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Edição Nº. 5, Vol. 1, jan./dez. 2015. Inserida em: http://www.uel.br/revistas/lenpes-pibid/
AS CONTRIBUIÇÕES DA ESCOLA ITINERANTE PARA A EDUCAÇÃO NO CAMPO
Jaqueline Andrade1
Resumo
Este artigo procura analisar a questão da educação do e no Campo e sua atual importância dentro dos estudos de educação a partir do caso da Escola Itinerante desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A Escola Itinerante surge em 1996, quando foi oficializada pelo Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul e vinculada à prática pedagógica do MST. Seu projeto político-pedagógico crítico constrói-se em oposição ao modelo de educação tradicional ofertada aos trabalhadores rurais e é resultado da tomada de consciência, por parte dos militantes sem-terra, da importância de se ter uma educação voltada especificamente para a vivência no campo. Portanto, a proposta da Escola Itinerante vai além da educação em sentido estrito, isto é, voltada para a formação individual mediante a aquisição de competências e conhecimentos formais, mas se articula à luta pela terra como projeto de desenvolvimento social para o campo; ou seja, se articula diretamente com as lutas populares pela Reforma Agrária. Neste sentido, a educação popular aparece não somente como instituição educacional alternativa, mas também como instrumento político de transformação social. Assim, ela é fundamental para a compreensão da práxis dentro da organização coletiva do MST. Palavras-Chaves: Educação no Campo; Escola Itinerante; MST.
Breve Histórico do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra)
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra iniciou-se em janeiro de 1984,
com seu primeiro encontro nacional em Cascavel, no Paraná. Muitos trabalhadores se
organizaram para contribuir nas ocupações de doze estados no Brasil. Para eles, a
ocupação de terra era (e ainda é) uma ferramenta fundamental e legitima de luta pela
democratização da terra. Com a intenção de construir um movimento orgânico em nível
nacional, o MST tem como objetivos: a luta pela terra, a luta pela Reforma Agrária, e a 1 Aluna de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected].
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mudança para um novo modelo agrícola com finalidade de transformar a estrutura da
sociedade brasileira.
No ano seguinte o MST realizou seu 1º Congresso Nacional em Curitiba, cuja
palavra de ordem foi: “Ocupação é a única solução”. Com a Constituição de 1988, mesmo
com muitas dificuldades, o movimento conseguiu conquistar os artigos 184 e 186 que
fazem referência à função social da terra. Com base nessa função é que a expropriação
de terra deve ser feita, segundo o MST. Isto é, quando a terra não cumpre a sua função
social, ela deve ser desapropriada para fins de Reforma Agrária, um período em que o
movimento reafirma sua autonomia, definindo símbolos, bandeira e hino. Em 1995 em seu
3º Congresso Nacional, em Brasília, o movimento reafirmou a importância da luta pela
Reforma Agrária, com a palavra de ordem: “Reforma Agrária, uma luta de todos”.
Historicamente o Brasil é marcado por uma grande concentração fundiária desde
1500, o MST surge como fruto deste contexto, onde muitos trabalhadores lutam pela
terra. E, diante desse processo, surgem diversas formas de resistências como os
Quilombos, Canudos, as Ligas Camponesas, entre outras.2
Ainda hoje com 25 anos de existência do movimento, lutando e reivindicando, a
Reforma Agrária no Brasil não foi realizada. Latifundiários em parceria com as empresas
transnacionais formam a classe dominante no campo. A situação atual da Reforma
Agrária no Brasil encontra se estagnada pelos poderes públicos. Segundo a nota que o
MST (2015) lançou em setembro de 2015 o programa da Reforma Agrária, que já estava
parado, sofreu um agressivo corte de 64% no orçamento do ministério do
desenvolvimento agrário e do INCRA (instituto nacional de colonização e Reforma
Agrária).
