AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as...

16
1 AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ Marcos Antonio Braga de Freitas 1 Iraildes Caldas Torres 2 RESUMO As expressões socioculturais dos Sateré-Mawé como puxirum, escola indígena, ritual da tucandeira, çapó, o guaraná, uso da língua indígena, confecção de artesanatos são os elementos culturais que marcam a identidade étnica desses povos dos rios Marau, Andirá e Urupadi. No caso aqui deste trabalho reflete apenas aspectos da organização social nas comunidades indígenas do Simão e Umirituba, rio Andirá, Barreirinha, Amazonas; destacando o papel social das mulheres indígenas no trabalho da roça e preparo do çapó. Outro aspecto relevante é a luta por uma educação diferenciada quando buscam a formação de professores indígenas em nível de magistério e ensino superior. Esperamos com essa breve etnografia colaborar em estudos nos mais diversos campos de conhecimentos para que os Sateré-Mawé garantam a recuperação de suas memórias coletivas; registrando-as por meio da escola e valorização dos mais velhos da comunidade. PALAVRAS-CHAVE: Cultura, Mulheres Sateré-Mawé; Educação Escolar Indígena. 1. INTRODUÇÃO O objetivo deste texto é compreender a importância dos processos identitários dos Sateré-Mawé nas comunidades indígenas Simão e Umirituba, destacando o papel das mulheres indígenas no contexto organização social. Nesses processos identitários perceber o lugar que as mulheres indígenas Sateré-Mawé das comunidades Simão e Umirituba, rio Andirá, Terra Indígena Andirá-Marau, município de Barreirinha, Estado do Amazonas ocupam nos espaços da comunidade, da escola, da roça, do local de moradia e cuidado com os filhos; levando-se em consideração a relação de gênero e poder que permeia a organização social nessas comunidades. Este trabalho é resultado de uma pesquisa macro intitulada “Gênero, etnicidade, práticas sociais e corporais das mulheres Sateré-Mawé em duas comunidades indígenas, no Amazonassob a coordenação da professora doutora Iraildes Torres Caldas, com 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Professor do Curso de Licenciatura Intercultural da Universidade Federal de Roraima (UFRR). 2 Doutora em Ciências Sociais/Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Transcript of AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as...

Page 1: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

1

AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ

Marcos Antonio Braga de Freitas1

Iraildes Caldas Torres2

RESUMO

As expressões socioculturais dos Sateré-Mawé como puxirum, escola indígena, ritual da

tucandeira, çapó, o guaraná, uso da língua indígena, confecção de artesanatos são os

elementos culturais que marcam a identidade étnica desses povos dos rios Marau, Andirá e

Urupadi. No caso aqui deste trabalho reflete apenas aspectos da organização social nas

comunidades indígenas do Simão e Umirituba, rio Andirá, Barreirinha, Amazonas; destacando

o papel social das mulheres indígenas no trabalho da roça e preparo do çapó. Outro aspecto

relevante é a luta por uma educação diferenciada quando buscam a formação de professores

indígenas em nível de magistério e ensino superior. Esperamos com essa breve etnografia

colaborar em estudos nos mais diversos campos de conhecimentos para que os Sateré-Mawé

garantam a recuperação de suas memórias coletivas; registrando-as por meio da escola e

valorização dos mais velhos da comunidade.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura, Mulheres Sateré-Mawé; Educação Escolar Indígena.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é compreender a importância dos processos identitários dos

Sateré-Mawé nas comunidades indígenas Simão e Umirituba, destacando o papel das

mulheres indígenas no contexto organização social. Nesses processos identitários perceber o

lugar que as mulheres indígenas Sateré-Mawé das comunidades Simão e Umirituba, rio

Andirá, Terra Indígena Andirá-Marau, município de Barreirinha, Estado do Amazonas

ocupam nos espaços da comunidade, da escola, da roça, do local de moradia e cuidado com os

filhos; levando-se em consideração a relação de gênero e poder que permeia a organização

social nessas comunidades.

Este trabalho é resultado de uma pesquisa macro intitulada “Gênero, etnicidade,

práticas sociais e corporais das mulheres Sateré-Mawé em duas comunidades indígenas, no

Amazonas” sob a coordenação da professora doutora Iraildes Torres Caldas, com

1Doutorando do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade

Federal do Amazonas (UFAM). Professor do Curso de Licenciatura Intercultural da Universidade

Federal de Roraima (UFRR). 2Doutora em Ciências Sociais/Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Professora Associada da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Page 2: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

2

financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), no

período de 2013-2015.

Aqui esperamos apresentar resultados das atividades da pesquisa empírica do referido

projeto, com enfoque para o aspecto das expressões identitárias dos Sateré-Mawé, tendo como

vetor dessas questões o papel social das mulheres a partir das interlocuções de trabalho

realizado por essas mulheres e vida comunitária.

O aporte teórico-metodológico para a análise dos dados empíricos dar-se-á com o

arcabouço da ciência antropológica numa perspectiva da hermenêutica de Clifford Geertz, o

conceito de gênero em Elizabeth Zambrano e Maria Luiza Heilborn (2012) e noção de

interculturalidade de Celia Collet (2006).

2. MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADAS NO CAMPO EMPÍRICO

A abordagem qualitativa por meio do método etnográfico é a metodologia utilizada

pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por

meio da escola e comunidade na recuperação de suas memórias históricas e expressões

culturais. As técnicas de pesquisa na busca dessa compreensão dar-se-ão através da

observação participante, realização de entrevistas e aplicação de questionários junto as

mulheres indígenas de forma aleatória numa amostragem de sessenta e quatro (64) pessoas

envolvendo as duas comunidades indígenas.

Ao falar de etnografias sobre populações tradicionais, povos indígenas ou grupos

sociais é importante destacar o que Clifford Geertz afirma a esse respeito: em etnografia, o

dever da teoria é fornecer um vocabulário no qual possa ser expresso o que o ato simbólico

tem a dizer sobre ele mesmo – isto é, sobre o papel da cultura na vida humana. (1989: 38).

Aqui é necessário enaltecer esse aspecto simbólico que permeia a educação como processo de

recuperação de memórias coletivas e valorização dos saberes indígenas no contexto da escola.

Esses aspectos simbólicos às vezes não são perceptíveis do ponto de vista do

pesquisador porque está implícito na luta pela terra, pela saúde, pela educação e atividades

corporais, lazer, atividades produtivas entre outras; pode-se exemplificar na mobilização dos

indígenas pela demarcação de suas terras de um povo que luta pela vida e ao mesmo tempo

mostra também a ideia de pertencimento, ou seja, a construção da etnicidade do grupo social

Page 3: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

3

por meio da mobilização política em garantir a posse da terra; mostrando suas expressões

identitárias.

Esses aspectos simbólicos da cultura estão presentes na vida comunitária dos Sateré-

Mawé mesmo com a história de mais de trezentos anos de contato com a nossa sociedade

como falando a língua indígena, expressando o ritual da tucandeira, bebendo o sahpó no dia a

dia da comunidade; além das atividades produtivas por meio da roça como determinante na

vida social desses indígenas.

A pesquisa empírica tem o objetivo central de averiguar de que forma as

configurações de gênero aparecem entrelaçadas às práticas sociais das mulheres Sateré-Mawé,

dando especial relevo ao trabalho, à pintura corporal como expressão identitária à atividade de

parteira, ao ritual da moça nova e à organização política nas comunidades Simão e Umirituba,

no rio Andirá, Terra Indígena Andirá-Marau, Estado do Amazonas.

E continua Geertz (1989) “em etnografia, o dever da teoria é fornecer um vocabulário

no qual possa ser expresso o que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo – isto é, sobre o

papel da cultura na vida humana.” (p. 38). E esse ato simbólico na vida humana dos Sateré-

Mawé é o çapó porque as mulheres preparam e, depois todos bebem como uma das

expressões socioculturais marcantes na cultura desses povos.

Para objetivar essa averiguação foram delineados três eixos com o intuito de produzir

uma etnografia dessas comunidades destacando o papel social da relação de gênero

envolvendo mulheres e homens nos eixos: Etnicidade e Gênero; Práticas Sociais das Mulheres

Indígenas Sateré-Mawé (trabalho, artesanato e sociabilidade e organização social) e Práticas

Corporais (esporte, lazer e pinturas do corpo).

Cabe destacar que no processo das expressões socioculturais, a escola ocupa um lugar

importante nas questões culturais da contemporaneidade como a instituição que propicia a

revitalização cultural com destaque para o uso da língua indígena e, incentivo à produção da

arte indígena. Não podemos esquecer também o espaço da religião como determinante na

relação de poder que se estabelece nas comunidades, mas um assunto que será abordado

noutro estudo.

A educação escolar é uma realidade nas comunidades indígenas do Brasil a partir de

novos princípios como interculturalidade, especificidade, diferenciada e bilíngue/multicultural

que o Estado Brasileiro vem promovendo nos documentos oficiais do Ministério da Educação

Page 4: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

4

(MEC) com as políticas educacionais indigenistas elaboradas a partir das políticas indígenas

advindas desses povos e comunidades.

Nesse sentido, outras fontes como documentais e bibliográficas são imprescindíveis

nesse processo teórico-metodológico para compreensão das expressões socioculturais dos

Sateré-Mawé e suas interfaces com a escola e comunidade na contemporaneidade.

Como diz Roy Wagner (2010)

Quando fui fazer trabalho de campo entre os Daribi da Nova Guiné pela primeira vez, eu tinha certas

expectativas quanto àquilo que esperava realizar, ainda que, naturalmente, tivesse poucas noções

preconcebidas sobre ‘como seriam” aquelas pessoas. Afinal de contas, o trabalho de campo é um tipo

de “trabalho: é uma experiência criativa, produtiva, muito embora suas “recompensas” não

necessariamente se materializem da mesma maneira eu aquelas obtidas em outras formas de trabalho.

O pesquisador de campo produz uma espécie de conhecimento como resultado de suas experiências,

um produto que pode ser mascateado no mercado acadêmico como “qualificação” ou inscrito em

livros. (WAGNER, 2010, p. 49).

