As manifestações e o novo formato das reivindicações (Artigo integral)

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As Manifestações e o novo formato das reivindicações (artigo na Integra)

Não é simples avaliar tudo o que está acontecendo. Não tenho aqui esta pretensão, mas sempre fui livre para me expressar neste blog, que foi criado antes mesmo de eu me tornar um graduando em Ciências Sociais. Para abordar brevemente alguns perfis das manifestações, dividirei aqui os seus aspectos mais relevantes:

Obs.: para ler o artigo na integra clique aqui:

1. Algumas contribuições para o fenômeno Quando uma grande massa sai ás ruas em protesto algo de grave pode estar acontecendo. Quando está grande massa é de estudantes universitários, algo de muito grave pode estar acontecendo. O estudante universitário tem dois fatores que o diferencia das demais classes: esclarecimento em alto nível, o que o torna mais socialmente pensante; e a crença ainda intacta de que pode mudar o mundo à sua volta. Este dois poderes aliados chama-se coração de estudante, um coração ainda não pressionado, vencido e engessado pelas necessidades, convenções e vicissitudes sociais.

Baixa qualidade de vida dentro de um país rico

Entre os fatores que contribuem para as manifestações estão obviamente o fato do Brasil ser um pais rico cuja a riqueza não chega de forma mais justa à população. Isto é notório. À medida que o país vai mostrando um perfil de país de primeiro mundo, principalmente pelo fato de poder sediar grandes eventos esportivos. Então muito natural que a população comece a desejar que este status de primeiro mundo seja dividido com ela também. O país da Copa 2014 e das Olimpíadas 2016 é um país onde ainda há miséria, trabalha escravo, trabalho infantil, onde os serviços públicos e de concessões estão entre os piores do mundo. Tudo isso serve de combustível para o motor das manifestações.

Internet/Facebook A Internet ocupa importante lugar nestes movimentos. Na pesquisa Data Folha 84% dos manifestantes souberam do evento pelo Facebook e 71% estavam pela primeira vez em uma manifestação. São números importantes. A rede social, no caso das manifestações atuais, tem sido a liga entre os

que desejam mudanças. Isto ajuda a explicar a multiplicidade de manifestações

(mais de 100 no dia 21/06). A instantaneidade da comunicação favorece a uma

estratégia de alta velocidade de eventos neste movimento. Quem vive no Norte

tem como saber de modo mais imediato o que está pensando quem vive no

Sul. E quando os pensamentos e desejos se alinham, a união é inevitável. Esta

união é exponencialmente favorecida pela comunicação instantânea, não só

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para a pluralidade das manifestações como também para as aglomerações

locais. Estes fatores certamente colaboraram para a eclosão estudantil nas

ruas.

Tal façanha, a de reunir universitários, não é de se estranhar se lembrarmos que o Facebook nasceu dentro de uma universidade e, inicialmente, se multiplicou dentro de universidades, o que lhe dá um caráter quase “acadêmico” no sentido de status intelectual. Foi para o Facebook que correu quase toda massa mais esclarecida, praticamente abandonando as demais redes sociais. Também migraram muitos dos que relutavam em entrar em redes sociais e inúmeras celebridades. Embora se veja no Facebook muitas asneiras, ele conseguiu construí um tom de seriedade e de alta interatividade. A seguir vem o Twitter, outro mecanismo importante onde inclusive autoridades costumam postar. O fator da interatividade na rede social também conta muito. Por lá passa todo tipo de informação. Mas o que isto tem de diferente da televisão, que também trás uma multiplicidade de informações? A diferença é que na Internet, nas redes sociais, você pode opinar. Então isto leva o indivíduo a ler mais. Mesmo não lendo a maioria do que é oferecido, o fato dela poder ler fragmentado, concordar, discordar, ironizar ou xingar, faz com ele se detenha mais nas informações do que quando da televisão. Este interatividade está levando as pessoas a lerem um pouco mais e se informar melhor (embora o conteúdo de muita coisa que se lê nas redes possa ser ainda duvidoso). A rede social também serve para dividir alegrias, acontecimentos, dores, indignações. E dores e indagações não faltam aos brasileiros. Ao se perceber que a indignação do outro é a mesma que a sua, isto pode motivar uma ação em conjunto. É claro que não podemos reduzir este acontecimento ao fator rede social, mas sabemos que ele teve enorme influência, pelo menos no que diz respeito à comunicação da realidade político-social brasileira, da união de desejos e pensamentos afins, porém distantes, e da agenda das manifestações. Também não podemos esquecer o fato de que a educação universitária hoje está mais ao alcance das classes menos favorecidas, e as classes menos favorecidas são as que mais sofrem o descaso social. Sempre se soube que dar educação ao povo socialmente sofredor é leva-lo a uma inevitável reconstrução social. Certamente na medida em que as classes que vivenciam maiores riscos sociais vão tendo acesso à educação universitária (que é a educação que faz pensar) elas vão identificando melhor os seus direitos e aperfeiçoando o seu discurso e a sua visão política. Isto é somado à tradição universitária de contestar. Claro que estes não são os únicos fatores das manifestações. Certamente há outros tantos, mas o pano de fundo é mesmo o de um país rico, cujo poder público enriquece políticos, maquia os serviços e continua matando muita gente de fome, sede, de ausência e de raiva.

