp. 25-36).3 Cf. o texto ainda inédito de José Luís de Freitas (s/d., pp. 2-5). Veja o sentido destas palavras em língua alemã em GrossesVollstandiges Universal Lexicon, apud Berkner (1972, pp. 398-418). Para o caso francês veja Flandrin (1984, pp. 10-17) e Ariès(1981, pp. 210-211 e 257-271). Para o caso português veja Bluteau (s/d., p. 28) e Chantal (s/d.). Para o caso brasileiro veja Antonil(1967, p. 142), e sobre os escritos do ouvidor Durão, no Piauí colonial, veja Mott (1978, p. 1.203). Todas estas citações estão no artigode José Luís de Freitas (s/d.) e foram por nós cotejadas.4 Cf. as referências feitas a Frédéric Le Play na obra Les ouvriers européens et l’organization de la famille selon le vrai modèle signalépar l’histoire de toutes les races et tous les temps, apud Laslett (1984, pp.16-17).5 Alguns trabalhos fizeram críticas à ênfase dos estudos de família no modelo patriarcal. Correa (1994, pp. 15-42) vê um grau maiorde complexidade dos modelos de família. Samara (1983 e 1987, pp. 25-36) também enfatiza a diversidade de modelos, bem comoa demasiada ênfase da autoridade marital.

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Holanda (1982, p. 49) refletiu sobre oconceito de família a partir de noções dodireito canônico e derivou seu substrato deuma abordagem etimológica, projetando anoção de famulus à idéia moderna defamília. Muito embora Freyre (1975) tenhareconhecido outras formas de famíliasparapatriarcais, semipatriarcais e antipa-triarcais, seu objeto de pesquisa foi o espaçosocioeconômico de Pernambuco colonial.Ele entendia “a grande família” como a fa-mília extensa constituída do casal, da prole,dos parentes, dos agregados e escravos.A família assim organizada teria propor-cionado condições essenciais para a orga-nização da sociedade brasileira.

Seguindo esta linha de raciocínio, Melloe Souza (1951), ao estudar as fazendas decafé da região paulista, também via asfamílias dos caipiras como parte da famíliapatriarcal, por relações de clientelismo,caracterizando-as de forma anômica, semidentidade própria.

Samara (1987, p. 30), ao criticar aimprecisão do conceito de família, concluiuque “[...] confundiram-se aí vários conceitos:o de família brasileira, que passou a sersinônimo de patriarcal, e mesmo o defamília patriarcal, que passou a ser usadocomo sinônimo de família extensa. Nestaperspectiva, passam a ter um significadocomum.”

Analisando a complexidade da socie-dade brasileira, Correa (1994, p. 24) enfa-tizou “o contraste entre essa sociedade mul-tifacetada, móvel, flexível e dispersa, e atentativa de acomodá-la dentro dos estreitoslimites do engenho e da fazenda [de café].”

A partir da década de 70, e especial-mente da década de 80, muitos estudos dehistoriadores têm abordado a família noBrasil e na América Latina como um todo erefutado aspectos do modelo patriarcal deFreyre, focalizando tanto as famílias de elitequanto as famílias mais pobres (Samara &Costa, 1997, pp. 212-225). É neste contextoque a questão da chefia feminina de domi-cílios ganhou relevo na área temática deestudos sobre a família.

Alguns historiadores que se utilizaramda metodologia da história demográficaforam pioneiros em identificar e analisar

diferentes organizações de famílias dediversas regiões brasileiras (Marcílio, 1974;Ramos, 1975; Costa, 1977; Kuznesof, 1980;Silva Dias, 1984; Samara, 1989). Uma pes-quisa mais recente, empregando metodo-logia mais sofisticada, sugeriu que o fatorocupação tenha sido mais relevante que ofator raça para determinar a existência dechefias de mulheres (Diaz & Stewart, 1991).

Em outras pesquisas, tentou-se fazercomparações entre Portugal e Brasil(Ramos, 1993; Brettell & Metcalf, 1993). Asáreas urbanas e rurais de Minas Gerais eSão Paulo, a área rural canavieira da Bahia,assim como as regiões noroeste (Minho) enordeste (Lanheses) de Portugal foramobjeto de quantificação e análise nasreferidas pesquisas.

Contudo, a chamada “zona nova docafé” – Campinas – ainda não foi pesqui-sada, muito embora existam dados dispo-níveis para serem comparados sistema-ticamente. A região constitui-se em um locusprivilegiado de investigação, uma vez queem um estudo anterior (Eisenberg, 1989)observou-se uma mudança estrutural nestaárea, que se transformava em uma regiãoagroexportadora

Por volta do ano de 1829, a região deCampinas era uma região agrária eescravista que sustentava sua economia apartir de grandes unidades agroexpor-tadoras de cana-de-açúcar e de pequenasunidades agrícolas que produziam arroz,milho e feijão. Entre 1767 e 1829, a quanti-dade de fogos existentes na região passoude 39 para 939. De 1779 a 1829 a popula-ção livre passou de 186 para 4.220 indiví-duos, e a escrava, de 104 para 4.323 indiví-duos (Eisenberg, 1989, pp. 343-367).

Ao analisar a distribuição ocupacionalda totalidade dos chefes de fogos destaregião no ano de 1829, Eisenberg observouque o setor primário diminuíra em quase50% a sua importância relativamente aoano de 1809, apesar de responder aindapela maioria dos chefes de fogos no setor,e que a importância dos setores secundárioe terciário crescera muito: “As proporçõesda população campineira sustentada pelossetores secundário e terciário, não-produ-tores de açúcar, respectivamente dobraram

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e triplicaram. Juntos, estes setores em 1829incluíam o mesmo número de pessoas queem 1809 viviam da lavoura de alimentos.”(Eisenberg, 1989, pp. 343-367).

