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AS CONSTELAÇÕES SISTÊMICAS FAMILIARES NA JUSTIÇA DO RN: uma
interface entre a Psicologia e o Direito
Taciana Chiquetti
Carlos Henrique Souza da Cruz
Resumo Investigou-se, neste trabalho, o efeito do uso da técnica das Constelações Sistêmicas
Familiares, criadas pelo filósofo alemão Bert Hellinger, nas audiências de conciliação da 6ª
Vara da Família, no Fórum Miguel Seabra Fagundes, em Natal-RN. Também observou-se de
que maneira a intervenção da Constelação contribui para a emergência de conflitos
subjacentes e, por meio da tomada de consciência dos mesmos, se tal fato favorece o
empoderamento das partes envolvidas no litígio, oportunizando uma maior compreensão, a
harmonia nos relacionamentos, o reconhecimento de papeis e a chegada a um consenso. Este
estudo exploratório propôs-se verificar as conseqüências da interface entre a Psicologia e o
Direito e seus desdobramentos no âmbito do Judiciário.
Palavras-chave: constelações familiares, ordens do amor, justiça, litígio, conflitos, consenso,
mediação, conciliação.
Abstract
Investigated whether, in this work, the effect of using the technique of Systemic Constellations
Family, created by the German philosopher Bert Hellinger, during hearings of the 6th Family
Conciliation Court , Miguel Seabra Fagundes' Court House in Natal-RN. Also noted that way
the intervention of Constellation contributes to the emergence of underlying conflict and,
through the awareness of ourselves, if this fact favors the empowerment of parties involved in
litigation, providing opportunities for greater understanding, harmony in relationships ,
recognition of roles and to arrive at a consensus. This exploratory study aimed to verify the
consequences of the interface between the psychology and the law and its consequences
within the judiciary.
Keywords: Family Constellations, Orders of love, justice, dispute, conflict, consensus,
Mediation, Conciliation.
Introdução
Conflitos fazem parte da realidade humana tanto quanto os esforços para solucioná-
los. Na impossibilidade de êxito, é cada vez mais comum se recorrer à instância jurídica na
esperança de que sejam resolvidas tais demandas por justiça. A Psicologia vem ocupando um
lugar de relevância no âmbito jurídico, auxiliando na compreensão de aspectos relacionados à
subjetividade humana, atingindo níveis diferenciados de compreensão quanto à ambivalência
das pessoas em seus aspectos psíquicos.
O presente artigo faz uma reflexão sobre essa interface de saberes através de um
estudo exploratório realizado nos meses de abril a outubro de 2015, descrevendo o impacto da
técnica das Constelações Sistêmicas Familiares nas audiências de conciliação da 6ª Vara da
Família da Comarca de Natal/RN.
Inseridas em uma cultura litigante, que elege um poder maior, paternalista, para dar
conta de questões privadas e íntimas, as pessoas tem buscado cada vez mais a Justiça para
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resolver seus problemas, abrindo mão de sua própria autonomia e poder pessoal para
resolverem suas questões. Atualmente, tramitam na Justiça Brasileira, entre casos antigos e
novos, cerca de 95.139.766 processos, segundo o Relatório “Justiça em Números” de 2014 –
dados de 2013, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E a tendência é de mais
crescimento, considerando a relação inversamente proporcional entre a demanda de novos
processos e a estrutura de recursos humanos das comarcas.
Além deste desequilíbrio, constata-se que soluções impostas (por juízes, no caso) têm
muito menos chances de eficácia e de permanecerem funcionando na prática do que soluções
construídas e aceitas conjuntamente: objetivos das conciliações e mediações. Tais
procedimentos, que podem ser judiciais ou extrajudiciais, vêm ganhando cada vez mais
destaque, considerando também a ênfase do novo Código do Processo Civil (CPC).
Paralelamente a isso, emergem as questões emocionais, as quais também figuram não
mais como “detalhes”, mas como importantes componentes do conflito, decisivas para a
solução.
Tanto a mediação quanto a conciliação apostam na premissa de que o ser humano é
capaz de acessar seus próprios recursos para transformar sua vida, lidando melhor com suas
ambivalências e litígios. Essas práticas judiciais preconizam a viabilidade de pacificação das
relações, com vistas ao restabelecimento do vínculo perdido, a partir do reconhecimento e da
aceitação das histórias vividas e da compreensão dos papéis desempenhados pelos envolvidos
em cada contexto. A partir dessa concordância, torna-se possível uma nova síntese (no sentido
hegeliano), posterior à crise.
