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AS EMBALAGENS DOS BISCOITOS PIRAQUÊ E OS PRINCÍPIOS DE ATUALIZAÇÃO GRÁFICA DE IDENTIDADES VISUAIS André Antônio de Souza FAETEC, Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro [email protected] Resumo Este artigo apresenta uma breve consideração acerca do projeto de alteração gráfica das embalagens de biscoito da empresa de alimentos Piraquê. Expõe o resultado de uma análise gráfica comparativa entre amostras de embalagens antigas e atuais onde se procurou verificar se este processo de renovação contemplou ou não os princípios de atualização gráfica de identidades visuais. Esta pesquisa foi baseada num trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa Especial de Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional Técnica de Nível Médio do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro ISERJ. Palavras-chave: design gráfico, identidade visual, redesenho. Abstract This article presents a brief consideration about the graphic design of the packaging change in the food’s company Piraquê. Exposes the result of a graphical analysis comparing samples of old packages and current ones where they tried to ascertain whether this process of renewal contemplated or not the principles of graphical visual identities update. This research was based on a work of completion presented to the Special Training Program for Teachers of Technical Education Middle Level of the Institute of Education of Rio de Janeiro - ISERJ. Keywords: graphic design, visual identity, redesign. 1 Introdução O projeto de embalagens é uma atividade vital no âmbito do design gráfico, dada a importância desse item no cotidiano social. Trata-se de uma tarefa complexa em que

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AS EMBALAGENS DOS BISCOITOS PIRAQUÊ E OS PRINCÍPIOS

DE ATUALIZAÇÃO GRÁFICA DE IDENTIDADES VISUAIS

André Antônio de Souza FAETEC, Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro

[email protected]

Resumo

Este artigo apresenta uma breve consideração acerca do projeto de alteração gráfica das embalagens de biscoito da empresa de alimentos Piraquê. Expõe o resultado de uma análise gráfica comparativa entre amostras de embalagens antigas e atuais onde se procurou verificar se este processo de renovação contemplou ou não os princípios de atualização gráfica de identidades visuais. Esta pesquisa foi baseada num trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa Especial de Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional Técnica de Nível Médio do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro – ISERJ. Palavras-chave: design gráfico, identidade visual, redesenho.

Abstract

This article presents a brief consideration about the graphic design of the packaging change in the food’s company Piraquê. Exposes the result of a graphical analysis comparing samples of old packages and current ones where they tried to ascertain whether this process of renewal contemplated or not the principles of graphical visual identities update. This research was based on a work of completion presented to the Special Training Program for Teachers of Technical Education Middle Level of the Institute of Education of Rio de Janeiro - ISERJ. Keywords: graphic design, visual identity, redesign.

1 Introdução

O projeto de embalagens é uma atividade vital no âmbito do design gráfico, dada a

importância desse item no cotidiano social. Trata-se de uma tarefa complexa em que

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são consideradas todas as suas múltiplas funções. Uma etapa de grande relevância

nesse processo é a que define a conformação gráfica de suas superfícies.

Este artigo examina o processo de atualização gráfica das embalagens de

biscoito da empresa de alimentos Piraquê e foi baseado num trabalho de conclusão de

curso apresentado ao Programa Especial de Formação Pedagógica para Docentes da

Educação Profissional Técnica de Nível Médio do Instituto Superior de Educação do

Rio de Janeiro – ISERJ. A motivação para esta pesquisa teve origem nas inúmeras

reações do público leigo e de profissionais da área de programação visual ao

procedimento de renovação gráfica das embalagens da companhia. Esse

empreendimento, iniciado no ano de 2009, alterou o projeto original desenvolvido pela

artista Lygia Pape que atuou como programadora visual na empresa de 1962 a 1990.

Buscou-se compreender se o projeto de modificação das embalagens atendeu ou

não aos princípios de atualização gráfica de identidades visuais. Para isso,

primeiramente procurou-se identificar o tipo de alteração implementado. Em seguida,

para verificar-se em que medida as mudanças introduzidas estão de acordo ou não

com essa natureza, realizou-se uma análise gráfica comparativa entre amostras de

embalagens antigas e atuais dos biscoitos da marca. Foram selecionadas duas

embalagens: a do biscoito salgado Cream Crackers e a do aperitivo Queijinho. O

resultado permitiu chegar-se a conclusões que contribuem para o aprimoramento da

atividade projetual em design gráfico, sobretudo no que tange a processos de

atualização de identidades visuais.