A partir do Gráfico 1, abaixo, veja comoevoluiu a participação proporcional dos titu-lares das unidades domésticas na regiãode Campinas, segmentadas em arranjosmono e biparentais. Em seguida, dividimosos arranjos monoparentais em chefiadospor homens e mulheres.

A partir do ano de 1829, o número demulheres chefiando unidades domiciliaresna região atingiu quase um quarto do totalde domicílios, sendo que em 1779 apenas10,4% destes eram chefiadas por elas. Em1798 e em 1808 esta ocorrência ficou emtorno dos 11%. A partir do ano de 1818 esteíndice subiu para 12,7%, e em 1829duplicou para 23%, associado a umasituação de recuo da participação relativa

de casais na chefia de domicílios para65,1% do total.6

O incremento do número de fogos che-fiados por mulheres na região de Campinasse deu através de um conjunto de efeitos defenômenos combinados. A expansão exten-siva da produção agrícola do setor primário,associada à concentração de riqueza, levouà instalação de grandes unidades do tipoplantation, as quais concentravam 78% dapopulação cativa. A atração exercida poressas unidades agrícolas abriu espaço paraa imigração de pessoas vinculadas a domi-cílios voltados para os setores secundário eterciário.7 E como corolário desses fenô-menos coadjuvantes, houve um processo dediversificação da estrutura social e ocupa-cional, o qual resultou no aparecimento demulheres chefes de famílias. Esta hipóteseserá demonstrada a partir das evidênciasexaminadas a seguir.

6 Em estudo pioneiro, Marcílio (1974, p. 22) identificou uma baixa razão de masculinidade na cidade de São Paulo nos diversosgrupos etários, com exceção dos grupos infantil e idoso, nos anos de 1765, 1798 e 1836. A autora destacou a “extrema mobilidade”e a “busca por enriquecimento mais rápido” como fatores explicativos para tal ocorrência. Para uma discussão atual sobrearranjos de famílias e chefia feminina no Brasil urbano e rural do século XX, veja Goldani (1993, pp. 67-110). Segundo esta autora,a chefia feminina “dobrou nas últimas três décadas, passando de 10,7% em 1960 para 20,0% em 1989” (p. 81). Mais adianteGoldani afirma: “Como um fenômeno crescentemente urbano, as mulheres chefes de famílias têm sua representatividade aumen-tada em 18% no total do país e em 33% nas áreas metropolitanas no período 1978-87. As diferenças regionais mostram que sãonas áreas metropolitanas da região mais pobre do país, o Nordeste, onde mais aumenta a participação das mulheres chefes defamília.” (p. 83). Para o caso do México no mesmo período, porém tratando-se de mulheres de elite, veja Arrom (1985).7 Sobre a evolução da posse de escravos em Campinas ver Costa (1997, pp. 60-84). Segundo Costa (1997, p. 72), 10% da totalidadedos fogos detiveram 78% da população escrava.

GRÁFICO 1Proporção de domicílios chefiados por mulheres, homens e casais

Legenda: M=mulheres; H=homens; C=casais.Fonte: Lista de Habitantes de Campinas, Fundo Peter Eisenberg, Arquivo E. Leuenroth/Unicamp.

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Etnia e estado matrimonial

Nas próximas tabelas observar-se-áem que medida as variáveis etnia e estadomatrimonial influenciaram as fases do ciclode constituição de família. O grupo de mu-lheres chefes foi segmentado em brancas,pardas e negras, e também por fases dociclo referido. Este último recorte foi definidopelas situações biparental, quando cons-tituídas de mulheres casadas com maridosausentes, e monoparental, quando consti-tuídas de solteiras e viúvas.

A população de Campinas, neste perío-do, estava segmentada por indivíduos de-signados como brancos, pardos e negros.As Listas de Habitantes são a fonte principalpara essa classificação. Os recenseadoresinvariavelmente denominavam como ne-gros a grande maioria dos escravos; apopulação liberta de cor e uma peque-níssima minoria cativa eram designadoscomo pardos; a denominação brancos erareservada à população livre.

A Tabela 1 mostra a participação propor-cional das mulheres que chefiavam unida-des domésticas, classificadas por statusmarital. Este recorte permite observar eacompanhar o desenvolvimento do ciclo dasfamílias em relação a este grupo demulheres. O maior número de famílias mo-noparentais em que as mulheres chefiavamseus lares se compunha de viúvas (59%) –contrastando fortemente com as caracte-rísticas das vilas de São Paulo e Vila Rica.Em segundo lugar apareceram as solteiras,as quais se apresentaram num ciclo inicial

de formação de famílias, cuja proporção foide 30%. Por último vieram as casadas commarido ausente (11%). Ver-se-á, em tabelasposteriores, que estas inferências são con-sistentes com as médias de idade destasmulheres.

Dias (1984, p. 40) observou, em relaçãoà cidade de São Paulo, a existência, emmédia, de 50,6% de mulheres solteiras,38,5% de viúvas e 10,7% de casadas. Noque se refere à Vila Rica colonial, Ramos(1975, p. 207) chamou a atenção para aalarmante cifra de 83% de mulheres quepossuíam o status de solteira; 14% eramviúvas e 2,7 % eram casadas. Que con-clusões parciais podemos extrair destescontrastes? Analisando-se do ponto de vistado ciclo de desenvolvimento familiar, obser-var-se-á que parte considerável das famíliasde Vila Rica e São Paulo possuíam uma for-mação de estrutura familiar que obedecia auma seqüência diferenciada de fases. Umagrande proporção de mulheres constituíafamília ainda na ausência da legalidadematrimonial e depois, provavelmente, bus-cava o reconhecimento da Igreja.8