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2. As manifestações

É bem verdade que para muitos a passeata é pop. Vestir camisas, mostrar cartazes, estar junto, para muitos é ganhar automaticamente o status de, no mínimo, alguém bem conectado com o seu tempo e um perfil mais intelectualizado e visionário. Entretanto as manifestações não se resumem a isto, e a autoestima do povo

notadamente cresceu. Além disso,há alguns amadurecimentos políticos

importantes. O primeiro deles é a aversão partidária. Esta aversão chamou a

atenção dos mais experientes, que em geral contestam isto alegando que é o

partido político que tem a caneta para viabilizar as mudanças. Compreendo

esta colocação entendo que para muitos não é fácil avaliar e aceitar o novo

(que como alguém já disse, “sempre vem!”). A juventude sabe, e todo cidadão

deveria saber, que sempre há uma figura, um grupo ou um partido de plantão

para se apropriar de certos acontecimentos. Onde estão, por exemplo, os

lideres do Movimento Cara Pintada? Muitos viraram políticos (um direito deles),

mas políticos que sequer ousariam por a cara nas atuais manifestações. Tais

indivíduos, grupos ou partidos, se apropriam politicamente do que os outros

fazem e se autopromovem, e a juventude sabe disso e não quer isso. Repare

que nem mesmo as entidades que representam (?) os estudantes tem espaço

no atual movimento. UNE, UBES, ANEL e companhia não foram convidadas e

nem deverão ser. Então a ausência nas manifestações de partidos e de

entidades viciadas no sistema político é de um amadurecimento considerável,

beirando mesmo o revolucionário. Isto explica também a tendência de não

haver um líder ou um grupo de líderes especifico. Este é um recado que está

sendo dado em alto e bom tom: não queremos por aqui ninguém se

autopromovendo. Isto dignifica e da mais seriedade ao movimento, que é

genuinamente coletivo. Em outras palavras, estamos pulando a etapa política

entre a população e o poder, que seria a figura do mediador político. Nesta

casso a massa mostra que ela quer ser ouvida diretamente, e ela mesma vai

identificar que serão aqueles que vão representa-la no diálogo com o poder

público.

Resta saber até quando este altruísmo político durará naqueles que forem identificados para o diálogo. Torço para que perdure e, se um deles adentrar pelos cargos eletivos da política, o que é um direito legítimo de cada um, torço para que não se corrompa. Torço também para que a reversão nos preços das passagens nas esvazie as ruas, pois isto deixará claro que o engajamento estudantil se limitou, o que seria uma grande decepção, algo que eu não quero acreditar. Outro amadurecimento importante é a totalidade regional das manifestações. Acabou aquela coisa do eixo Rio-São Paulo ou Sul-Sudeste. Esta ação total é um amadurecimento político considerável, inédito e digno de registro. Nem os mais otimistas poderiam esperar manifestações em Macapá ou Juazeiro do Norte, por exemplo. Não por falta de mentalidades novas para

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isto naquelas regiões, mas pela falta de histórico e por se entender que os interesses lá seriam mais localizados. E é justamente nesta questão de interesses localizados que reside mais um amadurecimento político. As manifestações são, antes de tudo, focadas nas questões que estão mais próximas do cidadão. Daí a dificuldade de muitos entenderem a pauta, pois a pauta no Oiapoque é uma e no Arroio Chuí é outra. Claro que as pautas vão se cruzar sempre em torno de algo comum. Mas repare que o foco está prioritariamente apontado para os governos estaduais e prefeituras, e isto também é inédito em se tratando de acontecimento simultâneo e múltiplo em âmbito nacional. As manifestações estão muito mais preocupadas com os serviços mais próximos do cidadão, embora não falte a crítica ao todo. Tanto é que o fenômeno se estratificou ainda mais nesta sua forma inédita e se subdividiu chegando aos bairros. Tivemos manifestações bairristas pedindo melhorias para os bairros e protestando em frente de subprefeituras. Nós queremos Brasília mudada, mas percebemos que a mudança começa dentro de nós, depois na nossa casa, nossa rua, nosso bairro, cidade e estado. Já a Nação é consequência e causa ao mesmo tempo, embora enquanto causa só se atinja, praticamente, a política de âmbito nacional. Mudasse hoje a presidência, isto não significaria mudanças consideráveis no formato político da prefeitura mais próxima de você. Aliás, os governantes atuais têm poucas chances de mudar o modelo já por