2 Revisão bibliográfica

Strunck (2003, p.57) define a identidade visual como um conjunto de elementos

gráficos que formalizam a personalidade visual de um nome, ideia, produto ou serviço.

Esses elementos são concebidos e organizados para que tenham consistência

proporcionando uma identificação notória. Em geral sua configuração reflete

influências sociais e históricas e de padrões estéticos vigentes na época de seu

desenvolvimento. Por exemplo, Chagas (2003) considera que a linguagem gráfica das

marcas das décadas de 60 e 70, com uma geometria regular e formas simples,

racionais e com o uso de tons acromáticos, refletiu um período histórico identificado

com o crescimento da industrialização e com o Movimento Concretista, que valorizava

estas mesmas peculiares. Souza e Carvalho (2011) em estudo investigando as

possíveis causas das alterações gráficas das marcas ao longo do tempo verificaram

que muitas marcas da atualidade são possuidoras de um formato de aspecto orgânico

com presença reduzida de transformações pontuais facilmente identificáveis.

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Em geral espera-se que uma identidade visual permaneça cumprindo suas

funções no meio social por um período razoável de tempo sem a necessidade de uma

alteração. Entretanto, qualquer uma delas experimenta um processo natural de

“envelhecimento”, isto é, após vários anos de exposição passam a ser reconhecidas

como antigas, dada a mudança constante da sociedade e seus valores, uma

ocorrência que vem se acentuando nos dias atuais com o fenômeno da Globalização.

Dependendo do campo no qual a identidade está inserida, tal reputação pode interferir

negativamente em seu potencial competitivo, uma vez que a ideia de envelhecimento

não é comumente bem recebida pelos consumidores, em contrapartida aos conceitos

de novidade e jovialidade.

Em virtude dessa realidade, alguns estudiosos defendem que ao contrário do

passado, em que a criação dessas manifestações tinha como princípio norteador a

sua máxima permanência, existe hoje uma tendência menos preocupada com a

durabilidade. Acreditam que já por ocasião da projetação há que ser considerado o

seu potencial de atualização. Chagas (2009) denomina essa postura como Design

Líquido, para enfatizar o caráter fluído, adaptável deste modo de trabalhar. Lima

(2008) é outro pesquisador que concorda com esse pensamento quando compara um

projeto de identidade visual à personalidade humana e defende que não deve ter uma

presença estática e sim dinâmica, adaptável desde a sua concepção. Veja-se a sua

colocação:

[...] Assim como a personalidade individual nos exige permanente desenvolvimento, a identidade institucional também, e se o projeto pretender apenas representar a realidade presente estará ultrapassado antes da implantação. Ou o projeto instiga o desenvolvimento e amadurecimento dessa “personalidade organizacional” ou já nasce morto. (LIMA, 2008, P. 16).

Por isso, ações de atualização gráfica de identidades visuais são cada vez mais

constantes, sobretudo no setor de embalagens. Em alguns casos o tempo entre

renovações é bem reduzido. Fábio Mestriner, citado por Sedeh (2007) explica, que há

cerca de dez anos o tempo médio de revitalização do caráter gráfico de uma

embalagem, que era de cinco anos, agora diminuiu para um ano e meio. Ele esclarece

que isso se deve ao número mais elevado de lançamentos por categorias. Com a

chegada desses produtos os que já estavam na gôndola começam a fazer parte da

paisagem do passado da linha, o que demanda a necessidade de mantê-los

atualizados em relação ao cenário em que estão inseridos. Usualmente isto se dá por

um processo de alteração visual. Mário Narita, citado por Sedeh (2007) ressalta, que

com o advento da Internet, este procedimento está se acelerando ainda mais e que o

mercado de hoje é muito dinâmico, de tal forma que se a oferta de produtos, grafismos

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e informações novos não for contínua, corre-se o risco de abandono da marca pelo

consumidor.