Campinas apresentou traços quedemonstram um maior grau de acesso ànupcialidade, enquanto Vila Rica e SãoPaulo apresentaram uma estrutura depopulação e de ciclo de desenvolvimentode famílias que percorriam uma trajetória eformação de arranjos domésticos maisdiversificados. Campinas mostrou uma es-trutura semelhante à das populações dassociedades tradicionais da Europa moder-na e pré-industrial, onde o segmento de

8 Para uma visão abrangente sobre a idéia de formação de casal na Europa moderna veja Burguière (1987, pp. 39-53). Veja tambémos estudos sobre idade ao casar de Bassanezi (1994). Sobre uniões informais, ver Lopes (1995), Villalta (1993), Londono (1992),Venâncio (1988) e Zenha (s/d., pp. 125-141). Sobre a importância dos casamentos no Brasil colonial, ver Faria (1994, pp. 366-394).Veja também Campos (1986), Samara (s/d., pp. 17-25) e Nizza da Silva (1984). Para casamentos de escravos veja Eliane Goldschmidt(1987).

TABELA 1Participação das mulheres chefes de domicílios por status marital

N = número de domicílios; % = participação proporcional dos domicílios.Fonte: Listas de Habitantes, Campinas, 1829. As Listas de Habitantes de Campinas estão microfilmadas no Fundo P. Eisenberg,Arquivo E. Leuenroth, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.

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viuvez vinha em primeiro lugar em relaçãoao grupo de mulheres que chefiavamdomicílios, e também diferente, na medidaem que apresentou um segmento nadadesprezível de 30% de solteiras liderandoseus lares.

Para melhor entender quem eram estasmulheres, quantas eram, se tinham filhosou não, deve-se levantar a seguinte ques-tão: qual era a conduta coletiva destas mu-lheres quando observadas a partir de agru-pamentos étnicos?

Ao introduzirmos a variável etnia oquadro começa a ficar mais claro. Sur-preende, à primeira vista, a proporção demulheres brancas que se tornaram chefesde domicílios (73%), seguidas das mulherespardas (27%). As negras não apareceramnenhuma vez.

Samara (1989, p. 38) observou, emrelação à cidade de São Paulo, que 65%dos domicílios da área urbana eram cons-tituídos por uma população branca, 28% pormulatos, 6% por pretos e 1% por índios.Ainda em relação a São Paulo, Dias (1984,p. 131) apontou que 58% das mulheres che-fes de fogos eram brancas, 32% eram par-das e 7% eram negras. Em seu estudo sobrea Vila Rica colonial, Ramos (1975, pp. 219-220) mostrou a existência de 50% de mula-tas e crioulas chefiando fogos, seguidas pe-las pretas (11%) e, por último, pelas brancas(7,5%). Diaz & Stewart (1991, p. 305), porsua vez, notaram a presença de 46% denegras dentre as mulheres que chefiavamdomicílios, seguidas pelas mulatas (30%) epelas brancas (21%), para uma regiãoplantadora de cana na Bahia colonial.

Quem seriam estas mulheres brancase pardas que chefiavam domicílios numaárea tão fortemente rural e inóspita como

Campinas neste período? As campineirasdemonstraram a mesma tendência com-portamental em relação à questão étnicaobservada na cidade de São Paulo: eramas brancas que lideravam a chefia de fogos.Contudo, as populações mineiras e baianasdemonstraram uma participação bem maiordas mulheres negras, crioulas e mulatasnesta posição (Diaz & Stewart, 1991; Ra-mos, 1975).

Qual seria a participação dos filhos re-manescentes por domicílio em relação aostatus matrimonial das titulares? Haveriauma diferenciação significativa entre as mu-lheres casadas e não casadas no tocante àpermanência da prole no lar?

Estratégias de arranjos domésticos

Nas tabelas seguintes examinar-se-ácomo este grupo de mulheres organizavaseus lares a partir da convivência filial.

A Tabela 3 fornece algumas indicações.O índice de filhos remanescentes entremulheres casadas e solteiras foi o mesmo:1,7, em média, por domicílio. O que se podeinferir desses dados? O estado matrimonialnão se constituiu numa variável diferen-ciadora que denunciasse divergênciasmarcantes. A atitude das casadas e solteirasao formar arranjos domésticos mostrou sersemelhante no que diz respeito à convi-vência com os filhos, se pensamos tais as-pectos conjugados ao ciclo de constituiçãofamiliar. Ramos (1990, pp. 389-390) de-monstrou que as mulheres mineiras casa-das tinham, em média, pelo menos um filhoa mais que as solteiras.

O grupo das viúvas demonstrou umapresença média maior de filhos pordomicílio, 2,7. Este incremento deve-se

N = números de domicílios; % = participação proporcional dos domicílios.N Total = número total de domicílios. Às vezes varia um pouco de tabela para tabela em razão do expurgo feito por nós, motivadopela ausência de informações.Fonte: Listas de Habitantes, Campinas, 1829.

TABELA 2Participação das mulheres chefes de domicílios por status étnico

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sobretudo à variável idade, ou melhor, àbase temporal de dados, pois envolve umperíodo reprodutivo maior dessas mulheres.Se segmentarmos esta amostra a partir danoção “mulheres pelo menos uma vezcasadas”, teremos uma média menor, de2,2 filhos por fogo. Este número representaa soma da quantidade média de filhos numsubgrupo maior – o das casadas e viúvas.Isto significa que a base temporal de análiseefetivamente traduziu um impacto no ciclode vida das famílias das lavradoras, cos-tureiras e artesãs.9

Quando se associa a variável etnia coma quantidade média de filhos remanes-centes por domicílio (Tabela 4), observa-seque as brancas detiveram uma médiasuperior à das pardas. O que justificaria estecomportamento coletivo? Seria uma taxa demortalidade maior em relação aos filhos daspardas, em razão de um maior grau de po-breza presente neste grupo étnico? Refle-tiria uma saída precoce do lar de efetivosfiliais para desenvolver tarefas remuneradasque ajudariam na sustentação do domicíliomatrifocal? Postergariam as pardas seusmatrimônios e/ou uniões consensuais, oque resultaria numa redução do número denascimentos? Ou teriam tido filhos ainda en-quanto cativas, e, portanto, parte de sua

prole estaria ainda vivenciando um estadode escravidão?

