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83 teoria, prática, história, inovações AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS DE 1989 Bernardo Motta Moreira 1 Introdução Certamente não há, em qualquer outro estado soberano, um sistema constitucio- nal tributário tão rico como o brasileiro. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL. Constituição, 1988) oferece ao cidadão contribuinte largo espectro de garantias, disciplinando o fenômeno tributário com notável detalha- mento. É por isso que não se pode estudar o Direito Tributário no Brasil sem atinar para a circunstância de que ele, diferentemente do que ocorre em outros países, está plantado e fincado na Carta Maior. Nosso sistema constitucional tributário é um complexo orgânico formado pe- los tributos instituídos e pelos princípios e normas que os regem. Ou seja, além da rígida discriminação de competências tributárias, que, por sua vez, realiza o princípio federativo, o legislador constituinte originário previu princípios e regras de observância obrigatória pelos entes tributantes. Nesse contexto, várias outras regras e limites foram previstos pelo poder constituinte decorrente dos diversos estados da Federação. Nosso objetivo, com este artigo, é nos debruçarmos sobre as regras e os prin- cípios limitadores do poder de tributar constantes da Constituição Estadual de 1989 (MINAS GERAIS. Constituição, 1989), fazendo um paralelo com as regras da Constituição da República de 1988 e analisando a sua importância, as inova- ções existentes e, principalmente, como tem sido sua aplicação pelos operadores do Direito. 2 As limitações constitucionais ao poder de tributar A competência para que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios criem seus respectivos tributos, a qual foi outorgada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não é absoluta. O próprio texto da Carta Maior im- põe limites ao exercício desse poder. Esses balizamentos constitucionais, que resguardam valores reputados relevantes ao legislador constituinte originário, em especial determinados direitos e garantias individuais, são denominados, pelo próprio texto constitucional, como “limitações do poder de tributar”. Considera-se limitação ao poder de tributar toda e qualquer restrição imposta pelo sistema jurídico às entidades dotadas desse poder. Aliás, toda atribuição de competência implica necessariamente em limitação. Assim, a título de ilustração, a partir do momento em que a Constituição da República, em seu art. 155, inciso III, dá o poder para que o Estado de Minas Gerais crie um imposto incidente sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), implica dizer que o Estado só poderá

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    teoria, prtica, histria, inovaes

    AS LIMITAES AO PODER DE TRIBUTAR DA CONSTITUIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS DE 1989

    Bernardo Motta Moreira

    1 IntroduoCertamente no h, em qualquer outro estado soberano, um sistema constitucio-

    nal tributrio to rico como o brasileiro. A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL. Constituio, 1988) oferece ao cidado contribuinte largo espectro de garantias, disciplinando o fenmeno tributrio com notvel detalha-mento. por isso que no se pode estudar o Direito Tributrio no Brasil sem atinar para a circunstncia de que ele, diferentemente do que ocorre em outros pases, est plantado e fincado na Carta Maior.

    Nosso sistema constitucional tributrio um complexo orgnico formado pe-los tributos institudos e pelos princpios e normas que os regem. Ou seja, alm da rgida discriminao de competncias tributrias, que, por sua vez, realiza o princpio federativo, o legislador constituinte originrio previu princpios e regras de observncia obrigatria pelos entes tributantes. Nesse contexto, vrias outras regras e limites foram previstos pelo poder constituinte decorrente dos diversos estados da Federao.

    Nosso objetivo, com este artigo, nos debruarmos sobre as regras e os prin-cpios limitadores do poder de tributar constantes da Constituio Estadual de 1989 (MINAS GERAIS. Constituio, 1989), fazendo um paralelo com as regras da Constituio da Repblica de 1988 e analisando a sua importncia, as inova-es existentes e, principalmente, como tem sido sua aplicao pelos operadores do Direito.

    2 As limitaes constitucionais ao poder de tributarA competncia para que a Unio, os estados, o Distrito Federal e os municpios

    criem seus respectivos tributos, a qual foi outorgada pela Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, no absoluta. O prprio texto da Carta Maior im-pe limites ao exerccio desse poder.

    Esses balizamentos constitucionais, que resguardam valores reputados relevantes ao legislador constituinte originrio, em especial determinados direitos e garantias individuais, so denominados, pelo prprio texto constitucional, como limitaes do poder de tributar.

    Considera-se limitao ao poder de tributar toda e qualquer restrio imposta pelo sistema jurdico s entidades dotadas desse poder. Alis, toda atribuio de competncia implica necessariamente em limitao. Assim, a ttulo de ilustrao, a partir do momento em que a Constituio da Repblica, em seu art. 155, inciso III, d o poder para que o Estado de Minas Gerais crie um imposto incidente sobre a propriedade de veculos automotores (IPVA), implica dizer que o Estado s poder

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    exercer esse poder at esse limite, no podendo tributar a mera posse de automveis cedidos em locao ou mesmo a propriedade de veculos que no possuem motores de autopropulso, como, por exemplo, bicicletas.

