As Megaexposições No Brasil - Entre a Representação Da Nação e Os Lucros Do Mercado
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As Megaexposies no Brasil: entre a Representao da Nao e os Lucros do Mercado
Setembro 2001
Resumo:
Museus em todo o mundo tm sido considerados como parte integrante dos processos de construo de imaginrios nacionais. Na dcada de 70 os museus passaram por sria crise e suas narrativas foram praticamente desacreditadas pelo grande pblico. Recentemente eles sofreram grandes transformaes e passaram a receber milhares de turistas e visitantes a cada ano. Os museus brasileiros ainda econcontram-se abandonados pelo pblico. No entanto, algumas exposies temporrias tm recebido milhares de visitantes, modificando o perfil habitual dos usurios de museus nesse pas. Nestas exposies observa-se o esmaecimento de fronteiras anteriormente estabelecidas entre o erudito e popular, arte e poltica, cultura e lazer, local e global. Para alguns elas nada mais representam do que banalizao da arte e mais uma manifestao cultural massificada. Para outros elas expressam a democratizao da arte em contextos ps-nacionais. A partir da investigao do processo de produo destes megaeventos, do impacto sobre o pblico, e dos usos polticos que so realidados deles, sero analisadas as caractersticas destas exposies que tornaram-se recentemente megaeventos culturais.
Palavras-chave: museus, poltica cultural, globalizao. Myrian Seplveda dos Santos Universidade do Estado do Rio de Janeiro Departamento de Cincias Sociais Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais Tel/Fax: 55 (0) 21 - 5879762 E-mail: [email protected]
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I. Introduo
De uma maneira geral, podemos afirmar que os museus brasileiros no atraem um
grande pblico. Os museus costumam ser locais pouco visitados, com longos circuitos e
exposies que no se renovam e que representam para seus visitantes uma verdadeira via
crucis, tal a aridez das condies oferecidas ao pblico. Como j apontado por mim em
outras pesquisas a pequena procura pelos museus pode ser explicada por diversos fatores. O
pequeno nmero de brasileiros com bom nvel de escolarizao por si s j responderia a
muitas das questes, pois museus em todo o mundo so procurados principalmente pelo
pblico de maior renda e escolaridade.
Mas alm das dificuldades em resolver problemas de analfabetismo e escolarizao, o
pas conta com uma srie de outras dificuldades que explicam em parte o abandono dos
museus. Grandes desigualdades sociais e pequena expressividade de movimentos sociais
garantidores dos direitos dos cidados associados ao dficit financeiro crnico, que no
permite a competio com outras naes na aquisio de acervos culturais de prestgio
internacional so algumas delas. A questo cultural no menos importante. Enquanto
grande parte dos museus ainda responde pelo patrimnio das elites nacionais, o imaginrio de
nao fortemente calcado em prticas culturais populares e numa concepo de tempo
fortemente orientada para o futuro.
Ainda assim, a afirmao de que os museus brasileiros no atraem visitantes merece
alguns comentrios, pois h uma diversidade de museus, alguns voltados para a arte, outros
para a histria da nao, e outros para o atendimento de pequenas comunidades locais. H no
pas aproximadamente 1200 museus, sendo que pelo menos 50% deles foram criados a partir
dos anos 70 (Santos 2001). Gostaria, portanto, de estabelecer alguns parmetros para melhor
contextualizar a afirmao de que os museus no Brasil so pouco visitados. Os museus podem
ser instituies bem diferenciadas em termos de natureza, funo e objetivos. H, no entanto,
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algumas caractersticas comuns que definem os museus contemporneos. Os museus, tal
como os conhecemos hoje, so instituies muito prximas as que se formaram a partir do
sculo dezoito na Europa associando colees a um saber universal. A ordenao dos objetos
segundo um saber cientfico deu perenidade s colees, aumentando o poder daqueles
responsveis por elas. Estas foram instituies que serviram de vitrinas permanentes capazes
de refletir o poder das naes que se constituam (Bennett 1995). Tambm no Brasil os
museus foram criados de acordo com este perfil mais geral. Podemos dizer que qualquer que
seja o museu ele se apia nas formas de conhecimento correntes e que, direta ou
indiretamente, contribui para a construo do imaginrio nacional. Nas ltimas dcadas, no
entanto, mais do que uma questo de Estado, os museus tm se transformado em grandes
indstrias de entretenimento. No ano passado, ultrapassando todos os nmeros anteriores, os
museus norte-americanos atraram mais do que um bilho de visitantes. Entre as nstituies
culturais contemporneas, os museus tm se destacado por sua capacidade de adaptao s
novas demandas sociais.
H, dentre muitos, os grandes museus de cada pas, algumas vezes chamados de
museus nacionais, que so reconhecidos como smbolos da nao que representam, seja pelo
contedo histrico, seja pelo poder de agregar tesouros do patrimnio mundial, seja pelo
prprio sucesso comercial. Vou me ater a estes museus. No Brasil so muitos os grandes
museus. Podemos citar, por exemplo, o Museu Histrico Nacional, Museu Nacional, Museu
Imperial, Museu da Repblica, Museu Nacional de Belas Artes, Museu de Arte do Estado de
So Paulo, Museu Jlio de Castilhos, Museu da Inconfidncia, Museu do Butant ou ainda o
Museu Goeldi. Estes so museus que atraem em torno de 300.000 visitantes por ano. Ora, se
consideramos que na Inglaterra ou Frana os grandes museus como Louvre, Muse dOrsay,
Museu Britnico, National Gallery ou o Science Museum recebem de 2.500.000 a 7.000.000
de visitantes por ano, sendo que mais da metade destes visitantes no so turistas, mas
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moradores dos prprios pases, cuja populao muito menor do que a brasileira, quase um
tero, podemos considerar como pequeno o pblico dos museus brasileiros.1
Apesar do esvaziamento dos museus brasileiros, algumas exposies recentes tm
alterado este quadro, mostrando que mesmo em um pas pobre e com baixo nvel de
escolaridade um grande interesse pode surgir por exposies sobre obras de arte, artefatos
culturais ou acervos diversos. Algumas exposies recentes tm recebido milhares de
visitantes. A exposio das obras de Monet no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) no
Rio de Janeiro contou com o assombroso nmero de 250.000 visitantes em um ms. Como
vimos, este nmero de visitantes equivale praticamente ao nmero total de visitantes que os
museus mais freqentados do pas recebem durante o ano. A mostra sobre o Surrealismo
inaugurada no Centro Cultural Banco do Brasil em agosto desse ano obteve 30 mil visitantes
apenas no primeiro final de semana. A Bienal de So Paulo no ano 2000 tambm mostrou
grandes nmeros. Estes eventos culturais, patrocinadas muitas vezes por museus que tm
dificuldades em atrair pblico durante todo o ano, tm sido capazes de atrair no s um
pblico imenso para os padres nacionais, como um novo tipo de visitante. So muitos
aqueles que entram pela primeira vez um museu quando participam destes eventos.