Quando é evidente que a percepção de determinada identidade visual junto ao

público de alguma forma se reflete negativamente no volume de vendas de um

produto, configura-se assim um problema de comunicação visual, podendo ser

aconselhável um empreendimento de atualização gráfica. De acordo com Strunck

(2003), as fusões, expansões e mudanças de atividade das empresas constituem

outras situações que também podem requerer ações dessa natureza.

Quando da decisão pela mudança, Strunck destaca a existência de dois caminhos

possíveis a percorrer: implementar uma configuração gráfica totalmente diferente

através de uma mudança radical ou adotar o processo chamado de redesenho recomendado quando os elementos institucionais são muito conhecidos e têm uma imagem positiva [...] neste caso, a identidade é revitalizada, sem perder totalmente os vínculos com a anterior. (STRUNCK, 2003, P. 153).

A título de exemplo, veja-se o caso do leite condensado Moça da Nestlé (figura 1).

A empresa por diversas vezes ao longo dos anos empreendeu modificações gráficas

na embalagem do produto.

contemporâneos.

Figura 1: Alterações gráficas na embalagem do leite condesado Moça: 1937, 1957, 1971, 1990, 1997, 2001, 2003 e 2004, respectivamente. Fonte: MENEGUETTI, 2010, p. 12-13.

Uma análise das alterações mostra que se optou seguidamente pelo

procedimento de redesenho, uma vez que o esquema cromático predominante e os

elementos principais foram preservados. Especialmente nas três últimas versões

(anos de 2001, 2003 e 2004) é possível notar a influência crescente dos recursos

computacionais e o uso de degradês e formas orgânicas, porém o resultado é tal que

o produto, embora muito tradicional, continua associado a valores contemporâneos.

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Outro exemplo é o da Kibon que em momentos diferentes empregou ambos os

processos de mudança. No ano 2000 a Unilever, proprietária da marca, optou pelo

processo de alteração completa substituindo de modo gradual o famoso “K” de sua

identidade visual por outro símbolo em formato de coração, um elemento genérico

usado pela companhia para designar outras marcas de sorvete que detém em

diversos países. Numa ocasião posterior, com a modificação já consolidada,

empreendeu-se um novo processo de atualização, agora por um sútil procedimento de

redesenho que resultou na configuração gráfica utilizada atualmente (figura 2).

Figura 2: Alterações da marca Kibom. Fonte: “K”: www.mundodasmarcas.blogspot.com. Coração 1: www.mylogs.xpg.com.br. Coração 2: www.seeklogo.com.

3 Lygia Pape e as embalagens da Piraquê

O sistema visual gráfico das embalagens Piraquê foi desenvolvido pela artista Lygia

Pape (1927-2004). As embalagens de biscoito são hoje consideradas clássicas

fazendo parte do repertório visual de grande parcela do público consumidor,

principalmente o carioca, de faixa etária acima dos vinte anos. Pape ainda criou para a

empresa um novo conceito de embalo mais econômico, em que os biscoitos são

empilhados e as embalagens assumem o formato de sólidos espaciais, inovação

depois copiada por muitas outras companhias.

Formada em Filosofia e mestre em Estética Filosófica, Lygia iniciou sua trajetória

artística ligada ao Movimento Concretista na década de 50. Em 1959 veio a pertencer

ao Neoconcretismo ora nascente. Sobre esta vertente, Machado (2008) salienta que

não possuía um programa predeterminado ou mesmo rígidas diretrizes estéticas, o

que conformava ao posicionamento de Pape, cuja atitude experimental foi uma marca

pessoal. Ela não trabalhava com predeterminações e não abraçava à priori nenhum

tipo de linguagem ou material de trabalho, sendo descrita como uma artista

continuamente transgressora, dadas as constantes reformulações e linguagens que

experimentava. Quanto ao aspecto gráfico e conceitual das embalagens

desenvolvidas por ela, esta pesquisadora ressalta que, como na ocasião a artista vivia

uma fase de transição, podem ser identificados nesse material, elementos típicos do

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Concretismo e/ou Neoconcretismo. À maneira de muitos pintores concretistas, Pape

valorizou o emprego de elementos repetidos e organizados racionalmente dispostos

em fundos monocromáticos, aplicando em especial as cores branco, vermelho e

amarelo.