    A Constituio da Repblica ainda vai alm. Ela impe limites ao poder de tributar, estabelecendo princpios e imunidades constitucionais tributrios nos arts. 150, 151 e 152. Discorrendo ainda a respeito do IPVA, a Constituio da Repblica, ao mesmo tempo que confere o poder de tributar ao estado membro, determina que a instituio e a majorao do imposto s se d mediante lei em sentido estri-to, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (por fora do princpio da legalidade tributria art. 150, I) e no permite que o Estado tribute veculos automotores de propriedade do Municpio de Belo Horizonte, em prote-o ao federalismo (por fora da imunidade recproca art. 150, IV, a). V-se a, claramente, como os princpios e as imunidades limitam o exerccio do poder tributrio relativo ao IPVA.

    Aliomar Baleeiro, grande estudioso das mencionadas limitaes, entende que as imunidades e os princpios contidos na Constituio da Repblica, dos quais decorrem as limitaes ao poder de tributar, so originados dos direitos e garantias individuais. Assevera que so, portanto, imodificveis por emenda, ou mesmo por reviso, j que fazem parte daquele ncleo de normas irredutveis a que se refere o art. 60, 4, da Constituio1 (BALEEIRO, 2006).

    Na mesma linha, Misabeu Derzi afirma que a consagrao de uma imunida-de expressa , s vezes, consequncia lgica de um princpio fundamental (BA-LEEIRO, 2006, p.15). Assim, muitos princpios, ao condicionarem o exerccio da competncia ao cumprimento de critrios (ou requisitos) que balizem sua validade, limitam o poder de tributar.

    Em suma, como leciona Luciano Amaro, as limitaes ao poder de tributar so instrumentos definidores (ou demarcadores) da competncia tributria dos entes polticos, no sentido de que concorrem para fixar o que pode ser tributado e como pode s-lo, no devendo ser encaradas como obstculos ou vedaes ao exerccio da referida competncia. Nas situaes em que os limites fixados so ultrapassados ou desatendem a princpios ou formas estabelecidas, o que se passa no que a competncia seja vedada: ela simplesmente inexiste (AMARO, 2010).

    Entre o conjunto de regras estabelecidas pela Constituio da Repblica que limitam os entes tributantes quanto ao poder de tributar (arts. 150 a 152), temos os clssicos princpios tributrios, a saber: legalidade (art. 150, I); isonomia (art. 150, II); irretroatividade (art. 150, III, a); anterioridade (art. 150, III, b e c); proi-bio de confisco (art. 150, IV); e liberdade de trfego (art.150, V)2.

    1 Art. 60 [...] 4 No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV os direitos e garantias individuais.

    2 Observe-se que alguns dos princpios tributrios no so meros enunciados gerais carentes de normatizao posterior para acentuar sua concretude. So verdadeiras regras que atingem um grau praticamente exaustivo de normatividade. Assim, os princpios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade so j expresses assertivas, cujo grau de normatividade atingido praticamente

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    De outro lado, temos as imunidades tributrias, ou seja, regras que delimitam ne-gativamente a norma atribuidora de competncia. A Carta Maior exclui determina-das situaes materiais, deixando-as fora do alcance do poder de tributar. Assim, a situao definida como imune no pode ser tributada pelo ente poltico. A imunidade impede que a lei defina como hiptese de incidncia tributria aquilo que imune3.

    A Constituio da Repblica tratou das imunidades genricas no art. 150, in-ciso VI, vedando aos entes polticos instituir impostos sobre: (a) patrimnio, renda ou servios, uns dos outros; (b) templos de qualquer culto; (c) patrimnio, renda ou servios dos partidos polticos, inclusive suas fundaes, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituies sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e (d) livros, jornais, peridicos e o papel destinado a sua impresso. Recentemente, foi includo nesse rol mais um item: (e) fonogramas e videofonogramas musicais produ-zidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes mate-riais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicao industrial de mdias pticas de leitura a laser.

    Existem outras imunidades especficas no sistema tributrio constitucional bra-sileiro, alm das includas na seo Das Limitaes do Poder de Tributar. Essas imunidades, em geral circunscritas a um nico tributo, diante de convenincias especiais, so denominadas imunidades especficas.

    Como exemplo de imunidades especficas, temos o art. 149, 2, I, que descreve imunidade quanto s contribuies sociais e contribuio de interveno no dom-nio econmico; o art. 153, 3, III, que define imunidade atinente ao IPI; o art. 153, 4, II, que trata da imunidade do ITR sobre pequenas glebas rurais; entre outras.

    3 As limitaes ao poder de tributar na Constituio do Estado de Minas Gerais de 1989A Constituio do Estado de Minas Gerais de 1989, no Ttulo III (Do Estado),

    Captulo III (Das Finanas Pblicas), cuida, na Seo I (Da Tributao), das limitaes ao poder de tributar, logo aps discorrer sobre as regras concernentes repartio das competncias tributrias.

    Diferentemente de algumas constituies estaduais, que sequer preveem limi-taes ao poder de tributar (confira-se, por exemplo, as Constituies dos Estados da Bahia, do Mato Grosso do Sul e de Roraima), ou mesmo de algumas constitui-es estaduais que reproduzem quase literalmente as normas da Constituio da

    exaustivo. Outros princpios, como o da igualdade, o da capacidade contributiva e o da vedao do confisco, ao contrrio, j no permitem que se identifiquem suas exatas dimenses.