Por mais que outras abordagens e técnicas da Psicologia também foquem, em última
instância, na conciliação (equilíbrio), no empoderamento dos sujeitos e no reconhecimento de
papéis, o presente trabalho optou pelas Constelações Sistêmicas Familiares, de Bert Hellinger,
por entender que tal instrumento apresenta elevada sintonia e relação direta com o objetivo
final das conciliações, assim como com o fato de favorecer a emergência de conflitos ocultos
subjacentes.
As intervenções psicológicas utilizaram a técnica das Constelações Sistêmicas
Familiares, tanto individualmente, por meio de bonecos, durante as audiências de conciliação,
quanto em grupo, durante o “encontro preparatório” para as audiências do mês.
Posteriormente, os dados resultantes das atividades foram compilados, analisados e
interpretados à luz da teoria de Hellinger, com o objetivo de verificar a hipótese de que a
técnica da Constelação Familiar interfere positivamente nas conciliações dos casos
observados na 6ª Vara de Família, minimizando e/ou solucionando conflitos e ampliando a
compreensão sobre o problema. O trabalho também convida a uma reflexão sobre a presença
de psicólogos diretamente na sala de audiência, colaborando para um enfoque transdisciplinar.
Inicialmente, o presente artigo discorre sobre os aspectos psicológicos dos conflitos,
embasando-se em algumas teorias, como a Psicanálise e a Psicoterapia Corporal em
Biossíntese, além de situar a família como sede dos primeiros conflitos do ser humano e o
Poder Judiciário como entidade social escolhida para a “terceirização” da solução desses
conflitos. Em seguida, apresentam-se os principais fundamentos das Constelações Familiares,
com um breve histórico de seu criador, Bert Hellinger. Posteriormente, é apresentado o relato
da prática e a análise dos dados obtidos, sendo ilustrados com alguns dos casos.
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1 Relações humanas: palco dos conflitos
A teoria psicanalítica, criada por Freud em meados do século XIX, é uma teoria
caucada sob o conflito psíquico. Todos oscilam psicologicamente entre a satisfação de
determinados desejos e a repressão deles. Há no psiquismo uma espécie de balança
energética que visa ao equilíbrio entre forças de ordem concientes e inconscientes. A
homeostase perseguida pelo corpo físico também é objetivo da psique.
Sobre essa harmonia, explica Garcia-Roza:
[...] Um determinado processo mental pertencente ao Ics (inconsciente) procura
acesso à consciência em busca de satisfação. No entanto, a censura opera na
passagem do Ics para o Pcs (pré-consciente)/ Cs (consciente) opõe-se violentamente
a esse propósito, pois a satisfação do desejo inconsciente, que em si mesma provocaria prazer, provocaria também desprazer relativamente às exigências do
Pcs/Cs. Por essa razão, o desejo tem de permanecer inconsciente, podendo retornar
sob a forma de sintoma. (GARCIA-ROZA, 2002, p. 90)
Desde o nascimento, o ser humano se vê diante de situações conflituosas: o percurso
do útero, sede da proteção máxima, até a vida fora dele e a “descoberta” primária de que ele
e sua mãe não são um mesmo corpo, muito menos um mesmo indivíduo expressa interesses
diversos e conflitantes. Seguem-se também intermináveis embates entre rejeições e
inclusões, princípio do prazer versus princípio da realidade (ainda que não necessariamente
como opositores diretos), pulsão de morte versus pulsão de vida e tantas outras batalhas
internas rumo à regulação psíquica. Assim, o ser humano vai realizando movimentos ora de
olhar para algo, ora de voltar as costas para aquilo.
Toda a teoria sobre o desenvolvimento psicossexual do ser humano fundamenta-
se no conflito, em uma dinâmica de expansão e retração, de desejo e repressão/ recalque,
graças às resistências como reguladoras da integridade egóica. Ao longo da vida,
mecanismos de defesa atuam a fim de que o ego possa dar conta de tantos desafios. Os
conflitos, portanto, são constitutivos da vida humana.
A alteridade é a peça-chave para o estabelecimento de conflitos e para a superação
dos mesmos. “A família, por ser um grupo privilegiado, sedia os primeiros conflitos de
interesse, perpetuando-se vida afora”, conforme explica Cruz (2000, p. 73), definindo que as
relações familiares constituem o primeiro grupo que qualquer ser humano integra, desde a
sua concepção. Portanto, habitat essencial dos conflitos.
Viver em grupo é condição fundamental para que alguém se torne sujeito. A
alteridade é fundamental ao deter o poder na constituição psíquica do outro. Nesse sentido, a
família possui um papel essencial, pois além de abrigar o novo ser, torna-o humano e ressoa
em sua subjetividade, transmitindo linguagem, cultura, ideologias.