O movimento exige que o governo assuma os compromissos assumidos pela
presidenta Dilma, ou seja, assentar todas as 120 mil famílias acampadas, desenvolver
projeto de desenvolvimento dos assentados, implantarem o programa de agroindústria, o
programa nacional de Agroecologia, aprovado em 2012 e ate hoje parado. Movimento
denuncia as perseguições, assassinatos e a criminalização dos movimentos populares,
2Quilombos: funcionavam como comunidades de negros fugidos, sendo local de refugio. Um dos quilombos mais conhecidos foi Palmares, que desenvolveu uma importante luta política e social, trabalhando de forma comunitária e cooperativa. O Brasil tem hoje três mil quilombos em processo de reconhecimento, ao todo o país já tem sete mil comunidades. Representam uma das maiores expressões de lutas dos negros organizadas no Brasil. Canudos: em 1897 acontece a guerra de canudos, momento histórico do qual os Republicanos brasileiros ao se incomodaram com a forma de organização cooperativa, resolvem atacar a comunidade com mais de setecentas toneladas de munição. Assim se cria a guerra de Canudos. Ligas Camponesas: na década de 50 em Pernambuco, surge o movimento que se organiza rumo a reforma agrária, se tornando símbolo da luta pela terra.
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repudia o massacre realizado pelo agronegócio, e pelas forças conservadoras contra os
povos indígenas, especialmente o povo Guarani – Kaiówá.
Queremos ser uma sociedade que viva harmonicamente, com sua diversidade étnica e cultural, com oportunidades iguais para todos os brasileiros, com democracia econômica, social, política e cultural, como já determinou a Constituição Brasileira, mas é ignorada na realidade da economia e na prática dos três poderes constituídos. No Brasil sabemos que existe um histórico de ampla discriminação baseada em tipos físicos, cores e cultura. Os casos mais candentes são em relação ao povo negro e ao povo indígena. Por isso, é essencial a existência de políticas públicas que garantam, por exemplo, a demarcação dos territórios indígenas e quilombolas. Também entendemos ser fundamental a existência de ações de combate aos preconceitos e as discriminações relacionadas às diferenças de cor, etnia, cultura e crenças religiosas e que promovam a valorização e o respeito à diversidade cultural. Para nós é fundamental a existência de políticas afirmativas que garantam a inclusão dos grupos historicamente excluídos (MST, 2009).
Para além da luta política pela reforma agrária, o MST atua também na formação
e educação de seus militantes e assentados. Uma das formas que o movimento
desenvolve nesse sentido e, talvez a mais importante, é a escola itinerante.
Educação no e do Campo
Diante do contexto de lutas por ocupações de terra e marchas pela Reforma
Agrária, o MST luta fortemente pelo acesso a educação pública, gratuita e de qualidade
para a população do campo. O movimento, com muita luta, conquistou aproximadamente
duas mil escolas públicas nos acampamentos e assentamentos, ensinando mais de 160
mil sem-terra e formando mais de quatro mil professores educadores.
Mais de 50 mil pessoas aprendendo a ler e escrever dentro do movimento, com o
propósito de que a escola esteja onde o povo está e que os camponeses devem ter o
direito de participar da construção do projeto de sua escola. Essa visão é reforçada
através do depoimento de Izabel Grein, integrante do setor de Educação do MST, que
afirma: "O movimento chegou a conclusão que para implementar um processo de reforma
agrária com mais qualidade, onde as famílias possam melhorar a qualidade de vida é
preciso elevar a escolarização dos trabalhadores" (MST, 2004).
O processo educativo do MST não esta apenas na escola, mas também dentro
dos próprios acampamentos e assentamentos, na organização política interna, e na
relação que se cria pelos núcleos de base. O desafio é fazer com que o ensino contribua
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para que os sem-terra se apropriem do conhecimento para conseguirem se reconhecer
enquanto sujeitos históricos e intervierem no processo social.