eles mesmos estabelecidos. O pacto proposto pela presidenta precisa ser tão

politicamente altruísta, em todas as suas vertentes, quanto às manifestações.

Teremos certamente manifestações apontadas para o Planalto Central, mas sem perder a pontaria nos erros mais próximos de nós.

3. A pauta

Como já foi dito, as manifestações são, antes de tudo, focadas nas questões que estão mais próximas do cidadão. Daí a dificuldade de muitos entenderem a pauta. A própria gota d’agua (R$0,20) é algo regional, variando de cidade para cidade. Aliás, quando militei no jornal O Abaixo Assinado, tivemos acesso à planilha de custos da Viação Redentor, grupo de transportes que engloba a Viação Futuro, Transportes Barra e Litoral Rio. O que descobrimos foi algo inacreditável: no decorrer de um mês, todo o faturamento de apenas uma semana dava para pagar todos os compromissos da empresa, desde a folha de pagamento aos veículos novos e equipamentos, passando por IPTU e outros impostos. As outras três semanas do mês eram de lucro puro. Imagine você o que significa dinheiro para pagar toda uma folha, veículos novos, equipamentos e impostos de uma empresa deste porte. Agora imagine três semanas deste mesmo valor como lucro puro. Nada contra o enriquecimento, mas isto mostra que não há necessidade das passagens serem tão caras e do serviço ser tão ruim. E torna injustificável os prefeitos alegarem que vão diminuir verbas em outras áreas para poder subsidiar o não aumento das passagens. Não é de hoje que se sabe que as empresas de transportes têm braços comprometedores dentro das câmaras de vereadores e prefeituras. Mas o aumento das passagens foi apenas a gota d’água.

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Entretanto, muito me espanta alguns ficarem perguntando “Qual é a pauta das

manifestações, qual é a pauta?”, como se o nosso país fosse um país

socialmente justo, como se a Educação fosse muito boa, a saúde eficiente e

não houvesse exploração por parte das concessionárias de transportes

coletivos, ou como se a corrupção fosse uma ilusão na terra brasilis. Ora,

diante de tanto sofrimento social, a pauta é mais do que clara, é obvia:

queremos ser ouvidos! Esta é a pauta. E ser ouvidos por todos estes motivos.

Reconheço que os mais experientes estejam acostumados a uma puta

específica, como o Diretas Já ou o Fora Collor, mas até nisto o novo

movimento é inovador, gritando por tudo o que está errado. Claro que sempre

poderá haver uma tendência de pauta nesta ou naquela manifestação, com já

houve pela PEC 37 ou contra rebaixamento dos salários dos professores em

Juazeiro do Norte, por exemplo, além disso, não só as pautas como também o

movimento em sivão cada vez mais se definindo. Mas você há de convir que na

hora do diálogo com o poder público o que não vai faltar é pauta.

Mas a grande verdade é que a pauta não quer reformas, quer mudanças.

Neste conceito o movimento é revolucionário.

4. O vandalismo

Inicialmente a polícia bateu feio. Depois silenciou, para mais tarde tornar a bater. E depois da polícia ter batido muito está mais do que claro que a juventude não vai recuar. Então parece que aos poucos estácomeçando haver uma maior tolerância de ambas as partes, embora policiais do Rio estejam dando pulos de alegria pela chegada de um caminhão pipa, o que significa que além de cassetetes, tiros e bombas, agora apenharemos com jatos d’água também. Mas imagine 1 milhão de pessoas andando nas ruas e apenas gritando palavras de ordem. Isto preocupa o Estado? Claro que sim? Mas não há como não reconhecer que a depredação faz o estado tremer na base. Será que o atual abalo político causado seria o mesmo sem as depredações? Além do mais há toda uma simbologia neste tipo de depredação. Quebrar radares significa dizer que é se contra a indústria das multas, por exemplo. Pichar as paredes do Paço Imperial da Praça XV é dizer ao estado que a vida do cidadão é mais importante do que um casarão ou um monumento, que o monumento tem lá a sua importância, mas que já não se admite se tratar tão bem um monumento enquanto vidas humanas se acabam nos péssimos hospitais. Neste momento o que a massa está dizendo é que a vida dela é mais importante, e que se tem dinheiro para cuidar de monumentos e casarões, então tem que ter para cuidar socialmente dela também. Isto para ficar por aqui e nem entrar no fato de o Paço Imperial ser um símbolo da colonização e da escravidão. “Ocupar” o Planalto central e o Palácio Tiradentes, por exemplo, também é uma ação carregada de simbologia, onde você pode ter várias leituras, entre as