Talvez essa seja uma das nossas preocupações iniciais ao dialogar com as mulheres indígenas

sobre suas prática sociais, trabalho e corporais e esclarecer os resultados e benefícios desse

trabalho para os Sateré-Mawé. Outra questão é o estranhamento porque somos “brancos”, não

indígenas como somos chamamos nos movimentos indígenas. Enfim, o importante é termos

clareza do trabalho de campo a ser feito e mostrar eticidade e objetividade como

pesquisadores.

3. BREVE HISTÓRICO DAS COMUNIDADES INDÍGENAS SIMAO E UMIRITUBA

Os Sateré-Mawé pertencem ao tronco linguístico Tupi e família linguística Tupi-

Guarani, falantes das línguas Sateré-Mawé e Português; é um povo bilíngue. Atualmente a

população está estimada em 10.761 pessoas (Funasa, 2010).

São conhecidos como filhos do guaraná para Sonia da Silva Lorenz (1992); Nunes

Pereira (2003) quando em seus estudos destacam a importância do guaraná na organização

social desse povo.

Para Sonia da S. Lorenz (1992):

O guaraná e tudo que ele significa para os Sateré-Mawé tem grande importância para a organização

social e econômica deste grupo. É o produto por excelência de sua economia, não só porque seu

Page 5: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

5

cultivo e beneficiamento identificam os Sateré-Mawé enquanto tal, como pelo fato que é o guaraná

beneficiado, dentre os produtos que comercializam atualmente, o que alcança melhor preço no

mercado regional e nacional. (LORENZ, 1992, p. 39).

Outro aspecto ainda relevante nessa organização social é o trabalho da roça quando o

puxirum é uma atividade que envolve diversas famílias para colheita da mandioca. Os donos

compram sacas de farinha para o chibé e, também consumir com as caças e çapó – é uma

grande festa cultural na comunidade. Segundo Nunes Pereira (2003)

No plantio e na colheita, o regime é de putirum ou puxirum. Mas pode haver, também, pagamento, em

gêneros, em objetos de uso. Se um indivíduo encarrega outro de fazer um trabalho na roça no uma

viagem, sempre o faz diante de uma cuia de guaraná, que chamam “çapó”. E paga-o, a gêneros ou com

trabalho, num puxirum. Mulheres e crianças trabalham nas derrubadas e nas roças, ajudam nas

pescarias, também. (PEREIRA, 2003, p. 58).

3.1 Comunidade Indígena de Simão

A comunidade indígena Simão está situada à margem direita do rio Andirá.

Atualmente a comunidade Simão é composta por 470 pessoas, distribuída em 95 famílias. A

organização política é formada pelo Tuxaua, Capataz e Capitão; tendo como liderança o

senhor Donato Lopes da Paz.

A organização política do rio Andirá é formada pelo Conselho Geral da Tribo Sateré-

Mawé (CGTSM) constituído pelos tuxauas de aproximadamente 49 comunidades que estão

distribuídas ao longo desse rio. Segundo o senhor Donato o cargo de tuxaua é “transmitido”

pela família sem escolha pelos membros da comunidade, o cargo vem do seu avô Vitoriano da

Paz, depois para seu pai Aristides da Paz e hoje na pessoa dele.

Há uma participação integral dos comunitários durante os festejos religiosos de São

Pedro, padroeiro da comunidade nas danças, bingos (bingão – prêmios de grandes valores e

bingo popular com gêneros alimentícios), brincadeiras; inclusive com a venda de produtos

alimentícios feitos pela própria comunidade e outros oriundos do comércio de Barreirinha,

como refrigerantes, biscoitos e bombons.

No mastro com a bandeira de São Pedro ficam empendurados o que é produzido na

comunidade como sinal de agradecimento e fartura dos produtos como banana, mandioca,

Page 6: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

6

farinha entre outros. No Coral da Igreja há a participam de jovens, crianças e adolescentes,

independente do gênero; mostrando entrosamento e interatividade, ou seja, há um entusiasmo.

A comunidade ganhou dois bois da PMB para a festa, após a matança dos mesmos foi

dividido entre os comunitários, mostrando assim os laços de pertencimento cultural e

organização comunitária.

Durante as nossas idas ao campo encontramos na comunidade a presença do Padre

Enrique Ugé, um estudioso da cultura Sateré-Mawé com várias publicações. No domingo

(29/06/2014) foi a realizado a missa, tendo o sacramento do crisma para alguns jovens

preparados contando com a presença de Bispo Diocesano de Parintins.

Outro aspecto que presenciamos nas nossas idas ao campo foi o jogo do Brasil versus

Chile no dia 28/06/2014 pela Copa do Mundo onde assistimos no Centro Social Comunitário

com a participação maciça da comunidade o referido jogo. Um momento de empolgação pelo

futebol e lazer comunitário. O esporte é outro elemento importante na cultura dessa população

resultado da história de contato, tendo inclusive times femininos. Os times nacionais com

torcedores indígenas são Flamengo e Vasco, vimos isso nas casas com logomarcas desses

clubes nas paredes de madeira, ou seja, um painel.