    3 Para Misabel Derzi, a imunidade regra constitucional expressa (ou implicitamente necessria) que estabelece a no competncia das pessoas polticas da Federao para tributar certos fatos e situaes, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de reduo parcial, a norma de atribuio do poder tributrio. A imunidade , portanto, regra de exceo e de delimitao de competncia, que atua, no de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A reduo que opera no mbito de abrangncia da norma concessiva de poder tributrio to s lgica, mas no temporal. (BALEEIRO, 2006, p. 228).

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    Repblica, a Carta Mineira de 1989 trata das limitaes em um artigo apenas, da seguinte forma:

    Art. 152 vedado ao Estado, sem prejuzo das garantias asseguradas ao contribuin-te e do disposto no art. 150 da Constituio da Repblica e na legislao complemen-tar especfica: I instituir tributo que no seja uniforme em todo o territrio estadual, ou que impli-que distino ou preferncia em relao a Municpio em detrimento de outro, admi-tida a concesso de incentivo fiscal destinado a promover o equilbrio do desenvolvi-mento socioeconmico entre as diferentes regies do Estado; II instituir iseno de tributo da competncia do Municpio; III estabelecer diferena tributria entre bens e servios, de qualquer natureza, em razo de sua procedncia ou destino. 1 No ser admitida, no perodo de noventa dias que antecede o trmino da ses-so legislativa, a apresentao de projeto de lei que tenha por objeto a instituio ou a majorao de tributo estadual. 2 O disposto no 1 deste artigo no se aplica a projeto de lei destinado exclusi-vamente a adaptar lei estadual a norma federal.

    Percebe-se que a Carta de 1989 como no poderia deixar de ser assegura ao contribuinte mineiro os princpios e as regras limitadores do poder de tributar dis-postos no art. 150 da Constituio da Repblica. Para alm das normas constantes naquele dispositivo, consideramos que nossa Constituio Estadual apresenta qua-tro novidades. Seno, observe-se.

    3.1 Princpio da uniformidade geogrficaA Constituio da Repblica, em seu art. 151, I4, determina que os tributos

    federais sejam uniformes em todo o territrio nacional. Esse princpio da uni-formidade tributria dirige-se ao legislador, vedando a instituio de tributos que no sejam uniformes em todo o Pas. uma reafirmao do postulado federativo.

    Probe-se, portanto, distines e preferncias em relao a qualquer estado, pessoa ou regio em detrimento de outras. Admite-se, porm, a concesso de incentivos fiscais destinados a promover o equilbrio socioeconmico entre as di-ferentes regies. Essa vedao preserva a unidade territorial da Federao, no admitindo, por exemplo, que a Unio pretenda tributar com alquotas maiores de imposto de renda os contribuintes situados na Regio Sudeste. Ela pode, contu-do, conceder incentivos como a Zona Franca de Manaus, visando reduo das desigualdades regionais.

    4 Art. 151 vedado Unio: I instituir tributo que no seja uniforme em todo o territrio nacional ou que implique distino ou preferncia em relao a Estado, ao Distrito Federal ou a Mu-nicpio, em detrimento de outro, admitida a concesso de incentivos fiscais destinados a promover o equilbrio do desenvolvimento socioeconmico entre as diferentes regies do Pas;.

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    Em sintonia com a Carta Maior, a Constituio Mineira veda, no art. 152, I, a instituio de tributo, pelo Estado, que no seja uniforme em todo o territrio estadual, ou que implique distino ou preferncia em relao a municpio em detrimento de outro, admitida a concesso de incentivo fiscal destinado a promo-ver o equilbrio do desenvolvimento socioeconmico entre as diferentes regies do Estado.

    Assim, no pode o Estado de Minas Gerais pretender majorar o IPVA dos vecu-los cujos contribuintes residam no municpio A, em relao ao IPVA de veculos residentes em outro municpio, sob qualquer justificativa.

    Por outro lado, a concesso de incentivos fiscais com o objetivo de promover o desenvolvimento mais acelerado das regies mais pobres do Estado, promovendo a sua integrao econmica em uma Federao mais harmnica o esprito que se extrai, inclusive, do art. 2 da Constituio Mineira, que arrola como um dos obje-tivos prioritrios do Estado erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inciso XII).

    Por isso, se, por hiptese, o Estado de Minas Gerais outorgasse iseno tributria a uma classe de contribuintes, a fim de promover o desenvolvimento socioecon-mico de uma dada regio, no seria possvel aos contribuintes excludos pela lei so-correrem-se do Poder Judicirio para, com base no princpio da isonomia, obterem idntico tratamento fiscal.

    3.2 Vedao instituio de iseno heternomaInicialmente, cabe lembrar que a Constituio da Repblica consagrou o prin-

    cpio federativo em diversos dispositivos, conferindo autonomia administrativa, po-ltica, normativa e financeira a cada um dos entes polticos que compem o Estado brasileiro (Unio, estados, Distrito Federal e municpios).

    Um desses dispositivos constitucionais o inciso III do art. 151, que veda Unio estabelecer iseno de tributos de competncias dos estados, do Distrito Federal ou dos municpios. Com isso, impede-se que um dos entes federativos (a Unio) in-terfira na autonomia financeira e oramentria dos outros entes, assegurando, em ltima anlise, a prpria razo de ser do Estado brasileiro: uma federao.

