As implicações do atual processo de demarcação de terras ... · Ao Tenente-Coronel Ricardo de...

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Rio de Janeiro 2012 Maj Inf JOSÉ FERNANDES CARNEIRO DOS SANTOS FILHO As implicações do atual processo de demarcação de terras indígenas para a Defesa Nacional ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

Transcript of As implicações do atual processo de demarcação de terras ... · Ao Tenente-Coronel Ricardo de...

Rio de Janeiro

2012

Maj Inf JOS FERNANDES CARNEIRO DOS SANTOS FILHO

As implicaes do atual processo de demarcao

de terras indgenas para a Defesa Nacional

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

Maj Inf JOS FERNANDES CARNEIRO DOS SANTOS FILHO

As implicaes do atual processo de demarcao de terras indgenas para a Defesa Nacional

Dissertao apresentada Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Militares.

Orientador: Ten Cel Inf Marcos Vieira Santana

Rio de Janeiro

2012

S 237 Santos Filho, Jos Fernandes Carneiro dos.

As implicaes do atual processo de demarcao de

terras indgenas para a Defesa Nacional / Jos Fer-

nandes Carneiro dos Santos Filho. 2012.

125 f. : il ; 30cm.

Dissertao (Mestrado) - Escola de Comando e Es-

tado-Maior do Exrcito, Rio de Janeiro, 2012.

Bibliografia: f. 118-125.

1. Defesa Nacional. 2. Terras Indgenas. 3. Processo

de Demarcao. I. Ttulo.

CDD

355.45

Maj Inf JOS FERNANDES CARNEIRO DOS SANTOS FILHO

As implicaes do atual processo de demarcao de terras indgenas para a Defesa Nacional

Dissertao apresentada Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Militares.

Aprovado em de de 2012.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Marcos Vieira Santana - Ten Cel Inf - Ms. Presidente Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito

___________________________________________________

Mrio Flvio de Albuquerque Brayner- Ten Cel Inf Ms Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito

__________________________________________

Carlos Alberto Moutinho Vaz- Maj Cav Ms Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito

minha esposa Hrica e ao meu filho Fer-

nando pelo apoio incondicional.

AGRADECIMENTOS

Ao Tenente-Coronel Ricardo de Castro Trovizo pela orientao na fase do projeto de

pesquisa.

Ao Tenente-Coronel Marcos Vieira Santana, pela orientao clara, precisa e objetiva

na confeco da monografia, alm da reviso detalhada do trabalho.

Professora Lia Osrio Machado e ao Professor Edson Luiz Xavier, pelas entrevis-

tas concedidas que serviram de subsdios para as concluses.

Ao Major Eduardo Bittencout Cavalcanti, da 7 Subchefia do Estado-Maior do Exrci-

to, pelo apoio em material e colaborao na pesquisa de campo.

A todos os oficiais participantes da pesquisa quantitativa, pela ateno e tempo dis-

pensados.

A guerra nada mais que a continuao da pol-

tica por outros meios ( Karl von Clausewitz ).

RESUMO

O Brasil possui ainda um grande nmero de grupos indgenas que convivem con-

forme suas tradies e costumes. Nesse ensejo, a Constituio Federal estabelece o

direito a estas comunidades das terras nas quais possam viver com bem-estar e se-

gundo sua cultura. Para tornar tal orientao constitucional factvel, foram normati-

zados os procedimentos para demarcao dessas terras por meio do Decreto Presi-

dencial Nr 1775/1996. O rito demarcatrio foi dividido nas seguintes etapas: identifi-

cao, demarcao, homologao e registro. A identificao verifica o espao geo-

grfico ocupado pelo grupo indgena. A demarcao consiste na colocao de mar-

cos delimitadores das terras indgenas. A homologao o ato do Poder Executivo

que consolida o rito demarcatrio. O registro cartorial constitui e torna pblica a fina-

lidade dessa parcela do patrimnio imobilirio da Unio. Inicialmente, foi realizada

uma explanao conceitual e, em seguida, as dimenses do processo de demarca-

o de terra indgena foram assinaladas: celeridade, qualidade tcnica, transparn-

cia e efetividade. A celeridade sinaliza a tempestividade da realizao dos procedi-

mentos que caracterizam o rito demarcatrio. A qualidade tcnica aborda o nvel de

atendimento aos requisitos estabelecidos pela legislao, em especial pela Consti-

tuio Federal. A transparncia retrata o alinhamento dos objetivos dos atores do

processo com a finalidade da terra indgena a ser demarcada. A efetividade caracte-

riza se, terminado o processo, a terra indgena est realmente de propiciar aos gru-

pos que nele habitam condies de vida adequadas. Por outro lado, a Defesa Naci-

onal foi apresentada segundo o previsto na Poltica de Defesa Nacional, de 2005, e

na Estratgia Nacional de Defesa, de 2008. O estudo da Defesa Nacional foi feita

baseada nos objetivos estatudos pela Poltica de Defesa Nacional, especificamente

a soberania, a integridade territorial, os interesses nacionais e a coeso nacional. A

soberania retrata em que medidas as ameaas afetam a autodeterminao do Brasil.

A integridade territorial assinala a concepo de manuteno do territrio brasileiro.

Os interesses nacionais foram caracterizados principalmente pela paz social e pro-

gresso. A coeso nacional expressa na convivncia harmnica da sociedade. Na

sequncia, foi verificado como se relaciona o atual processo de demarcao com a

Defesa Nacional Brasileira. Isso permitiu soluo subsidiada do problema.

Palavras-chave: Defesa Nacional. Terras Indgenas. O Processo de Demarcao.

ABSTRACT

Brazil has still a large number of indigenous groups who live according to their

traditions and customs. In this occasion, the Constitution establishes the right of

communities to these lands in which they can live with well-being and with their

culture. To make this feasible constitutional guidance, were standardized

procedures for the demarcation of these lands through the Presidential Decree Nr

1775/1996. The rite demarcation was divided into the following steps:

identification, marking, certification and registration. The identification checks the

geographical space occupied by the indigenous group. The demarcation is the

siting of delimiters of indigenous lands. Ratification is the act of the Executive

Branch that consolidates the ritual demarcation. The registration forms and notary

public makes the purpose of this portion of real estate assets of the Union was

initially performed a conceptual explanation and then the dimensions of the

demarcation of indigenous land were marked: speed, technical quality,

transparency and effectiveness. Speed indicates the timing of the procedures that

characterize the ritual demarcation. The technical quality approaches the level of

compliance with the requirements established by legislation, in particular by the

Federal Constitution. Transparency depicts the alignment of the goals of the actors

of the process with the purpose of their land to be demarcated. The effectiveness

is characterized, is done, the earth is really to provide indigenous groups that

inhabit it suitable living conditions. On the other hand, the National Defense was

submitted as planned in the National Defense Policy, 2005, and the National

Defense Strategy, 2008. The study of National Defence was based on the

statutory objectives for the National Defense Policy, specifically the sovereignty,

territorial integrity, national interests and national cohesion. Sovereignty depicts to

what extent the threats affect the determination of Brazil. The territorial integrity of

the design points for maintenance of the Brazilian territory. National interests were

mainly characterized by peace and social progress. National cohesion is

expressed in the harmonious coexistence of society. Following, was found to

relate the current demarcation process with the Brazilian National Defense. This

allowed the solution of the problem subsided.

Keywords: National Defense. Indigenous Lands. The demarcation process.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Definio conceitual das variveis............................................... 25 Quadro 2 Variveis intervenientes............................................................... 25 Quadro 3 Definio operacional das variveis............................................. 27

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Amaznia Legal........................................................................... 45 Figura 2 Recursos Minerais da Amaznia.................................................. 48 Figura 3 Recorte de Pesquisa CNT/Sensus.............................................. 54 Figura 4 Recorte do Relatrio Xacriaba 1.................................................. 86 Figura 5 Recorte do Relatrio Xacriaba 2................................................... 86 Figura 6 Recorte do Relatrio Xacriaba 3................................................... 101 Figura 7 Recorte do Relatrio Xacriaba 4................................................... 101 Figura 8 Recorte do Relatrio Xacriaba 5................................................... 102

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 Relao entre a falta de celeridade e as dimenses da Defesa

Nacional.....................................................................................

106

Grfico 2 Relao entre a falta de transparncia e as dimenses da De-

fesa Nacional.............................................................................

107

Grfico 3 Relao entre a m qualidade tcnica e as dimenses da De-

fesa Nacional..............................................................................

107

Grfico 4 Relao entre a no efetividade e as dimenses da Defesa

Nacional.....................................................................................

108

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CIDH Conveno Interamericana de Direitos Humanos

CIMI Conselho Indigenista Missionrio

CMA Comando Militar da Amaznia

COIAB Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira

EME Estado-Maior do Exrcito

END Estratgia Nacional de Defesa

FUNAI Fundao Nacional do ndio

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

ISA Instituto Socioambiental

MD Ministrio da Defesa

MJ Ministrio da Justia

MEC Ministrio da Educao e Cultura

MI Movimento Indgena

OEA Organizao dos Estados Americanos

OIT Organizao Internacional do Trabalho

ONG Organizao no governamental

ONU Organizao das Naes Unidas

OSCIP Organizao da sociedade civil de interesse pblico

PCN Programa Calha Norte

PDN Poltica de Defesa Nacional

PPG7 Programa Piloto para a Conservao das Florestas Tropicais do Brasil

PPTAL Projeto Integrado de Proteo s Populaes e Terras Indgenas da Ama-

znia Legal

SPI Servio de Proteo aos ndios

SPILTN Servio de Proteo aos ndios e Localizao de Trabalhadores Nacionais

TI Terra indgena

TIRSS Terra Indgena Raposa Serra do Sol

SUMRIO

1 INTRODUO..................................................................................... 14

2 REFERENCIAL METODOLLOGICO................................................ 24

2.1 DEFINIO DAS VARIVEIS DE ESTUDO....................................... 24

2.2 METODOLOGIA.................................................................................. 28

3 A DEFESA NACIONAL BRASILEIRA............................................... 30

3.1 A POLTICA DE DEFESA NACIONAL................................................ 30

3.2 A ESTRATGIA NACIONAL DE DEFESA.......................................... 32

3.3 A DOUTRINA MILITAR DE DEFESA.................................................. 35

3.4 AS DIMENSES DA DEFESA NACIONAL......................................... 37

3.4.1 A Soberania........................................................................................ 38

3.4.2 A Integridade Territorial.................................................................... 40

3.4.3 Interesses Nacionais......................................................................... 41

3.4.4 Coeso Nacional................................................................................ 42

3.5 CONCLUSO PARCIAL..................................................................... 43

4 INTERESSES INTERNACIONAIS NA AMAZNIA ........................... 45

4.1 CARACTERIZAO DA REA........................................................... 45

4.1.1 Aspectos fisiogrficos....................................................................... 46

4.1.2 Aspectos psicossociais, econmicos e polticos........................... 49

4.2 A COBIA INTERNACIONAL.............................................................. 51

4.3 CONCLUSO PARCIAL..................................................................... 55

5 A QUESTO INDGENA NO MUNDO................................................ 56

5.1 ABORDAGEM HISTRICA................................................................. 56

5.2 A QUESTO INDGENA NA ATUALIDADE........................................ 58

5.3 CONCLUSO PARCIAL..................................................................... 61

6 A POLTICA INDIGENISTA COM ENFOQUE EM TERRAS IND-GENAS.........................................................................................