Ao introduzirmos a variável idademédia das mulheres entre aquelas que de-clararam filhos, por grupo étnico, e calcu-larmos a média das idades das casadas,solteiras e viúvas (Tabela 5), observamosque a idade das brancas é ligeiramentesuperior à das pardas, sem representar,contudo, uma substancial diferença. Seocorresse o contrário, isto é, se a idademédia das pardas fosse significativamentesuperior à das brancas, este hipotéticocomportamento poderia explicar a diferençana quantidade média de filhos ligeiramenteinferior das pardas. Contudo, não é o casodas mulheres da região de Campinas.Quando confrontados o estado matrimoniale a etnia, observa-se que as mulheresbrancas postergaram o matrimônio emrelação às pardas. Entretanto, é digno denota que a necessidade de chefiardomicílios pareceu se impor mais cedo àsprimeiras do que às segundas, enquantoas brancas se declararam solteiras. Estecomportamento mostra que as solteirasbrancas chegavam ao ciclo de chefia dedomicílios em idade mais recuada emrelação às casadas, e podiam efetivamenteconstituir seus lares em idade inferior à das

N = número de domicílios.* Filhos aqui tem um sentido genérico (filhos e filhas).Fontes: Listas de Habitantes, Campinas, 1829.

TABELA 3Quantidade média de filhos* remanescentes entre as mulheres chefes de domicílio por status marital

9 Para uma discussão de tipos de domicílios e o contexto social e econômico, veja Laslett (1984, pp. 137-170). Veja também Wall(1990, pp. 59-85) e Libby (1991, pp. 1-35), que estudou a questão no contexto de proto-industrialização numa sociedade escravista.

TABELA 4Quantidade média de filhos* remanescentes entre as mulheres chefes de domicílios por status étnico

N= número de domicílios.* Filhos aqui tem um sentido genérico (filhos e filhas).Fonte: Listas de Habitantes, Campinas, 1829.

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TABELA 6Proporção de domicílios que declararam filhos e filhas remanecentes de diferentes faixas etárias no grupo de

mulheres chefes de domicílios, classificadas por status marital (em porcentagem)

N = número de domicílios.* A faixa etária crianças corresponde de 0 até 14 anos e meses; a de adultos está entre 15 e 44 anos e meses; a de velhos começaaos 45 anos.Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829.

solteiras pardas, que demoravam maistempo. É notável a similitude da idade daviuvez, significando que fatores comunsatingiam a ambos os grupos étnicos comigual impacto. A idade das viúvasaproximou as brancas que perdiam omarido aos 46 anos, em média, às pardasque eram submetidas ao mesmo fenômenoaos 45 anos. Entretanto, práticas culturaise econômicas podem ter sido determinantesnum contexto rural de regimes demo-gráficos do tipo antigo, no qual os filhosvoltavam a co-residir com as mães viúvas,e estas, quando não estavam em estadoavançado de idade e/ou enfermidade,apareciam ainda como chefes de família,segundo critérios dos recenseadores, em-bora seus filhos tivessem papéis mais ativosna condução da economia doméstica.

A pergunta decorrente dessas obser-vações é a seguinte: qual era o período deconvivência da prole no lar em relação aosexo e às faixas etárias? Quais foram as

estratégias de convivência elaboradaspelas famílias mono e biparentais no quediz respeito à presença da prole no lar?

A Tabela 6 é indicativa da proporçãode filhos e filhas remanescentes nosdomicílios das mulheres segmentadas porstatus marital. Os domicílios de famíliasmonoparentais chefiadas por viúvas apre-sentaram os maiores índices de partici-pação da prole no lar. As famílias biparentaiscom mulheres casadas (e marido ausente)vinham em seguida, em termos propor-cionais. Finalmente, os domicílios de famí-lias chefiadas por mulheres solteiras foramos últimos em termos proporcionais. Esseresultado é significativo do estágio do ciclode desenvolvimento familiar, pois mostraque as viúvas tiveram mais tempo deprocriar, bem como o auxílio dos maridosna condução da economia doméstica,aumentando, portanto, suas chances depossuir uma maior quantidade de filhosremanescentes. As casadas puderam

TABELA 5Idade média das mulheres no grupo de mulheres chefes de domicílios, com filhos remanescentes,

por status étnico e marital

N= número de domicílios.Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829.

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sustentar maiores domicílios em relação àssolteiras, cuja ausência sistemática demaridos dificultava a manutenção de formasmaiores de famílias.

Um dado importante a observar é queuma menor quantidade de fogos apre-sentou filhas, mesmo levando em consi-deração as três fases do ciclo de desen-volvimento familiar, o que traduzia umacaracterística comum a todos. As filhas erama parte da prole mais ausente, se compa-radas aos filhos.

Na Tabela 7 segmentamos o sexo daprole em faixas etárias em relação à etniadas mulheres chefes para quantificarmos ograu de convivência filial por domicílio.

O grupo das mulheres brancasapresentou uma proporção maior dedomicílios com filhos adultos, não mostrandorelevância a diferença na faixa etária relativaàs crianças. O grupo das mulheres pardasapresentou uma maior proporção dedomicílios com filhos do que filhas, tantonas faixas etárias relativas às crianças,quanto naquelas relativas aos adultos. Esteresultado pode significar a saída intensadas meninas-moças de lares mais pobrespara formarem novas uniões outrabalharem em unidades domésticas maisabastadas. O impacto diferencial agiu commaior intensidade entre as moças do que

entre as meninas no grupo das pardas. Adiferença em relação à presença de maismoços do que moças praticamente duplicouneste grupo, não se verificando o mesmograu de impacto no grupo das brancas.