Estas so exposies que tm aparecido em diversas partes do mundo com as mesmas
caractersticas, isto , so exposies em geral de obras de arte bastante conhecidas pelo
pblico, contam com um suporte grande da mdia, conseguem ser financiadas por um grupo
de multinacionais e tm como curador responsvel pela organizao da mostra um ou mais
especialistas. A estrutura que organiza estas exposies to voltil como as prprias
exposies. No raro que estas exposies viajem por diversas capitais do mundo
conquistando a mesma receptividade. O pblico que passa a formar longas filas na entrada
1 De acordo com Hooper-Greenhill (1996: 61) o Museu Britnico recebe em torno de 5.400.000 visitantes, a National Gallery 4,300,000 e o Museu de Cincias de Londres 2,500,000. A populao inglesa est em torno de 59 milhes enquanto a brasileira em torno de 165 milhes
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destes museus, barulhento e no obedece aos ritos que eram costumeiros entre os
tradicionais visitantes de museus.
Inegavelmente esses megaeventos esto associados com mercados comuns que podem
ser encontrados em diversas partes do mundo e que podem ser associados ao processo de
globalizao. Estas so exposies que esto desafiando especificidades de fronteiras locais,
bem como as dicotomias entre o permanente e o transitrio, por um lado, e entre o erudito e o
popular, por outro. Para alguns estes eventos no passam de um novo artifcio da indstria
cultural para proporcionar lazer para o grande pblico e lucro para seus idealizadores. Para
outros, trata-se de um processo de democratizao de cdigos culturais antes pertencentes s
elites. Alm disso, estas so exposies que mudam as regras do mundo das artes e da poltica
cultural anteriormente existente.
Em que medida estes novos eventos rompem com a lgica da construo nacional?
Seriam as novas manifestaes totalmente desprovidas de estratgias polticas nacionalistas e
meramente frutos de mercados que se unificam? Afinal como compreender e julgar estes
eventos? Este artigo se prope a dar alguns passos nesta direo. Ele tem como objetivo
analisar as caractersticas destas exposies que tm sido sucesso de pblico e oferecer dados
para que possamos melhor avaliar o que acontece neste novo fenmeno de massas. Como
grande parte destes novos eventos so recebidos por museus tradicionais, uma das estratgias
utilizadas aqui foi a de fazer algumas comparaes entre as exposies j existentes nos
museus e os novos eventos. Nas trs sees que se seguem, procurar-se- investigar o
processo de produo, o impacto sobre o pblico, e o significado poltico destes megaeventos.
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II. Financiadores e Produtores: Entre o Pblico e o Privado
Em primeiro lugar, gostaria de ressaltar que embora mais de 90% dos museus
brasileiros sejam instituies pblicas, no h por parte dos governos federal, estadual ou
municipal qualquer estudo sistemtico sobre o desempenho destas instituies. Mais do que
isso, no observamos interesse por parte das autoridades pblicas em desenvolver qualquer
pesquisa neste sentido. Considerando o alto grau de investimento das autoridades pblicas
em pases como Inglaterra e Frana no monitoramento do desempenho destas instituies,
podemos concluir que a importncia destas instituies para cada governo no seja a mesma.
Na Frana a diplomacia cultural extremamente importante. Segundo Romaric Sulger
Bel, produtor cultural responsvel pelas exposies Rodin, Monet, Picasso e Surrealismo,
entre outras, parte considervel do oramento do Ministrio dos Assuntos Exteriores (em
torno de 50%) destinada difuso da cultura francesa no exterior. A prpria carreira de
Romaric mostra o entrelaamento entre poltica externa e cultura. Antes de ser empresrio no
Brasil, Romaric foi vice-cnsul da Frana no Brasil, durante dois perodos consecutivos.
Antes disso, no entanto, ele j havia cumprido uma longa carreira nos Ministrios franceses.
Primeiro no Gabinete do Interior, e, posteriormente, no Gabinete de Assuntos Exteriores.2 A
divulgao da cultura francesa no interior da prpria Frana e nos pases estrangeiros tem sido
iegavelmente uma estratgia importante de interveno do Estado (Dubois 1999). No Brasil,
ela pode ser percebida a partir da chegada da Misso Francesa no Rio de Janeiro, ainda no
governo de D. Joo VI. Dentre as atividades culturais mais recentes, as exposies tm
recebido uma posio de destaque.