63

6.1 ABORDAGEM HISTRICA................................................................. 63

6.2 A POLTICA INDIGENISTA BRASILEIRA.......................................... 65

6.2.1 As Diretrizes Constitucionais........................................................... 65

6.2.2 O Estatuto do ndio............................................................................ 67

6.3 AS TERRAS INDGENAS.................................................................... 68

6.4 CONCLUSO PARCIAL..................................................................... 72

7 O PROCESSO DE DEMARCAO DE TERRAS INDGE-NAS.........................................................................................

74

7.1 O PROCEDIMENTO LEGAL............................................................... 74

7.2 ABORDAGENS DOUTRINRIAS........................................................ 77

7.2.1 A identificao das terras indgenas................................................ 77

7.2.2 A demarcao das terras indgenas................................................. 78

7.2.3 A homologao.................................................................................. 78

7.2.4 A regularizao fundiria.................................................................. 79

7.3 AS DIMENSES DA DEMARCAO DAS TERRAS INDGENAS... 80

7.3.1 A celeridade........................................................................................ 80

7.3.2 A transparncia.................................................................................. 82

7.3.3 A qualidade tcnica do procedimento............................................. 84

7.3.4 A efetividade....................................................................................... 85

7.4 CONCLUSO PARCIAL...................................................................... 87

8 AS IMPLICAES DO PROCESSO DE DEMARCAES DE TERRAS INDGENAS PARA A DEFESA NACIONAL......................

88

8.1 ABORDAGEM CONCEITUAL.............................................................. 88

8.2 RELAO ENTRE AS VARIVEIS DEPENDENTE E INDEPEN-DENTE

89

8.2.1 Relao entre a celeridade e a Defesa Nacional............................. 89

8.2.2 Relao entre a transparncia e a Defesa Nacional....................... 91

8.2.3 Relao entre a qualidade tcnica e a Defesa Nacional................. 96

8.2.4 Relao entre a efetividade e a Defesa Nacional............................ 99

8.3 CONCLUSO PARCIAL...................................................................... 103

9 APRESENTAO E ANLISE DE RESULTADOS........................... 104

9.1 Generalidades...................................................................................... 104

9.2 Resultado do questionrio................................................................... 104

9.3 Resultado das entrevistas................................................................... 108

9.4 CONCLUSO PARCIAL...................................................................... 112

10 CONCLUSO...................................................................................... 114

REFERNCIAS................................................................................... 118

14

1 INTRODUO

O tema direitos humanos o mais recorrente nos fruns de Direito Internaci-

onal. notria a quantidade de notcias veiculadas na mdia sobre os litgios envol-

vendo tal questo.

Tal matria tem sua origem em 1215, com a imposio pela Igreja e pelos

bares da Carta Magna ao ento rei da Inglaterra John Lackland, conhecido por Jo-

o sem Terra. Por meio desse documento, a sociedade imps limites aos poderes

do monarca, assegurando certos direitos individuais, como a liberdade e a represen-

tatividade (MAGNA CARTA, 2011).

Novo ponto de inflexo nesse mote foi a Declarao dos Direitos do Homem

e do Cidado de 1789 (Silva, 1997). Em tal compndio legal, foram lanadas as ba-

ses que permeariam as geraes dos direitos fundamentais: a liberdade, a igualdade

e a fraternidade.

Os direitos humanos ou fundamentais, limitadores dos poderes do Estado,

possuem, segundo Silva (1997), trs geraes. A primeira gerao compreende os

direitos civis e polticos, como o direito vida e ao voto, os quais realam o princpio

da liberdade. A segunda gerao abarca os direitos econmicos, sociais e culturais.

Identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, como a garantia do

salrio mnimo e a proibio tributao excessiva, e acentuam o princpio da igual-

dade. A terceira gerao aborda a titularidade coletiva. Consagram o princpio da fra-

ternidade. Engloba o direito ao meio ambiente equilibrado, uma saudvel qualidade

de vida, progresso, paz, autodeterminao dos povos e outros direitos difusos.

Na terceira gerao, em particular, esto resguardados os direitos dos gru-

pos sociais como um todo. Nesse escopo que figuram os direitos das comunidades

indgenas com personalidade jurdica1 distinta dos seus integrantes.

A Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948, confeccionada logo

aps a Segunda Guerra Mundial, procurou resguardar ainda mais os direitos funda-

mentais, com o intuito de evitar que o Estado, a exemplo do que ocorreu ao alemo,

submetessem os indivduos tirania e opresso. Partindo dessa posio que fo-

1 Personalidade jurdica ou civil o conjunto de faculdades e de direitos em estado de potenciali-dade, que do ao ser humano a aptido para ter obrigaes (LIMA, Joo Franzen de. Curso de di-reito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, p. 149).

15

ram confirmados pela Organizao das Naes Unidas (ONU) os princpios da auto-

determinao dos povos e do respeito s minorias tnicas. Nesse contexto, a Decla-

rao das Naes Unidas sobre o Direito dos Povos Indgenas tutelou tais acepes

no seu texto (ONU, 2006).

Alm disso, inmeras normas so estabelecidas sobre o respeito s minori-

as tnicas na ONU, na Organizao dos Estados Americanos (OEA) e em tratados

multilaterais. Essas organizaes internacionais situam nesse campo a etnia indge-

na brasileira (TEIXEIRA, 2006).

Conforme o Estatuto do ndio, denominado ndio todo indivduo de origem

e ascendncia pr-colombiana que se identifica e identificado como pertencente a

um grupo tnico cujas caractersticas culturais o distinguem da sociedade nacional

(BRASIL, 1973).Com isso, j fica explcito dois requisitos para caracterizao do in-

divduo como indgena. O primeiro a descendncia. O segundo a identificao

prpria e do grupo como pertencente comunidade indgena.

Comunidade indgena definida como um conjunto de famlias ndias, quer

vivendo em estado de completo isolamento em relao aos outros setores da comu-

nidade nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem, entretanto,

estarem neles integrados (BRASIL, 1973). Registra-se que, nas fontes pesquisadas,

so tratados como sinnimos os termos comunidades e sociedades indgenas.

Hoje, segundo o stio da FUNAI, h 215 diferentes sociedades indgenas no

Brasil. Essas comunidades somam cerca de 358 mil pessoas, que falam 180 lnguas

distintas. Os ndios vivem nos mais diversos pontos do territrio brasileiro, mas pos-

suem concentrao maior na regio Amaznica. Os ndios representam, em termos

demogrficos, um pequeno percentual da populao do Brasil (FUNAI, 2011). Com

base nisso, confirma-se a sua classificao como minoria tnica.

Nesse prisma, a Organizao das Naes Unidas tutelou, por meio da De-

clarao das Naes Unidas sobre o Direito dos Povos Indgenas, inmeras prerro-

gativas que gozam os ndios e suas comunidades. Dentre essas, ressalta-se o direi-

to a uma rea adequada s suas necessidades, prerrogativa assinalada tanto na ex-

posio de motivos assim como em vrios artigos da referida legislao (ONU,

2006). Antes disso, j vinham regulando o assunto por Resolues como a 1235 de

1967 e a 1503 de 1970.

16

As terras indgenas so caracterizadas como as tradicionalmente ocupadas

pelos ndios. Nessas esto inclusas as por eles habitadas em carter permanente,

as utilizadas em atividades produtivas, as imprescindveis preservao dos recur-

sos ambientais necessrios a seu bem-estar e sua reproduo fsica e cultural, se-

gundo seus usos, costumes e tradies (SANTILLI, 1999a).

Embora se reconhea o direito originrio dos ndios sobre essas terras

(BRASIL, 1988), seu uso pleno fica condicionado a um rito demarcatrio. A respon-

sabilidade desse processo do Ministrio da Justia, contando com atuaes de

agentes diversos (BRASIL, 1996).

Segundo Mendes (1999), o problema central na questo indgena a de-

marcao de terras. A demora e a ineficcia dessas delimitaes levam diversos se-

tores, nacionais e internacionais, a fazerem reclamaes em diversos fruns.

Por isso, denncias atinentes a esse assunto acarretam exigncias de medi-

das pelo Estado brasileiro. Uma parcela considervel dessas queixas transita por

canais internacionais, em especial pelo Conselho de Direitos Humanos das Naes

Unidas assim como pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos.

Intensidade maior ganha quando tais comunidades so tratadas como na-

es indgenas em claro confronto com a concepo da soberania una, indivisvel e

indissolvel (MORAES, 2011) na qual se assenta o Brasil. Tal mito foi inventado com

o intuito de respaldar interesses esprios sobre as riquezas do pas (ZENDIM, 2004).

Nesse ensejo, Chagas (2010) assinalou, no seu artigo na Tribuna da Inter-

net, uma anlise referente divulgao pela Folha de S. Paulo da existncia de um

relatrio entregue pela Agncia Brasileira de Inteligncia (ABIN) presidncia da

Repblica, dando conta de que governos estrangeiros, ONGs e o Conselho Indgena

estimulam a criao de um estado independente em Roraima, com autonomia pol-

tica, administrativa e judiciria. Trata-se da Reserva Indgena Raposa Serra do Sol,

onde h alguns anos cidados brasileiros que s entram com a aprovao de ONGs

aliengenas, regio da qual foram expulsos fazendeiros plantadores de arroz.