A educação no campo passa a existir como uma alternativa à Educação Rural,
que sempre esteve mais preocupada com a implantação de um projeto de sociedade e
agricultura dependente aos interesses do capital, ou seja, a educação escolar era
pensada para preparar mão-de-obra qualificada e barata, sem pensar na emancipação
dos camponeses.
Ao pensar num projeto para o campo surge a Educação no Campo, com o
propósito de auxiliar e educar os camponeses aos seus interesses específicos.
A Educação do Campo é um projeto educacional compreendido a partir dos sujeitos que tem o campo como seu espaço de vida. Nesse sentido, ela é uma educação que deve ser no e do campo – No, porque “o povo tem o direito a ser educado no lugar onde vive”; Do, pois, o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação (CALDART, 2002, p. 26).
A Educação no Campo surge através da luta pela implantação como política
publica, aprofundando o olhar para a realidade do campo, pois o modelo pedagógico
vigentes até então, serviam para marginalizar os sujeitos do campo ou para vinculá-lo ao
mundo urbano. Desprezando assim toda sua diversidade cultural, sua relação com a
terra, com o alimento.
Assim as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo (PARANÁ, 2006) vem
para auxiliar o professor na sua pratica educativa, tornando-a mais próxima da realidade
das comunidades do campo, vinculada a sua realidade, ajudando a criar um sentimento
de pertencimento e observando a riqueza que o campo oferece para nosso conhecimento.
Nesse sentido precisamos fazer uma distinção sobre “rural” e “campo”: O termo
rural representa politicamente nos documentos oficiais que os povos do campo são
pessoas que precisam de assistência, pensando o rural como atrasados. Já no campo
seu sentido vem vinculado às lutas dos movimentos sociais, referindo a identidade e
cultura dos povos do campo, valorizando seus laços culturais e valores pautados a vida
na terra.
Assim, essa compreensão de campo vai além de uma definição jurídica. Configura um conceito político ao considerar as particularidades dos sujeitos e não apenas sua localização espacial e geográfica. A perspectiva da educação do campo se articula a um projeto político e econômico de desenvolvimento local e sustentável, a partir da perspectiva dos interesses dos povos que nele vivem (PARANÁ, 2006, p. 24).
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Sabemos que os sujeitos do campo se relacionam de forma muito especifica com
a natureza, seu trabalho e sua rotina não podem ser comparados com a cidade, nem
sempre seguem um relógio mecânico.3 Tendo muita diversidade no campo, necessitam
de conhecimentos específicos para cada região, pensando na sua diversidade,
especificidade. Especificamente no caso do Paraná, a situação é exatamente esta:
No Paraná, existem 399 municípios. No Estado encontramos 14 áreas de remanescentes de Quilombos, conforme informações fornecidas pela Fundação Cultural Palmares; 44 Faxinais, que mantêm a organização social típica do Sistema Faxinal, segundo Sahr e Cunha (2005); quatro etnias indígenas, distribuídas em 17 terras indígenas, 400.000 trabalhadores assalariados bóias-frias, segundo Broietti (2003); setenta acampamentos, segundo informações do MST; 311 assentamentos de reforma agrária, segundo informações do INCRA. Em termos de porcentagem, a distribuição agrária no Paraná, segundo dados FAO/INCRA de 1996, encontra-se na situação de 86,89 % agricultura familiar e 11,97% agricultura não familiar (capitalista, patronal e latifundiária) (PARANÁ, 2006, p.41).
Atualmente no Paraná é onde se possui o maior numero de escolas itinerantes no
país. Trazendo inovações para repensar novas e outras propostas pedagógicas de
organização escolar. Como nos mostra as diretrizes da educação do campo, temos
aproximadamente 11 escolas itinerantes no Paraná, trabalhando a pedagogia da
educação critica e emancipatória de Paulo Freire.
Assim, podemos concluir que, historicamente, a educação do Campo tem sido
marginalizada na construção de políticas públicas. A educação para os povos do campo é
trabalhada com currículos de origem urbana, e sempre deslocada do seu real contexto.