Mas no Brasil a relao entre o Estado e prticas culturais estabelecidas tem sido bem
diferente. Os governos federal, estadual e municipal foram sempre os principais financiadores
dos museus, mas no se observa uma interveno do Estado em termos de controle e
avaliao. Os museus tm muito pouca autonomia e como outras burocracias estatais perdem
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em eficincia e consecuo de objetivos. Nos ltimos anos, os governos estaduais e federais
reduziram seu apoio financeiro a diversas atividades culturais, incluindo aquelas relacionadas
aos museus. Os diretores de museus se deram conta de que precisariam de investimentos
privados. Estes por sua vez, s se tornavam uma realidade medida que os museus se
dinamizavam e passavam a atrair um pblico maior. Os investimentos recaem sobre as
iniciativas capazes de atrair maior ateno do pblico.
Como dissemos anteriormente no h atividades centralizadas de avaliao e controle
sobre prticas desenvolvidas pelos museus brasileiros. Mesmo em pases como Inglaterra e
Estados Unidos, onde os museus recebem grande parte de seu financiamento de entidades
privadas, h diversas agncias que avaliam as diversas atividades desenvolvidas e tornam
pblico o desempenho de cada instituio. Estas recebem financiamento pblico e privado.
Os museus se submetem s avaliaes, pois quanto melhor for seu desempenho, melhor sero
as possibilidades de captao de recursos. No Brasil, a nica entidade que faz levantamento e
estudo sobre estas prticas a CPC, da USP. Esta tem sem mostrado, no entanto, mais
interessada em divulgar dados bsicos sobre cada museu para o pblico, como localizao e
horrio de funcionamento, do que desenvolver atividade de avaliao. Conta, tambm, com
enorme dificuldade na obteno de dados.
Dada a carncia de informaes disponveis, esta pesquisa partiu para a coleta de
dados. Procurou-se agregar alguns dados referentes ao financiamento e produo das
megaexposies na tentativa de compararmos com investimentos regulares existentes nas
instituies sede. No Museu Nacional, no Museu de Arte Moderna e no Museu Nacional de
Belas Artes, museus que serviram de sede a esses eventos, foram entrevistados alguns dos
profissionais envolvidos com a estrutura administrativa das instituies.3
2 Segundo entrevista realizada por mim e por Mario Marcio Damasco em junho de 2001. 3 Agradeo aos bolsistas de iniciao cientfica Denise de Almeida Rodrigues, Caty Ane de Souza e Fabio Ponso, pela dedicao e eficincia, e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e ao CNPq pelos suportes financeiros.
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A diferena entre o investimento que uma destas exposies temporrias recebe e
aquele destinado s exposies que so mantidas nos museus muito grande. Recentemente
temos acompanhado pela imprensa as negociaes entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e a
Fundao Guggenheim. Os estudos preliminares sobre a possibilidade de implementao do
projeto foram orados em 2 milhes de dlares e o investimento total atinge a soma de 150
milhes. Os museus brasileiros ainda no esto habituados a tornarem seu oramento pblico.
As autoridades governamentais tampouco. No se sabe, portanto, o oramento anual dos
museus no Brasil. Por ocasio da manifestao pblica contra a instalao do Guggenheim no
Rio de Janeiro, foi divulgado que o Museu Histrico da Cidade do Rio de Janeiro sobrevive
com 90 mil reais por ano. Museus menores como recebem a ridcula soma de 7 ou 8 mil reais
por ano. Os museus situados no Rio de Janeiro que so considerados pelo Ministrio da
Cultura como sendo grandes museus nacionais e, portanto, merecedores de uma verba maior
so o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Histrico Nacional, o Museu Imperial e o
Museu da Repblica. Com otimismo, podemos estimar o oramento anual dos grandes
museus no Brasil girando em torno de 1 milho e meio. De qualquer forma, muito abaixo do
valor investido nas exposies temporrias sediadas por ele. Na verdade, uma megaexposio
consegue agregar uma soma maior do que todo a verba destinada a todos os museus do Rio de
Janeiro durante o ano. Por ocasio do debate sobre a instalao do museu Guggenheim na
zona porturia do Rio de Janeiro, os jornais mencionavam a cifra de 130 milhes de dlares
como sendo o preo de instalao do museu com projeto arquitetnico do americano Frank
Gehry. O Guggenheim que foi construdo em Bilbao custou ao governo basco uma quantia
prxima s estimativas mencionadas para a sua construo no Rio. H, portanto, um enorme
abismo entre as novas iniciativas relacionadas mercantilizao de mostras de objetos de arte
e a estrutura operacional dos museus tradicionais. A tabela abaixo d uma idia do tipo de
patrocinador e do montante de investimento que as megaexposies obtiveram.
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Ano
Exposio
Patrocnio Principal
Patrocnio
Suplementar
Investimento
/ Bilheteria
Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)
1995
Rodin
18/04 a 19/05
Petrobrs
Banco Real, Fundao Roberto Marinho, Prefeitura do Rio / Varig, Associao
Francesa de Ao Artstica
1997
Monet
12/03 a 19/05
Petrobrs, IBM, Sul America, Telebrs
Embratel, Ministrio da Cultura / Fundao Roberto Marinho. Prefeitura do
Rio
R$ 2,5 milhes 550 mil
1998
Dali
23/03 a 24/05
Petrobrs, Embratel e Min. da Cultura
Volkswagen, Laboratrio Novatis, Amil, Gazeta Mercantil, Perfumes Dal, Cardim
Filmes
R$ 1,3
milhes Botero
10/07 a 13/09 Prefeitura do Rio e Min. da Cultura
Shell / Universidade Estcio de S, Gazeta Mercantil, Avianca
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM)
1998
Camille Claudel
15/01 a 22/03
Banco Safra, Fund. Roberto Marinho,
Volkswagen
Petrobrs/ Prefeitura do Rio, Consulado Geral da Frana no Rio, Pinacoteca de
SP.