    Aliomar Baleeiro refere-se a essa vedao como uma limitao ao poder de no tributar ou de isentar (BALEEIRO, 2006).

    Na mesma linha, a Constituio do Estado de Minas Gerais veda a chamada iseno heternoma, dispondo, no art. 152, II, que vedado ao Estado instituir isenes de tributos cuja competncia no seja sua, mas dos municpios.

    A proibio da iseno heternoma uma decorrncia lgica da prpria outorga da competncia tributria, no se admitindo que um ente federado, diferente da-quele que detm a competncia para instituir o tributo, conceda o benefcio fiscal da iseno tributria.

    Se a competncia tributria para a criao de determinado tributo do estado ou municpio, no caberia Unio intervir naquela esfera de atuao e realizar iseno tributria. Por isso, at mesmo por fora do princpio da sime-tria, exige-se a mesma vedao aos demais entes da Federao, no cabendo aos estados estabelecer isenes nos tributos de competncia dos municpios.

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    3.3 Princpio da no discriminao tributria em razo da origem ou do destino dos bensOs entes tributantes no podem instituir tributos mais gravosos ou menos gravo-

    sos em virtude da regio ou do local de origem ou destino dos bens. A Constituio da Repblica prev, no seu art. 152, que vedado aos Estados,

    ao Distrito Federal e aos Municpios estabelecer diferena tributria entre bens e servios, de qualquer natureza, em razo de sua procedncia ou destino.

    Por isso, a Constituio Mineira, no inciso III do seu art. 152, apenas faz uma reproduo da regra e probe que o Estado de Minas Gerais estabelea diferena tributria entre bens e servios, de qualquer natureza, em razo de sua procedncia ou destino.

    muito comum que violaes a essa regra constitucional sejam levadas ao Poder Judicirio. O governador de Minas Gerais, por exemplo, impetrou ADI (n 3.389)5 no Supremo Tribunal Federal, contra o Decreto n 35.528/046, do Rio de Janeiro, que havia limitado o benefcio da reduo da base de clculo do ICMS ao caf torrado ou modo produzido em estabelecimento industrial no Rio de Janeiro. Logo, a distino provocada pela reduo da base de clculo apenas para o caf torrado ou modo produzido no Rio de Janeiro afrontaria o art. 152 da Constituio de 1988. Exatamente sob esse fundamento, o STF deu provimento ao pedido da ao direta7.

    3.4 Vedao apresentao de projeto de lei majorando tributos no perodo de 90 dias que antecede o trmino da sesso legislativaDiferentemente das demais limitaes previstas na Constituio de Minas Ge-

    rais, que seguem os ditames previstos na Carta Maior, o 1 do art. 152 regra que representa verdadeira inovao.

    O pargrafo foi acrescentado pelo art. 1 da Emenda Constituio n 418, de 8/11/2000, e dispe que no ser admitida, no perodo de noventa dias que ante-

    5 Para pesquisa de inteiro teor da jurisprudncia citada neste captulo, acesse o endereo eletrni-co: .

    6 Para pesquisa de inteiro teor desse decreto, acesse o endereo eletrnico: .

    7 O julgado recebeu a seguinte ementa: AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTRIO. ICMS. BENEFCIO FISCAL. REDUO DA CARGA TRIBUTRIA CON-DICIONADA ORIGEM DA INDUSTRIALIZAO DA MERCADORIA. SADAS INTER-NAS COM CAF TORRADO OU MODO. DECRETO 35.528/2004 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. VIOLAO DO ART. 152 DA CONSTITUIO. O Decreto 35.528/2004, do estado do Rio de Janeiro, ao estabelecer um regime diferenciado de tributao para as operaes das quais resultem a sada interna de caf torrado ou modo, em funo da procedncia ou do destino de tal operao, viola o art. 152 da Constituio. Ao Direta de Inconstitucionalidade conheci-da e julgada procedente. (ADI 3389, Relator Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 06/09/2007, publicado em 01/02/2008).

    8 Para pesquisa de inteiro teor das Emendas Constituio Estadual citadas neste captulo, acesse o endereo eletrnico: .

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    cede o trmino da sesso legislativa, a apresentao de projeto de lei que tenha por objeto a instituio ou a majorao de tributo estadual.

    A Constituio somente excetua os casos de projetos de lei destinados exclusi-vamente a adaptar lei estadual a norma federal ( 2 do art. 152, acima transcrito).

    Dessa forma, em vista do disposto no 1 do art. 152, combinado com o art. 53 da Constituio Estadual9, o prazo mximo para apresentao de projeto de lei que cria ou majora tributos estaduais na Assembleia Legislativa seria, via de regra, o dia 20 de setembro de cada ano, haja vista que o ltimo dia da sesso legislativa da Casa o dia 20 de dezembro.

    Considera-se que essa limitao foi um relevante avano da Constituio Es-tadual, uma vez que comum, em todos os governos, o envio de propostas de alterao da legislao tributria ao final da sesso legislativa. Esse vezo se d por-que o Poder Executivo tende, historicamente, a resolver seus problemas de caixa por meio da instituio de novos tributos e da majorao da alquota daqueles j existentes.