Segundo aquele autor, o que se pretende em Roraima, com bvia participa-

o de governos estrangeiros e ONGs financiadas por multinacionais, incrementar

a escalada em curso: de reserva indgena passar-se a territrio autnomo e da para

estado independente e, logo, para nao soberana.

17

Assinala ainda que o mais importante nessa farsa que as naes indge-

nas, sem recursos, celebrariam convnios com as naes ricas e obsequiosas, en-

carregadas de prover o seu desenvolvimento atravs de contratos de concesso pa-

ra explorao do subsolo rico em minerais nobres, do nibio ao urnio, sem esque-

cer a biodiversidade. Tais ilaes alertam aos agentes estatais para a preocupao

com os interesses e a coeso nacionais na regio, alm de, em ltimo grau, a garan-

tia da soberania, ditames da Defesa Nacional.

A Defesa Nacional visa precipuamente proteo do territrio, da soberania

e dos interesses nacionais contra ameaas preponderantemente externas (BRASIL,

2005). Essa executada por todas as expresses do poder nacional, ou seja, a atu-

ao ocorre no campo econmico, psicossocial, poltico e militar.

No atual mundo globalizado, pouco provvel um conflito generalizado entre

Estados (LIMA, 2004). Entretanto, renovaram-se no mundo conflitos de carter tni-

co e religioso, a exacerbao de nacionalismos e a fragmentao de Estados, com

uma fora que ameaa a ordem mundial.

Esses aspectos, somados premente necessidade por recursos estratgi-

cos, como fontes de gua doce e de energia, pode resultar em colises de interes-

ses. Tais questes podero levar a ingerncias em assuntos internos, configurando

quadros de conflito (LIMA, 2004).

Tendo fulcro em interesses desse gnero, inmeras declaraes foram reali-

zadas por agentes internacionais, inclusive chefes de Estado e de Governo. Essas

afirmativas incidiam, em sntese, na aplicao Amaznia de conceitos como a so-

berania limitada e o direito de ingerncia de outros pases nos assuntos que lhe afe-

tassem diretamente. Nesse panorama, dois dos motivos mais referenciados foram

as questes ambientais e o desrespeito aos direitos indgenas (BRASIL, 2011).

A ONU, por meio da Resoluo 2625 (ONU, 1970), aprovou a Declarao

sobre os Princpios do Direito Internacional relativos s Relaes de Amizade e Co-

operao entre os Estados de acordo com a Carta das Naes Unidas. Entre outros

pontos abordados, essa norma internacional de orientao estipula que essencial

que todos os Estados devem abster-se nas suas relaes internacionais da ameaa

ou uso da fora contra a integridade territorial ou independncia poltica de qualquer

Estado, ou em qualquer outra forma incompatvel com os propsitos das Naes

18

Unidas. Alm disso, endossa que tambm essencial que todos os Estados resol-

vam suas controvrsias internacionais por meios pacficos.

A princpio, este documento corroboraria os ditames da Defesa Nacional, en-

tretanto ele apresenta conceitos de certa contrariedade no seu corpo. Por exemplo,

a sua alnea (F) ressalta o princpio da igualdade soberana dos Estados, o que acar-

retaria a no aplicao dos fundamentos de soberania limitada e direito de ingern-

cia. J nas alneas (E) e (G) a resoluo assinala que o princpio da igualdade de di-

reitos e da autodeterminao dos povos deve ser respeitado, includo a os povos

indgenas, e que os Estados devem cumprir de boa f as obrigaes por eles assu-

midas de acordo com a Carta, de forma a garantir a sua aplicao mais eficaz da

comunidade internacional.

Dessa forma, a prpria Organizao das Naes Unidas que deveria, como

reguladora das relaes pblicas internacionais entre os entes estatais, defender a

soberania dos seus signatrios, deixa aberta uma brecha legal para legitimizar uma

interveno.

Partindo desse pressuposto, pode-se admitir que um possvel pretexto para

ingerncia em assuntos internos brasileiros seria o desrespeito aos direitos das ditas

naes indgenas. Tais inseres poderiam afetar os interesses nacionais ou at

ameaar a soberania do pas na regio amaznica.

Com base nisso, o tema a ser abordado neste trabalho a demarcao de

terras indgenas e a Defesa Nacional. Essa questo de suma importncia tendo

em vista trs aspectos principais.

Em primeiro lugar, pode-se citar a atualidade da matria. Esta comprovada

pela grande quantidade de processos ainda em andamento, incluindo o litgio pol-

mico referente demarcao da Reserva Raposa Serra do Sol (STF, 2009).

Por outro prisma, tambm se enfatiza os problemas internos gerados pela de-

mora e falta de transparncia no processo. Dentre outros, pode-se referenciar o des-

crdito da poltica indigenista brasileira, assim como as tenses sociais criadas nas

reas impactadas pela demarcao (STF, 2009).

Tambm se destaca a ateno da comunidade internacional sobre o assun-

to. A ttulo de exemplo, evidencia-se o acionamento feito ao governo brasileiro pela

Comisso Interamericana de Direitos Humanos da Organizao dos Estados Ameri-

19

canos (OEA), em abril de 2011, acerca dos povos indgenas do entorno das obras

da Usina Hidreltrica de Belo Monte (BRASIL, 2011).

Por outro lado, a Defesa Nacional outra temtica cada vez mais em voga

no Brasil. Prova disso foi a reformulao da Poltica de Defesa Nacional em 2005, o

lanamento de uma nova Estratgia Nacional de Defesa em 2008 e a confeco em

trmite do Livro Branco de Defesa.

No corpo deste trabalho, sero abordadas as etapas do procedimento admi-

nistrativo de demarcao de terras indgenas, estipulado pelo Decreto n 1.775

(BRASIL, 1996), o qual regulamentou o Estatuto do ndio (BRASIL, 1973). Embora

sejam priorizadas na pesquisa as implicaes aps a promulgao dessa norma, se-

r feita referncia a fatos anteriores tendo em vista a demora dos processos, alguns

com mais de trinta anos, perdurando at os dias atuais.

Nesse sentido, assinala Santilli (2000a) que, independentemente da sua

demarcao, os ndios tm direitos reconhecidos s suas terras. No facultado

terceiro, mesmo antes do trmino do processo, adentrar ou explorar a rea, alegan-

do depois direito adquirido tendo em vista que o indgena possui direito originrio de

posse.

O Art. 2 do decreto supracitado estipula sumariamente as fases para a de-

marcao das terras indgenas. Em sntese, esse processo possui as seguintes eta-

pas: confeco de relatrio por antroplogo, levantamento fundirio, prazo de con-

testao, anlise pela Fundao Nacional do ndio (FUNAI), aprovao pelo Ministro

da Justia, demarcao, homologao presidencial e registro.

De maneira mais sucinta, Cordeiro (1999) assinala quatro etapas: identifica-

o, demarcao, homologao e regularizao fundiria. As outras etapas seriam

tarefas das fases aqui mencionadas.

Por sua vez, a Defesa Nacional, conforme a Poltica de Defesa Nacional

(BRASIL, 2005) possui trs esteios: a defesa do territrio, da soberania e dos inte-

resses nacionais contra ameaas preponderantemente externas, potenciais ou mani-

festas. Nesse trabalho monogrfico, pretende-se identificar como o processo de de-

marcao de terras indgenas traz reflexos a esses objetivos da Poltica de Defesa

Nacional. A anlise ser feita inicialmente nas dimenses do procedimento o que

possibilitar a chegar a concluses no panorama total do rito demarcatrio.

20

No contexto mundial atual, verifica-se uma crescente preocupao com as mi-

norias tnicas. Nesse contexto, est inserida a ateno prestada aos direitos das

comunidades indgenas, em particular o de contar com uma extenso territorial sob

sua posse que permita aos ndios viverem segundo seus costumes e cultura (TEI-

XEIRA, 2006).

O processo de demarcao das terras indgenas tem fundamento no Art. 231

da Constituio Federal (BRASIL, 1988) e no Art. 2, inciso IX, da Lei n 6.001, de 19

de dezembro de 1973 - Estatuto do ndio (BRASIL, 1973), e est regulado pelo De-

creto n 1.775, de 8 de janeiro de 1996 (BRASIL, 1996). Esta ltima norma caracteri-

za bem os procedimentos a serem adotados para cumprir o intento supramenciona-

do.

A tcnica legislativa empregada, entretanto, deu espao a interpretaes ex-

tensivas (SANTOS, 2001), ou seja, no delimitou bem o grau de participao cabvel

de cada setor da sociedade no processo. Dessa forma, deixou flexibilizada a atua-

o de inmeros agentes nacionais e internacionais no rito.

Zendim (2004) revela que nem sempre ficam claros os interesses desses agen-

tes ao participarem do processo. Algumas Organizaes No-Governamentais se-

guem orientaes do Direito Internacional que vo de encontro ao estabelecido pela

Carta Magna Brasileira e legislaes infraconstitucionais.

Com isso, deve-se verificar se a participao de agentes externos prejudica ou

no os ditames da Defesa Nacional anteriormente mencionados. Alguns desses

agentes tm suas concepes fundadas no Artigo 3 da Declarao das Naes Uni-

das sobre o Direito dos Povos Indgenas, Os povos indgenas tm direito autode-

terminao. Em virtude desse direito determinam livremente sua condio poltica e

buscam livremente seu desenvolvimento econmico, social e cultural. (ONU, 1967)

Em face do exposto, apresenta-se como problema a ser solucionado neste tra-

balho monogrfico o seguinte:

Em que medida o atual processo de demarcao de terras indgenas influencia

a Defesa Nacional?

No campo territorial, o estudo ser restringido Amaznia Legal. Essa regi-

o representada pelos Estados do Par, do Amap, do Amazonas, do Acre, do

Mato Grosso, de Rondnia e de Roraima, alm de partes dos Estados do Maranho,

21

a oeste do meridiano de 44, e do Tocantins, ao norte do paralelo 13 (AZAMBUJA

JNIOR, 2004).

Inicialmente, a escolha dessa rea se deve maior concentrao de tribos

indgenas. Alm disso, a regio possui extensas terras sem regularizao fundiria

(MENDES, 1999). Essa caracterstica propicia uma quantidade de exemplos que do

melhores condies para realizao da pesquisa.