A festa religiosa de São Pedro é um momento presente na organização social dos

Sateré-Mawé; porque os comunitários se preparam e se organizam para a realização dos

festejos durante meses para esse grande ritual intercultural; haja visto que entram em cena as

expressões socioculturais dos Sateré-Mawé e aspectos da história de contato com a nossa sociedade.

3.2 Comunidade Indígena Umirituba

A comunidade indígena Umirituba foi criada a partir do deslocamento interno no rio

Andirá de cinco famílias da Comunidade de Simão por questões religiosas. Essa comunidade

se originou nos anos de 1970, sofrendo todo um domínio de igrejas protestantes e evangélicas

principalmente durante seus 44 anos de existência. A sua população e composta de 26 famílias

que totalizam aproximadamente 160 pessoas. A comunidade está localizada a margem

esquerda do rio Andirá.

Um processo de etnocídio que fez com que não se pratique na comunidade o ritual da

tucandeira, danças, futebol etc. Podemos presenciar em 2015 um retiro espiritual da Igreja

Page 7: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

7

Adventista do 7° Dia, de jovens paulistanos que vem trazer ensinamentos de louvores,

práticas de violão e música e atividades de desenhos e pinturas com inspiração religiosa.

Segundo o tuxaua José Miquiles Júnior há uma preocupação de se criar a própria religião

indígena.

As mulheres Sateré-Mawé da comunidade indígena Umirituba tem atuação na

organização social da comunidade por meio de atividades domésticas (buscar água no igarapé,

lavar roupas, cuidar dos filhos, roça e participação no puxirum). A liderança feminina de

destaque na comunidade é a senhora Andreza Miquiles que tem mostrado certo destaque

interno sobre as demais mulheres; além de articulação externa principalmente, inclusive

participando do encontro de mulheres em São Paulo no ano de 2010. A mesma é esposa do

tuxaua geral do Andirá o senhor Lúcio Miquiles.

A escola tem dois professores indígenas que trabalham à educação bilíngue. Os

mesmos são falantes da língua Sateré-Mawé, funcionando no turno diurno com 41 alunos, do

1º ao 5º ano do ensino fundamental no barracão e refeitório da comunidade em turmas

multisseriadas. Cabe destacar que a Escola Municipal Indígena Paraíso está sem condições de

infraestrutura para funcionamento; aguardando reforma por parte da Prefeitura Municipal de

Barreirinha aonde já foram feitas inúmeras reivindicações sem retorno nos últimos três anos.

A comunidade é sede do pólo-base do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) /

Parintins, tendo um agente indígena de saúde, uma agente indígena de saneamento, um piloto

de lancha e uma voadeira de 40 Hp para transporte de pacientes à sede do município de

Barreirinha ou Parintins. Além da equipe local de saúde formada por indígenas da própria

comunidade, o pólo-base tem uma equipe multidisciplinar de saúde do Programa Saúde da

Família Indígena, formada por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, dentista e

patologia clínica.

É necessário uma intervenção no processo de empoderamento das mulheres indígenas

afim de superar a dominação religiosa com vistas à autonomia, geração de renda e melhoria

da própria comunidade.

4. A EDUCAÇAO ESCOLAR INDÍGENA E OS SATERÉ-MAWÉ

Page 8: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

8

A educação escolar indígena toma uma dimensão de valorização e respeito a partir da

Constituição Federal de 1988 quando garante aos povos e comunidades indígenas o uso de

suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagens. Essa conquista do ponto de

vista da garantia na lei é resultado dos movimentos indígenas do Brasil que se mobilizam e se

articulam nos anos de 1970/80 para reivindicar os direitos territoriais e culturais do Governo

Brasileiro.

Podemos exemplificar com os Sateré-Mawé que vão à Brasília ainda nos anos de 1970

segundo o tuxaua Donato Lopes da Paz da comunidade Simão falou ao ter participado do ato

político pela luta da terra indígena. E assim, o Decreto nº 93069, de 06/08/1986 homologa a

demarcação com uma extensão territorial de 788.528 ha, compreendendo os municípios de

Barreirinha, Maués e Parintins no Amazonas; Aveiro e Itaituba no Pará. No município de

Barreirinha a área compreende 143.044 ha, registrada no Cartório de Registro de Imóveis,

matrícula 266, Liv. 2-B, fl. 89 em 16/02/1987. (Povos Indígenas no Brasil, 1996-2000, 2000.

p. 46).

Com a terra indígena demarcada, a luta agora é por garantir o acesso aos serviços de

educação e saúde; além das atividades produtivas e formas tradicionais de sobrevivência para

a dieta alimentar como caça e plantio do cultivo da roça e algumas espécies de frutos e

domesticação de animais e aves. Outras formas de trabalho formal chegam às comunidades

indígenas por meio da escola e postos de saúde na contratação da mão de obra indígena para a

implementação desses serviços.

A partir dessa realidade surge o protagonismo indígena na implementação das políticas

públicas de educação e saúde com os professores indígenas, agentes indígenas de saúde,

agentes indígenas de saneamento, prático de lancha/voadeira, serviços gerais e pessoal de

apoio administrativo. Isso vai mostrando uma nova configuração social com os chamados

assalariados que criam novas estratificações na organização social da comunidade.