1999
Picasso
27/07 a 07/09
Telefnica Celular,
Bradesco
Fundao Roberto Marinho, Prefeitura do Rio, Unisys, Marius e Varig
Estas exposies foram financiadas por rgos governamentais, empresas pblicas e
por companhias poderosas economicamente como Banco Bradesco, Telefnica Celular,
Fundao Roberto Marinho e Varig. Estes investimentos no visam retorno direto. Apesar de
o ingresso ser caro para os padres locais o dinheiro obtido por meio da venda de ingressos
esteve sempre muito longe de garantir lucro a seus investidores. Mesmo a exposio Monet,
responsvel por atrair o maior pblico, manteve-se longe deste propsito. Como veremos a
seguir, como estes empreendimentos conseguem grande ateno do pblico, o investimento
deve ser compreendido como sendo na rea da propaganda.
importante, portanto, destacar que so empresas culturais de iniciativa privada que
conseguem os financiamentos e no os diretores dos museus que recebem as exposies.
Grande parte destes megaeventos foi resultado de uma empresa de produo cultural que pode
ser considerada franco-brasileira. Ela ocupa uma posio intermediria entre as autoridades
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brasileiras e francesas. Entre os financiamentos, no entanto, observamos a presena de
Prefeituras Municipais e Ministrios Pblicos.
A questo da curadoria tambm importante. Praticamente todas estas
megaexposies tiveram como curadores um grupo de especialistas na temtica proposta.
Estas so exposies, portanto, que oferecem o pblico um conjunto de obras que so
agrupadas temporariamente e que pertencem a diversas instituies distribudas por pases e
at mesmo continentes distintos.
Ano Exposio Curadoria
Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)
1997
Monet
Diretor do Museu Marmottan
1998
Dal
Amigo e Bigrafo de Dal
Botero
Subsecretria de Cultura de Buenos Aires
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM)
1998
Camille Claudel
Sobrinha-neta de Camille, bigrafa e colecionadora
1999
Picasso
Diretor do Museu Picasso de Paris
Os museus tambm tm seus curadores e no seria impossvel que este tipo de
iniciativa partisse da prpria instituio. Na verdade, os grandes museus europeus e norte-
americanos tm, paralelamente s exposies permanentes, exposies temporrias que
agregam muitas das caractersticas destes megaeventos que tm ocorrido no Brasil. O que
acontece, no entanto, em alguns museus brasileiros que os profissionais que poderiam
exercer a funo de curadoria, pois estudam as peas pertencentes s colees, voltam-se para
pesquisas acadmicas e mostram total desinteresse pelas atividades relacionadas ao pblico.
No Museu Nacional, por exemplo, observa-se uma separao de formao e de interesse
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muito grande entre os pesquisadores e aqueles profissionais responsveis pela manuteno das
exposies e do contato com o pblico. As exposies so as mesmas h cinqenta anos
apesar de o Museu contar com um conjunto de pesquisadores qualificados.
interessante observar, no entanto, que projetos que tiveram como base investimentos
privados e um suporte de curadores especializados, mesmo quando atrelados administrao
central dos museus, tiveram sucesso de pblico. Este foi o caso da pequena, mas bem
produzida exposio sobre dinossauros que foi exposta no Museu Nacional. Ela foi capaz de
receber 65 mil visitantes em 40 dias, enquanto a visitao do Museu durante todo o ano de
1999 foi de 150 mil. Esta exposio teve o suporte de pesquisadores japoneses, que
selecionaram as peas e montaram a exposio inicialmente no Japo. Antes de examinarmos
mais de perto as caractersticas destas exposies que parecem ter sucesso garantido junto ao
pblico, necessrio termos uma noo de quem este pblico de museus.
III. Um novo fenmeno de massas
Uma das caractersticas dos museus europeus e norte-americanos a preocupao com
o pblico. Procura-se definir o perfil do visitante usual e a partir de estudos e novos objetivos
traados procura-se ampliar de modo a tornar os museus atraentes para diversos pblicos. Ver
marketing. No Brasil, ainda so muito poucos os estudos sobre pblico. Quando eles existem
ainda tm o carter descontnuo e seus dados muitas vezes carecem de desdobramentos
prticos, sendo esquecidos nas gavetas. Os patrocinadores das megaexposies, no entanto,
tm a preocupao de coletar dados relativos ao pblico visitante. Mas como so temporrias,
nem sempre estes dados so reaproveitados e, muito raramente divulgados.
H muito pouca informao coletada e divulgada sobre o pblico do museu brasileiro.
A informao mais comum que os museus tm sobre seu pblico resultante da bilheteria.
Alguns museus tm ainda controle sobre as escolas e nmero de estudantes que solicitam
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visitas. Mas exceto por este controle pouco se faz para saber quem so estes visitantes, como
eles avaliam os museus ou mesmo quais seriam seus interesses. Sobre o pblico no visitante,
as pesquisas so ainda mais raras, pois implicam em estatsticas com segmentos populacionais
maiores. Conseqentemente, no h polticas para aumentar o nmero dos visitantes.
Na academia, h alguns estudos interessantes sobre o pblico dos museus, sendo que
estes so em sua maioria voltados para o pblico escolar (Almeida, 1995). Ainda assim,
aqueles que procuram por dados que permitam uma anlise das transformaes ocorridas
tanto em termos de montagem, quanto em termos de recepo, encontram muita dificuldade
em obter dados regulares e que possam ser comparados (Williams, 1998).
Nossa investigao foi feita atravs do levantamento de dados que foram obtidos junto
aos museus que tm servido de sede aos megaeventos, MNBA e MAM-RJ. Consideramos
tambm o Museu Nacional, uma vez que ele foi sede, recentemente, de uma bem sucedida
exposio sobre dinossauros. Alm disso, procuramos observar o comportamento pblico nas
exposies permanentes e temporrias dos Museus Nacional e de Arte Moderna (MAM), no
Rio de Janeiro. Observou-se o comportamento do pblico no museu e nos seus arredores. Os
questionrios foram passados ao pblico em diferentes horrios e durante dias de semana e
finais de semana para a obteno de uma amostra mais significativa. Neste questionrio h
perguntas mais objetivas que visam a obteno do perfil bsico do visitante e outras mais
subjetivas onde procuramos perceber motivaes e impasses na visita realizada.