Ainda segundo Cruz (2000), as relações com o primeiro grupo repercutem no
comportamento da pessoa nos outros grupos aos quais passará a pertencer e são referências
carregadas por toda a vida. Tal “legado psicológico” (p. 73) é capaz de permitir que
experiências passadas adquiram novo sentido no presente e novas histórias passem a ser
escritas pelo sujeito no futuro, em novos e diferentes contextos grupais.
Desse modo, é natural que socialmente se criasse uma instituição especializada
capaz de tratar de questões que envolva situações conflituosas aparentemente insolúveis no
âmbito intrafamiliar. As Varas de Família do Poder Judiciário se ocupam disso - quer sejam
conflitos relativos à guarda de filhos, pensão alimentícia, testes para confirmar ou não a
paternidade, litígios sobre divisão de bens, entre outros.
Considerando que a ausência de consenso vai muito além da discordância judicial,
começando na subjetividade humana e na relação com o outro, um aspecto que vem sendo
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valorizado no meio jurídico é a humanização da Justiça, por meio da capacitação de
servidores para realizarem a conciliação e a mediação, bem como de se promover a
interdisciplinariedade. O uso das Constelações Sistêmicas Familiares, apresentadas a seguir,
é uma possibilidade de intervenção no Judiciário a fim de contribuir na compreensão dos
aspectos subjacentes aos litígios oriundos de conflitos.
2 Constelações Sistêmicas Familiares: uma possibilidade sistêmica na
resolução de conflitos
A abordagem e o respectivo desenvolvimento das Constelações Sistêmicas
Familiares, pelo filósofo, teólogo e pedagogo Bert Hellinger, têm como período inicial os
anos 80 (DREXLER; WEBER, 2002). A técnica auxilia a harmonizar relacionamentos e a
reconhecer papéis, ampliando a visão sobre o problema e favorecendo a capacidade de os
envolvidos se colocarem no lugar uns dos outros.
Hoje em dia, Hellinger é reconhecido no mundo inteiro, em vários setores, como
na psicoterapia, nas organizações e na educação. É considerado um dos terapeutas mais
relevantes da psicoterapia atual. Viaja pelo globo, disseminando sua teoria em eventos
promovidos por seu instituto, o Hellinger Sciencia.
2.1 Um fenômeno, “algo maior”
As Constelações Sistêmicas Familiares consistem em um trabalho grupal de
projeção da imagem interna de um conflito (familiar, organizacional, pessoal) do constelado,
utilizando pessoas como representantes. O criador da técnica se baseia no pensamento
sistêmico, iniciado com Gregory Bateson, além de outras influências recebidas durante suas
diversas formações. Ele considera haver um “movimento da alma” e uma consciência grupal
comum, uma “consciência inconsciente” ligando membros, atuando sobre eles e visando ao
equilíbrio do grupo (ou sistema), por meio de compensações energéticas.
O constelado escolhe uma questão que deseja trabalhar, sem entrar em detalhes –
fato desnecessário, segundo Hellinger – e, em seguida, escolhe pessoas de um grupo para
representar os “personagens” de sua demanda, colocando-os em um espaço, segundo sua
orientação interior intuitiva. Forma-se um campo, em que constelador, constelado e
representantes estão inseridos, no qual sentirão a experiência de forma distinta, porém em
sintonia, obedecendo às influências energéticas, as quais conectam todos os envolvidos –
presentes e ausentes, vivos ou mortos –, de acordo com o conceito de campos mórficos, o
qual elucidaremos mais a frente.
Em seguida, o facilitador (constelador) solicita aos representantes que se
movimentem de acordo com o que estão sentindo, segundo os “movimentos da alma”. A
partir de então, manifestam-se sensações, sentimentos, palavras e gestos que representam o
sistema do constelado, revelando aspectos importantes que estavam ocultos. Cabe ao
constelador mediar todos esses conteúdos manifestados, organizando de acordo com
posições testadas por Hellinger que levam à organização e ao bem-estar, obedecendo às
possibilidades do sistema naquele determinado momento. Cabe também a ele conduzir frases
de ligação “curativas” e soluções para os emaranhamentos apresentados, trazidos da
condição anterior de estarem ocultos.