    O problema est no fato de que a apresentao, prximo do fim da sesso le-gislativa, de projeto de lei com o objetivo de majorar tributos, j para vigorar no ano seguinte, deixa pouco tempo para que os parlamentares discutam detidamente a matria em tramitao. Noutro giro, o contribuinte, embora esteja sob a prote-o do princpio da anterioridade (eventual majorao s poder vigorar no ano seguinte e/ou aps decorridos 90 dias da publicao da lei majoradora), no tem um instrumento jurdico que garanta a discusso necessria desses temas pelos seus representantes10.

    Assim, qualquer mensagem governamental que contenha projeto de lei acerca da legislao tributria dever ser encaminhada pelo menos trs meses antes do encerramento da sesso legislativa. Com isso, evita-se a discusso e a votao de matria tributria em curto espao de tempo, o que comprometeria o exame cuida-doso e minudente de tais proposies, que no raro acarretam nus e maior carga tributria para o contribuinte mineiro. No ltimo trimestre do ano, portanto, no pode ser enviado Casa Legislativa qualquer projeto de lei que disponha sobre instituio de tributo11.

    9 Art. 53 A Assemblia Legislativa se reunir, em sesso ordinria, na Capital do Estado, inde-pendentemente de convocao, de primeiro de fevereiro a dezoito de julho e de primeiro de agosto a vinte de dezembro de cada ano.

    1 As reunies previstas para as datas fixadas neste artigo sero transferidas para o primeiro dia til subsequente, quando recarem em sbado, domingo ou feriado.

    2 A sesso legislativa ordinria no ser interrompida sem a aprovao do projeto da Lei de Diretrizes Oramentrias nem encerrada sem que seja aprovado o projeto da Lei Oramentria Anual.

    10 Para pesquisa de inteiro teor das propostas legislativas estaduais, MG, citadas neste captulo, acesse o endereo eletrnico: .

    11 Trecho do parecer de primeiro turno do relator, deputado Antnio Carlos Andrada, da Comis-so Especial da ALMG.

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    Por isso, a Carta Mineira, de forma inovadora, garante um tempo hbil discus-so, pelos deputados, dos projetos que instituem ou majoram tributos. Diz-se que a nossa Constituio, pelo seu prprio esprito libertrio, advindo desde as ideias dos inconfidentes, ampliou o princpio da no surpresa em prol do contribuinte mineiro.

    Essa regra confere maior efetividade ao princpio da no surpresa, que nada mais do que um vis do sobreprincpio da segurana jurdica. oportuno reiterar: a vedao constante da Carta Mineira ora em anlise que se d no mbito do processo legislativo no se confunde com o princpio da anterioridade previsto na Constituio de 1988, uma vez que este se aplica aps a publicao da lei insti-tuidora ou majoradora de tributos. O princpio da anterioridade, que se aplica aos tributos em geral, observadas as excees estabelecidas pela prpria Constituio da Repblica12, implica na sujeio cumulativa a duas regras: a anterioridade do exerccio financeiro e a exigncia de 90 dias entre a instituio ou o aumento do tributo e sua cobrana.

    A inovao da Constituio Estadual tambm no se confunde com o princpio da anualidade, segundo o qual a cobrana de tributos dependeria de autorizao anual do Poder Legislativo, prevista no oramento13.

    3.4.1 A extenso da limitao do art. 152, 1, da Constituio do Estado de Minas Gerais, aos municpios mineirosAtualmente, o grande debate em torno dessa limitao ao poder de tributar

    constante da Constituio Mineira se ela se aplicaria, alm do Estado de Minas Gerais, a todos os municpios mineiros.

    O Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais j se pronunciou em algumas oportunidades sobre essa questo, prevalecendo o entendimento de que as limita-es do poder de tributar constantes da Constituio do Estado de Minas Gerais devem ser observadas pelos municpios14.

    12 A prpria Constituio da Repblica, no corpo de suas disposies, estabelece as excees ao princpio da no surpresa tributria, tornando possvel a cobrana de certos tributos, como os im-postos extraordinrios de guerra, os emprstimos compulsrios por motivo de guerra ou em razo de calamidade pblica, dada a urgncia da situao a exigir imediatos recursos (art. 148, inciso I), e a concesso emitida ao Poder Executivo para alterar as alquotas dentro dos limites impostos pela lei dos impostos de importao e exportao, imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre operaes de crdito, cmbio, seguros, ttulos e valores mobilirios (art. 153, 1).

    13 O art. 141, 34, 2 parte, da Constituio da Repblica de 1946 (BRASIL. Constituio, 1946), previa que um tributo somente poderia ser cobrado em cada exerccio se tivesse sido autorizado previamente pelo oramento anual. Da a anualidade, porque, em todos os anos, o oramento a ser executado teria de arrolar todos os tributos a serem cobrados, sob pena de entender-se no autorizada a exigncia. Essa regra no mais existe no Direito positivo brasileiro, razo pela qual uma lei que institua ou majore tributo pode ser perfeitamente aplicada no ano seguinte, ainda que no tenha havido prvia e especfica autorizao oramentria, bastando que atenda ao princpio da anterioridade (anterioridade do exerccio e/ou a noventena, conforme for o caso).