4 Análise gráfica comparativa das embalagens

Para a análise gráfica comparativa das embalagens foram selecionadas duas versões

antigas e atuais: a do biscoito salgado Cream Crackers e a do aperitivo Queijinho

(figura 3).

Figura 3: Amostra de embalagens antigas e atuais dos biscoitos Piraquê. Fonte: Cream Crackers 1: www.lifepel.com.br. Cream Cracker 2: www.piraque.com.br. Queijinho 1:

www.hippo.com.br. Queijinho 2: www.piraque.com.br.

Uma breve avaliação inicial desta amostra permitiu verificar que as alterações

aplicadas visaram conferir maior destaque à marca, que agora aparece sempre em

tamanho privilegiado e sobre uma faixa verde. O objetivo dessa mudança foi

provavelmente atribuir maior unidade visual à inteira linha dos produtos facilitando sua

identificação e ligação ao símbolo; potencializando assim a consistência da identidade.

Em contraste, Lygia, em seu projeto, possivelmente possuía liberdade para modificar a

linguagem gráfica adotada a cada produto, bem como localizar a marca em diferentes

posições, conferindo uma singularidade a cada embalagem, manifestando dessa

forma sua atitude experimental.

Constatou-se também que o projeto de alteração, quanto à sua natureza, se deu

pelo redesenho1, já que é possível perceber com relativa facilidade que vários

elementos alusivos ao trabalho desenvolvido por Pape foram preservados. Isso indica

que os profissionais responsáveis pela sua execução podem ter concluído que a obra

1 O projeto da Piraquê como um todo apresenta exceções. Em alguns casos optou-se por uma

reformulação geral da embalagem.

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da artista continua detentora de muitos valores positivos e de uma imagem ainda forte

junto ao público, justificando-se um empreendimento desse tipo e não de alteração

total.

Em seguida, foi realizada uma análise comparativa individual de cada identidade

selecionada a partir de detalhes das embalagens planificadas disponíveis a fim de

identificar-se se o procedimento de alteração atendeu ou não aos princípios aplicáveis

a empreendimentos dessa espécie conforme ressaltados na seção de revisão

bibliográfica.

4.1 Análise da embalagem do biscoito salgado Cream Crackers

A composição gráfica da embalagem antiga desse biscoito destaca-se por uma

organização racional e distribuição equilibrada dos elementos bem em harmonia com

as peculiares típicas do trabalho de Pape.

Figura 4: Detalhes das embalagens planificadas da embalagem antiga e atual do biscoito Cream Crackers. Fonte: Embalagem antiga: www.daniname.wordpress.com. Embalagem

atual: Imagem digitalizada pelo autor.

O fundo é composto por duas faixas monocromáticas em vermelho e branco. A

repetição de formas geométricas é verificada na ilustração do biscoito que assume a

identidade de um losango e se repete de acordo com uma translação segundo um

vetor na direção vertical conferindo o aspecto de linha ou fileira. Este conjunto

encontra-se em evidência pela dimensão privilegiada dos formatos e pelo contraste

com a região em branco e seus espaços vazios que são valorizados não sofrendo

grandes interferências de ordem tipográfica ou de outros elementos (figura 4).

A embalagem atual assim como a anterior apresenta o fundo nas cores

vermelho e branco, entretanto, diferentemente já não existe no arranjo uma noção

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muito clara das duas faixas, uma vez que o suposto limite entre elas encontra-se

agora encoberto pela ilustração dos biscoitos. Também se reduziu a valorização do

caráter monocromático já que a seção em branco contém agora uma textura de

elementos em cinza. Como no projeto de Pape há uma estrutura de biscoitos

transladados no sentido de um vetor na direção vertical, porém como esta se mostra

duplicada nesta versão, é possível conceber-se a transformação igualmente no

sentido de um vetor na direção horizontal. A marca e alguns dos textos informativos,

bem como o texto legal, colocado sobre uma caixa branca com um efeito de

transparência, se sobrepõem a este conjunto à medida que o mesmo interfere na

região em vermelho. (figura 4).