Leva-se em conta tambm que a Amaznia a parcela do territrio brasileiro

que desperta maior interesse dos outros pases (VISACRO, 2009). Isso permitir

que seja melhor visualizada a conexo entre as variveis estudadas.

importante ressaltar que as ilaes feitas sobre o processo de demarcao

de terras indgenas na Amaznia, pode, pelo mtodo indutivo, serem estendidas pa-

ra as outras regies do pas.

O lapso temporal abordado, para fins de concluso, ser precipuamente o

posterior aplicao do Decreto 1775, em 1996. Os estudos, entretanto, iro buscar

subsdios a partir de 1973, com a promulgao do Estatuto do ndio.

Assinala-se que os processos demarcatrios so extensos. Alm disso, as

disputas referentes terra precedem em muito o incio da demarcao, como o

caso da Raposa Serra do Sol cujos conflitos tiveram incio no fim do sculo XVIII

(VIEIRA, 2003).

Quanto delimitao da abordagem, a pesquisa ir se restringir ao processo

legal de demarcao de terras indgenas e seus efeitos sobre a Defesa Nacional.

Para se compreender o arcabouo no qual o tema est inserido, ser feita inicial-

mente uma abordagem sobre a poltica indigenista brasileira, as ameaas potenciais

e latentes Amaznia e a temtica indgena em mbito internacional.

O objetivo geral desta pesquisa o de definir as implicaes do atual pro-

cesso de demarcao de terras indgenas sobre a Defesa Nacional. Em particular,

ser verificado se os atuais procedimentos para demarcao de terras indgenas tra-

zem prejuzo consecuo dos objetivos da Defesa Nacional.

Para tanto, tem-se como objetivos especficos:

- Apresentar os conceitos referentes Defesa Nacional;

- Apresentar os interesses internacionais em relao Amaznia;

- Apresentar a abordagem da questo indgena em nvel internacional;

22

- Apresentar a Poltica Indigenista no Brasil, enfocando a questo das terras

indgenas;

- Analisar o processo de demarcao de terras indgenas no Brasil;

- Analisar os reflexos do processo de demarcao de terras indgenas sobre

a consecuo dos objetivos da Defesa Nacional.

Como possveis solues a esses problemas, foram elencadas duas hipte-

ses.

A verificao da primeira hiptese assinalar se o processo, como um todo,

tem efeito negativo para a Defesa Nacional. Nesse sentido, o trabalho apontar os

bices Defesa Nacional que a aplicao do Decreto 1775 causa.

A averiguao da segunda hiptese, por sua vez, constatar se apenas al-

guma dimenso especfica dos procedimentos de demarcao desfavorvel para

algum objetivo da Defesa Nacional. Com isso, a reviso sugerida dos procedimentos

repercutir em pontos especficos da legislao.

O desenvolvimento deste trabalho ser iniciado com uma explanao sobre

a metodologia aplicada. Em especial, ser demonstrado como ocorrer a dinmica

entre a varivel dependente e a independente, em todas as suas dimenses.

Na sequncia, ser abordado o referencial conceitual. Inicialmente, o modelo

e condicionantes da Defesa Nacional Brasileira sero apresentados. Ao final das de-

finies iniciais, as dimenses desta varivel sero estudadas.

Logo aps isso, as ameaas soberania brasileira na Amaznia sero apre-

sentadas. Como prembulo deste captulo, essa regio geogrfica ser caracteriza-

da.

Em seguida, discorrer-se- sobre a questo indgena no mundo. Nesse es-

copo, ser buscada a influncia dessa temtica sobre o Brasil. Em particular, ser

verificado se tanto as legislaes como os posicionamentos emanados pela ONU,

OEA e outros rgos intergovernamentais repercutem no ordenamento territorial in-

dgena no Brasil.

Posteriormente, ser analisada a poltica indigenista praticada pelo Brasil.

Em especial, o enfoque ser dado s terras indgenas.

Feito este embasamento, ser esmiuado o processo de demarcao de ter-

ras indgenas. Todo o rito demarcatrio ser detalhado. Ao final da parte expositiva

genrica, as dimenses desta varivel sero analisadas.

23

Na sequncia, sero visualizadas as implicaes do processo de demarca-

es de terras indgenas para a Defesa Nacional Brasileira. A abordagem a ser feita

neste captulo ser fundamentada na bibliografia e em documentos. Tambm sero

utilizados resultados de outros trabalhos.

No ltimo captulo sero apresentados os resultados da pesquisa realizados

por esse autor. Para isso, ser utilizada a ferramenta entrevista assim como a busca

de dados por meio do questionrio.

Por fim, ser realizada a concluso com base na reviso da literatura, a qual

incluir o produto de pesquisa realizada pela FUNAI, e no resultado das entrevistas

e dos questionrios. A anlise dos fatores ser feita de forma integrada e no apli-

cando valor ponderado para as fontes.

24

2 REFERENCIAL METODLOGICO

2.1 DEFINIO DAS VARIVEIS DO ESTUDO

O presente trabalho visa a verificar as implicaes do atual processo de de-

marcao de terras indgenas para a Defesa Nacional. Para realizar tal intento, foi

elencado o seguinte problema:

Em que medida o atual processo de demarcao de terras indgenas influ-

encia Defesa Nacional?

Como possveis solues para o problema elencado, foram levantadas as

seguintes hipteses:

- Hiptese 1- O atual processo de demarcao de terras indgenas desfa-

vorvel consecuo dos objetivos da Defesa Nacional;

- Hiptese 2 Algumas das dimenses da demarcao de terras indgenas

so prejudiciais a certos objetivos da Defesa Nacional, sem impacto a esta varivel

como um todo.

No decorrer do trabalho, foram manipuladas duas variveis no esforo de

resolver o problema dessa pesquisa. A varivel independente foi o processo de de-

marcao de terras indgenas. A varivel dependente foi a Defesa Nacional, em par-

ticular a consecuo dos objetivos estipulados pela Poltica de Defesa Nacional, sob

o efeito da varivel independente e das intervenientes.

Para se obter um viso mais detalhada e abrangente da questo, as duas

variveis foram decompostas em dimenses. Para o processo de demarcao de

terras indgenas, foram estabelecidos como indicadores a celeridade, a transparn-

cia, a efetividade e a qualidade tcnica do procedimento. Para a Defesa Nacional,

foram dimensionados os efeitos sobre a soberania, coeso nacional, integridade ter-

ritorial e interesses nacionais.

Aps o detalhamento desses indicadores, foi buscado verificar as relaes

entre essas dimenses, retirando concluses parciais. Com isso, pode-se chegar de

forma mais precisa dinmica entre as variveis. Isso foi realizado, mais especifi-

camente, nos captulos que relacionaram as variveis independente e dependente,

25

inicialmente com base no referencial conceitual e depois conforme o resultado das

pesquisas. .

As variveis empregadas no presente trabalho foram caracterizadas no qua-

dro abaixo:

Varivel

Independente

Dimenses da

varivel independente

Dimenses da

varivel dependente

Varivel

dependente

O atual processo de demarcao de

terras indgenas

- Celeridade - Soberania

A Defesa Nacional

- Transparncia - Integridade territorial

- Efetividade - Interesses nacionais

- Qualidade tcnica do pro-cedimento

- Coeso nacional

Quadro 1 Definio conceitual das variveis Fonte: Autor

necessrio destacar que esses indicadores foram confrontados entre si de

forma estanque inicialmente. Feita tal verificao, foi analisado o comportamento dos

ndices obtidos para todo processo. Dessa forma, restou completa a conexo entre a

varivel dependente e a independente, confirmando ou refutando as hipteses e,

assim, respondendo o problema.

No quadro abaixo, apresenta-se as variveis intervenientes que incidiram

nos resultados da relao entre as variveis dependente e independente.

Varivel

Independente

Variveis Intervenientes Varivel

dependente

O atual processo de demarcao de terras indgenas

- Atuao de agentes inter-nos

- Programas governamentais

A Defesa Nacional

- Atuao de agentes exter-nos

- Vontade poltica - Legislaes conexas nacio-nais

- Legislaes conexas, decla-raes e resolues interna-cionais

- Poltica externa brasileira

Quadro 2 Variveis intervenientes Fonte: Autor

importante fazer a ressalva de que, embora a varivel interveniente surja

preponderantemente na verificao da varivel dependente ou da independente,

26

muitas vezes h as que atuam no processo como um todo. Um exemplo claro disso

a vontade poltica.

Na atuao de agentes internos, verificou-se como os nacionais no ligados

diretamente ao processo atuam, afetando os procedimentos e criando repercusses

para a Defesa Nacional. No mesmo sentido, sero verificadas as interferncias de

agentes internacionais. Considera-se diretamente ligados ao processo, de um lado,

o Ministrio da Justia, Governo Estadual e Municipal onde est a rea proposta, e a

Fundao Nacional do ndio (FUNAI) secundada por assessores e tcnicos contra-

tados. Do outro a comunidade indgena e a no indgena da rea ou dos arredores

da terra indgena a ser demarcada. Todos os demais , ONGs, Conselhos Indgenas,

Imprensa, dentre outros, sero considerados nas variveis intervenientes.

necessrio referenciar que os outros rgos da estrutura estatal que sejam

acionados pelo Ministrio da Justia para emitirem Pareceres, como o Ministrio da

Defesa ou o Ministrio das Cidades, foram computados como assessores tcnicos

no tendo participao individualizada no processo. O Ministrio da Defesa pode ser

consultado acerca das consequncias para a Defesa Nacional da demarcao de

terra indgena na regio de fronteira. O Ministrio das Cidades pode ser perguntado

sobre o efeito da demarcao sobre os impactos na estrutura econmico-social das

cidades afetadas.

Quanto s legislaes conexas nacionais, foram abordadas as que no so

afetas diretamente Defesa Nacional nem demarcao de terras indgenas, mas

que afetam o processo. J no prisma internacional, todas as legislaes, desde que

no internalizadas na forma do Art. 5, 3, da Constituio Federal (BRASIL, 1988),

foram consideradas como compondo esta varivel interveniente.

No que se refere s variveis intervenientes atinentes Defesa Nacional, fo-

ram inicialmente explorados como os programas governamentais em execuo favo-

recem ou no consecuo das dimenses levantadas da varivel dependente. Isso

foi visualizado tanto de forma direta como indireta.

A vontade poltica, por sua vez, abarcou as iniciativas dos poderes estatais,

executivo, legislativo e judicirio que podiam afetar a interao da demarcao das

terras indgenas com a Defesa Nacional. Por vezes, isso expresso pela prpria

motivao em aprovar as normas que regulam o assunto.