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quais a de que “Somos nós que pagamos os seus salários” ou “Vocês só estão aí porque nós os pusemos e serão substituídos por outros se nós quisermos”. Em tese, depredar é um recado à autoridade de que algo está muito errado. Os preparativos para a Copa do Mundo deixou claro que o que todos já sabiam: o Brasil é um país rico. E só pode ser, pois é roubado há mais de quinhentos anos e nunca faliu. Agora que se vê a riqueza mais de perto através de estádios, muito natural que se revolte e se peça que esta riqueza seja estendida aos serviços públicos. O Estado vem praticando o vandalismo invertido há séculos. Saiam do Maracanã, estádio de 1 bilhão, atravessem o Muro da linha do tem e subam a comunidade de Mangueira, e vejam que a menos de 2 km de onde acontecerá a abertura das Olimpíadas, as pessoas ainda estão morando de forma precária e pisando em esgoto. Isto é progresso? Entrem nas escolas públicas municipais e estaduais, olhem elas por dentro e por fora. Que motivação uma criança pode ter de estudar em ambientes insossos, com pinturas desbotadas e salas de aula deprimentes? Isto é um vandalismo contra o cidadão. Morrer em um corredor de hospital por falta de médicos, leitos ou equipamentos, se sujeitando ao sucateamento da saúde pública é um vandalismo com o cidadão. Este vandalismo invertido acontece todos os dias, nestas e em outras formas, e está acontecendo neste instante enquanto estamos aqui dialogando. Eu não quero jamais abonar o vandalismo, mas entender que ele ocupa algum lugar dentro do conceito político é inegável. Outra coisa que ficou comprovada é o despreparo e a passionalidade policial, que gosta mais de brincar de polícia/ladrão do que resolver a situação realmente. No Rio, no dia 19/06, houve uma verdadeira caçada aos estudantes. Enquanto helicópteros jogavam bombas, estudantes eram presos e levavam pisadas no rosto. Tiros e bombas foram disparados contra hospitais e grupos de manifestantes foram encurralados, não para que se retirassem, mas para serem espancados. Não se espantem se acontecer no futuro uma manifestação onde a pauta seja a contra polícia. Também reconheço que há pessoas que não estão nas ruas para protestar e sim para roubar e quebrar. Esta é uma ação que teremos que aprender a evitar. É preciso uma organização mais dinâmica nas manifestações para que tais pessoas fiquem isoladas e seja reconhecidas e freadas, e também uma espécie de aviso que indique quando os manifestantes devem finalizar o evento indicando a retirada de todos que não querem quebrar nada. É preciso pensar nisso. Resta ainda a teoria de que o movimento é bancado, em surdina, pela extrema direita. Me custa a crer, mas se for verdade, o movimento já teria extrapolado tal artificio, no sentindo de que a grande massa tem entendido o movimento como autêntico e dando a ele legitimidade.