Para responder de forma introdutória àquestão do papel da prole nessas unidadesdomésticas, deve-se pensar em termos dociclo de família, a partir de variáveisrelacionadas ao sexo do chefe de domicílio,à faixa etária e ao sexo da prole, operandoum recorte documental que absorva oconjunto da população, sem discriminaçãode ocupação e etnia. Esse procedimentojustifica-se por duas razões. Primeiro, paranão reduzir as amostras a tamanhos in-significantes, e segundo, para que se possater um panorama geral de como estasociedade, de forma agregada, se com-portava do ponto de vista da convivênciafilial. Para tanto, foram organizados trêsgráficos que informam as tendências dasproporções de filhos e filhas que conviviamem lares chefiados por casais, por homensou por mulheres (Gráficos 2, 3 e 4).10

As curvas do Gráfico 2 exprimem asproporções de filhos e filhas, segmentadospor pequenas faixas etárias, que conviviamem lares chefiados por casais no ano de1829. Este recorte específico – chefia decasal – possibilita a compreensão de

TABELA 7Proporção de domicílios que declararam filhos e filhas remanecentes de diferentes faixas etárias no grupo de

mulheres chefes de domicílios, classificadas por status étnico (em porcentagem)

N = número de domicílios.* A faixa etária crianças corresponde de 0 até 14 anos e meses; a de adultos está entre 15 e 44 anos; a de velhos começa aos45 anos.Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829.

10 Para uma confirmação do tamanho das amostras, veja, nos anexos, as tabelas que foram construídas em associação com osgráficos.

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11 Entende-se por fases etárias as pequenas faixas que correspondem ao seguinte quadro: 1a fase: dos 0 aos 5 anos; 2a fase: dos6 aos 10 anos; 3a fase: dos 11 aos 15 anos; 4a fase: dos 16 aos 20 anos; 5a fase: dos 21 aos 25 anos etc.

comportamentos filiais durante as diferentesfases do ciclo de desenvolvimento familiar.

Há quatro aspectos fundamentais apartir dos quais serão analisadas as con-dutas das proles, vistas através das variá-veis sexo e idade: (1) o movimento geraldas curvas; (2) a amplitude das curvas; (3)o grau de inclinação das curvas; (4) as ten-dências ascendentes e descendentes dasmesmas.

O movimento geral das curvas relativasà presença da prole masculina e femininadeclina suavemente, sem grande flutuaçõesem zigue-zague. Este resultado reflete asaída sistemática do lar de efetivos filiaisao longo do ciclo de família.

Quando os grupos domésticos eramcontrolados pelo pai e a mãe conjunta-mente, maiores proporções de filhos do quefilhas estavam presentes no lar já na pri-meira fase etária.11 Na segunda, meninose meninas conviviam em semelhantesparticipações, porém, a partir daí, ocomportamento da prole começa a se

diferenciar em direção a maiores taxasparticipativas de efetivos femininos, sóvoltando a se assemelhar por volta da quintafase, entre os 21 e 25 anos, de ambos osefetivos. Constatou-se também que, noperíodo da adolescência, maiores propor-ções de moças estavam convivendo comseus pais, relativamente aos jovens rapazesnessa mesma fase.

O pai de família, quando atingia a fasedo ciclo doméstico que o colocava na con-dição de viúvo e a família passava pela fasemonoparental, convivia mais tempo comproporções maiores de contingentes filiaisfemininos (Gráfico 3). Note-se que a alturageral da curva de permanência no lar dasfilhas é maior do que a dos filhos, exceto naprimeira e segunda fases etárias. A pre-sença de filhos e filhas cresce da primeirafase (0 a 5 anos) à segunda (6 a 10 anos).As pequenas proporções de efetivos filiaislogo na primeira fase de vida traduz umcomportamento no qual a ausência da mãelevava os campineiros a deixar sua prole,

GRÁFICO 2Proporção de filhos e filhas remanecentes em domicílios chefiados por casais, 1829

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ainda nos primeiros anos de vida, na con-vivência de avós e tios.12

É possível inferir que a maior proporçãode filhas remanescentes no lar paternoquando o pai vivia a condição de viúvotenha contribuído para trazer o genro paradentro de casa. Desse ponto de vista, atendência dos casamentos das filhas dese-nharia um padrão residencial uxorilocal e onoivo circularia em direção à casa da noiva,trazendo consigo dotes constituídos porbens móveis.13

Vale ressaltar que 100% dos homensque chefiavam seus fogos eram viúvos. Omesmo não acontecia com as mulheres queocupavam aquela posição, como vistoanteriormente. Casadas com maridos au-sentes, solteiras e viúvas desenharam oleque de possibilidades das vivências

femininas como titulares de fogos, apon-tando uma maior versatilidade e tornandoainda mais complexa a experiência dasmulheres naquele mundo agrário e hostil.

Um padrão de comportamento inver-tido se desenrolou nos lares chefiados pormulheres, como pode ser visto no Gráfico 4.

Os efetivos femininos iniciaram seuciclo de vida participando mais do que osmeninos da convivência com a mãe, aumen-tando progressivamente suas taxas partici-pativas até a terceira fase etária. A partirdaí, percebe-se um declínio, quando entãoos meninos, vivendo sua puberdade, convi-viam e dividiam mais intensa e propor-cionalmente a vida no lar materno.