No que tange o pblico, h uma diferena brutal entre o nmero de visitantes das
exposies que ns observamos nos museus durante todo o ano e aquele que faz filas nas
megaexposies temporrias. Um dos principais museus do Rio de Janeiro o Museu
Nacional de Belas Artes (MNBA). Este Museu foi criado em meados do sculo dezenove e
por seu acervo Ele atrai cerca de 70 mil visitantes durante o ano. Entretanto, este Museu
recebeu algumas exposies itinerantes nos ltimos anos. A exposio das obras de Claude
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Monet rendeu ao museu a visitao recorde que este tipo de evento alcanou na Amrica do
Sul: 435 mil visitantes.
Outro museu a ser destacado o Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio de Janeiro.
Este um museu que enfrentou graves problemas a partir de 1979, quando um incndio
destruiu um grande nmero de obras de arte. Com sua credibilidade debilitada, o Museu
nunca conseguiu superar as perdas ocorridas e reconstruir um acervo de obras de arte da
mesma importncia que a anterior. Ele se localiza no centro da cidade, cujas condies de
segurana tm se deteriorado nos ltimos anos. O MAM tem apresentado pequenas
exposies durante o ano. Estas mostram contam com o pblico previsvel de
aproximadamente 5 mil interessados em obras de arte. Em julho de 1999, no entanto, o Museu
exibiu algumas das obras de Pablo Picasso e atraiu cerca de 130 mil visitantes em 40 dias.
Com os dados obtidos no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), foi possvel fazer
uma comparao entre o nmero total de visitantes que procura o Museu durante o ano e o
pblico de cada uma das grandes exposies sediadas pelo Museu.
Ano Exposio Perodo N de Visitantes Preo do Ingresso (domingo grtis)
Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)
1995
Permanente
ano todo
55.061
Rodin
18/04 a 19/05
226.000
R$ 2,00
1997
Permanente
ano todo
56.406
R$ 3,00/ 1,00 (est)
Monet
12/03 a 19/05
432.000
R$ 3,00/ 1,00 (est) / 6,00 (s/fila) 10,00 (vip/CD-ROM)
1998
Permanente
ano todo
71.704
R$ 4,00/ 1,00 (est)
Dal
23/03 a 24/05
250.000
R$ 4,00/ 1,00 (est) / 8,00 (s/fila)
12,00 (vip/CD-ROM)
Botero 10/07 a 13/09
51.000
R$ 4,00/ 1,00 (est) / 8,00 (s/fila)
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Como est disposto na tabela acima, o nmero de pessoas que o MNBA recebeu
nestas megaexposies durante perodos curtos de um a dois meses, representa de 4 a 8 vezes
o nmero que ele receberia durante todo o ano. No s o MNBA, mas todos os museus que
serviram de sede a este tipo de exposio receberam um nmero de visitantes que vai muito
alm do que o total de visitantes que procuraram as exposies permanentes ao longo do ano.
Procuramos dados relativos ao pblico que esteve presente nas diversas megaexposies
realizadas nos ltimos anos.
Ano Exposio Museu Perodo N de Visitantes Ingresso
1993
Eco- 92 / Viva O Povo
Brasileiro
MAM-RJ
147.000
1995
Rodin
MNBA
18/04 a 19/05
226.000
R$ 2,00
Mir
CCBB
230.000
1996
Goya
MAM-RJ
50.000
1997
Monet
MNBA
12/03 a 19/05
432.000
R$ 3,00
MASP
28/05 a 28/07
380.000
1998
Camille Claudel
MAM-RJ
15/01 a 22/03
165.000
R$ 5,00
Pinacoteca
SP
100.000
R$ 4,00
Dal
MNBA
23/03 a 24/05
250.000
R$ 4,00
Botero
MASP
17/03 a 17/05
100.000
R$ 8,00
MNBA
10/07 a 13/09
51.000
R$ 4,00
1999
Picasso
MAM-RJ
27/07 a 07/09
136.509
R$ 10,00
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De acordo com estas tabelas, o preo do ingresso parece no ser decisivo. No h uma
correlao direta entre visitao e o preo da entrada. O MNBA manteve o preo de bilheteria
usual, criando novas tarifas para aqueles que queriam mais conforto, como horrios
exclusivos, ou a compra de um CD-Rom sobre a mostra. A visitao foi gigantesca. A
Pinacoteca de So Paulo tambm manteve os preos de bilheteria. O MASP e o MAM-RJ, no
entanto, cobraram bem mais pela entrada exposio e obtiveram tambm sucesso de
pblico. Nas entrevistas que fizemos com os visitantes do MAM-RJ o preo de R$ 10,00 por
pessoa no foi mencionado como um fator negativo.
Nos questionrios que passamos entre os visitantes da exposio Picasso Entre
Guerras observamos que grande parte dos visitantes ainda poderia ser compreendida entre os
moradores da zona sul do Rio de Janeiro, com bom poder aquisitivo e nvel educacional. Este
grande aumento de pblico, portanto, ainda no representa a incorporao de grandes
contingentes populacionais que tm se mantido distante das visitas aos museus. Estas
megaexposies parecem estar competindo com outras prticas culturais oferecidas para os
mesmos setores populacionais.
A comparao entre o pblico da exposio permanente e o pblico da exposio
sobre dinossauros no Museu Nacional tambm trouxe dados interessantes. Enquanto grande
parte do pblico da exposio permanente era constituda por estudantes de escolas situadas
em local prximo Quinta da Boa Vista, o pblico da exposio temporria era mais
diversificado e apresentava renda e nvel educacional mais altos. A exposio temporria foi
muito divulgada pela mdia e apresentava uma novidade em termos culturais para os
estudantes.