O ponto fundamental da técnica é o aspecto fenomenológico. Explica Hellinger:
No caminho fenomenológico, expomo-nos, dentro de um determinado horizonte, à
diversidade dos fenômenos, sem escolha e sem avaliação. Esse caminho do
conhecimento exige, portanto, um esvaziar-se, tanto em relação às ideias
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preexistentes quanto aos movimentos internos, sejam eles da esfera do sentimento,
da vontade e do julgamento. Nesse processo, a atenção é simultaneamente dirigida
e não-dirigida, concentrada e vazia. A postura fenomenológica requer uma
disposição atenta para agir, sem, contudo, passar ao ato. Ela nos torna capazes e
prontos para a percepção [...]. A ausência de intenção e de medo permite a sintonia
com a realidade como ela é, inclusive com seu lado atemorizante, avassalador e
terrível. Dessa maneira, o terapeuta fica em sintonia com a felicidade e a
infelicidade, a inocência e a culpa, a saúde e a doença, a vida e a morte. Justamente
por meio desta sintonia ele adquire a compreensão e a força necessária para encarar
o mal e, às vezes, em sintonia com essa realidade, para revertê-lo. (HELLINGER,
2007b, p. 15).
Neste sentido, as Constelações também podem ser feitas com bonecos, que
substituem os representantes humanos, com a mesma possibilidade de projeção e troca
energética, a partir da ressonância mórfica.
2.2 As Ordens do Amor
Para designar essa consciência que enreda as pessoas inconscientemente na
repetição do destino de outros membros do grupo familiar, Hellinger conceituou as Ordens
do Amor – pilares de sua técnica. Há, segundo ele, três princípios básicos que norteiam a
consciência do clã: a necessidade de pertencimento, a necessidade da precedência ou
hierarquia e a necessidade de equilíbrio entre o dar e o tomar (receber sem reservas) nos
relacionamentos.
Em sua linguagem poética, Hellinger (2007b) esclarece que o Amor é como a
água e as Ordens são como o jarro, cooperando entre si harmonicamente. Portanto, “a Ordem
precede ao Amor” (2007b, p. 36).
Ele enfatiza que as Ordens não são opiniões possíveis de se ter ou mudar à
vontade, mas são como são e trabalham apesar de qualquer incompreensão. Não são criadas,
mas sim descobertas.
O princípio do pertencimento define que todos os membros do sistema têm o
direito de pertencer ao grupo e que, desta maneira, ninguém pode ser excluído por quaisquer
que sejam os motivos. Inclusive os que violaram leis da vida, (como os assassinos), os
mortos, os abortados, os natimortos devem ser incluídos, devem fazer parte. Um membro
excluído ou esquecido será compensado por outro membro da família. Frequentemente, em
uma geração posterior, ele representará ou imitará inconscientemente aquele que foi excluído
ou esquecido.
Os mortos são constantemente abordados nas Constelações, em uma espécie de
referência moderna aos antigos rituais xamânicos. Hellinger acredita que
ninguém pode deixar o campo. A imagem do campo está estreitamente associada à
consciência arcaica. O excluído permanece no campo, continua em ressonância
com todos os que pertencem a ele e se manifesta no campo. (HELLINGER, 2007c,
p. 60).
A hierarquia pela origem é uma das ordens mais básicas: tem prioridade quem
vem primeiro, seguido pelos que vieram depois, ordenadamente. Desta forma, no contexto
familiar, os pais vêm antes dos filhos e os irmãos devem seguir a ordem do nascimento,
incluindo os abortados e mortos. Para Hellinger, isso significa que a sobrevivência dos pais
tem precedência sobre a dos filhos, uma vez que a sobrevivência dos pais assegura uma nova
geração mais rapidamente do que a sobrevivência dos filhos. Segundo Schneider (2004), a
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hierarquia pela origem é completada pela “hierarquia pelo progresso”: entre dois sistemas
diferentes, o novo sistema tem precedência sobre o anterior. Logo, quando os filhos se casam
e formam nova família, esta tem precedência sobre a de origem. Assim também é em relação
aos relacionamentos: o atual tem precedência sobre o relacionamento anterior.
O “dar e receber” (“tomar”, como prefere Hellinger) é uma dinâmica elementar
nas relações; pressupõem troca. Ele acredita que se deve buscar um equilíbrio entre esses
movimentos, considerando a possibilidade de doação de acordo com os papéis. Por exemplo:
no caso da relação pais e filhos, sempre desigual, os pais sempre dão e os filhos sempre
recebem. Uma inversão nessa ordem acarreta emaranhamentos. Filhos são, portanto, eternos
devedores dos pais e somente podem lhes honrar ao doarem uma nova vida (dando
continuidade à família) ou uma nova ideia, um projeto, uma realização para a Humanidade
(em um sistema maior).
Já nos relacionamentos conjugais, tal equilíbrio deve ser perseguido visando às
compensações. Se por acaso, um cônjuge der mais, o outro tem que devolver um pouco mais
para compensar. Em uma situação de lesar o outro, por exemplo, o mal deve ser devolvido,
porém, com um pouco menos de intensidade, de forma a manter a dignidade de ambos e um
adequado balanço. Hellinger também enfatiza que vantagens à custa de outrem serão
compensadas, muitas vezes, somente em uma geração posterior.