27

O estudo da varivel poltica externa, por sua vez, permitiu verificar o com-

portamento do Estado Brasileiro em relao a outros pases ou rgos intergover-

namentais. Em particular, esta postura foi verificada em relao questo indgena,

com foco na questo das terras indgenas.

A seguir, expe-se sistematicamente a definio operacional das variveis

apresentadas:

Varivel Dimenso Indicador Forma de medio

O atual processo de demarcao de terras indgenas

- Celeridade - Prazo da demarcao - Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

- Qualidade tcnica do procedimento

- Falhas levantadas nos ritos do processo

- Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

- Transparncia - Reclamaes por no participao no processo

- Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

- Efetividade - Problemas quanto ao cumprimento do decreto homologatrio

- Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

A Defesa Nacional

- Soberania - Ameaas soberania - Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

- Integridade terri-torial

- Falhas levantadas nos ritos do processo

- Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

- Interesses nacio-nais

- Quantidade de interes-ses afetados

- Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

- Coeso nacional - Nmeros de conflitos em demarcaes

- Pergunta fechada do ques-tionrio e entrevista

Quadro 3 Definio operacional das variveis Fonte: Autor

As dimenses das variveis foram estudadas nos captulos respectivos,

sendo feitas aqui breves consideraes. Ressalta-se, inicialmente, a possibilidade de

buscar a relao entre essas dimenses o que podero redundar em, no mnimo,

dezesseis questionamentos no instrumento de pesquisa. Por exemplo, uma indaga-

o que se verifique o impacto da falta de transparncia no processo de demarcao

sobre os interesses nacionais na Amaznia.

Enfatiza-se tambm que a forma de medio utilizada por vezes no foi a

mais apropriada. Isso ocorreu tendo em vista a disponibilidade de recursos materiais

e financeiros, alm de falta de resposta de alguns rgos solicitados.

Algumas das dimenses foram levantadas com o acesso a fontes primrias

ou secundrias e confirmadas posteriormente por meio das ferramentas de pesqui-

sa. Outras se obteve diretamente com a utilizao do questionrio e entrevista.

28

2.2 METODOLOGIA

A concepo da pesquisa, quanto forma de abordagem do problema, foi

quali-quantitativa. Nesse vis, conforme Marconi e Lakatos (2007), o estudo teve ca-

rter qualitativo quando buscou detalhar os comportamentos, atitudes e interesses

dos agentes envolvidos no processo de demarcao. Por sua vez, seguiu o prisma

quantitativo quando levantou dados sobre o rito demarcatrio e realizou seu trata-

mento estatstico.

Quanto ao procedimento, o mtodo abordado foi basicamente o de estudo

de caso. Por meio desse, foram estudados alguns processos de demarcao con-

clusos e em andamento a fim de confirmar ou no as hipteses j elencadas. Na

medida do possvel, foi tambm desenvolvido o mtodo estatstico, buscando, se-

gundo Gil (1999), levantar dados e quantificar algumas dimenses das variveis co-

mo prazos, falhas, reclamaes, dentre outras.

Alm disso, foi aplicado, como um todo, o mtodo indutivo pelo qual, segun-

do Marconi e Lakatos (2007), obtm-se uma generalizao a partir de situaes par-

ticulares. Analisadas algumas demarcaes, estipulou-se ilaes vlidas para todos

os processos. Para os casos especficos estudados, adotou-se o mtodo hipottico-

dedutivo pelo qual a partir de premissas vlidas, obtm-se uma hiptese a qual ser

confirmada ou refutada.

No que se refere ao tipo, o trabalho ser desenvolvido em trs nveis de

pesquisa: exploratrio, descritivo e explicativo. Conforme Gil (2002), a primeira tem

como finalidade conhecer melhor o problema possibilitando a formulao de hipte-

ses. A descritiva tem como objetivo primordial a descrio das caractersticas de de-

terminada populao ou fenmeno ou, ento, o estabelecimento de relao entre va-

riveis, o que ser realizado conforme a interao das dimenses das variveis es-

tabelecidas. A pesquisa explicativa tem como preocupao central identificar os fato-

res que contribuem para ocorrncia dos fenmenos, sendo o tipo de pesquisa que

mais aprofunda o conhecimento da realidade porque explica o porqu das coisas.

Em particular, por meio deste modelo, buscou-se analisar os dados colhidos com as

pesquisas quantitativas.

O estudo exploratrio foi amplo, porm superficial. Esse estudo visou a ex-

trair os subsdios iniciais para o desenvolvimento do trabalho. O estudo descritivo foi

29

baseado na coleta de dados com especialistas em cada ramo que o assunto ser

abordado. A pesquisa explicativa teve o objetivo de verificar os efeitos do processo

de demarcao de terras indgenas sobre a Defesa Nacional.

A pesquisa bibliogrfica foi realizada por meio de consultas s bibliotecas da

Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito, da Escola Superior de Guerra, da

Escola de Aperfeioamento de Oficiais, do Museu Nacional do ndio, alm de aquisi-

o de alguns livros. Outras fontes bibliogrficas como manuais do Ministrio da De-

fesa e informaes, disponveis na internet, tambm foram utilizadas.

Quanto coleta documental, consultaram-se diversos documentos oficiais

do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, do Ministrio da Justia e do

Ministrio da Defesa.

O universo investigado por meio da ferramenta de pesquisa entrevista e

questionrio, foi o de profissionais ligados rea indgena, rea de Defesa Nacio-

nal e rea jurdica com conhecimento sobre o tema. Faz-se a ressalva que, por

premncia de tempo e recursos, no foi possvel realizar entrevista com os antrop-

logos nem dirigentes da FUNAI.

A amostra foi selecionada com base no conhecimento especfico sobre o

tema e na viabilidade de aplicao do instrumento de pesquisa. A amostra foi de cu-

nho intencional no probabilstico, quanto entrevista, e de cunho intencional pro-

babilstico, quanto ao questionrio, buscando atingir os seguintes elementos:

- rea Indgena professores universitrios com conhecimento na rea;

- rea de Defesa Nacional Coronis cursandos e instrutores do Curso de

Poltica, Estratgia e Alta Administrao do Exrcito e das Carteiras de Doutrina da

Escola Superior de Guerra, alm dos profissionais do Ministrio da Defesa e do Es-

tado-Maior do Exrcito que atuam na rea;

- rea jurdica professores universitrios da matria Direito Indgena.

30

3 A DEFESA NACIONAL BRASILEIRA

3.1 A POLTICA DE DEFESA NACIONAL

A Defesa Nacional, funo do Estado e direito fundamental de um povo, de-

ve ser entendida como um conjunto de aes e medidas concretas que visem a as-

segurar a integridade territorial, a soberania nacional e os interesses vitais de uma

nao. Embora constitua parcela expressiva da segurana nacional, esta de con-

cepo mais ampla e de natureza sensorial, a defesa no se processa por meio de

retrica ou de rompantes. Para se concretizar, dois aspectos devem ser ressaltados:

o envolvimento da sociedade e o conjunto de aes e medidas efetivas (LIMA,

2008).

A Constituio Federal, base de toda legislao-ptria, estabelece que a De-

fesa Nacional competncia da Unio, sendo as Foras Armadas destinadas a esta

atividade. Ainda, aborda, no seu ttulo inicial, os princpios fundamentais que nortei-

am o pas: soberania, cidadania, garantia do desenvolvimento nacional, autodeter-

minao dos povos e no interveno (BRASIL, 1988).

A Poltica de Defesa Nacional (PDN), j em 1996, segundo Visacro (2009),

priorizava a Amaznia, tendo como fulcro o fortalecimento da presena militar na re-

gio e a vivificao da faixa lindeira, visando a incrementar a presena do Estado, a

resguardar o territrio nacional e a garantir a inviolabilidade das fronteiras.

Alicerado no previsto na Carta Magna, o Presidente do Brasil disps, medi-

ante decreto, sobre a Poltica de Defesa Nacional, estabelecendo alguns conceitos

bsicos, essenciais continuidade da explanao:

Segurana a condio que permite ao Pas a preservao da soberania e da integridade territorial, a realizao dos seus interesses nacionais, livre de presses e ameaas de qualquer natureza, e a garantia aos cidados do exerccio dos direitos e deveres constitucionais (BRASIL, 2005, p. 2).

Em suma, a Segurana Nacional permite ao pas conduzir sua Poltica Naci-

onal traar seus objetivos e dirigir sua Estratgia Nacional estipular a forma

como atingi-los sem interferncias externas e tambm sem ingerncias internas

que no tenham previso no ordenamento legal.

31

Dessa viso mais ampla, depreendem-se os ditames da Defesa Nacional,

conforme transcrito:

Defesa o ato ou o conjunto de atos realizados para obter, resguardar ou recompor a condio reconhecida como de segurana. [...] A PDN define Defesa Nacional como o conjunto de medidas e aes do Es-tado, com nfase na expresso militar, para a defesa do territrio, da sobe-rania e dos interesses nacionais contra ameaas preponderantemente ex-ternas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2005, p. 2).

Conforme foi delineado, a Defesa Nacional o instrumento utilizado pelo Es-

tado Brasileiro para assegurar que ameaa alguma prejudique a Segurana Nacio-

nal. Para consecuo de suas atividades, demanda recursos de todas as expres-

ses do Poder Nacional, especialmente a militar.

A Poltica de Defesa Nacional traa os objetivos a serem atingidos, estando

os seguintes relacionados com o tema em estudo:

I - a garantia da soberania, do patrimnio nacional e da integridade territori-al; [...] III - a contribuio para a preservao da coeso e unidade nacionais; IV - a promoo da estabilidade regional; V - a contribuio para a manuteno da paz e da segurana internacionais; e VI - a projeo do Brasil no concerto das naes e sua maior insero em processos decisrios internacionais (BRASIL, 2005, p. 6).

A PDN ainda traa as orientaes estratgicas, das quais so atinentes

matria em anlise os seguintes pressupostos: estreito relacionamento com a comu-

nidade internacional baseado na confiana e no respeito mtuo e soluo pacfica

de controvrsias. Por outro lado, no caso de ocorrer agresso ao Pas, o Estado

Brasileiro empregar todo o poder nacional, com nfase na expresso militar, exer-

cendo o direito de legtima defesa previsto na Carta da ONU (LIMA, 2008).

