As figuras Alegóricas e Dramáticas de Goya

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As figuras Alegóricas e Dramáticas de Goya. ( por Anderson Lopes ) Quando se tem um trabalho que nos leva a temas como: sombras do espírito, egoísmo humano, falsa sensação de justiça e desequilíbrio em todos os sentidos, é pertinente mencionar a vida e a obra do artista espanhol Goya, cujo trabalho é um verdadeiro tratado sobre a estupidez humana. Vivendo em tempos de guerra, a princípio, Goya retratava os massacres e as injustiças que presenciava como forma de mostrar e criticar tais feitos. Prisões, torturas, assassinatos, nada escapava aos olhos do artista. Goya começou a mostrar os horrores dessa guerra através de pinturas de figuras estranhas e monstruosas. São figuras que representam a alma humana, o mostro que ela pode se tornar a partir de seus atos. Figuras alegóricas que mostram a imperfeição e o descontrole humano. O artista então se isola para dentro de si e pinta os seus quadros negros. As pinturas negras não são propriamente pretas, vem de uma escuridão de espírito, do egoísmo humano e da solidão em si. As 14 pinturas foram feitas em sua casa e ele as mantinha no seu dia a dia, pois acreditava que iam além dos horrores vividos na guerra, trata-se da mais completa compreensão do interior da alma humana.

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As figuras Alegóricas e Dramáticas de Goya. ( por Anderson Lopes )

Quando se tem um trabalho que nos leva a temas como: sombras do espírito, egoísmo

humano, falsa sensação de justiça e desequilíbrio em todos os sentidos, é pertinente

mencionar a vida e a obra do artista espanhol Goya, cujo trabalho é um verdadeiro

tratado sobre a estupidez humana.

Vivendo em tempos de guerra, a princípio, Goya retratava os massacres e as injustiças

que presenciava como forma de mostrar e criticar tais feitos. Prisões, torturas,

assassinatos, nada escapava aos olhos do artista.

Goya começou a mostrar os horrores dessa guerra através de pinturas de figuras

estranhas e monstruosas. São figuras que representam a alma humana, o mostro que ela

pode se tornar a partir de seus atos. Figuras alegóricas que mostram a imperfeição e o

descontrole humano. O artista então se isola para dentro de si e pinta os seus quadros

negros.

As pinturas negras não são propriamente pretas, vem de uma escuridão de espírito, do

egoísmo humano e da solidão em si. As 14 pinturas foram feitas em sua casa e ele as

mantinha no seu dia a dia, pois acreditava que iam além dos horrores vividos na guerra,

trata-se da mais completa compreensão do interior da alma humana.

Nunca antes se viu o retrato da solidão humana com tão radical renuncia e vazio de

figuras como no quadro de Goya de titulo “O Cão”, onde um cachorro prestes a se

afundar em areia movediça levanta a cabeça num gesto de esperança. Tudo que se vê do

cão é a cabeça que ocupa apenas 1% do plano pictórico do quadro e o restante da

composição permanece vazia de objetos. Isso junto do fato de ser a solidão de um

animal que foi retratada faz desse quadro uma visão única desse tema. Não é só a

solidão física que está presente no quadro, mas também a solidão da alma, a falta de

pessoas ou seres mais humanos no melhor sentido da palavra.

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Um dos quadros mais famosos de Goya, o Três de Maio, também é um dos quadros

mais fortes e marcantes já feitos, ele mostra soldados franceses prontos para fuzilar um

grupo de pessoas possivelmente ligadas a algum movimento nacionalista. Giulio Carlo

Argan faz a seguinte afirmação sobre este quadro: É um quadro realista, documenta a

repressão impiedosa dos movimentos anti-franceses de maio de 1808. Os soldados não

têm rostos, são marionetes uniformizadas, símbolos de uma ordem que, pelo contrário,

é violência e morte (Cit. Argan, Giulio Carlo – Arte Moderna, PP. 41). Uma vez ao ser

questionado sobre por que teria retratado tamanha crueldade, Goya respondeu: “Para ter

o gosto de dizer eternamente aos homens que não sejam bárbaros”. Mas infelizmente a

barbárie persistiu e persisti até hoje, talvez por natureza humana ou por burrice pura e

simplesmente. O extremado sentido trágico da humanidade que um homem poderia

registrar em pequenos pedaços de papel, essa era a obra e o alerta de Goya aos seus

semelhantes.

Goya envelheceu e morreu surdo e exilado na França. Em 1901, seus quadros já eram

conhecidos, mas havia algo ainda pendente. Não considerando apropriado que um dos

maiores filhos da Espanha repousasse para sempre em solo francês, o governo espanhol

solicitou que seus restos mortais fossem exumados e devolvidos para serem sepultados

em solo espanhol. Eles foram transferidos para Madri. Depois, em 1929, decidiram

enterrar Goya debaixo do piso da igreja que ele decorara tão lindamente, mas dessa vez

o crânio desaparecera, e jamais foi encontrado. Goya não teve sua paz, nem depois de

morto.

Obs: este texto é parte integrante da Monografia: Alegoria da Sombra, 2008