Sintetiza Schneider (2004, p.7): “as ‘ordens do amor’ representam talvez uma
transposição do pensamento e da ação ecológica para o domínio das relações”.
Explica Schneider:
As Constelações Familiares se referem, de uma nova maneira, àquilo que
chamamos de ‘alma’. Podemos denominar assim a força invisível que animando (ou
pelo menos no mundo animado) congrega partes num todo, de tal maneira que o
todo é mais do que a soma das partes e de suas funções dentro dele. A alma não se
identifica com nossa consciência, pois inclui o inconsciente. E não se identifica com
os processos fisiológicos e físicos em nosso corpo e em nosso cérebro, embora
esteja inseparavelmente unida a eles. Não se identifica tampouco com nossos
sentimentos, embora o sentir seja o modo de expressão por onde se experimenta a
alma. Ela é antes como o espaço ou o campo que une, ultrapassando espaço e tempo, tudo que constitui uma pessoa, criando uma identidade. (SCHNEIDER,
2004, p.1).
As Constelações, que trabalham a alma das relações, partem do princípio do
reconhecimento, da aceitação plena (mais do que isso, da concordância) e da não
expectativa, tanto em relação ao que acontece durante sua prática, como em relação aos
resultados.
Julgamentos morais, de acordo com o método de Bert Hellinger são totalmente
dispensáveis, desagregadores e desestruturantes. Em um seminário da Hellinger Sciencia, na
Polônia, transcrito do vídeo disponível no Youtube, postado por Eva Jacinto, em 7 de junho
de 2014, Bert diz que o crescimento é o processo de integrar aquilo que havia sido rejeitado,
e completa:
O que se opõe a este tipo de crescimento? O julgamento moral. O julgamento moral
significa ‘eu rejeito alguma coisa’. Se eu não rejeitar nada nunca mais, deixo, desta
forma, de ser um ser moral, mas estou mais conectado com as pessoas e com as coisas. Eu observei que, na realidade, aquilo que rejeitamos são pessoas. O que é
rejeitado na alma são pessoas de nossa família. Esses sentimentos estão conectados
com certas pessoas e, portanto, nós crescemos se recebermos estas pessoas de volta
a nossa alma e ao nosso coração. Isso que fazemos nas constelações é uma forma de
crescimento (2014).
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Neste sentido, ele se dedicou também a observar o conflito “culpa versus
inocência” e percebeu que as pessoas que se colocam nesses extremos permanecem
paralisadas em relação ao crescimento saudável. O 100% inocente e o 100% culpado acabam
por ficarem em um mesmo patamar, subtraindo de si mesmos a possibilidade de mudança e a
própria dignidade.
A consciência, definida por Hellinger (2007b), como “um órgão de equilíbrio
sistêmico”, que varia de acordo com o grupo e pode ser “sentida” ou “oculta”, ajuda a
perceber imediatamente se a pessoa se encontra ou não em sintonia com o sistema. O
conflito entre essas consciências acaba por contribuir para “empurrar” os membros para o
lugar de culpados ou inocentes, em nome da “lei do pertencimento”, desorganizando o
sistema por meio de emaranhamentos.
Portanto, neste contexto, a boa consciência significa apenas: ‘posso estar seguro de
que pertenço ao meu grupo’. E a má consciência significa: ‘receio não fazer mais
parte do grupo’. Assim, consciência pouco tem a ver com leis e verdades universais,
mas é relativa e varia de um grupo para outro [...]. Contudo, a principal diferença
que se evidenciou nesse contexto é a que existe entre a consciência sentida e a
consciência oculta [...]. Embora a primeira nos declare inocentes, a segunda pune
esse ato como culpa. A oposição entre essas consciências é a base de toda tragédia –
o que, no fundo, nada mais significa do que uma tragédia familiar. Ela provoca os
enredamentos sistêmicos responsáveis por doenças graves, acidentes e suicídios.
Essa oposição é igualmente responsável por muitas tragédias de relacionamento, quando uma relação entre um homem e uma mulher se desfaz, apesar de um grande
amor recíproco. (HELLINGER, 2007b, p. 16-17).
Em linhas gerais, as Constelações Familiares ensinam a necessidade imperiosa do
reconhecimento, da aceitação e de se assumir as consequências dos atos. Sobre a
possibilidade de integrar o velho ao novo, escrevendo novas histórias com desfechos
diferentes das anteriores, Hellinger (2007c, p. 67) é categórico: “Somente existe futuro
quando o passado pode ser esquecido”. Ao que corrobora, em outras palavras, Boadella, "se
eu não cuido da minha história, estou condenado a repeti-la”1.