Retornando ao assunto da educação escolar indígena é reivindicado às Secretarias de

Educação Estadual e Municipal a qualificação dos professores indígenas a fim de melhorar a

formação e, consequentemente a prática docente em sala de aula com novos conhecimentos.

Na comunidade de Simão tem a Escola Municipal Indígena Marechal Cândido

Rondon com 151 alunos distribuído na educação infantil, ensino fundamental e na

modalidade de educação de jovens e adultos (final e inicial dos anos iniciais do ensino

Page 9: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

9

fundamental) e uma turma do Programa Mais Educação (3 e 4 anos do ensino fundamental)

do Ministério da Educação; a escola conta com seis professores e o ensino médio tecnológico

(ensino mediado à distância); enquanto em Umirituba, a Escola Municipal Indígena Paraíso

tem 42 alunos e dois professores, segundo o Censo Escolar de 2014.

A infraestrutura das escolas precisa de reformas e também obedecer aos padrões

arquitetônicos da cultura indígena, conforme determina a Portaria Interministerial 559/91 do

Ministério da Justiça e da Educação, as mesmas seguem aos modelos do contexto urbano haja

visto que os gestores municipais tem uma visão homogeneizadora de educação não levando

em conta a realidade sociocultural da população.

Segundo o professor indígena Santino Lopes de Oliveira que coordena o Setor de

Educação Indígena da Secretaria Municipal de Educação e Desporto (SEMED) de Barreirinha

a equipe técnica para fazer o acompanhamento pedagógico das escolas indígenas é de apenas

nove (09) pessoas, incluindo a coordenação e vice coordenação do referido setor. O mesmo

informou que 46 professores indígenas já se formaram no magistério e tem 78 em formação

pelo Projeto Pira-Yawara da Secretaria de Estado da Educação do Amazonas que realiza a

capacitação e titulação dos professores indígenas. Também destacou que 43 professores

indígenas tem o ensino superior em Pedagogia Intercultural Indígena pela Universidade do

Estado do Amazonas (UEA).

Ainda segundo o professor Santino apenas as comunidades indígenas Simão, São

Pedro e Ponta Alegre tem o ensino médio tecnológico (mediado à distância). Isso é uma

preocupação porque faz com quem a juventude Sateré-Mawé saia das suas comunidades para

dar continuidade aos estudos em nível de ensino médio em Barreirinha ou Parintins. Esses

jovens sofrem o preconceito e a discriminação étnico-racial por pertencerem a outra etnia ao

viver no contexto urbano na relação com o outro.

Em relação ao currículo obedece ao modelo da Secretaria de Estado da Educação com

as disciplinas tradicionais e apenas parte diversificada com a inserção de língua indígena,

artes e história dos povos indígenas. Não percebemos uma discussão com os processos

pedagógicos diferenciados e específicos à lua do que garante a legislação educacional em

atenção aos povos indígenas nos artigos 78 e 79 da Lei n° 9.394/96 Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. Pelo número de professores qualificados em pedagogias indígenas e

interculturais é para se ter início de um embrião sobre uma educação escolar indígena.

Page 10: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

10

Percebemos uma total desarticulação da Organização dos Professores Indígenas

Sateré-Mawé (OPISM) que historicamente nos anos de 1990/2000 teve um papel histórico de

luta e reivindicação da educação escolar nos rios Marau, Andirá e Urupadi. Se houve um

aumento do capital intelectual indígena no ensino superior, por que essas questões não

refletiram nas escolas e comunidades na elaboração de novas propostas curriculares numa

perspectiva da interculturalidade ou educação intercultural?

Além de um razoável número de professores indígenas formados no ensino superior

pela UEA, há uma turma de cinquenta (50) alunos sendo qualificados pela Licenciatura

Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do

Amazonas (UFAM) envolvendo os municípios de Maués, Barreirinha e Parintins.

Apenas para elucidar essa preocupação com a noção de educação intercultural citamos

a análise que Celia Letícia Gouvêa Collet (2006) traz sobre esse assunto.

Não só na América, mas em grande parte do mundo, a noção de interculturalidade passou a ocupar um

lugar central nos debates sobre educação, a partir da década de 70, quando a diversidade étnica e

cultural se tornou foco de maior preocupação nos países desenvolvidos. A escola passou a ser vista

como uma instituição fundamental nas políticas voltadas para as minorias. Assim os governos estão

recorrendo à proposta de educação intercultural como parte de suas políticas com relação aos grupos

étnicos e nacionais que se fazem presentes nos diversos países. No Brasil houve o crescimento, na

última década, nos meios oficiais, da educação intercultural, principalmente no que se refere às

populações indígenas; o RCNEI é um exemplo dessa política. (COLLET, 2006, p. 120-121).

Nesse sentido, na agenda dos movimentos indígenas de professores surgem a

preocupação de escolas diferenciadas e, também na formação específica. Como reflexo desse

diálogo dos povos indígenas, agências indigenistas, universidades e ONGs surgem as

licenciaturas interculturais em nível superior a exemplo da UNEMAT, UFRR, UFAM, UFMG,

UEA entre outras instituições de ensino superior no Brasil que criam esses cursos para

habilitarem os professores indígenas para atuarem na educação básica de suas escolas e

comunidades.