Essa avaliação permitiu constatar-se que a nova embalagem, embora possua

diversos itens alusivos ao trabalho original, apresenta uma organização geral dos seus

componentes orientados segundo uma ocupação ampla da área útil disponível,

utilizando-se para isso duplicações e sobreposições. Essa configuração identifica a

composição mais com uma estética fundamentada na profusão de elementos do que

no aspecto clean da embalagem antiga, perdendo-se de certa forma a atmosfera

construída por Pape focada numa distribuição muito organizada das formas e na

valorização dos espaços não ocupados.

4.2 Análise da embalagem do biscoito aperitivo Queijinho

Levando-se em conta os atributos valorizados pela artista, a embalagem antiga do

biscoito aperitivo Queijinho destaca-se pela repetição organizada de elementos que

pode ser verificada nas ilustrações dos biscoitos. Estas aparecem distribuídas de um

modo aparentemente aleatório constituindo um conjunto ou padrão. Este aglomerado

também sofre repetição e as cópias foram posicionadas de tal forma que não se

percebe facilmente o inicio e término de cada uma, construção que faz lembrar os

arranjos de M. C. Escher. Há uma valorização do uso monocromático da cor evidente

pela utilização do fundo em vermelho. A marca, bem como o texto legal e as demais

informações estão dispostas em duas faixas brancas que se sobrepõem ao padrão

(figura 5).

A embalagem atual, assim como a anterior também apresenta um fundo

monocromático em vermelho, bem como as ilustrações dos biscoitos compondo um

padrão de repetição. Entretanto, essa conformação agora apresenta uma estrutura

diferente, menos expressiva que a original, em que os biscoitos aparecem em duas

posições distintas e se repetem de acordo com translações segundo vetores na

horizontal e vertical. Sobrepondo-se ao padrão há o texto legal colocado sobre uma

caixa também em vermelho e mais duas faixas; a primeira em verde, comportando a

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marca, que recebe dessa forma maior destaque; a outra, em uma tonalidade diferente

de vermelho, funcionando como código de cores para identificar o sabor do biscoito

em questão (figura 5).

Esta comparação permitiu constatar-se que também esta embalagem contém

alguns conceitos típicos da obra de Pape, notadamente o emprego do fundo

monocromático em vermelho. Porém a embalagem foi modificada em um aspecto

muito importante de sua essência, o padrão de repetição criado pela artista, já

tradicional e muito marcante, tido como um dos mais atraentes produzidos pela autora.

Figura 5: Detalhes das embalagens planificadas da embalagem antiga e atual do biscoito aperitivo Queijinho. Fonte: Embalagem antiga: www.daniname.wordpress.com. Embalagem

atual: Imagem digitalizada pelo autor.

5 Discussão

Confirmou-se através dessa análise comparativa que o procedimento de alteração

das embalagens foi orientado de acordo com o método do redesenho, já que se

mostraram possuidoras de elementos presentes também nas embalagens antigas,

aludindo-se, portanto às peculiares valorizadas por Pape.

Entretanto, conforme destacado, algumas das alterações aplicadas interferiram

em características que eram muito marcantes nas embalagens anteriores, atributos

que eram os principais responsáveis pela identificação da estética empregada pela

artista, o que indica que em certa medida as modificações empreendidas não

atenderam de modo satisfatório aos princípios de alteração gráfica que regem o

procedimento do redesenho, onde devem ser implementadas alterações buscando-se,

porém preservar elementos fortes e ainda positivos da identidade visual.

Diversos profissionais têm uma opinião que confirma essa percepção. Em geral as

expressões não constituem uma espécie de movimento saudosista, antes se suspeita

que o modo em que o projeto foi conduzido, resultando-se numa descaracterização de

um padrão já incorporado à cultura de uma parcela considerável de consumidores,

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tenha constituído um equívoco estratégico no processo de gerenciamento da marca.

Name (2010) é uma das profissionais que tece uma opinião crítica a respeito. Veja-se:

Atualizar uma marca não só é permitido, como necessário. Mas uma das chaves para fazer este up date dar certo é guardar coerência com o projeto original, com a história que vinculou inúmeros consumidores visual e afetivamente ao produto. Não é o que está acontecendo com a Piraquê. (NAME, 2010).