    14 Por todas, vide a seguinte ementa: APELAO CVEL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. LEI MUNICIPAL. INSTITUIO DE CONTRIBUIO DE ILUMINAO P-BLICA. OFENSA CONSTITUIO DO ESTADO. MOMENTO DA PROPOSITURA DA

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    Em sede de julgamento de Ao Direta de Inconstitucionalidade, o rgo Espe-cial do TJMG chegou a decidir que o prazo de 90 dias previsto no 1 do art. 152 da Constituio Estadual no poderia sequer ser reduzido pelos municpios. Naquela oportunidade, julgou-se inconstitucional a norma da Lei Orgnica do Municpio de Poos de Caldas que vedava a apresentao de projeto de lei que objetivasse a instituio ou a majorao de tributo municipal, no perodo de 60 (e no 90) dias antes do trmino da sesso legislativa15.

    Recentemente16, no julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade n 1.0000.14.008921-0/000, o rgo Especial do TJMG, por maioria de votos, con-cedeu a medida cautelar para determinar a suspenso da aplicabilidade da norma do Municpio de Belo Horizonte que majorou o Imposto de Transmisso de Bens Imveis (ITBI), uma vez que o processo legislativo originrio teria descumprido o prazo previsto no art. 152, 1, da Constituio Estadual. O acrdo do julgamen-to foi publicado no dia 15/4/2014, restando assim ementado:

    AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MEDIDA CAUTELAR PRESENA DOS REQUISITOS LEGAIS E ESPECIAIS LIMINAR CONCE-DIDA. O Tribunal de Justia, em sede de ao direta de inconstitucionalidade, o guardio da Constituio do Estado, e no da Constituio da Repblica.As limitaes do poder de tributar, constantes da Constituio do Estado de Minas Gerais, devem ser observadas pelos Municpios. legtimo ao poder constituinte decorrente de reviso ampliar as garantias do contri-buinte de que trata a Constituio da Repblica, fazendo constar do texto da Cons-tituio Estadual norma que no admite a apresentao, no perodo de noventa dias

    LEI. SUCUMBNCIA. HONORRIOS ADVOCATCIOS. Padece de vcio de inconstituciona-lidade formal a lei municipal que tem por objeto a instituio de tributo apresentada no curso dos noventa dias anteriores ao trmino da sesso legislativa, por ofensa ao art. 152, 1, da Constituio Mineira. Precedente da Corte Superior do TJMG. A partir do princpio inserto no art. 29, caput, da Constituio Federal, vislumbra-se que as normas municipais devem observar as previses da Cons-tituio do Estado respectivo, observada a repartio de competncias entre os entes federados.O art. 24, I, da Constituio Federal, confere ao Estado competncia concorrente com a Unio para legislar sobre direito tributrio, cabendo ao Municpio instituir e arrecadar os tributos de sua com-petncia em observncia s regras e princpios previstos na Constituio do Estado. A parte vencida na demanda deve arcar com honorrios advocatcios de sucumbncia. A omisso da sentena a esse respeito pode ser suprida em instncia recursal. (Apelao Cvel 1.0512.06.031321-4/001, Relato-ra Des. Heloisa Combat, 7 Cmara Cvel, julgamento em 23/10/2007, publicao da smula em 21/02/2014).

    15 Confira-se a ementa do julgado: ADIN Artigo 109, 1, da Lei Orgnica do Municpio de Poos de Caldas, na redao da Emenda n 13 Inconstitucionalidade parcial por vedar a apre-sentao de projeto de lei que objetive a instituio ou majorao de tributo municipal, no perodo de sessenta dias antes do trmino da sesso legislativa Infringncia ao art. 152, 1, da CE, que fixa o prazo de noventa dias. (ADI n 1.0000.00.301018-8/000, Relator Des. Schalcher Ventura, acrdo de 10.08.2005, publicao de 23.09.2005).

    16 O presente artigo foi elaborado em junho de 2014.

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    que antecede o trmino da sesso legislativa, de projeto de lei que tenha por objeto a instituio ou majorao de tributo estadual (art. 152, 1, da Carta Mineira). A autonomia dos Municpios encontra limite e conformada pelo princpio da noven-tena de que trata a Constituio Estadual. Presentes os pressupostos legais e especiais, concede-se cautelar para suspender a apli-cabilidade de norma impugnada at o julgamento final da ao direta de inconstitu-cionalidade.

    A ADI foi ajuizada pelo Partido Ecolgico Nacional (PEN), impugnando o art. 9 da Lei n 10.69217, de 30/12/2013, do Municpio de Belo Horizonte, que majorou a alquota do ITBI, de 2,5% para 3%. O ponto relevante que o projeto de lei que originou a lei municipal em questo foi apresentado no dia 28/11/2013, ou seja, aps o perodo de 90 dias que antecede o trmino da sesso legislativa ordinria da Cmara Municipal de Belo Horizonte.