E continua Collet (2006)

A escola, vista como uma instituição formadora de ideologia, teve, portanto, um papel fundamental a

desempenhar nas novas políticas relativas às minorias. A educação intercultural passou a ganhar cada

vez mais espaço nos discursos e nas políticas públicas, principalmente a parte da década de 70. Nessa

época, na Europa, surgiram os primeiros projetos baseados nessa proposta e, nos EUA, com o

Relatório Kennedy, de 1969, houve uma volta ao projeto intercultural iniciado na década de 30. Nos

Page 11: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

11

países da América latina, como o Brasil, houve o crescimento dos projetos de educação bilíngue e

intercultural, voltados para as populações indígenas, primeiro ligados ao SIL e, depois, através de

ONGs e do próprio Estado. (COLLET, 2006, p. 127).

São muitos os desafios que os Sateré-Mawé tem a enfrentar na elaboração e

formulação de políticas educacionais indígenas para suas escolas e comunidades numa

chamada pedagogia indígena ou educação intercultural. É uma decisão política das

comunidades como querem e de que forma querem a Escola Indígena. Portanto, a escola

indígena deve mostrar as suas expressões socioculturais em todos os aspectos da vida social e

comunitária dos Sateré-Mawé.

5. O TRABALHO DAS MULHERES INDÍGENAS – MARCAS DE SUAS EXPRESSÕES

SOCIOCULTURAIS NAS COMUNIDADES

O importante destacar nesse processo de luta dos povos e comunidades indígenas do

Brasil é que o direito às diferenças se torna uma temática relevante para o pensamento social

com vista a uma abordagem interpretativa e científica à luz das ciências humanas e sociais

dentro da sociologia, direito, antropologia, ciência política e educação – uma perspectiva

interdisciplinaridade.

Na cultura Sateré-Mawé, o puxirum é o exemplo maior do trabalho comunitário em

que as famílias participam da roça, envolvendo homens, mulheres, crianças e jovens. Além do

puxirum, o trabalho na roça é executado num primeiro momentos pelos homens com a

derrubada, queimada e preparação do local para a plantação de roças; num segundo momento

as mulheres e crianças participam com o plantio da maniva e por último vem a retirada da

mandioca, o descasque e torrefação da farinha onde é um trabalho que envolve principalmente

as mulheres, mas durante essa última fase as crianças e jovens se envolvem também.

Além do guaraná, roça e çapó que marcam esse povo indígena; também é importante

na organização social dessa população a bebida tarubá3 que com o passar dos anos foi sendo

3 Bebida extraída da mandioca com fermentação natural servida nas solenidades culturais e

religiosas da comunidade; o tarubá só as mulheres podem mexer, é parte da cultura delas. Se o

homem fizer pode trazer coisa ruim para a comunidade. Faz parte do trabalho feminino na

organização social dos índios Sateré-Mawé.

Page 12: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

12

abandonada como prática exclusiva feita pelas mulheres por conta do contato com a nossa

sociedade; portanto, essa prática tradicional tem sido pouco vivenciado atualmente na vida

social desses indígenas; entretanto está na memória coletiva de homens e mulheres.

A fabricação de artesanatos ainda é presente na vida social dos Sateré-Mawé com a

confecção de paneiros, jamaxis, remos, canoas, bancos de molongó, colares e pulseiras de

sementes e fibras de palmeiras; sendo comercializados principalmente nos meses de junho no

Festival Folclórico de Boi-Bumbá de Parintins e em agosto na festa religiosa do Bom Socorro

e Festival de Bois (touros Branco e Preto), em Barreirinha.

As mulheres indígenas em tempos pretéritos se organizaram política e socialmente

com a criação da Associação das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (AMISM), tendo à frente

a liderança feminina Zenilda (in memorian). Atuando nas assembleias do CGTSM, na OPISM

e nos movimentos de mulheres em nível regional e nacional ou até mesmo internacional com

a participação de representantes; além de buscar alternativas econômicas.

Segundo Ângela Sacchi (2005),

O fenômeno migratório das décadas de 1970 e 1980 foi o fator responsável pela constituição de duas

organizações de mulheres indígenas situadas em Manaus, a AMARN e a Associação das Mulheres Indígenas

Sateré-Mawé (AMISM), embora haja diferenças visíveis ente as duas. (SACCHI, 2005, p. 143).

Percebe-se que o processo de contato com a nossa sociedade também foi determinante

na criação dessas organizações em virtude dos diálogos interculturais que propiciaram

aprendizagens às mulheres indígenas para fortalecerem suas identidades étnicas e buscarem

alternativas econômicas para as suas comunidades indígenas; porque o vínculo identitário não

foi perdido com a migração. Pelo contrário se organizaram também no contexto urbano e

criaram novas formas de sociabilidades no espaço da cidade para reprodução física e cultural

de suas origens de pertencimento indígena.