A lógica do modelo econômico capitalista trás uma visão que o espaço urbano
serve de modelo ideal para o desenvolvimento humano, contribuindo para descaracterizar
a identidade dos povos do campo, fazendo com que se distancie do seu universo cultural.
Buscando uma educação que seja crítica, discutindo conteúdos que levem a reflexão do
“porque” a educação do campo se torna marginalizada, assim faz se necessária a
discussão da reforma agrária dentro da escola.
Trata-se de uma escola concebida e organizada em fundamentos políticos e ideológicos do MST. Vale destacar que a escola intitula-se ‘itinerante’ em função de que ela acompanha o itinerário das famílias Sem Terra,
3 “A identidade dos povos do campo comporta categorias sociais como posseiros, bóias-frias, ribeirinhos, ilhéus, atingidos por barragens, assentados, acampados, arrendatários, pequenos proprietários ou colonos ou sitiantes – dependendo da região 24 do Brasil em que estejam – caboclos dos faxinais, comunidades negras rurais, quilombolas e, também, as etnias indígenas” (PARANÁ, 2006, p. 24).
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garantindo o direito à educação das crianças, jovens e adultos que se encontram em acampamento, lutando pela reforma agrária (PARANÁ, 2006, p 21).
Assim, a grande questão que o MST e sua escola itinerante inserem é: a
educação pode ser uma arma para a transformação social?
O caminho traçado pela Escola Itinerante, enraizada pelo MST, é a luta pela construção de uma sociedade não mais explorada pelo capital, mas uma educação empenhada em transformar o trabalhador em agente político, que pensa, age e utiliza da palavra como arma para transformar o mundo (MÉSZÁROS, 2008 apud SOUZA E SILVA, 2012).
Escola Itinerante: Pressupostos, Organização e Funcionamento
A primeira escola Itinerante do estado do Paraná foi inaugurada em 30 de outubro
de 2003, em Quedas do Iguaçu. Batizada de Escola Chico Mendes, no acampamento
José Abílio dos Santos. Como toda escola fundada pelo MST, a Escola Chico Mendes foi
construída coletivamente pelas próprias famílias.
Foram necessários reivindicações e diálogos entre o movimento e o governo do
Estado junto à Secretaria de Educação (SEED) para que as escolas Itinerantes fossem
aprovadas e reconhecidas pelo poder público. A partir daí, elas se tornaram escolas
públicas que compõem a rede estadual de ensino. Segundo documento do movimento:
As experiências das Escolas Itinerantes vêm desde a década de 1980, quando foram construídas as escolas no Acampamento da Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul (RS), ainda denominadas na época de “Escolas de Acampamentos. A existência dessa prática educativa garantiu a escolarização de muitas crianças e adultos, e permitiu que esta experiência fosse reconhecida pelos órgãos públicos do Rio Grande Sul em 19 de novembro de 1996. A Escola Itinerante foi aprovada em seis estados brasileiros: Rio Grande do Sul (1996), Paraná (2003), Santa Catarina (2004), Goiás (2005), Alagoas (2005) e Piauí (2008), mas hoje só estão em funcionamento 9 escolas no Paraná e três no Piauí. Por ser da luta e se movimentar com ela, a Escola Itinerante têm de estar vinculada legalmente a uma escola base que é a responsável por sua vida funcional: matrículas, certificação, verbas, acompanhamento pedagógico, etc. Geralmente, a escola base se localiza em um assentamento do MST, referenciando-se no projeto educativo do Movimento. No estado paranaense existem nove Escolas Itinerantes, e todas estão vinculadas a Escola Base Iraci Salete Strozak, em Rio Bonito do Iguaçu (CAPITANI, 2013).