No mesmo sentido, esse decreto dispe que muito importante o desenvol-

vimento de mentalidade de defesa no seio da sociedade brasileira com o intuito de

sensibiliz-la acerca da importncia das questes que envolvam ameaas sobera-

nia, aos interesses nacionais e integridade territorial do Pas.

interessante ressaltar que a formulao dessa poltica foi ao encontro de

premissas atualizadas tanto no contexto da Amrica do Sul como mundial. No seu

prembulo e no prprio corpo do documento, verificam-se as condicionantes nas

quais os objetivos traados esto inseridos.

32

Inicialmente, leva em conta uma ordem mundial multipolar, excetuando-se a

expresso militar de flagrante domnio norte-americano. Nesse panorama, tambm

visualiza um o fortalecimento dos princpios consagrados pelo direito internacional

como a soberania, a no interveno e a igualdade entre os Estados, proporcionan-

do um mundo mais estvel, voltado para o desenvolvimento e bem estar da humani-

dade.

Nessa preocupao com o bem-estar da humanidade que se encontra a

crescente exacerbao da temtica dos direitos humanos. Nesse mesmo contexto,

esto includos os litgios acerca das questes indgenas.

Outros pressupostos, entretanto, contradizem esse ambiente de tranquilida-

de. A crescente busca por recursos naturais, aliada constante preocupao com o

meio ambiente, torna pases, com abundncia de recursos, alvos de interesses in-

ternacionais (COIMBRA, 2008). Especificamente neste ponto que se descortina

um motivo para que um agente externo afete os interesses brasileiros.

No mesmo escopo, o crescente alinhamento sul-americano comprovado

por inmeros aspectos dos quais se enfatiza o fortalecimento do processo de inte-

grao, a partir do Mercosul, da Comunidade Andina de Naes e da Unio de Na-

es Sul-Americanas, e o estreito relacionamento entre os pases amaznicos, no

mbito da Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica.

Shinzato (2002) j assinalava que embora se tenha uma conjuntura favor-

vel em torno do Pas, necessrio manter um sistema de defesa adequado pre-

servao da soberania e do estado democrtico de direito. Esse o sentido da for-

mulao da Poltica de Defesa Nacional respaldada pela nao, a qual integra as vi-

ses estratgicas de cunho social, econmico, militar e diplomtico e pressupe a

disponibilidade dos meios necessrios sua implementao.

3.2 A ESTRATGIA NACIONAL DE DEFESA

A atual Estratgia Nacional de Defesa (END) foi apresentada em 2008, ali-

nhada com a PDN de 2005. Por conseguinte, baseia-se nas mesmas premissas j

que estabelece os mtodos pelos quais os objetivos estabelecidos nesta poltica se-

ro atingidos. Alguns pontos, todavia, foram acrescidos. Esses tpicos sero apre-

33

sentados com o propsito de se obter uma concepo mais completa da Defesa Na-

cional brasileira.

J na sua introduo, a END (BRASIL, 2008) assinala duas mudanas de

postura no tratamento da defesa. A primeira que a responsabilidade de seu plane-

jamento e execuo da sociedade como um todo e no apenas das Foras Arma-

das. A segunda que a defesa deve priorizar a resposta s ameaas e no somente

a agresses. no escopo dessas alteraes que a presente pesquisa est funda-

mentada, ao verificar se procedimentos administrativos executados pela sociedade

propiciam oportunidades ao surgimento de ameaas defesa nacional.

A END apresenta trs eixos estruturantes: a organizao das Foras Arma-

das, a reestruturao da indstria nacional de defesa e a composio das Foras

Armadas, este ltimo mantendo o servio militar obrigatrio e procurando que ele

atinja todos os extratos sociais.

Consoante tais eixos, foram estabelecidas vinte e trs diretrizes que pautam

a END. Para o tema em estudo, faz-se importante citar as seguintes:

2.Organizar as Foras Armadas sob a gide do trinmio monitoramen-to/controle, mobilidade e presena. 3.Desenvolver as capacidades de monitorar e controlar o espao areo, o territrio e as guas jurisdicionais brasileiras. 4.Desenvolver, lastreado na capacidade de monitorar/controlar, a capacida-de de responder prontamente a qualquer ameaa ou agresso: a mobilida-de estratgica. [...] 8.Reposicionar os efetivos das trs Foras. 9.Adensar a presena de unidades do Exrcito, da Marinha e da Fora A-rea nas fronteiras. 10.Priorizar a regio amaznica. 11.Desenvolver, para fortalecer a mobilidade, a capacidade logstica, sobre-tudo na regio amaznica. [...] 21.Desenvolver o potencial de mobilizao militar e nacional para assegurar a capacidade dissuasria e operacional das Foras Armadas. [...] 23.Manter o Servio Militar Obrigatrio. (BRASIL, 2008, p. 12)

De forma ainda mais efetiva, as diretrizes 8 e 9 vocacionam maiores efetivos

para a Amaznia, em especial para as fronteiras. Tal postura colabora com a dissu-

aso de possveis ameaas na rea. Tal diretiva cresce de importncia tendo em vis-

ta o fato de muitas vezes as Foras Armadas e, em particular o Exrcito, ser a nica

presena do Estado Brasileiro nesses rinces.

34

No mesmo sentido, a manuteno do servio militar obrigatrio permite o

acesso da populao da Amaznia s Foras Armadas, propiciando no s a forma-

o desses cidados brasileiros como tambm o efeito multiplicador destes na sua

comunidade. Alm disso, o vnculo dos indivduos, muitos de origem indgenas, com

a nao se torna muito mais slido.

A diretriz 10, pela sua importncia, merece ser transcrita na ntegra:

A Amaznia representa um dos focos de maior interesse para a defesa. A defesa da Amaznia exige avano de projeto de desenvolvimento sustent-vel e passa pelo trinmio monitoramento/controle, mobilidade e presena. O Brasil ser vigilante na reafirmao incondicional de sua soberania sobre a Amaznia brasileira. Repudiar, pela prtica de atos de desenvolvimento e de defesa, qualquer tentativa de tutela sobre as suas decises a respeito de preservao, de desenvolvimento e de defesa da Amaznia. No permiti-r que organizaes ou indivduos sirvam de instrumentos para interesses estrangeiros - polticos ou econmicos - que queiram enfraquecer a sobera-nia brasileira. Quem cuida da Amaznia brasileira, a servio da humanidade e de si mesmo, o Brasil (BRASIL, 2008, p. 7).

Nesse documento, fica expressa a preocupao com a questo fundiria na

regio Amaznica, conforme demonstrado na citao abaixo:

O desenvolvimento sustentvel da regio amaznica passar a ser visto, tambm, como instrumento da defesa nacional: s ele pode consolidar as condies para assegurar a soberania nacional sobre aquela regio. Dentro dos planos para o desenvolvimento sustentvel da Amaznia, caber papel primordial regularizao fundiria. Para defender a Amaznia, ser preci-so tir-la da condio de insegurana jurdica e de conflito generalizado em que, por conta da falta de soluo ao problema da terra, ela se encontra (BRASIL, 2008, p. 18).

Assinala-se que um dos problemas fundirios mais evidentes na Amaznia

a gama de contenciosos relativos s terras indgenas. Tais contendas prejudicam

sobremaneira a paz social na regio, impactando tambm o desenvolvimento da

rea (MENDES, 1999).

Verifica-se ento a importncia dada Amaznia Brasileira pela END e,

mais especificamente, questo fundiria indgena na regio. O que foi traado co-

mo meta pela END, entretanto, ainda no se concretizou em mudanas no tratamen-

to das demarcaes de terras indgenas.

35

3.3 A DOUTRINA MILITAR DE DEFESA

Consoante com a PND e a END, a Doutrina Militar de Defesa (DMD) faz

abordagem mais minuciosa das assertivas relativas defesa no nvel do Ministrio

da Defesa, estabelecendo os fundamentos doutrinrios para o emprego das Foras

Armadas para atendimento s demandas da Defesa Nacional. Aborda tanto as

aes preventivas como reativas (BRASIL, 2007).

Para um melhor enquadramento do assunto, interessante apresentar a de-

finio do Poder Nacional:

Poder Nacional a capacidade que tem o conjunto dos homens e dos mei-os que constituem a Nao, atuando em conformidade com a vontade naci-onal, de alcanar e manter os objetivos nacionais. [...] O Poder Nacional manifesta-se em cinco expresses: a poltica, a econmica, a psicossocial, a militar e a cientfico-tecnolgica. (BRASIL, 2007, p. 15)

Assinala-se que, ao fazer anlise da legislao atinente demarcao de

terras indgenas, ser verificado principalmente como a expresso poltica est atu-

ando na consecuo dos objetivos ligados Defesa Nacional. Como isso no ocorre

de maneira estanque, a cooperao das outras expresses ser verificada de ma-

neira incidental.

Acrescenta-se ainda que a DMD (BRASIL, 2007) conceitua a crise como um

estgio de conflito desencadeado propositadamente. Essa situao atingida por

meio da manipulao de um risco de guerra, justificando esta medida extrema por

razes maiores ou no explicitamente declaradas.

No mesmo sentido, aborda as caractersticas da crise internacional poltica-

estratgica, abaixo transcritas:

a) existncia de conflito gerado por antagonismo definido; b) cada agente envolvido visa a alcanar objetivos polticos ou poltico-estratgicos e explorar a vulnerabilidade do oponente; c) desencadeamento proposital, pelo menos por uma das partes; d) possibilidade do uso limitado da fora militar e existncia do risco de es-calar para conflito armado; e) evoluo por decises tomadas sob tenso; e f) desenvolvimento na presena e com influncia das opinies pblicas na-cional e internacional (BRASIL, 2007, p. 29)

36

No esteio do acima apresentado, constata-se que se encaixa perfeitamente

nesse panorama uma situao de contestao pela ONU de ato executivo tomado

pelo governo brasileiro que, a princpio, negou os direitos fundamentais de terceira

gerao a uma comunidade indgena ao no demarcar um espao territorial para o

desenvolvimento do seu bem-estar, cultura e tradies. Dessa forma, a Subcomis-

so para Preveno da Discriminao e Proteo de Minorias deveria apurar o fato,

empenhando-se para encontrar solues amistosas, conforme estipula a Resoluo

1503 do Conselho Econmico e Social (ONU, 1970). Em sntese, de incio tentar o

acordo, mas no se afastando as outras formas de soluo da crise.