3 O uso das Constelações em Audiências de Conciliação
A aplicação da técnica de Hellinger na Justiça brasileira teve início em 2011 pelo
juiz Sami Storch, no interior do Estado da Bahia, na Comarca do município de Amargosa. O
magistrado, que foi pioneiro no mundo a introduzir as Constelações no Judiciário, conseguiu
índices de acordo muito eficazes nos processos judiciais em que as partes participaram do
método terapêutico. Depois de conseguir tais feitos e receber o Prêmio “Conciliar é Legal”,
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo projeto “Constelações na Justiça”, o
magistrado agora viaja pelo Brasil disseminando o que ele chama de “Direito Sistêmico”,
baseado nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das
Constelações.
3.1 Prática na 6ª Vara da Família
A prática desenvolvida na 6ª Vara da Família, da Comarca de Natal, ocorreu
especificamente nas audiências de conciliação, realizadas às segundas-feiras, das 8h30 às 12h.
O início da aplicação foi no dia 27 de abril de 2015 e o término em 05 de outubro do mesmo
1 Frase citada por David Boadella, durante um treinamento do Instituto Internacional de Biossíntese,
em Haiden, na Suíça, em setembro de 2014.
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ano. Ao todo, foram 59 audiências, conduzidas pela equipe que incluiu a conciliadora e os
psicólogos. No Rio Grande do Norte foi adotado um formato diferente da prática na Bahia,
pois se incluiu profissionais de Psicologia diretamente nas audiências, em interação com os
profissionais do Judiciário. As Constelações foram aplicadas quando se identificava, no
campo criado, conflitos subjacentes, os quais apontavam para a viabilidade da intervenção,
assim como quando as partes concordavam em submeterem-se à técnica.
Nas audiências foi utilizada a técnica com bonecos: as partes dispunham os bonecos
como se fossem as pessoas a serem representadas, posicionando-os uns em relação aos outros,
segundo sua imagem interna. Em seguida, o facilitador dava seguimento à constelação. Após
a constelação, seguia-se com os procedimentos processuais específicos da audiência de
conciliação.
Embora seja possível trabalhar diversos conteúdos em uma Constelação, no caso da
intervenção na Justiça, observou-se a necessidade de uma atuação focal, limitando o campo ao
ponto “essencial” do conflito, àquele que motivara o pleito judicial. Aliás, “essencial” é uma
palavra-chave para Hellinger, situando-a como referencial básico na condução de sua técnica;
cerne orientador para se intervir no campo sistêmico de alguém. Ponto de largada e, ao
mesmo tempo, ponto de chegada a partir do qual um constelador direciona seu trabalho, com
base na proposta de esvaziamento interior, não julgamento e ausência de intencionalidade.
Somente, assim, é possível constelar.
Explica Hellinger:
É preciso confiar em um movimento interior. Um movimento humilde. Assim, a
força divina ganha espaço para dizer o que é essencial. No final, tudo depende do
amor. Não o amor que imaginamos. Somos levados pessoalmente por esta força,
para outra dimensão. Se vocês se direcionarem neste sentido, ganharam outra grandeza. Uma grandeza humilde. E os clientes se sentem, ao final, abençoados. O
essencial sempre vem à tona. Não importa onde começamos. A raiz do problema
vem à tona. A vida tem muitas camadas. Da mente, não temos acesso a outra
dimensão, onde tudo fica armazenado. O que é importante é a falta de intenção. Nós
não fazemos constelações. Apenas as deixamos acontecer. Não fazemos nada,
apenas deixamos acontecer2
Questionamentos sempre vinham à tona e foram tratados como relevantes aspectos
deste estudo exploratório, redirecionando, inclusive, as próprias intervenções, ao longo de
todo o processo. Questões que permearam a prática na 6ª Vara foram: as Constelações estão
sendo feitas a serviço de quem? Da Justiça? Das partes? Do próprio projeto?
Com base no pensamento de Hellinger de que sua técnica é para ser usada “a serviço
de algo maior”, tendo o “essencial” como “norte”, o compromisso ficou direcionado ao
próprio fenômeno e resolveu-se então não condicionar a constelação necessariamente a um
acordo (ainda que em muitos casos, tal objetivo foi conquistado), mas sim a uma ajuda
emocional e energética ofertada às partes. O trabalho passou a ter como foco principal
propiciar uma maior compreensão dos envolvidos sobre seus próprios problemas.