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A Escola Itinerante nasce da necessidade e da luta dos acampados por direitos
sociais no campo, acesso a terra e melhores condições de vida. Ela se coloca como
alternativa ao paradigma da escola tradicional, cuja lógica é insuficiente para satisfazer as
necessidades e demandas dos militantes sem-terra. Através de uma pedagogia crítica,
visa estimular nos educandos uma emancipação humana, tendo como objetivo a
superação da sociedade capitalista. Apoia-se, portanto, na ideia de que a educação é um
instrumento importante para a transformação social. Sua concepção de educação,
pedagogia e didática, é, portanto, diferente da sustentada pela escola tradicional, que
busca a formação direcionada ao mercado de trabalho e para a valorização do urbano em
detrimento do rural.
Acreditamos que a escola itinerante é um espaço de formação humana vinculado
a um processo de luta, onde a comunidade atua efetivamente. Embora ela nasça da
necessidade concreta de atender as crianças, pois os pais, por necessidade da terra,
tiveram que acampar, e, estando acampados, não possuem acesso ao estudo. A escola,
além de uma conquista para os acampados, valoriza o sujeito do campo, com foco na
historia, cultura, organização coletiva, luta social e trabalho, sem perder de vista o acesso
aos conhecimentos escolares. Trata-se, portanto, de um tipo de educação pensado
organicamente pelas próprias famílias com foco especifico no campo, na luta e na
transformação social.
Nesse sentido, faz-se necessário investigar em que consistem essas diferenças
nas concepções de educação presentes na Escola Itinerante e nas escolas tradicionais e
qual o papel que as Escolas Itinerantes exercem dentro do MST, ressaltando, assim, a
importância que as escolas itinerantes têm dentro dos acampamentos e o papel que
cumprem na organização e construção do movimento dos sem-terra. Além disso, objetiva-
se compreender sua concepção educacional e pedagógica, seus princípios e sua
organização escolar.
Com efeito, talvez as escolas itinerantes sejam o melhor exemplo de como os
movimentos sociais podem se organizar autonomamente para criar um tipo de educação
que satisfaça suas próprias necessidades, voltadas para pensar e agir dentro de sua
própria visão de mundo.
Além disso, muitos teóricos da área da educação têm chamado a atenção para a
necessidade de se repensar a concepção pedagógica vigente na escola tradicional.
Nesse sentido, a Escola Itinerante pode ter muito a oferecer. É importante que
aprendamos com ela.
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Figura 1- Escola Itinerante
Fonte: Capitani (2013). Foto de Paulo Porto.
Escola Itinerante & “Escola Urbana” (?)
Percebe-se que a escola pública tradicional da cidade foi se construindo através
de contradição, sendo produto da luta de classes, voltada aos interesses do Capital, por
meio da regulamentação e controle do Estado, pautando-se numa educação voltada para
a especialização da força de trabalho. Já a Escola Itinerante, surge com a demanda de
buscar direitos para a educação, com formação de educadores para as áreas de
acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária, construção do setor de educação e
do projeto de educação do MST, ou seja, “[...] a história da relação dos Sem Terra com a
escola é parte da mesma luta” (CALDART, 2002, p. 146).
Com o surgimento da Escola Itinerante podemos notar algumas diferenças: a
realidade das crianças do Campo era diferente da cidade e isso deveria ser considerado
na forma de se trabalhar com elas para que a luta pudesse fazer parte da escola. Os
acampados passaram a entender a importância de uma escola dentro do movimento,
como sendo sua, e próxima do seu cotidiano.
O setor de educação do MST foi criado por volta de 1988, em vários Estados do
Brasil, com demandas especificas. A conquista da escola “no” e “do” acampamento foi
uma bandeira de luta, enquanto política publica estadual. Com relação à proposta
pedagógica da escola, este setor destacou que
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Há necessidade de uma proposta pedagógica que corresponde às aspirações, necessárias e à realidade da educação nos acampamentos; a circunstância exige uma proposta pedagógica especifica diferenciada, aberta e com currículo próprio que atenda aos princípios de cidadania e aos anseios da comunidade acampada (MST, 1998, p. 39).