Alguns aspectos fundamentais forampercebidos a partir da comparação dascurvas comportamentais presentes nos

GRÁFICO 3Proporções de filhos e filhas remanecentes em domicílios chefiados por homens, 1829

12 Faria (1994, p. 88) afirma que “quando viúvos, era comum os homens deixarem filhos pequenos com avós, parentes e compadres”.13 A quantificação proporcional da prole remanescente e da saída de contingentes filiais apenas fornece indicadores de possíveistendências populacionais gerais e agregadas, não sendo possível determinar com que idade exata deixava-se a casa do pai, nemquantos filhos estavam vivendo separados dele. Para uma análise sobre práticas de herança e residência entre pequenos agricul-tores veja Costa (1997, pp. 163-212).

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gráficos acima explorados. Com o cruza-mento dos dados do Gráfico 4 com os daTabela 7, referente às proporções de domi-cílios que declararam filhos e filhas rema-nescentes, de diferentes faixas etárias, nogrupo de mulheres classificadas por statusmarital, observou-se padrões comporta-mentais divergentes.

As mulheres campineiras, de modogenérico, quando chefiaram seus domi-cílios, tinham sob sua tutela direta maisgarotas do que garotos na fase infantil dociclo de vida da prole; essa tendênciacomportamental invertia-se a partir dapuberdade, quando os efetivos masculinoscomeçavam a crescer e os femininos, adiminuir.

Todavia, a amostra de mulheres namesma posição, quando segmentada porstatus marital, apresentou uma condutadiferenciada das casadas e solteiras emrelação às viúvas (veja a Tabela 6). As do

primeiro grupo retiveram logo cedo, no cicloda família, maiores proporções de garotosdo que garotas. Na fase etária seguinte daprole, ou seja, durante a adolescência,estas mulheres conviveram com a saída dosefetivos femininos mais cedo do que asviúvas. Sendo assim, é lícito concluir queas mulheres que ocupavam sozinhas aposição de chefes de domicílios decidiam,desde cedo, sobre a permanência de maisgarotos e rapazes em seus lares, de modoa compensar a ausência sistemática outemporária de seus maridos e compa-nheiros. Segue daí que é igualmente legí-timo concluir que, tão logo os rapazes atin-gissem a idade de emancipação legal, ouse casassem antes desta data, tenderiam ase tornar os chefes dos referidos fogos. Rea-lizar-se-ia, então, um padrão virilocal deresidência, induzindo as moças a circularemcom seus dotes compostos por bensmóveis.14

GRÁFICO 4Proporção de filhos e filhas remanecentes em domicílios chefiados por mulheres, 1829

14 Para uma análise das práticas de herança e residência entre pequenos agricultores veja Costa (1997, pp. 163-212).

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O ciclo de desenvolvimento familiar saíadas configurações mais simplificadas emdireção às formas mais complexas. E, se asmoças trouxessem parentes, pai e mãeviúvos consigo, realizar-se-iam as formasde domicílios com arranjos múltiplos. Assim,os ciclos familiares se repetiriam sucessiva-mente consoante os padrões específicos dereprodução social dos grupos ocupacionais.

Composição geral dos domicílios

Para compreendermos melhor essefenômeno serão traçadas, a seguir, ascaracterísticas da organização ocupacionale da composição econômica desses lares.Nas três próximas tabelas serão segmen-tadas as populações agregada e escravaque lá residiam, como também será feitauma análise da situação por setoreseconômicos.

A diferença marcante evidenciada naTabela 8 revelou-se na segmentação daamostra por status étnico. A presença demembros agregados aos domicílios não foihomogênea quando controlada a variávelstatus matrimonial, denunciando umadiferença significativa nesta forma de coortepopulacional. Nos lares de mulheresbrancas, entretanto, a cifra indicativa da

presença de agregados quase duplicou emrelação aos lares das pardas. A tendênciadestas ao isolamento evidencia um maiorgrau de pobreza, pois não só o tamanhocomo também a composição das unidadesdomésticas que apresentassem maiorcomplexidade, nesta sociedade, consti-tuíam, em geral (mas nem sempre), traçoscaracterísticos de riqueza.

Do ponto de vista do ciclo de vida dafamília, os domicílios de famílias biparentais(casadas) e monoparentais (solteiras) nãoapresentaram diferenças. Este fenômenotraduz a importância que tinham os agre-gados na composição dos fogos quando achefia estava nas mãos de mulheres aindana fase inicial do ciclo de constituição dafamília. Na fase monoparental em que asviúvas eram as titulares do lar, a proporçãocai para quase dois terços em relação àsfamílias cuja chefia estava nas mãos dascasadas ou solteiras. Como se vê na Tabela8, esta ausência de agregados era compen-sada pela maior presença de filhos no lar.

Quando usamos método semelhantepara identificar a proporção de lares que de-clararam a presença de escravos (Tabela 9),observamos que apenas 2% deles eramdirigidos por pardas, contrastando com os55% dos lares das brancas.

TABELA 8Proporção de domicílios que declararam agregados no grupo de mulheres chefes de domicílios,

por status marital e étnico (em porcentagem)

Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829.N= número de domicílios.

TABELA 9Proporção de domicílios que declararam escravos no grupo de mulheres chefes de domicílios,

por status marital e étnico (em porcentagem)

Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829.N= número de domicílios.

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Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829.N = número de domicílios.

TABELA 10Distribuição proporcional, por setores econômicos, dos domicílios chefiados por mulheres,

classificadas por status marital e étnico (em porcentagem)

Ao repartimos a amostra por statusmatrimonial, notamos que o grupo que, pro-porcionalmente, declarou um maior númerode escravos foi o das casadas (91%), vindoem seguida o das viúvas e, por último, odas solteiras. Quando escrutinamos os indi-víduos escravos que estavam nestes lares,constatamos que mais de 95% deles esta-vam distribuídos entre as viúvas, e entreestas, apenas sete senhoras de engenhodetinham 73% do total da população cativa.