Segundo Hellinger:
Quanto mais nos desviamos do essencial tanto mais irrequietos, desatentos e
confusos nos tornamos. Por isso, podemos ler nas linhas de nossa vivência até que
ponto estamos conectados a ele ou até que ponto nos afastamos dele (...) Como se
chega ao essencial? Sobretudo através do esperar, pois o essencial não se mostra
imediatamente, apenas no momento certo. Às vezes, quando já nos desviamos do
2 Trecho dito por Bert Hellinger, durante Seminário Bert e Sophie Hellinger ao vivo, promovido pelo Instituto Hellinger Sciencia, em São Paulo-SP, no dia 07 de agosto de 2015
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essencial, pode demorar muito até que o alcancemos novamente, pois ele também
requer despedidas. (HELLINGER, 2006, p.87)
O exercício da espera fez parte do cotidiano do projeto, não somente nas próprias
intervenções, aguardando que o campo revelasse o que podia vir à luz, mas também no
entendimento de que, em muitos casos, até mesmo se houvesse uma conciliação, tal feito não
seria saudável para as partes. Desta forma, o momento peculiar inerente à pessoa humana e os
movimentos da alma poderiam vir a ser indevidamente antecipados. Curioso observar que, em
determinadas situações, a audiência de instrução pôde se desvelar como o melhor caminho
para o litígio, contrariando expectativas.
Por diversas vezes, constatou-se que as partes não estavam suficientemente prontas
para reconhecerem o movimento de ajuda proposto por meio das Constelações Familiares.
Desse modo, só restaria à conciliadora, à magistrada, aos consteladores e aos advogados uma
postura de humildade em aceitar a situação como ela estava posta naquele instante, em
lealdade aos preceitos de Hellinger e coerentemente com a abordagem das Constelações.
O objetivo primeiro era que os envolvidos entrassem em contato com algo mais
profundo relacionado ao litígio, aquilo mais subterrâneo, inconsciente, sistêmico, detonador
dos emaranhamentos familiares. Assim, desvinculava-se a Constelação realizada a um
resultado de acordo imediato. Até porque a alma leva um tempo maior para operar.
Finalizada a audiência, as partes e seus advogados, espontaneamente, já manifestavam
suas opiniões e impressões sobre a intervenção, as quais eram anotadas para posterior análise.
Mesmo assim, na segunda fase do presente trabalho, em meados de julho, optou-se por
convidá-los a responder um questionário, no intuito de avaliar o projeto e os efeitos da
realização da Constelação. Os resultados obtidos serão apresentados detalhadamente mais à
frente.
3.2 Casos e Histórias
“A agressão sempre é uma forma de autodefesa”.3 Esta frase, dita por Sophie
Hellinger, traduz o cotidiano na 6ª Vara da Família. Quase sempre as partes chegavam
abatidas à sala de audiência, demonstrando raiva, medo, pesar, rancor, despeito, ódio, tristeza,
arrependimento e uma gama de emoções e sentimentos, que, unidos, tornaram-se combustível
para o litígio.
Sem saber como conduzir suas próprias questões íntimas na dinâmica familiar, essas
pessoas se viam obrigadas a recorrer ao Judiciário, em busca de um equilíbrio que jamais
conseguiram em suas relações até então. Também era frequente que os advogados
adentrassem a sala em postura litigante, com um “ganha x perde” internalizado, ansiando por
vencer a causa e derrotar os argumentos do colega em oposição, mesmo se tratando de um
momento conciliatório prévio à intervenção da magistrada.
À medida que aconteciam as Constelações e as intervenções da conciliadora, a
animosidade se desnudava na “autodefesa”. Lágrimas estiveram constantemente presentes,
transbordando a necessidade de proteger egos feridos e dar vazão a conteúdos inconscientes.
Em um dos casos, um pai reclamava ser vítima de alienação parental. Tratava-se da 9ª
vez que o homem, um militar que dispunha de acesso gratuito a advogados, procurava a
Justiça para restabelecer a convivência e o direito de visitar seus dois filhos pré-adolescentes.
A mãe alegava que os filhos não desejavam comparecer às visitas e que, quando as mesmas,
ocorriam, eles reclamavam que o pai não promovia atividades e o fim de semana com o
genitor se resumia a assistir à televisão na casa dele. Muitas vezes sem sequer ele estar
3 Frase dita por Sophie Hellinger, durante Seminário Bert e Sophie Hellinger ao vivo, promovido pelo Instituto Hellinger Sciencia, em São Paulo-SP, no dia 08 de agosto de 2015
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presente no mesmo ambiente físico. As crianças foram, paulatinamente, perdendo o interesse
em manter contato com o pai. Segundo a genitora, havia também dificuldade de comunicação
entre eles. O pai não conseguia, por exemplo, perguntar sobre a rotina dos filhos.