5. A posição do Estado

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Não acredito em golpe militar. Embora ainda exista ressonância em certas mentalidades de alguns cidadãos, o comprometimento dentro do conceito democrático internacional que viabiliza o intercambio econômico, comercial, turístico e cultural no qual o Brasil se encontra hoje é muito grande. Não é interessante para muitos países, como foi antes, que haja uma ditadura ou um golpe aqui. Sem contar que seria um contrassenso um golpe militar em um país que envia missões de paz para países como Haiti e Congo. É normal que os que viveram a ditadura e os familiares dos que vivarem a ditadura tenham medo. Este medo só confirma o estrago psicossocial que o poder opressor limites é capaz de fazer a um povo. A classe média reacionária, revoltada com a política de bolsas do governo tenta notoriamente levar o foco das manifestações para a figura da presidenta. Junto com esta classe vêm os jornalistas reacionários e parte da mídia sensacionalista ou que sabe o que é tirar proveitos e favores de um Estado ditador. Isto é de uma infantilidade política desprezível. Se parte da geração que viveu a opressão ainda teme um golpe, a nova geração se sente profundamente motivada em sair para ruas justamente por ter uma presidenta que enfrentou destacadamente um regimento de opressão, sendo torturada e presa em prol da liberdade democrática. Em outras palavras, a juventude, independente de endossar ou não o governo, tem em Dilma um grande espelho e exemplo de luta política, sendo este, a meu ver, um dos motivos que, somado ao um amadurecimento político, a leva para as ruas. Outro fato é que, como já vimos, as manifestações estão mais preocupadas com o que está mais próximo do cidadão. Claro que isto não livra o Congresso Nacional, que é na visão da população a estrutura central da corrupção brasileira. Eu também penso que o governo Dilma está longe do Ideal. Mas, partindo do entendimento de que as manifestações tendem a cobrar melhorias do que está mais próximo da massa, podemos analisar que, em geral, os serviços públicos prestados pelo governo federal, se não são de excelência, são os melhores do país. Toda classe média sonha em estudar no Pedro II ou no CEFET, por exemplo. As universidades federais são concorridíssimas, e os hospitais federais estão entre os menos problemáticos. No que diz respeito à corrupção, lembremos que Dilma teve coragem de tirar do governo todos aqueles que foram apontados como envolvidos em corrupção, entre eles ministros e presidentes de partidos. Dilma correu o risco até mesmo de perder parte da base aliada. É verdade que a inflação está alta, mas saibam que ela já foi de 100% ao mês, e a inflação não é motivo consistente para dar liga ao que está acontecendo. A fala da presidenta foi considerada entre muito boa e ótima. Falou que a maioria da verba para os estádios foi cedida pelo governo federal, mas que os estados pagarão esta este valor deve ser questionado junto ao governo estadual. Assim é com todos os outros estádios. É um problema local. Outro ponto importante foi dizer que 100% dos royalties serão para a educação. Ao dizer isto ela mandou diretamente um recado para o Congresso e também pediu a ajuda dos manifestantes para defenderem esta questão. E sabemos que os estudantes também desejam 100% dos royalties serão para a educação. Propôs dialogar sobre um pacto federativo com

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estados e prefeituras, pois percebeu que o X do problema está nestas duas instâncias do poder executivo. Por fim abriu canal de diálogo com a sociedade organizada e líderes indicados pelos manifestantes. E certamente sabe que ir à TV dizer tudo isto significa, diante dos acontecimentos, ter que cumprir. Tomou a atitude correta. A melhor frase foi: “O vigor das manifestações deve ser aproveitado para que mais mudanças sejam feitas...” Resumindo: tentar jogar as manifestações no colo de Dilma é infantil. O que está em pauta é o todo, começando pelos serviços mais próximos do cidadão.

6. Os rumos Embora inicialmente o foco no vandalismo tenha tentado dar um caráter de antipatia da população ao movimento, o que se percebe é uma adesão maior da população não estudantil. Trabalhadores e jovens de todas as idades vão aderindo ás manifestações. Sinto a falta dos professores e ainda não entendi a ausência deles. Tudo bem que haja um interesse social saudável de que a juventude é que deve mostrar a cara, mas esta mesma juventude deu total e incondicional apoio aos professores nos quase cinco meses de greve que eles fizeram em 2012. Ainda é muito cedo para dizer se o que está acontecendo é um furacão de

consciência político-social que vai passar ou se há uma ruptura com o modo

típico do brasileiro encarar os desmandos e as falcatruas políticas. Ninguém

previu este movimento e não há como prever o seu futuro. Se o movimento se

esvaziar só até o próximo round é uma coisa, mas se esvaziar até a próxima

geração, é outra bem diferente. De qualquer forma as manifestações

deflagraram uma ação sociopolítica em massa e sem líderes diretos, sem

entidades tradicionais, sem partidos políticos, com pautas variadas, em

dimensões realmente nacionais,e com uma multiplicidade de eventos

espantosa a uma velocidade vigorosa. Então o que está acontecendo abriga

pelo menos sete fatores inéditos no Brasil em termos reivindicações,

consciência sociopolítica e cidadania. Continuando ou não as manifestações,

ou mesmo que se volte ao modelo antigo de protestos, estes sete novos

fatores já causaram uma ruptura, dividindo a historia e o formato das nossas

lutas sociais em antes e depois.