Conseguir entrar no estágio de casadado ciclo familiar significava maiores chancesde ser senhora de escravos. Este resultadoreflete a possibilidade de adquirir dotes emocasiões anteriores ou durante os casa-mentos, ou ainda quando do falecimentode um dos pais do casal, possibilitando,assim, o recebimento de heranças. As

solteiras foram as que menos declararamescravos depois das pardas. Este dadotraduz, efetivamente, a importância doscasamentos para a economia domésticanuma sociedade em que se praticava atransmissão de bens via dote.

Na Tabela 10 segmentamos os domi-cílios chefiados por mulheres por setoreseconômicos.15 Será feita uma análise seto-rial da economia para apreender-se possí-veis transformações nas organizaçõesprodutivas em comparação com outraslocalidades.

Se somados os setores secundário eterciário, pode-se observar que uma propor-ção significativa, sempre superior a 50%,destes domicílios estava associada àsatividades resultantes da maior diversi-ficação da estrutura social e econômica e

15 Os critérios seguiram aqueles definidos por Costa (1997, pp. 60-84). Veja também uma interessante proposta de classificaçãopara a economia brasileira colonial em Costa & Nozoe (1987, pp. 69-87). Muito embora os autores tenham sugerido que o indivíduoque declarava que “vivia de suas agências” deveria ser incluído na categoria indefinida, optou-se, neste artigo, por inseri-lo no setorterciário. Priore (s/d., p. 27) sugere a indicação de possível prostituição associada “às atividades como costura, lavagem de roupas,venda de alimentos em tabuleiros, venda de mercadorias a retalho e prestação de pequenos serviços”. Silva Dias (1984, p. 89)interpretou esta situação como mulheres que “estavam, de um modo ou de outro, relacionadas com o comércio local através dasvendas de quitandas pelas ruas, ou de operações intermediárias, na distribuição de gêneros alimentícios”. Veja também o estudosobre ocupações coordenado por Marcelo Magalhães Godoy, Dicionário das ocupações em Minas Gerais no século XIX, acompa-nhado de estudo histórico em torno da economia e sociedade mineira provincial, publicado pelo Cedeplar/UFMG. Este projeto fazparte de outra pesquisa intitulada História demográfica e econômica de Minas Gerais no século XIX, coordenada por Clotilde Paiva.

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da divisão regional do trabalho. Essesdados confirmam, em parte, um estudoanterior que interpretou esse fenômenocomo “continuidade do modo de produçãodoméstico em direção à expansão dasexportações, no século XIX, que resultounuma economia baseada numa produçãomercantil de larga escala” (Kuznesof, 1980).Tal mudança no modo de produzir teriaaberto novas frentes de emprego para oshomens que migravam, provocando comisso rupturas das unidades domésticas,pressionando as mulheres a migrarem emdireção às áreas mais urbanas, onde teriammelhores oportunidades de emprego.

Contudo, os dados apresentados nestetrabalho mostram que estas mulheres nãoemigraram em direção às áreas urbanas, eque, por outro lado, imigraram para a regiãorural de Campinas e ali residiram e criaramseus filhos.

Silva Dias (1984) calculou que na cida-de de São Paulo, em 1836, uma parcelamaior – 58% dos domicílios de mulheres –estava ligada às atividades do setorterciário, enquanto uma parcela menor –33% – estava ligada ao setor secundário;uma parcela menor ainda, de 8%, encon-trava-se no setor primário. A autora mostroutambém que uma maior concentração deescravos estava no setor terciário, com 65%,vindo logo depois o setor secundário, com18%, e finalmente o setor primário, com 15%.E concluiu: “[...] havia menos escravos nascasas de costureiras e mulheres dedicadasao artesanato doméstico, [e estes] tendiama concentrar-se nas atividades maisrendosas e lucrativas, podendo tomar-se asua presença como índice seguro dossetores mais prósperos da economiaurbana [...]” (idem, p. 97).

Ramos (1990) constatou, em relação avárias localidades, que o domicílio demulheres solteiras era menor, em númerode pessoas, que o das mulheres casadas,o que não se devia apenas ao fato decontarem com um reduzido número deescravos, mas também ao declínio de suacondição social e econômica.

Considerações finais

A investigação de Ramos (1990) sobreas uniões consensuais em Minas Gerais noséculo XIX levou-o a comparar unidadesdomésticas chefiadas por mulheres casadase solteiras. O pesquisador examinou diver-sas comunidades, chegando à conclusãode que esse tipo de domicílio era comumnuma extensão variada de contextos econô-micos, exceto em áreas de expansão, ondeos índices diminuíam:

O que emerge desses resultados éum padrão de domicílios chefiados pormulheres que continham um grandenúmero de outras mulheres livres. Ésignificativo o fato de que esta reaçãosocial é comum a ambos os ambientes,urbano e rural, e à economia em dife-rentes estágios. Isto sugere que, aocontrário de uma reação às mudançasde condições econômicas, essa ten-dência de comportamento de mulheresera uma característica da sociedade.(idem, p. 395).

Ao examinar as raízes mineiras naregião do Minho, em Portugal, o mesmoRamos (1993, pp. 639-662) conclui:

Em Minas Gerais, como no noroestede Portugal, as mulheres formavam abase funcional para a sociedade. Elaschefiavam seus domicílios fora domatrimônio, ganhavam suas vidas omelhor que podiam para tocar seuslares e, freqüentemente, tinham filhos.A predominância demográfica damulher era talvez o mais importanteaspecto notável no novo ambientesocioeconômico. Todas as classes eraças estavam sujeitas ao mesmoprocesso demográfico e respondiamsemelhantemente, muito embora, nãoexatamente da mesma maneira.