A partir destes dados, podemos concluir que os museus brasileiros encontram-se
abandonados por falta de investimentos e que na medida em que modernizarem suas
instalaes oferecendo exposies mais atraentes ao pblico eles sero capazes de atrair um
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nmero muito maior de visitantes. Estudos sobre a cultura no Brasil tm demonstrado que,
nas ltimas trs dcadas, tem havido uma adaptao de prticas culturais e esportivas s
demandas de uma faixa mais larga da populao (Ortiz 1988). necessrio, no entanto,
melhor caracterizar o que seria este processo de modernizao de prticas culturais.
IV. Democratizao da Cultura ou Banalizao da Arte?
As megaexposies tm sido criticadas por estarem banalizando a arte e a oferecendo
ao grande pblico como objetos a serem consumidos e no contemplados. Acredito que a arte
autnoma, passvel de ser contemplada e de trazer tona novas experincias a serem travadas
sobre o mundo em que vivemos, da maneira em que foi concebida por alguns membros da
Escola de Frankfurt (Adorno 1979) h muito foi banida das salas dos museus. Estes, como
bem descreve Bourdieu (1969, 1986), tm servido como espao diferentes setores da
populao disputam por capital simblico e melhor posio na hierarquia social. Nesse
sentido, o acesso de um nmero maior de pessoas aos cdigos culturais veiculados pelos
museus implica em democratizao. Primeiro, gostaria de mostrar como a democratizao
desses cdigos acontece, e, em seguida, levantar alguns limites a este potencial
democratizante das novas exposies.
interessante, portanto, analisarmos melhor as caractersticas destas novas exposies
para compreendermos seu sucesso junto a um pblico maior. O que elas oferecem de
diferente? Um problema que encontramos nos museus brasileiros atuais o da precariedade
dos servios oferecidos ao pblico paralelamente s mostras apresentadas. No h cadeiras,
bancos ou sofs ao longo das exposies para que os visitantes possam descansar. No h
banheiros suficientes, gua ou mesmo local para que pequenos lanches e caf sejam servidos.
Condies adequadas para crianas, mulheres grvidas, deficientes fsicos ou idosos
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inexistem. Em suma, aqueles que ultrapassam o tempo de duas horas nestas visitas no s
apresentam bom preparo fsico como no se importam com a falta de conforto.
Outro aspecto crucial a falta de informao sobre o que est exposto. raro
encontrarmos catlogos, guias, legendas e textos que tenham coerncia interna e atraiam a
ateno do olhar curioso. Visitas guiadas so raras e pouco divulgadas. As vitrines,
disposies internas, circuitos e configuraes espaciais apresentam-se ainda de forma
bastante tosca, sendo poucos os museus que conseguem utilizar arquitetos e designers em sua
estruturao.
Entre as principais caractersticas dos megaeventos, podemos destacar trs: a oferta de
servios bsicos, padronizao da linguagem e informao. Paralelamente s exposies, o
pblico encontra cafs, banheiros, locais para troca de fraldas, gua, como lojas para
consumo. Prticas interativas so oferecidas aos visitantes, sendo que as crianas recebem
uma ateno especial. H preocupao em atender bem deficientes fsicos, mes com seus
bebes, crianas pequenas e estrangeiros. A visita prazerosa e no implica em sofrimento.
No h longos corredores, horas de interminveis de cultura sem po e gua. A
racionalizao esttica da apresentao e a utilizao dos meios de comunicao de massa
para propaganda tornam-se aspectos comuns.
A linguagem utilizada comum a um certo grupo de pessoas que transita por
diferentes partes do mundo. H uma economia de smbolos permitindo que as mensagens
sejam transmitidas atravs de poucas imagens, evitando-se com isso uma poluio visual e
multiplicidade desnecessria de informaes. As exposies fazem uso de uma tecnologia
nova em forma de vdeos, DVDs e aparelhos de informtica. O design sempre muito bem
cuidado de forma a que as exposies ganhem uma identidade junto a seu pblico.
Essas exposies tm, portanto, uma linguagem prpria. Elas muitas vezes vm
produzidas de forma a garantirem sua identidade, mesmo quando localizadas em estruturas
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arquitetnicas diversas. Elas so protegidas por este trabalho de programao e visual e se
distanciam do contexto em que se inserem. Tambm o visitante levado a ter a impresso da
unidade do discurso inerente exposio. Ela um todo que se fecha em si mesmo e se
completa. Os grandes corredores e as grandes salas dos museus so utilizados para abrigar
espaos menores. O importante que se observa que os espaos so utilizados para que
possam potencializar o efeito pretendido pelo objeto em exposio. No h mais objetos
enfileirados ou acumulados sem uma ordem clara; o que se observa agora uma total controle
da forma pela qual estes objetos precisam ocupar para atrair maior atenao sobre seus
atributos particulares.
Na exposio Picasso, por exemplo, havia um nmero grande de retratos de Dora
Maar e eles foram expostos lado a lado em um longo e estreito corredor. O objetivo era
chamar a atenao para a repetio e para iso o corredor foi utilizado. Em outro mometno, a
opo foi um espao aberto e imenso da entrada paa veicular com letras enormes a vida do
pintor. Pequenas esculturas, ao contrrio, ocupavam pequenas salas para que nao ficassem
perdidas em ambientes que poderiam dispersar a atencao do visitante. Tentativa de
entrelaamento entre forma e contedo.
H tambm um cuidado especial em informar bem quele que chega exposio.
Claras sinalizaes permitem ao visitante se localizar no circuito total da exposio
facilitando seus movimentos e propiciando escolhas sobre os rumos a serem tomados.