Por fim, a DMD tece algumas consideraes sobre a manobra de crise que

tem como finalidade obter uma paz vantajosa, evitando a evoluo para um conflito

armado. A manobra de crise pode ser dividida em desafio, desenvolvimento e resul-

tados finais.

O desafio desencadeado propositadamente pelo agente que d origem

crise. Para isso, atua sobre uma vulnerabilidade do oponente. O agente provocador,

ao dar incio manobra de crise, assume a iniciativa e explora a liberdade de ao e

a surpresa, visando consecuo de seus objetivos polticos-estratgicos.

O desenvolvimento da manobra de crise compreende a reao e a confron-

tao. A reao a primeira atividade do provocado que visa anulao da ao

adversria, de modo a neutralizar o desafio e obter a iniciativa das aes. Busca, ini-

cialmente, controlar a crise e, depois, conduzi-la de forma vantajosa. J a confronta-

o a etapa na qual as partes oponentes buscam manter a iniciativa, mediante

uma atuao que inflija, no mximo, dano igual ou ligeiramente superior ao causado

pela ao adversria.

Os resultados finais a serem obtidos so o acordo ou o conflito armado. O

acordo a parte mais importante, delicada e decisiva da manobra de crise, pois sig-

nifica a soluo pacfica para o conflito. O conflito armado o resultado final indese-

jvel, significando que a manobra de crise no obteve sucesso.

Fechando esta abordagem conceitual sobre a Defesa Nacional, pode-se as-

sinalar que as opes para o comportamento poltico-estratgico dos oponentes di-

ante de uma crise so escalar, estabilizar e distender. Essas atitudes so definidas

de acordo com os interesses do pas, os meios disponveis, a liberdade de ao,

dentre outros (BRASIL, 2007).

37

A conduta de escalar a crise visa a testar a firmeza do oponente ou aprovei-

tar o momento propcio para exercer presso mais decisiva em busca de um acordo.

Nesta etapa, aquele que conduz a manobra tem a inteno de ser mais contundente

em suas aes, provocando o agravamento da crise mediante o aumento de atores

envolvidos (escalada horizontal), do nvel de hostilidade (escalada vertical), ou de

ambos.

A postura de estabilizar a crise se caracteriza por equilibrar aes e reaes

com o oponente. O intuito ganhar tempo para arregimentao de novas foras ou

aguardar conjunturas mais favorveis.

A distenso da crise, por sua vez, uma evoluo de natureza defensiva,

que busca evitar o uso da fora, procurando aliviar tenses, diminuir riscos de esca-

lada indesejvel. Dessa forma, cria-se condies de negociao em nveis mais bai-

xos de hostilidades.

Pode-se afirmar que um pas interessado nas riquezas da Amaznia certa-

mente conduziria sua manobra de crise no intuito de assegurar seu intento. Para is-

so, buscaria aumentar a sua liberdade de ao pela manipulao da opinio pblica

para obter o resultado proposto. A explorao de uma fictcia ameaa ao direito de

posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios poderia diminuir a liberda-

de de ao brasileira em relao opinio pblica internacional e, consequentemen-

te, aumentar a liberdade de ao do seu adversrio.

3.4 AS DIMENSES DA DEFESA NACIONAL

A Doutrina Militar de Defesa (BRASIL, 2007) apresenta, em concordncia

com a Constituio Federal e a PDN, os objetivos fundamentais a serem assegura-

dos pela Defesa Nacional: a soberania, a integridade territorial, os interesses nacio-

nais e a coeso nacional. Esses itens sero utilizados no estudo como dimenses

da varivel dependente Defesa Nacional na sua interao com a varivel indepen-

dente caracterizada pelo processo de demarcao de terras indgenas.

38

3.4.1 A soberania

O Brasil, segundo Silva (1997), composto de trs elementos indissociveis:

o territrio, o povo e a soberania. A falta de qualquer um destes, mesmo que mo-

mentaneamente, descaracteriza a Pessoa Jurdica de Direito Internacional Pblico

Estado Brasileiro.

O territrio a base fsica, compreendendo a superfcie, o mar territorial e o

espao areo correspondente. Sob o mar territorial de doze milhas nuticas, tambm

considerado territrio brasileiro a plataforma continental como continuao da su-

perfcie terrestre. Assinala-se que a Zona de Explorao Econmica Exclusiva, de

duzentas milhas, garante apenas a captao de riquezas de origem animal ou mine-

ral, no restringindo, por exemplo, a passagem de frotas de navios de guerra.

O povo o fator humano do Estado. representado pelas pessoas vincula-

das juridicamente ao Estado, residindo ou no no territrio brasileiro, segundo a pre-

viso do Art. 12 da Constituio Federal (BRASIL, 1988).

A soberania o fator poltico-jurdico do Estado. O aspecto poltico assinala

a prerrogativa de autogoverno traduzido pela organizao do Estado, no Brasil feita

por meio do Ttulo III da Constituio Federal e legislao infraconstitucional deriva-

da. O perfil jurdico representado pela faculdade de se fazer leis de aplicao obri-

gatria e exclusiva em todo o territrio nacional e resolver seus litgios internos com

base nestas. Os tratados internacionais somente tem valor no Brasil depois de inter-

nalizados o que encerra um processo que envolve os poderes legislativos e executi-

vo do governo.

Dallari faz uma caracterizao bastante objetiva e abrangente das caracte-

rsticas da soberania:

Ela una porque no se admite num mesmo Estado a convivncia de duas soberanias. Seja ela poder incontrastvel, ou poder de deciso em ltima instncia sobre a atributividade das normas, sempre poder superior a to-dos os demais que existam no Estado, no sendo concebvel a convivncia de mais de um poder superior no mesmo mbito. indivisvel porque, alm das razes que impem sua unidade, ela se aplica universalidade dos fa-tos ocorridos no Estado, sendo inadmissvel, por isso mesmo, a existncia de vrias partes separadas da mesma soberania. No se deve confundir a teoria da diviso do poder, de que mais adiante se tratar pormenorizada-mente, com uma forma de diviso da soberania, pois a chamada diviso do poder , na verdade, uma distribuio de funes. A soberania inalien-vel, pois aquele que a detm desaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nao, ou o Estado. Finalmente, imprescritvel porque jamais seria

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verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de durao. Todo poder soberano aspira a existir permanentemente e s desaparece quando fora-do por uma vontade superior (DALLARI, 1998, p. 32).

Moraes (2011), alm de confirmar essas caractersticas, ainda acrescenta

mais uma. Segundo este autor, a soberania tambm tem natureza originria e nasce

como o prprio Estado j que no se imagina este ente, mesmo que circunstancial-

mente, sem a soberania.

A Escola Superior de Guerra tambm apresenta definio interessante sobre

a soberania:

Manuteno da intangibilidade da Nao, assegurada a capacidade de au-todeterminar-se e de conviver com as demais Naes em termos de igual-dade e de direitos, no aceitando qualquer forma de interveno em seus assuntos internos, nem participao em atos dessa natureza em relao a outras Naes. A soberania significa, tambm, a supremacia da ordem jur-dica do Estado em todo o territrio nacional (ESG, 2006, p. 6).

Constata-se que so incompatveis com a doutrina vigente os conceitos de

soberania relativa, direito de ingerncia e soberania restrita. Isto na verdade uma

fico jurdica lanada com propsitos ilegtimos. Ou se tem soberania na acepo

completa do termo ou esta no existe (AZAMBUJA JNIOR, 2004).

Da mesma forma, no se pode confundir as organizaes regionais como o

Mercosul ou a Unio Europeia como uma flexibilizao da soberania. Os pases, na

verdade, estabelecem tratados nos quais se vinculam a determinadas obrigaes,

entretanto, quando os pases signatrios o desejarem, basta denunciar este tratado

e abandonar essas organizaes.

Portanto, pode-se inferir que qualquer ingerncia externa contra as decises

governamentais, seja alegando a faculdade de no cumprimento desta pelos nacio-

nais seja assinalando sua ilegitimidade uma ameaa soberania nacional. No

mesmo sentido, qualquer tentativa de aplicao de lei estrangeira no territrio brasi-

leira macula a soberania. Ainda, pelo carter indissocivel das faces do Estado,

qualquer ingerncia no autorizada no territrio ou sobre o povo brasileiro tambm

uma ofensa soberania brasileira.

40

3.4.2 A integridade territorial

O territrio brasileiro compreende a superfcie terrestre, o mar territorial e o

espao areo correspondente. Conforme j mencionado, o mar territorial compreen-

de doze milhas nuticas, garantindo tambm a soberania na plataforma continental

nesta extenso.

A Constituio Federal de 1988 estipula que A Repblica Federativa do

Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Fede-

ral [...] (BRASIL, 1988). Deixa patente ento a impossibilidade de secesso desses

entes.

As unidades federativas gozam de autonomia, podendo estabelecer suas

constituies (estados) ou leis orgnicas (muncipios), mas no possuem soberania.

As suas legislaes devem obedecer s diretrizes da Constituio Federal, assim

como os atos do Poder Executivo Estadual ou Municipal no podem estar em desa-

cordo com as leis federais, sob pena de serem revogados ou sofrerem interveno

do ente de esfera imediatamente superior (BRASIL, 1998).

A Constituio Federal impe, de maneira explcita, que caber Unio evi-

tar a fragmentao do seu territrio, quebrando inclusive o princpio federativo, se

necessrio, conforme transcrito abaixo:

Art. 34. A Unio no intervir nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a integridade nacional; (BRASIL, 1988, p. 29)

Logo, coerente afirmar que qualquer tentativa de secesso, seja na frontei-

ra ou com criao de um enclave no pas, uma afronta direta integridade territori-

al. Isso lesa um princpio fundamental constitucional e, como j visto, repercuti na

Defesa Nacional.

A ESG, de forma mais ampla, apresenta o conceito da integridade do patri-

mnio nacional que se segue:

A Integridade do Patrimnio Nacional caracteriza-se por representar a inte-gridade territorial, do mar patrimonial, da zona contgua, da zona econmica exclusiva e da plataforma continental, bem como do espao areo sobreja-cente. Integridade dos bens pblicos, dos recursos naturais e do meio am-biente, preservados da explorao predatria. Integridade do patrimnio his-

41

trico-cultural, representado pela lngua, costumes e tradies, enfim a pre-servao da identidade nacional (ESG, 2006, p. 36).