Brettell & Metcalf (1993) traçaramparalelos entre duas paróquias, uma emLanheses, no nordeste de Portugal, no anode 1850, e a outra na província de SãoPaulo, Santana do Parnaíba, em 1820. Emambas foi observada a predominância da

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emigração masculina de domicíliosnucleares, diferindo as paróquias quanto auma maior presença dos complexos naprimeira e dos solitários na segunda. Foramobservados, também, índices mais baixosde ilegitimidade na primeira paróquia,relativamente à segunda. As autorasconcluem que as famílias “transplantarama cultura do lavrador do norte de Portugal eao mesmo tempo recriaram especificidadesna família brasileira” (idem, pp. 365-388).

As evidências mostradas pelos dadosde Campinas indicam que as mulhereschefes de domicílios se concentraram nosetor secundário, em contraste com SãoPaulo, revelando mudanças nos arranjosfamiliares quando se leva em consideraçãoo ciclo de vida. Uma proporção significativadas casadas e solteiras optou pelo setorsecundário, no qual podiam se adaptar maisfacilmente, desenvolvendo atividades comocostureiras, fiandeiras e tecelãs.

Ao escrutinar-se as ocupaçõesfemininas que mais cresceram, observa-seque em 1798 havia uma costureira e ne-nhuma mulher “vivia de suas agências ounegócios”. Já em 1829 havia 58 costureirase 45 “viviam de suas agências ou de seusnegócios”. Estes dados revelam, de formacomparativa, as características comerciaise de entreposto que a cidade de São Paulodesenvolvia na ocasião. Campinas, por suavez, ainda era, neste momento, totalmenteagrícola, possuindo um setor comercialrestrito aos tropeiros que transportavambens agrícolas para o porto de Santos ealguns armazéns de secos e molhados.

Tais evidências demonstram um pro-cesso em curso de complexificação daestrutura ocupacional da população, sendoo setor terciário aquele que mais seexpandiu entre os anos de 1798 e 1829,desde a época em que a região nãopassava de uma área produtora de roças ese transformava em produtora de grandesvolumes de açúcar para exportação.Quando se confronta esses dados com osda vila de São Paulo, percebe-se que haviaali o predomínio das atividades terciáriasno grupo de mulheres chefes. Não obstanteeste setor tenha sido aquele que maiscresceu em Campinas (mais de oito vezes,

entre 1798 e 1829), foi o setor secundárioque, do ponto de vista proporcional, deu omaior suporte, estimulou e atraiu a presençadestas mulheres na referida posição dechefes. Kuznesof (1980), ao estudar a vilade São Paulo, enfatizou a pressão exercidasobre estas mulheres que migrariam emdireção aos centros urbanos. Contudo, osdados aqui apresentados mostram queestas não emigraram em direção às áreasurbanas, e que, por outro lado, imigrarampara a região rural de Campinas.

A segmentação por grupos étnicos nãomostrou um impacto significativo. O pro-cesso de diversificação ocupacionalassociado às mudanças estruturais atingiuos grupos étnicos das brancas e das pardascom impacto semelhante, pelo menos doponto de vista agregativo. É digno de notaque, entre todas as viúvas, dos três setores,aquele que mais concentrou fogos foi oterciário. Isto pode significar que, numestágio do ciclo de vida familiar, as viúvaspuderam acumular um pecúlio tal que ascolocou numa atividade menos desgastantee de relativa lucratividade. E, no grupo dascasadas e solteiras, o predomínio foi dosetor secundário.

O ambiente urbano favorecia a concen-tração da presença da prole feminina nosdomicílios, enquanto o ambiente ruralfavorecia a concentração da presença daprole masculina. Enquanto, no primeiro, asmulheres podiam desenvolver atividadesdo setor secundário auxiliadas por outrasmulheres, no segundo, quando se consti-tuíam em tecelãs, fiandeiras e costureiras,tinham um mercado mais restrito para seusnegócios e necessitavam também damão-de-obra masculina para as atividadesagrícolas de subsistência.

Resta uma pergunta para ser respon-dida: se este fenômeno não pode ser redu-zido a “uma reação às mudanças de condi-ções econômicas, [sendo] esta tendênciade comportamento de mulheres uma ca-racterística da sociedade”, como diz Ramos(1990), ou, ainda, a “uma transposição dacultura do lavrador do norte de Portugal,associada a uma recriação de especi-ficidades”, como querem Brettell & Metcalf(1993), por que, então, tal fenômeno se

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manifesta em algumas situações espe-cíficas e não em outras?

Muito embora a variante que sesobressaiu para explicar este fenômenotenha sido a social, para os casos estudadospor Ramos (1990 e 1993) e Brettell &Metcalf (1993), em relação ao Brasil e aPortugal, dados da presente pesquisa

mostraram que o fenômeno emergiu emsituação na qual a variante econômica afluiuao apresentar mudanças na organizaçãoprodutiva (formação de plantations), com umconseqüente impacto em uma partesignificativa dos arranjos domiciliares, quepassaram a se organizar com mulheres emposição de liderança.

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TABELA IProporção de filhos e filhas remanecentes em domicílios chefiados por casais, 1829

Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829.Metodologia: Foram considerados apenas os domicílios chefiados por casais.

Anexos

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TABELA IIIProporção de filhos e filhas remanecentes em domicílios chefiados por mulheres, 1829

Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829. Metodologia: Foram considerados apenas os domicílios chefiados por mulheres, viúvas e solteiras.

Abstract

The aim of the article is to demonstrate that the women who have headed householdowned different strategies in relation to domestic arrangements when occurred changes ineconomic organization and during the cycle of family development. These domestic units haddifferences when were headed by men or women. The article introduces the cycle of familydevelopment as a very important analytical category in order to evaluate those arrangementsand presents comparative data from some others regions.

TABELA IIProporções de filhos e filhas remanecentes em domicílios chefiados por homens, 1829

Fonte: Lista de Habitantes, Campinas, 1829. Metodologia: Foram considerados apenas os domicílios chefiados por homens viúvos e solteiros.