Sacchi destaca ainda que:

Ao contrário das mulheres da AMARN, que migraram solteiras para Manaus, a migração Sateré-Mawé ocorreu

sobretudo por intermédio de redes de parentesco. As mulheres se empregaram como domésticas, mas também

buscaram outras alternativas para a sobrevivência no espaço urbano, processo que se refletiu na própria

constituição da AMISM, hoje uma organização voltada para o trabalho com o artesanato e para a auto-

sustentação. As indígenas, depois de diversos projetos fracassados por desentendimentos internos – de corte e

costura e lavagem de roupa, por exemplo -, organizam-se formalmente em 1992. Em 1995, ocorreu a primeira

Page 13: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

13

assembleia e a criação de seu estatuto. (SACCHI, 2005, p. 144).

Na época de criação, a AMISM exerceu uma função social aos Sateré-Mawé de

Manaus, mas também aos que vivem na TI Andirá-Marau com projetos de reflorestamento em

virtude da extração de matéria-prima utilizada na confecção de artesanatos; a coletiva seletiva

de lixo por conta da inserção de novos hábitos alimentares na comunidade advindas das

relações interculturais com a nossa sociedade; além de guiar as atividades de subsistência das

famílias indígenas que vivem no espaço urbano e nos municípios de Barreirinha e Maués.

Hoje está acontecendo uma certa desarticulação e desmobilização dessa organização.

Podemos nos perguntar, o que tem levado a essa situação? Não é a nossa pretensão responder

nesse texto, ficando apenas como inquietação a estudos futuros.

Cabe destacar que na organização social da comunidade Simão a presença da mulher

indígena é muito forte em todos os momentos. É perceptível a relação de controle e poder que

elas exercem na vida comunitária com suas práticas tradicionais na vida cultural dos Sateré-

Mawé. Um poder que é micro, está nos diversos processos e ações/atitudes, aqui lembramos

de Michel Foucault em “Microfísica do poder” que traz uma análise desse poder que é

processual e micro nas relações sociais. Podemos também compreender nas relações sociais

dessas mulheres indígenas da comunidade Simão.

No ritual da tucandeira, momento de educação e saúde dos meninos ao optarem por

colocarem a mão na luva com as formigas tucandiras. Esse ritual determina a alteridade do

jovem Sateré-Mawé frente a sua própria família e as suas escolhas na comunidade como

caçador, pescador, constituir família, pajé e proteção espiritual. Nesse ritual, as mulheres tem

papel importante com o preparo do çapó e comidas a serem oferecidas aos convidados; além

de entrarem na roda de danças e cantarem juntamente com os homens.

A questão identitária das mulheres indígenas é marcante em todos as expressões

culturais dos Sateré-Mawé, sendo visto e percebido em todos os momentos da vida social e

comunitária. Aqui podemos reforçar o papel identitário que elas exercem na manutenção e

reprodução da cultura dessa população.

Nas relações homem versus mulher ou mulher versus homem na sua condição de

identidade de gênero, vejamos como Elizabeth Zambrano e Maria Luiza Heilborn (2012)

tratam dessa temática:

Page 14: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

14

Gênero é conceito corrente utilizado para designar os modos de classificar as pessoas como pertencentes a

mundos sociais, a princípio, organizados pelas diferenças de sexo. A expressão identidade de gênero alude à

forma como um indivíduo se percebe e é percebido pelos outros como masculino ou feminino, de acordo com os

significados que esses termos têm na cultura a que pertence. (ZAMBRANO; HEILBORN, 2012, p. 412).

No aspecto que estamos abordando a mulher indígena Sateré-Mawé se percebe como

sujeito importante na organização social da comunidade tanto nos afazeres domésticos como

também na economia de subsistência para as famílias, por exemplo, no plantio da roça.

Ao tratar dessa separação do trabalho masculino e feminino, Jucelém Guimarães

Belchior Ramos (2009) destaca:

Por sua característica basicamente relacional, o conceito de gênero procura destacar que os perfis de

comportamento feminino e masculino definem-se um em função do outro. São sociais, educacionais, cultural e

historicamente construídos num tempo e espaço determinados. (RAMOS, 2009, p. 197).

Podemos exemplificar no ritual da tucandeira essa dicotomia social e cultural

construída historicamente na cultura dos Sateré-Mawé, momento de educação e saúde dos

meninos ao optarem por colocarem a mão na luva com as formigas tucandiras. Esse ritual

determina a alteridade do jovem Sateré-Mawé frente a sua própria família e as suas escolhas

na comunidade como caçador, pescador, constituir família, pajé e proteção espiritual. Nesse

ritual, as mulheres tem papel importante com o preparo do çapó e comidas a serem oferecidas

aos convidados; além de entrarem na roda de danças e cantarem juntamente com os homens.

E assim a mulher indígena Sateré-Mawé delimita a sua atuação nas solenidades

culturais da comunidade, tornando-se sujeito político e social imprescindível a manutenção

dessas manifestações culturais. Talvez a mesma não se veja dessa forma, mas suas ações e

atitudes são definidoras nos rituais e festividades comunitárias.