    O desembargador relator, Kildare Carvalho, decidiu favoravelmente pretenso do PEN, tendo sido acompanhado pela maioria dos desembargadores componen-tes da Corte Especial. Ao acolher a medida cautelar pleiteada, o relator avanou no mrito da questo, de sorte que os seus argumentos podem ser sintetizados da seguinte forma:

    a) a teor do art. 165, 1, da Constituio de Minas Gerais, o Municpio, dota-do de autonomia poltica, administrativa e financeira, organiza-se e rege-se por sua Lei Orgnica e demais leis que adotar, observados os princpios da Constituio da Repblica e os desta Constituio;

    b) a despeito de o art. 171, 1, da Constituio do Estado de Minas Gerais, prever que os municpios se sujeitam s limitaes do poder de tributar de que trata o art. 150 da Constituio da Repblica, tal referncia normativa no inviabiliza que esses entes polticos locais estejam dispensados de tambm observarem aquelas normas constantes da Constituio Estadual que cuidam de enunciar as limitaes e as vedaes do poder de tributar criadas pelo constituinte do estado membro;

    c) a Constituio Estadual, sob a permissibilidade da Constituio Federal, mate-rializada no art. 150, caput, ampliou as garantias do contribuinte mineiro, ao vedar a apresentao de projeto de lei que tenha por objeto a instituio ou a majorao de tributo estadual, no perodo de 90 dias que antecede o trmino da sesso legislativa, o que perfeitamente legtimo, por se tratar de garantias fundamentais anlogas;

    d) diante da capacidade dos princpios de irradiarem seus efeitos, tratando es-pecificamente da aplicao do referido princpio aos tributos municipais, com-pletamente legtimo faz-lo, j que reflete interpretao que elastece o catlogo de direitos e garantias que salvaguarda o contribuinte. Desse modo, assim como de observncia obrigatria pelos Poderes Executivo e Legislativo estaduais, entendo que o princpio da noventena deva conformar a atuao do poder pblico em m-bito municipal.

    17 Para pesquisa de inteiro teor da legislao municipal de Belo Horizonte, citada neste captulo, acesse o endereo eletrnico: .

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    Segundo o eminente constitucionalista, portanto, a autonomia do municpio deve ser entendida como capacidade de auto-organizao e autolegislao em ma-tria tributria, mas encontra limites e contornos previstos nas Constituies da Repblica e do estado membro, em especial naquelas normas que tratam das limi-taes e das vedaes do poder de tributar.

    Apesar da posio majoritria da Corte Especial do Tribunal, no se pode negar que se trata de uma interpretao que mitiga o pacto federativo, na medida em que tolhe o exerccio do poder de tributar dos municpios mineiros. A ofensa au-tonomia municipal fica mais evidente ao verificarmos que a prpria Carta Mineira preceitua, em seu art. 171, 1, que o Municpio se sujeita s limitaes ao poder de tributar de que trata o art. 150 da Constituio da Repblica.

    A nosso juzo, a vedao de majorao de tributos nos 90 dias que antecedem o trmino da sesso legislativa se reporta nica e exclusivamente aos tributos de competncia estadual. A interpretao prevalecente no TJMG quebra a espinha dorsal do federalismo, ao admitir que um ente poltico restrinja o poder concedi-do pela Constituio da Repblica. Foi nesse sentido que se orientou a minoria dos desembargadores, seguindo o voto do desembargador Edilson Fernandes.

    Como exposto alhures, a competncia tributria outorgada pela Constituio da Repblica de 1988 diretamente aos entes tributantes, entre os quais os munic-pios. Se o art. 152, 1, da Constituio Estadual expresso no sentido de que a limitao ao poder de tributar aplicvel aos tributos estaduais, no faz sentido am-pliar sua aplicao e limitar o poder de tributar de outros entes federados. sabido que no h hierarquia entre as unidades federativas.

    Ora, os muncipios se subordinam Constituio da Repblica, assim como os demais entes federativos, ou seja, os estados e a Unio. Faria sentido o estado limi-tar a tributao da renda pela Unio em sua Constituio Estadual? Se a resposta negativa to natural, por que tamanha discusso se seria vivel essa restrio ao poder de tributar dos municpios? A interpretao do TJMG muito nos preocupa, por ir de encontro ao federalismo fiscal.

    3.4.2 Os estados no podem cercear a competncia tributria dos municpios por meio da Constituio Estadual: a interpretao do Supremo Tribunal FederalA Constituio do Estado de Minas Gerais de 1947 (MINAS GERAIS. Cons-

    tituio, 1947) estabelecia, em seu art. 169, que nenhum imposto, Estadual ou Mu-nicipal, poder ser elevado, direta ou indiretamente, alm de vinte por cento de seu valor, ao tempo de aumento.

    Por diversas vezes, essa norma foi considerada inconstitucional pelos Tribunais Superiores, justamente por infringir a autonomia dos municpios. No julgamento do Mandado de Segurana n 8.392, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o art. 169 da Constituio do Estado de Minas Gerais no pode alcanar taxao de competncia dos municpios (acrdo publicado em 22/6/1962).

    Em razo de iterativos julgados, o STF chegou, inclusive, a editar, em 1964, a Smula n 69, dispondo que a Constituio Estadual no pode estabelecer limite para o aumento de tributos municipais.

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    Sob a gide da Constituio da Repblica de 1988, o Supremo Tribunal Federal novamente se debruou sobre o tema, desta feita diante de uma norma da Consti-tuio do Estado do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO. Constituio, 1989), que estendeu a imunidade prevista para os livros esta prevista na Carta Maior para abarcar tambm os veculos de radiodifuso, no julgamento da Medida Cautelar da Ao Direta de Inconstitucionalidade n 773.