Finalmente, relevante destacar que esta linguagem comum a um grande nmero de pessoas
ao redor do mundo. As megaexposies podem facilmente viajar por diversas capitais e
serem compreendidas porque trabalham com uma linguagem unificada que conhecida em
diversas partes do mundo. Esta padronizao da linguagem, mas tambm de condies fsicas
capazes de permitir que hbitos e costumes possam se reproduzir, faz com que o carter
itinerante seja possvel.
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Alm disso, a informao constante, utilizao de guias e mapas mostram ao que se
aventura por aquelas salas que ele como qualquer outro necessita daquelas informaes para
compreender o que est acontecendo. A sensao de no pertencimento combatida em todas
as frentes. Enfim, as pessoas que chegam a estes museus, muitas vezes pela primeira vez, so
bem recebidas. Elas foram informadas pela mdia do que deveriam encontrar e, de certa
forma, confirmam a informao que recebem atravs da ida ao museu.
As megaexposies trazem legendas que do ao visitante informaes bsicas sobre
quem foi o autor da obra de arte, qual o contedo desta, em que tendncia artstica pertence,
quais as caractersticas desta e em que perodo histrico ocorreu. A postura exigida do
visitante muito menos formal do que em exposies regulares programadas pelos museus.
H prticas interativas, locais para descanso, espaos mais amplos e maior liberdade de
movimento. A mdia empregada, como grandes telas, instalaes, salas de cinema e vdeo,
luzes, fazem com que o visitante fique mais relaxado ao longo do circuito.
certo que as megaexposies tornam seus discursos mais acessveis a setores
maiores da populao. preciso ressaltar, no entanto, dos aspectos ainda restritivos que se
associam democratizao dos cdigos culturais. Em que pese a ampliao do pblico, O
Brasil de Primeiro Mundo que apresentado nestes eventos volta-se para uma parcela bem
pequena da populao. Enquanto em pases desenvolvidos, os museus abrem suas portas
muitas vezes sem qualquer custo, como o caso do British Museum, National Gallery ou
Metropolitan Museum of Art, uma exposio das obras de Picasso para ser vista no Brasil
custa R$ 10,00 por pessoa. Considerando que grande parte da populao vive com um salrio
mnimo que no chega a cem dlares, podemos melhor compreender o carter restritivos
dessas exposies.
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O outro aspecto a ser ressaltado que a unificao da linguagem por si s no
democratiza o contedo das exposies, mas apenas divulga um determinado contedo j
estabelecido para um pblico maior. A partir da dcada de 70 observamos em todo o mundo
uma incorporao de novos objetos a serem preservados. Museus de pequenas comunidades,
com objetos do cotidiano, ou museus que refletem locais de trabalho de setores populares da
populao ganharam o status de histria a ser preservada. Mas como vimos, estas
megaexposies esto longe de representarem a valorizao de uma srie de smbolos
culturais associados a camadas mais populares.
IV. Os mega-eventos em contextos ps-nacionais
Essas megaexposies implicam em um processo de mercantilizao da arte e de
outros objetos que at ento ficavam sob a custdia dos diretores dos museus. Produtores
culturais so responsveis pela obteno de financiamento, contratao de curadores,
utilizao de um servio de marketing, agregao de um acervo que se encontra espalhado por
museus e centros culturais de todo o mundo e associao a uma equipe de arquitetos e
designers. Esses eventos so capazes de atrair a ateno de um pblico muito grande e at
ento arredio s visitas a museus. Alguns dos grandes museus de pases ricos como
Inglaterra, Frana e Estados Unidos, atuam de maneira similar, organizando exposies
temporrias com caractersticas muito prximas a estas que foram organizadas no Brasil.
Alm disso, museus como o Guggenheim ou a Tate Gallery tm inovado em suas
atuaes comerciais. O presidente Thomas Krens, da Fundao Solomon R. Guggenheim,
partiu j h alguns anos para a criao de franquias em todo o mundo. O Guggenheim uma
instituio que pode ser encontrada na Quinta Avenida e Soho, em Nova Iorque, mas tambm
em Bilbao, Berlim e Veneza. Las Vegas e Rio de Janeiro so possveis sedes de novas filiais,
em que a Fundao vende seu prestgio e coloca disposio das novas sedes parte do acervo
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pertencente Instituio. A tentativa de expanso destes museus responde na verdade uma
necessidade de vrios outros museus que tm ampliado o seu acervo sem possibilidade de
exp-lo. Alm disso a multiplicao de sedes permite uma especiliazao do acervo e melhor
adequao deste ao pblico de cada local. O Guggenheim com sua estratgia de franquias
conseguiu se aproximar dos gigantes Metropolitan Museum of Art e Louvre em termos de
pblico, tornou-se capaz de atrair mais de 6 milhes de visitantes ao ano.
O Guggenheim tem recebido muitas crticas no s pelo sistema de franquias, mas
tambm por comercializar o espao de exposio como lugar de entretenimento, substituindo
exposies de objetos de arte por exposies motocicletas subsidiadas pela BMW ou trajes e
costumes de autoria do estilista Giorgio Armani, tambm subsidiado por este ltimo. O
critrio de seleo do que deve ser exposto passa a ser definido pelo patrocinador da
exposio e no mais por critrios estticos ou cientficos. Novamente surge a crtica de que a
substituio do patrocnio do Estado pelas leis do livre comrcio seriam responsveis pela
banalizao da arte.