Ao analisarmos a escola tradicional urbana e a Itinerante, podemos observar a
inovação da pedagogia do MST, uma vez que, na proposta pedagógica da escola
itinerante o conhecimento é construído através da interação do aluno com o seu meio.
Nas palavras do setor de Educação do MST:
[...] através de experiências concretas, numa relação ação-reflecção sobre a realidade, visando a transformação da mesma; propõe-se uma educação em que o indivíduos se construam como sujeitos de sua própria historia, vivenciando seu papel social no momento presente; a proposta metodológica é embasada no processo dialético de conflitos; cabe ao educador colocar os educandos frente a aspectos da realidade, que estão buscando conhecer (MST, 1998, p. 41-42).
A pedagogia é construída no cotidiano da escola, vivenciando a metodologia
participativa, ajustando-se a realidade. O nome Itinerante surge da ideia da escola
acompanhar as pessoas nos acampamentos, seja em qualquer lugar. Os educadores
normalmente são acampados e formados nos cursos de nível médio e superior criados
pelo movimento. A importância de se ter educadores acampados garantem o
funcionamento, pois a prática social e profissional é pedagogicamente orientada pelo
movimento sem-terra.
Será que de fato a alguma escola itinerante contrapõe ou arranha o modelo
capitalista? Acerca da possível quebra ou contraposição da Escola Itinerante, enquanto
projeto e prática, com relação ao modelo social capitalista, o educador Marcos Gerhkt,
também assessor na formação de educadores itinerantes, afirmar que:
No sentido inteiro desse arranhar, acho que nenhuma. Porque é sempre uma dificuldade, a gente vive nesse sistema. E o modelo de escola que temos é esse, capitalista. Mas em cada uma das escolas tem aspectos que arranham este modelo. Em todas tem sinais de uma escola diferente. Nos não conseguimos fazer por inteiro uma escola socialista dentro do sistema, mas em cada uma delas tem um sinal de uma escola nova, socialista. Uma é mais na avaliação, outra consegue trabalhar o tema gerador, outra consegue fazer bem a relação escola-comunidade e a auto-organização dos educandos. Assim como tem aquela que consegue trabalhar bem a atualidade – a relação com a prática social, enfim. A gente diz que a Escola itinerante é pra ser a semente da escola do campo, e acho que já é. (MST, 2007).
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Através das palavras de Marcos, podemos perceber que a Escola Itinerante é
uma conquista através de um processo de luta constante, no contexto social capitalista,
desfavorável à classe trabalhadora. Nesse sentido, um dos métodos, o qual foi implantado
no inicio da primeira escola e que está presente até hoje, são as formas de avaliações.
A meta principal, conforme Parecer do Conselho Estadual de Educação é o
acompanhamento do desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem de cada
criança. São realizados vários processos de análises, onde cada educando tem o diário
individual, que é acompanhado diariamente pelo educador, com participação direta dos
pais na elaboração dos pareceres, auto-avaliação, etc.
Nesse sentido, sabemos que a avaliação na escola capitalista é o eixo central, o
que se traduz por produtividade. Legitimando o controle do capital, onde a avaliação não
é independente da escola, ela é produto de uma educação oferecida pelo Estado que
separa da vida, da prática social.
A Escola Itinerante existe por haver uma contradição na sociedade, problema social de concentração dos meios de produção e do saber. O que garante a Escola Itinerante não são as políticas públicas. A EI é vulnerável à correlação de forças, depende da força popular. No momento em que pararmos de lutar de forma organizada, corremos o risco de a escola sofrer as consequências. Porém, precisamos ver legalmente como garantir que o poder público responda às necessidades da Escola Itinerante (MST, 2007 site oficial).
Considerações Finais
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção.” (Paulo Freire, 2011, p. 47).
A Escola Itinerante tem seus métodos e objetivos bem definidos e uma pedagogia
que prepara criticamente os educandos para a luta e a organização dentro dos
acampamentos.