Hoffman (2009) é outra profissional que também apresenta a sua opinião.

Observe-se:

O polêmico redesenho das embalagens da Piraquê - onde o desenho original criado por Lygia Pape [...] considerado um clássico do mercado de embalagens brasileiras - que tiveram suas artes trocadas por criações sem nenhuma referência à própria história de vanguarda da marca me pareceu realmente algo desastroso. (HOFFMAN, 2009).

Há, no entanto, quem tenha uma opinião diferente, Loyola (2011), por exemplo,

acredita que o projeto da Piraquê foi bem executado e manteve o respeito pelo

trabalho de Pape, preservando seus pontos fortes e atualizando os datados. Para ele

a obra da artista estava ligada a conceitos já ultrapassados deixando de cumprir

adequadamente o objetivo de vender o produto e atingir novos consumidores,

contando apenas com os já fidelizados.

Todavia este posicionamento tem sido menos frequente. Em geral tanto

profissionais de design como muitos do público leigo vêm questionando a solução

gráfica da Piraquê, asseverando que embora esteja ancorada nos princípios do

redesenho não preserva de modo apropriado os valores do antigo sistema, nem

avança satisfatoriamente na adoção de uma linguagem contemporânea, visando

comunicar ao público-alvo mais jovem.

Essas reações fornecem muito em que refletir e evidenciam o valor que a marca

Piraquê alcançou a partir do projeto original fazendo lembrar-se o caso da Coca-Cola.

Em 1985, para substituir o produto, conforme ressalta Strunck (2003), a companhia

lançou com grande publicidade a New Coke, com um novo sabor amplamente

aprovado em milhões de “testes-cegos”. O resultado foi uma grande comoção nacional

fazendo a empresa voltar atrás em sua decisão. Isso significa que, embora

naturalmente se deseje ampliar cada vez mais o público consumidor e o volume de

vendas, há que se levar em conta nesse processo o público já fidelizado, uma parcela

da população que tem uma relação emocional com as marcas de sua preferência.

Sendo assim, um processo de alteração gráfica de uma marca como a Piraquê, já

de longa data e possuidora de um enorme público, deve ser realizado com extremo

cuidado. Em casos como este a opção pelo redesenho com a real determinação de

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valorizarem-se os elementos gráficos tradicionais que ainda têm uma percepção

positiva é muito provavelmente um caminho seguro e acertado.

6 Considerações finais

Esta breve consideração acerca do projeto de atualização gráfica da Piraquê

sublinha que ações dessa natureza não são necessariamente simples. Há que se dar

atenção a uma série de dados antes da tomada de decisão pela alteração e à

especificidades que variam caso a caso. Conforme já ressaltado, no mercado de

embalagens esse procedimento tem sido muito comum e o período de tempo

requerido até as novas modificações vem se reduzindo. Ainda assim, mesmo no atual

mundo globalizado, caracterizado por mudanças rápidas e constantes, quanto mais

tempo for possível manter um produto no mercado sem a necessidade de uma

alteração gráfica de sua embalagem, melhor, já que isso representa uma economia

considerável de custos. Existe obviamente a necessidade de monitorar-se

constantemente o seu potencial competitivo procurando-se avaliar em que medida o

aspecto gráfico tem contribuído para o desempenho verificado.

Projetos de redesenho como o da Piraquê têm, no entanto, uma dimensão

especial, já que a identidade visual em questão foi desenvolvida por uma das maiores

representantes da arte brasileira. Apenas essa ocorrência já oferecia à corporação

uma alternativa projetual: a de utilizar-se essa realidade como princípio norteador para

a inteira linha de embalagens, agregando conceitos de tradição, qualidade e

brasilidade.

As reações do público ao projeto de reformulação evidenciam os debates e

reflexões que podem gerar. Estes quando bem encaminhados podem contribuir muito

para o aumento da produção de conhecimento no campo da metodologia projetual

aplicada ao design gráfico.

Convém ressaltar que este estudo possui um caráter exploratório, uma vez que

não foram consultados outros profissionais na análise das embalagens, entretanto

espera-se que possa contribuir para o esclarecimento das questões levantadas e

servir como base para considerações mais aprofundadas sobre o tema.

Referências

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