6. CONCLUSÃO

As mulheres Sateré-Mawé das comunidades indígenas Simão e Umirituba tem

demarcado atuação nos diversos campos da organização social dos Sateré-Mawé trabalhando

na preparação da bebida çapó (guaraná de bastão ralado na pedra) dentro de uma cuia com um

pouco de água. Depois é consumido nas atividades culturais e comunitárias; na roça desde a

colheita da mandioca até a torrefação da farinha.

Page 15: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

15

Em relação as atividades esportivas com a formação de dois times femininos, atuação

como professoras na Escola Municipal Indígena Marechal Cândido Rondon e Escola

Municipal Indígena Paraíso; nos trabalhos da Igreja de São Pedro em Simão; no Clube de

Mães com a produção e confecção de roupas para a própria comunidade. Esse último trabalho

com apoio da Diocese de Parintins.

A roça é determinante na vida das mulheres indígenas Sateré-Mawé; além do cuidado

com os filhos e atividades domésticas no preparo da alimentação e busca de água no rio já

tem auxílio dos filhos e maridos. Elas carregam o paneiro com mandiocas, descascam e fazem

a farinha.

Outro aspecto importante que tem interferido na organização social da comunidade é o

consumo de bebidas alcoólicas e inserção de drogas por parte dos jovens, causando a

violência doméstica e “abandono” das formas tradicionais dos Sateré-Mawé por parte dessa

juventude; em virtude do acesso ao mercado comercial com o município de Barreirinha.

A participação no movimento de mulheres da AMISM já foi em tempos pretéritos

mais atuante, inclusive encontramos uma senhora que acompanhou as assembleias/reuniões;

entretanto com o falecimento da líder Zenilda houve uma certa desarticulação e

desmobilização do referido movimento na região e área indígena Andirá.

Percebemos que tanto os aspectos tradicionais da cultura Sateré-Mawé como os novos

“empréstimos” culturais por conta do contato com a nossa sociedade estão na memória

coletiva dessas mulheres e homens – marcando as expressões socioculturais ao longo desse

mais de trezentos anos de contato; tendo a escola hoje um papel social e desafiador de

revitalizar e fortalecer os vínculos societários e valorização dos etnoconhecimentos ainda

presentes na fala dos mais velhos e no protagonismo das mulheres indígenas.

7. REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Wagner dos Reis Marques; TORRES, Iraildes Caldas. Trajetória da vida e de

trabalho de mulheres indígenas em Manaus/AM. pp. 219-237. In: TORRES, Iraildes Caldas;

SANTOS, Fabiane Vinente dos. (orgs). Intersecção de gênero na Amazônia. Manaus: EDUA,

2011.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF: Secretaria Especial de

Editoração e Publicações – SEEP do Senado Federal, s/d. Senadora Ângela Portela.

Page 16: AS EXPRESSÕES SOCIOCULTURAIS DOS SATERÉ-MAWÉ · pela pesquisa para compreender e averiguar as expressões identitárias dos Sateré-Mawé por meio da escola e comunidade na recuperação

16

COLLET, Celia Letícia Gouvêa. Interculturalidade e educação escolar indígena: um breve

histórico. In: Luís Donisete Benzi Grupioni (org.). Formação de professores indígenas:

repensando trajetórias. Brasília: MEC/SECAD, 2006. pp. 115-129.

DUPRAT, Deborah. O direito sob o marco da plurietnicidade/multiculturalidade. In: RAMOS,

Alcida Rita (org.). Constituições nacionais e povos indígenas. Belo Horizonte, MG: Editora

UFMG, 2012.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.

LORENZ, Sônia da Silva. Sateré-Mawé: os filhos do guaraná. SP: Centro de Trabalho

Indigenista, 1992.

MELATTI, Júlio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2007.

PEREIRA, Nunes. Os índios Maués. 2. ed. Manaus: Valer/Governo do Estado do Amazonas,

2003. (Coleção Poranduba).

RAMOS, Jucelém Guimarães Belchior. Relações de gênero: trabalho e educação. pp. 190-

206. In: BAÇAL, Selma (org.). Trabalho, educação, empregabilidade e gênero. Manaus:

EDUA, 2009.

SACCHI, Ângela. Mulheres indígenas: o processo organizativo e as demandas de gênero. pp.

141-161. In: VERDUM, Ricardo (org). Assistência técnica e financeira para o

desenvolvimento indígena: possibilidades e desafios para políticas públicas. Rio de

Janeiro/Brasília: Contra Capa/Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural,

Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2005.

SANTOS, Jocélio Teles dos. Ação afirmativa. In: SOUZA LIMA, Antonio Carlos de (Coord.

Geral). Antropologia & Direito: temas antropológicos para estudos jurídicos. Rio de Janeiro:

Contra Capa/LACED/ABA/2012.

ZAMBRANO, Elizabeth; HEILBORN, Maria Luiza. Identidade de gênero. pp. 412-419. In:

SOUZA LIMA, Antonio Carlos de (Coord. Geral). Antropologia & Direito: temas

antropológicos para estudos jurídicos. Rio de Janeiro/Brasília: ABA/Contra Capa/Laced,

2012.