Para compreendermos melhor a pedagogia inovadora que a escola itinerante se
utiliza é preciso compreender historicamente a luta dos trabalhadores rurais sem terra,
pois se trata de uma educação pautada em seu trabalho. A escola publica foi apropriada
pelo MST com o objetivo de juntar seu projeto político com a educação. Assim o
movimento conseguiu elaborar uma proposta de educação voltada para sua realidade.
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A proposta pedagógica tem o principal fundamento na REALIDADE, assim
podemos observar na citação a seguir:
realidade é o meio em que vivemos. É tudo aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e sentimos na nossa vida pratica. É o nosso trabalho. É a nossa organização. É a natureza que nos cerca. São as pessoas e que acontece com elas. São os nossos problemas do dia-a-dia, também os problemas da sociedade que se relaciona com a nossa vida pessoal e coletiva (MST, apud PAULA; SAVELI, 2012).
Tendo como ponto de partida e o ponto de chegada a REALIDADE, ou seja, toda
educação deve estar ligada a sua vida pratica, e necessidades concretas da sua
realidade.
Assim o setor de educação do MST tem sua matriz teórica em Paulo Freire, o
educador não deve apenas estar na realidade, mas estar com ela, numa educação
libertadora.
O currículo é construído num processo aberto com a comunidade, professores,
alunos, pais, lideranças do MST. Desta forma se diferenciando dos currículos tradicionais:
1) A sala de aula deixa de ser o centro do processo de ensino e aprendizagem – aprende-se e ensina-se a partir da pratica, onde quer que ela aconteça; 2) Os conteúdos (matemática, português, historia, geografia, ciências, etc...) passam a ser escolhidos em função de necessidades que a prática vai criando. Assim, os conteúdos servem como instrumento para a construção do conhecimento da realidade e não como fins em si mesmos; 3) A organização do currículo passa pelo coletivo do assentamento aí professores que conheçam profundamente a realidade do assentamento, assentados que devem ter conhecimento do que se passa na escola e crianças que precisam ter oportunidade de discutir os conhecimentos que vão produzindo na escola (SAVELI, 2000, p.23).
Outro ponto interessante para se notar é a forma de avaliação que o movimento
trabalha dentro da escola: fichas de observação de cada aluno e da turma, criadas pelo
professor. Assim pode acompanhar o desenvolvimento coletivo e pessoal da turma. Outra
forma é o diário das crianças, livro da vida individual, onde os estudantes registram
diariamente o que acontece na sala e com eles, o que estão sentindo, aprendendo. O
diário além de ser um exercício para a escrita, é fonte para o professor repensar seu
trabalho enquanto docente. Não se descarta a prova escrita, mas ela não se torna o eixo
central da avaliação.
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Entendendo o valor de compartilhar e a importância de se ter uma escola que
acompanhe o movimento como um instrumento para a luta e resistência. Compartilhando
de um mesmo ideal onde a educação ocorre a onde o ser humano esta, para além das
estruturas físicas, acompanhando o ser social.
Assim, a Escola Itinerante está cumprindo um papel importante de escolarização
e formação política ideológica, possibilitando caminhar rumo a Reforma Agrária, dando
mobilidade às ocupações de terra com uma escola itinerante tendo como função
acompanhar este processo. Para o MST, a educação é uma questão central, desde o
começo o movimento conta com o Setor de Educação, que trabalha e proporciona muitos
materiais sobre educação em suas escolas. Entendendo a importância da escola e da
educação para a emancipação humana dos sujeitos sem terra.
A Escola Itinerante tem características bem diferentes das escolas públicas
urbanas, contando com educadores num trabalho voluntário tendo formação nas escolas
do movimento. Ela foi criada num processo de luta, no currículo acrescenta além dos
conhecimentos básicos, determinados pela Rede Publica Estadual, o estímulo à
participação na luta cotidiana que é realizada nos acampamentos e assentamentos da
Reforma Agrária e a participação direta da comunidade.