Para fins de estudo, a parte que no diretamente relacionado integridade

territorial, ser analisada dentro dos interesses nacionais. Nesse conjunto esto as

aes que afetam a zona econmica exclusiva, o patrimnio histrico-cultural, os re-

cursos naturais e o meio ambiente pois ameaam a Defesa Nacional ao ir de encon-

tro aos interesses nacionais brasileiros.

Acrescenta-se ainda que os atos preparatrios para isso j caracterizariam

uma ameaa Defesa Nacional. Como exemplo, podem ser citados a cooptao da

populao da rea assim como aquisio ou grilagem de terras por estrangeiros em

desacordo com os limites estabelecidos na legislao.

3.4.3 Interesses nacionais

Esta dimenso da Defesa Nacional muito ampla. Poderia abordar desde os

objetivos fundamentais ou permanentes, os objetivos de governos ou at interesses

momentneos expressos em programas ou projetos de governo. Por se entender

que os dois ltimos derivam do primeiro, a pesquisa limitar seu estudo aos objeti-

vos nacionais permanentes ou fundamentais.

Os objetivos fundamentais so os que representam interesses e aspiraes

vitais e, por isso, subsistem durante longo perodo de tempo. Pode-se citar a demo-

cracia, a paz social, o progresso, a soberania, a integrao nacional e a integridade

do patrimnio nacional (LIMA, 2008). Como a soberania e o patrimnio nacional j

foram abordados, e a integrao nacional ser delineada no prximo tpico, no se-

ro aqui definidos. Da mesma forma, a questo da demarcao, a primeira vista, no

impacta diretamente a democracia. Ento, sero abordados aqui a paz social e o

progresso.

A Escola Superior de Guerra apresenta o progresso como a soma dos se-

guintes fatores: adequado crescimento econmico, justa distribuio de renda, aper-

feioamento moral e espiritual do homem, capacidade de prover segurana, padres

de vida elevados, tica e eficcia no plano poltico e constante avano cientfico e

tecnolgico (ESG, 2006). A paz social, por sua vez, caracterizada pela sociedade

harmnica e consensual, com segurana e tranquilidade (ESG, 2006).

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Em suma, os dois objetivos esto traduzidos no lema positivista da Bandeira

Nacional: ordem e progresso. A ordem representada por uma sociedade estvel e

pacfica, com suas instituies consolidadas, capaz de gerar o progresso, ou seja, o

desenvolvimento econmico e social. Ambos culminaro com o bem-estar, objetivo

ltimo dos seus indivduos segundo a civilizao ocidental (DALLARI, 1998).

Tambm fcil caracterizar tais aspectos a partir de um modelo de socieda-

de que no as possua. Verifica-se que inexiste pas que consiga, com srios distr-

bios sociais, realizar um desenvolvimento sustentvel e consistente. Realmente, o

incio da escalada do progresso se encontra na resoluo dos conflitos sociais.

No campo das cincias polticas, isso fica bem claro nas obras de Rousseau,

Locke e Hobbes. Embora seguindo linhas de raciocnio diferentes, todos visualizam

a necessidade do povo criar uma estrutura de controle, o Estado, que centralizando

o poder de polcia, garante a paz necessria para que os objetivos daquela coletivi-

dade sejam atingidos (DALLARI, 1998).

Qualquer interferncia interna ou externa que abale esses dois pilares - or-

dem e progresso - considerada como ameaa Defesa Nacional. Nesse sentido,

assinala-se a necessidade de tomar providncias preventivas para evitar o surgi-

mento eventos prejudiciais a esses dois aspectos.

3.4.4 Coeso nacional

Inicialmente, pode-se afirmar que bastante similar a esta dimenso apresen-

tada na Doutrina Militar de Defesa a de integrao nacional constante no manual

da ESG:

Consolidao da comunidade nacional, com solidariedade entre seus mem-bros, sem preconceitos ou disparidades de qualquer natureza, visando sua participao consciente e crescente em todos os setores da vida nacio-nal e no esforo comum para preservar os valores da nacionalidade e redu-zir desequilbrios regionais e sociais. Incorporao de todo o territrio ao contexto poltico e socioeconmico da Nao (ESG, 2006, p. 36).

A acepo coeso nacional se distingue da integrao nacional por que este

sugere desde incio um carter de infraestrutura principalmente de transporte, ou se-

ja, um carter mais fsico. A coeso nacional tem como esteio o componente psicos-

social, ou seja, a unio do povo brasileiro.

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Um exemplo claro de ameaa nacional que se concretizou no pas foi o me-

ridiano estabelecido na sociedade brasileira pelo Movimento Comunista Internacio-

nal (MCI), durante a Guerra Fria. O MCI dividiu a sociedade com o surgimento de v-

rios focos guerrilheiros no pas (CORTS, 2008).

Nesse sentido, qualquer iniciativa que queira criar dissenses no povo brasi-

leiro, querendo fomentar a ideia de que a minoria tnica indgena discriminada ou

vilipendiada ser considerada como uma ameaa para a Defesa Nacional.

3.4 CONCLUSO PARCIAL

Em face do exposto, pode se afirmar que a Poltica de Defesa Nacional visa

a resguardar precipuamente a soberania, a integridade territorial, os interesses naci-

onais e a coeso nacional. A PDN operacionalizada pela Estratgia Nacional de

Defesa e orientada no nvel ministerial pela Doutrina Militar de Defesa.

No panorama mundial atual, possvel que surjam ameaas consecuo

dos objetivos nacionais, principalmente na regio Amaznica. Isso levou ao Estado

Brasileiro a elencar tal rea como prioritria.

Essas ameaas podem ocorrer no mbito externo, por meio de aes que

afetem a nossa soberania, ou outra dimenso da Defesa Nacional. J no mbito in-

terno, ocorrem quando h ingerncias internas sem previso no ordenamento legal.

As dimenses da Defesa Nacional adotadas no trabalho, em consonncia

com a Doutrina Militar de Defesa, so a soberania, a integridade territorial, os inte-

resses nacionais e a coeso nacional.

A soberania caracteriza por ser uma, indivisvel, inalienvel e imprescritvel.

Tal acepo incompatvel com alguns conceitos apresentados como de soberania

relativa, direito de ingerncia e soberania restrita.

A integridade territorial trata da incolumidade da base fsica do Estado Brasi-

leiro. Uma ameaa a essa dimenso seria caracterizada tanto por um avano na re-

gio de fronteira tanto como pela criao de um enclave no Brasil.

Os interesses nacionais so caracterizados basicamente pela paz social e

pelo progresso. Contextualiza-se na concepo positiva de que apenas uma socie-

dade com ordem pode gerar seu desenvolvimento social, econmico e poltico.

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A coeso nacional se traduz numa sociedade solidria. Os grupos sociais

existentes no pas, apesar de heterogneos, convivem em harmonia.

Dentre os problemas que atingem este setor do pas, encontra-se o da regu-

larizao fundiria. Em particular nesse contexto, sobressai-se a questo das terras

indgenas, o que demanda ateno especial do Estado Brasileiro.

Com base nisso, verifica-se a necessidade permanente de aes no mbito

da Defesa Nacional para evitar que ameaas aos objetivos do pas se tornem efeti-

vas. Essas aes permeiam tambm uma anlise sobre as legislaes que abordam

o ordenamento territorial indgena.

45

4 INTERESSES INTERNACIONAIS NA AMAZNIA

4.1 CARACTERIZAO DA REA

Inicialmente, ser feita uma rpida caracterizao da rea, nos aspectos ge-

rais, pela qual se destacar o potencial da rea assim como as vulnerabilidades que

facilitam a consecuo das medidas de agentes internacionais no intuito de usurpar

esse patrimnio brasileiro.

Figura 1 Amaznia Legal Fonte - IBAMA

Segundo IBGE (2011), a Amaznia Legal, estabelecida no artigo 2 da Lei n

5.173, de outubro de 1966, abrange, atualmente, os estados do Acre, Amap, Ama-

zonas, Mato Grosso, Par, Rondnia, Roraima, Tocantins, parte do Maranho e cin-

co municpios de Gois. Ela representa 59% do territrio brasileiro, distribudo por

775 municpios, onde viviam em 2010, segundo o Censo Demogrfico, cerca de 24

milhes de pessoas (12,32% da populao nacional), sendo que 68,9% desse con-

tingente em zona urbana.

Conforme Vicente (2008), essa regio limita-se internacionalmente com a

Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colmbia, Peru e Bolvia. Incluin-

do-se o Brasil e o Equador, so nove os pases sul-americanos inseridos na Amaz-

46

nia, sendo a faixa de fronteira terrestre brasileira de cerca de 11.000 km e a atlntica

com aproximadamente 1.800 km de extenso. a chamada Pan-Amaznia.

Para colher os subsdios necessrios soluo do problema monogrfico, a

caracterizao da rea ser feita em dois tpicos: aspectos fisiogrficos e aspectos

sociais, econmicos e polticos.

4.1.1 Aspectos fisiogrficos

A Regio Amaznica predominantemente coberta por uma floresta equato-

rial, com rvores de grande porte e grande variedade gentica. No estado de Rorai-

ma, na sua poro setentrional, surgem alguns campos e regies de plantio de soja.

O mesmo ocorre na poro meridional da Amaznia, em particular nas fronteiras

agrcolas em Mato Grosso, Roraima e Tocantins. Em certas regies tambm se en-

contra a vegetao tpica de cerrado, com rvores de pequeno porte e arbustos. Ali-

ada grande variedade da flora, a fauna tambm contempla uma enorme variedade

de espcies tanto nas florestas como nos rios (TERRA & COELHO, 2002).

Segundo IBGE (2011), a quantidade de carbono lanada na atmosfera com

o desmatamento muito alto e o solo amaznico ainda tem em mdia 95,7 tonela-

das por hectare a liberar de carbono na atmosfera o que d destaque conservao

ambiental. Alm disso, enfatiza-se tambm que o ciclo hdrico depende da conser-

vao das matas.

A Amaznia possui uma extensa malha de rios perenes e com grande volu-

me de gua. O rio Solimes/Amazonas a artria principal de todo sistema fluvial,

adentrando em territrio brasileiro em Tabatinga-AM e desaguando no oceano Atln-

tico depois de percorrer 3.165 km. Sua largura mdia de 4 a 5