Para compreendermos melhor o debate e as crticas que surgem em relao as
mudanas das regras no mundo das artes necessrio considerar alguns aspectos fundantes
destas instituies a que hoje chamamos museus. Segundo aqueles que tm estudado o
desenvolvimento de colees pblicas, os museus de hoje tem alguns de suas caractersticas
bsicas delineadas a partir de meados do sculo dezoito. Este foi o momento em que as novas
colees se diferenciaram das anteriores, primeiro, por estarem vinculadas a um modelo de
conhecimento baseado na razo e na cincia (Bennett 1995; Prsler 1996). Segundo, pode-se
destacar a capacidade destas instituies de fortalecer as naes que se consolidavam. A
abertura do Louvre ao grande pblico logo aps a revoluo francesa foi um marco no sentido
publicizar objetos antes pertencentes aristocracia. O prestgio das colees repassado
queles que tm o poder de preserv-las para que sejam admiradas.
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Segundo Canclini, por manter forte vnculo com a construo de imaginrios
nacionais, os museus seriam uma das ltimas instituies culturais ainda fortemente
financiadas pelos governos dos Estados Nacionais (Canclini 1992). O que observamos,
portanto, a entrada dos museus na era das privatizaes realizadas pelos governos neo-
liberais. O modelo norte-americano, em que os museus j h muito recebem parte
considervel de seus investimentos atravs de doaes e da cobrana de ingressos, acaba por
impor-se a outras naes. No incio da dcada de 90 grande parte dos museus Europeus ainda
recebiam financiamento direto do governo. Recentemente temos observado grandes mudanas
nessa rea da cultura, que torna-se cada vez mais mercantilizada. At 1993, por exemplo, os
museus parisienses eram totalmente subsidiados pelo Estado. Atualmente, esses museus
precisam cobrir 30% de suas despesas anuais no mercado. Especialistas em marketing so
escolhidos para serem os diretores das grandes instituies da cultura.
Contra a alegao de que junto mercantilizao ocorre a alienao poltica, h alguns
aspectos a serem considerados. No se pode dizer que as novas megaexposies sejam neutras
politicamente. Muito pelo contrrio, o que se observa usualmente so narrativas
contemporneas que rompem a barreira entre arte, vida cotidiana e poltica. Na exposio
Picasso Entre Guerras, por exemplo, o objetivo foi mostrar as obras de Picasso produzidas
no perodo entre guerras. As pinturas procuravam mostrar o entrelaamento entre vida pblica
e privada do autor. A mostra politicizou alguns dos contedos da obra de Picasso. Nas demais
exposies podia-se observar claramente a politicizao de temas como obesidade, como na
exposio de Botero, gnero, na de Dal, e assim por diante.
A vinda ao Brasil de um determinado conjunto de obras de arte associado
determinada nao, evidentemente fortalece esta ltima nos laos entre naes. As
megaexposies que trouxeram as obras de arte de pintores franceses esto vinculadas ainda a
laos de diplomacia mantidos entre Frana e Brasil. O ex-adido cultural francs responsvel
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pela produo cultural da maior parte destes eventos d continuidade tradio que tem incio
com a vinda da Misso Francesa ao Brasil, em que se divulga uma forma de valorizao da
arte e da cincia, que, por sua vez, se concretiza na verso francesa de eleio das obras
universais. Ainda que autnoma, a arte neste caso fortalece aqueles que foram capazes de
reconhec-la enquanto arte e tiveram o poder de preserv-la: a Frana em sua grandeza. No
surpresa, portanto, que na visita feita ao Brasil por Jacques Chirac, interessado em estreitar
laos econmicos e polticos com os pases pertencentes ao Mercosul, a exposio Monet fez
parte do cerimonial.
Observamos o debate, portanto, entre duas propostas de controle em relao aos
museus, nenhuma delas neutra politicamente. Por um lado, a nfase colocada no poder
democratizante das leis de mercado, e, por outro, na poder democratizante da divulgao de
cgidos culturais antes pertencentes apenas a uma parcela elitista da sociedade. Nenhuma das
duas defesas se sustenta incondicionalmente. Se a mercantilizao dos museus pode colocar
em cheque a utilizao clientelista de instituies pblicas, e alguns dos museus norte-
americanos h muito tm dado exemplos nesse sentido, tambm verdade que as leis do
mercado podem reproduzir hierarquias sociais atravs de uma produo que se flexibiliza,
fragmenta e volta-se para pblicos hierarquizados. Se o empobrecimento cultural for lucrativo
no h garantias no mercado contra ele. Em relao ampla divulgao de determinados
cdigos culturais, podemos dizer que ela pode ser capaz de estabelecer tanto condies para
novas formas de reflexividade, quanto pode ser responsvel desde a reiterao de polticas
expansionistas a processos de domesticao de hbitos e costumes, e ao controle ou excluso
de expresses culturais diversas.
A garantia de que o museu se preocupar com a qualidade do contedo a ser exposto
respeitando diversidades culturais e atendendo s demandas da populao parace ser portanto
uma resultante que no depende exclusivamente nem do mercado, nem de polticas
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governamentais. importante que os critrios de seleo e julgamento sobre o que
importante colecionar e expor alcancem consenso entre os diversos setores da populao.
justo que as instituies possam competir na arrecadao de doaes e subsdios, de acordo
com sua performance junto ao pblico.
Em suma, podemos concluir com a afirmao de que a contraposio manuteno de
privilgios e hierarquias na rea da preservao de heranas culturais passa pelo respeito a
critrios de transparncia na gesto financeira, eficincia em termos de funcionamento, e
respeito aos interesses dos diversos setores da populao. No devemos temer o grande
pblico, mas faz-lo atuar organizadamente sobre si mesmo. A combinao entre leis do
mercado, que fazem com que polticas clientelistas no seja possvel, e polticas
governamentais, que atravs de incentivos fiscais controlam o mercado, tm dado certo em
diversas instituies. No mundo dos museus, h aqueles que atuam segundo as leis do
mercado, da eficincia e do atendimento ao pblico, mas sem fins lucrativos. Eles tm
simultaneamente garantido a qualidade do que exposto e respeitado as demandas diversas de
visitantes, que em determinados contextos tm se tornado cada vez mais exigentes.
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