    Sob o entendimento de que a Constituio Estadual no se limitou a reprodu-zir a imunidade prevista no texto da Constituio da Repblica, no ponto em que regula a imunidade tributria alusiva a livros e peridicos, pois acrescentou a esse rol os veculos de radiodifuso, o STF, por maioria, considerou que o dispositivo incorreu em inconstitucionalidade material ao restringir a incidncia dos tributos municipais, seguindo a divergncia instaurada pelo ministro Ilmar Galvo18.

    Constata-se, portanto, pela orientao h bastante tempo firmada no STF, que a competncia tributria municipal pressupe a competncia legislativa plena, cin-gida apenas aos limites e restries estabelecidos na Carta Maior. Se a competncia auferida diretamente, os limites traados pela Constituio da Repblica no po-dem ser restringidos ou ampliados pelas constituies estaduais.

    4 ConclusoO tributo figura hoje, e h muito, como a principal fonte de custeio do Estado.

    O momento de incio de sua exigncia se confunde com a prpria criao das or-ganizaes sociais. O que mudou, ao longo do tempo, foi o entendimento sobre a prpria coletividade e qual parcela dela deve arcar com o recolhimento desses valo-res. O antagonismo entre o fisco e o contribuinte sempre resultou em uma relao de carter conflituoso, levando, em alguns momentos histricos, a atos de violncia, revoltas e revolues. No demais lembrar que um dos gatilhos para o desencadea-mento da Inconfidncia Mineira foi a cobrana desmedida19 de 20% sobre todo o ouro extrado no Brasil Colnia.

    Diante desse litgio histrico, tornou-se importante que o prprio legislador constituinte, alm de dispor sobre a outorga das competncias tributrias dos entes tributantes, disciplinasse normas de carter protetivo ao contribuinte.

    18 Ao Direta de Inconstitucionalidade. Medida Cautelar. Constituio do Estado do Rio de Janeiro, Art. 193, Inciso VI, Letra d; Lei n. 1.423, de 27.01.1989, do mesmo Estado, Art. 40, Inciso XIV. Extenso aos Veculos de Radiodifuso da Imunidade Tributria prevista na Consti-tuio Federal para Livros, Jornais, Peridicos e o Papel destinado a sua Impresso. Relevncia jurdica do pedido e periculum in mora caracterizados. Medida Cautelar deferida, para sus-pender, ex nunc e at o julgamento final da ao, na alnea d, do inciso VI, do Art. 193, da Constituio do Estado do Rio de Janeiro, as expresses e Veculos de Radiodifuso, bem como no Inciso XIV, do Art. 40, da Lei Fluminense n 1.423, de 27.01.1989, as expresses e Veculos de Radiodifuso. (ADI 773 MC, Relator Min. Nri da Silveira, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/1992, DJ 30/04/1993).

    19 Mediante a instituio das chamadas derramas, caso a meta de arrecadao no fosse atingi-da, a Coroa Portuguesa, valendo-se de fora militar, adentrava as residncias dos cidados e confis-cava bens e valores suficientes para suprir as metas estipuladas.

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    Esse conjunto de normas, que possui o objetivo de resguardar direitos e garantias fundamentais do cidado, o que a doutrina passou a denominar de limitaes constitucionais ao poder de tributar, que acabaram sendo reconhecidas e positiva-das no texto da Constituio de 1988. Entre tais limitaes esto as imunidades e os princpios tributrios consagrados na Carta Maior.

    Nessa mesma senda, o constituinte mineiro, na Carta de 1989, ao mesmo tempo que reiterou as garantias previstas na Constituio da Repblica, adaptando-as realidade do Estado de Minas Gerais, ampliou o princpio da no surpresa, ga-rantindo que um projeto de lei apresentado ALMG objetivando a majorao de tributos tenha tempo suficiente para ser analisado pelos parlamentares, os represen-tantes do povo mineiro.

    O exame da Constituio Mineira permite concluir que o constituinte no se acomodou diante das limitaes ao poder de tributar j constantes da Carta Maior, uma vez que aprimorou esse sistema de limites com o desiderato de proteger o con-tribuinte da sanha arrecadatria do Estado.

    Referncias

    AMARO, Luciano. Direito tributrio brasileiro. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 2010.

    BALEEIRO, Aliomar. Limitaes constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. atual. por Mi-sabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

    BRASIL. Constituio (1946). Constituio dos Estados Unidos do Brasil: ato insti-tucional e regulamentao: emendas a Constituio: resoluo 1/64 (do Congresso e 50 e 60/64 (da Cmara. 2. ed,. aum. Braslia: Cmara dos Deputados, 1965.

    BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: 1988. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2014. Disponvel em: . Acesso em: 22 ago. 2014.

    MINAS GERAIS. Constituio (1947). Constituio do Estado de Minas Gerais: 1947. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1947.

    MINAS GERAIS. Constituio (1989). Constituio do Estado de Minas Gerais: atuali-zada e acompanhada dos textos das Emendas Constituio ns 1 a 93. 16. ed. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2014. Disponvel em: . Acesso em: 22 ago. 2014.

    Rio de Janeiro (Estado). Constituio (1989). Constituio do Estado do Rio de Janeiro / organizao, notas e reviso por: Emilio Sabatovski, Iara P. Fontoura, Karla Knihs. Curitiba : Juru, 2009.