A Escola Itinerante é geradora de desafios – é uma pedagogia em movimento. Ela desconstrói a idéia da luta como sacrifício, aponta a possibilidade de se educar em luta e em luta se educar. A Escola Itinerante ajuda a dinamizar os acampamentos, refletindo a luta e a realidade como dimensão formadora. No acampamento que tem escola, a desistência das famílias é menor (Éder Moreira Ramos apud CAMINI, 2009, p.38).
Finalizando de maneira sucinta, espero humildemente contribuir para uma
reflexão a respeito da importância de termos em prática na nossa sociedade uma escola
com pedagogias tão inovadoras. E que possamos olhar mais atentamente para essas
experiências trazendo um olhar mais critico e aprofundado a cerca da temática.
Referências
CALDART, Roseli S. (Org.). Por uma educação do campo: traços de uma identidade em construção. Brasília: Articulação Nacional “Por Uma Educação Do Campo”, 2002. (Educação do campo: identidade e políticas públicas- Caderno 4). CAMINI, Isabela. Escola Itinerante: na fronteira de uma nova escola. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2009.
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CAPITANI, Riquieli. Escolas Itinerantes completam 10 anos de luta pela educação no Paraná. 2013. Disponível em: <https://festivaldeartesdara.wordpress.com/2013/09/04/escolas-itinerantes-completam-10-anos-de-luta-pela-educacao-no-parana/>. Acesso em: 10 set. 2015. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra . Educação: uma bandeira histórica do MST. 2004. Disponível em:<http://antigo.mst.org.br/node/ 1050>. Acesso em: 14 fev. 2016.
MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Como fazer a escola que queremos. São Paulo, 1992. (Caderno de Educação, n. 1). MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Diversidade Étnica. 2009. Disponível em:<http://antigo.mst.org.br/node/7711>. Acesso em: 28 jan. 2016. MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. História de Rosa. São Paulo: Peres, 1998. MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. MST lança nota sobre o atual momento político e a Reforma Agrária. 13 set. 2015. Disponível em: <http://www.mst.org.br/2015/09/13/mst-lanca-nota-sobre-o-atual-momento-politico-e-a-reforma-agraria.html>. Acesso em: 14 fev. 2016. MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Relatório de avaliação de três anos da escola itinerante no Estado do Paraná. Curitiba, 2007. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo. Curitiba, 2006. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/diretrizes/diretriz_edcampo.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2016. PAULA, Adalberto Penha de; SAVELI, Esméria de Lourdes. A construção de uma escola necessária para a educação do campo e o projeto educativo do MST. Revista Diálogos, Brasília, v.17, n.1, p. 17-25, jun, 2012. SAVELI, Esméria de Lourdes. A proposta pedagógica do MST para as escolas dos assentamentos. Publicatio UEPG: Ciências Humanas, Ponta Grossa, v. 8, n. 1, p.19-30, 2000. SOUZA E SILVA, Irizelda Martins de. Escola itinerante: uma análise para além da sala de aula. In: ANPED SUL: ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 9., 2012, Caxias do Sul. Disponível em: http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2012/Movimentos_Sociais,_sujeitos_e_processos_educativos/Trabalho/05_15_45_1383-6454-1-PB.pdf. Acesso em: 10 set. 2015.
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Sugestões de leituras CARVALHO, Jose Murilo de. A Cidadania no Brasil: o longo caminho. 10 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. DEMARCO, D. J. O ambiente educacional no meio rural brasileiro: alguns pontos para reflexão. Debate & Reflexões, São Paulo, n. 9, p.103-122, dez., 2002. PINHEIRO, Maria do Socorro Dias. A concepção de educação do campo no cenário das políticas públicas da sociedade brasileira. Disponível em: <http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2007/289.pdf>. Acesso em: 10 out. 2015.