Com a Constelação colocada, desnudaram-se situações ocultas, até mesmo não
apontadas pelo laudo psicossocial. O pai, de acordo com a Constelação, não estava
conseguindo ser pai, situação identificada quando sua linhagem masculina foi representada.
De forma ratificadora, a mãe não dava “permissão” para que ele exercesse sua paternidade e
ocupasse seu lugar no sistema. Questões como o desligamento entre o casal e a tomada para si
das responsabilidades foram trabalhadas. O fato de o militar não sentir a força de seus
antepassados foi confirmada por ele próprio, ao dizer que não visitava seus pais há mais de 20
anos. Dizia estar muito ocupado com suas atividades profissionais.
Muito embora, procurasse a disputa judicial para afirmar que não desistia de seus filhos,
na prática, não conseguia conviver com eles, deixando-os quase sempre em segundo plano no
roll de prioridades. Para isso, usava a mesma justificativa adotada anteriormente, a de não ter
tempo devido a sua rotina no trabalho. Revelou-se, com a intervenção, que, durante o
casamento, o pai também não se fazia presente na convivência com os filhos.
A Constelação, portanto, ajudou que a situação fosse vista por um prisma diferente.
Aquilo que chegou como sendo uma alienação parental, provocada pela mãe e que vitimava o
genitor, revelou-se como a dificuldade do pai em se aproximar de seus filhos. De alguma
forma, os comportamentos do pai e da mãe se complementavam, buscando na Justiça essa
forma de ressignificação.
Finda a Constelação, foi notória a mudança no campo e nos discursos de todos os que
estavam presentes na audiência: partes, advogados, magistrada, conciliadora e promotora do
Ministério Público, todos engajados em solucionar a situação. Apesar de nos termos da
Justiça não ter havido acordo, sistemicamente esse pai foi responsabilizado e passou a ocupar
seu lugar, ao passo que a mãe autorizou energeticamente tal fato.
A repetição de destinos, apontada por Hellinger como forma de compensação sistêmica,
foi um aspecto recorrente na prática do presente trabalho. Em outro caso, em que um pai
recusava-se a registrar seu filho e também a pagar-lhe os alimentos, foi constatado que ele
próprio não possuía o nome de seu pai em seu documento de identidade. Fato pontuado para a
parte, que passou a compreender com mais clareza os motivos ocultos de seu desinteresse pela
criança.
Além da repetição de destinos, a necessidade de reconhecimento também foi elemento
identificado na maioria das constelações realizadas. Muitas vezes, as partes autoras estavam
dispostas a abrirem mão dos pleitos financeiros caso fosse promovido um reconhecimento
afetivo e emocional. Eram comuns frases como: “queria que ele se preocupasse com o filho
dele, não é só o dinheiro”. O fato de as mães dificultarem a relação entre pai e filho era
recorrente. Nesses casos, elas queriam condicionar as visitas ao pagamento dos alimentos.
Os casos e histórias na 6ª Vara da Família demonstraram o que resume Sophie
Hellinger com o pensamento: “Sofrer é mais fácil que agir. Muitos levam o peso como se
fosse uma condecoração. Tudo aquilo que quero me livrar, me persegue. Somente quem está
pronto internamente pode receber ajuda. Quando o segredo é olhado, a alma responde”4. Tais
enredos da “vida real” corroboraram também com o que Bert Hellinger relata, quando
classifica a “solução” (organização do sistema através da dissolução dos emaranhamentos)
como “’perigosa’ porque traz solidão”, aludindo ao receio do abandono “por tudo e por
todos”:
4 Frase dita por Sophie Hellinger, durante Seminário Bert e Sophie Hellinger ao vivo, promovido pelo
Instituto Hellinger Sciencia, em São Paulo-SP, no dia 08 de agosto de 2015
18
No problema e na infelicidade, temos companhia. O problema e a infelicidade se
associam a sentimentos de inocência e fidelidade. A solução e a felicidade, ao
contrário, estão associados a sentimentos de traição e culpa. Por isso, a felicidade e a
solução só são possíveis, quando enfrentamos esses sentimentos de culpa. Não que a
culpa seja racional, mas é experimentada como se fosse. Por esta razão, também é
difícil passar do problema para a solução (HELLINGER, 2007b, p. 25).
Diante disso, é possível inferir que as partes apresentavam uma espécie de gozo com o
litígio, como resultado da própria ambivalência existencial. Por isso, permaneciam nele,
usando a “instância-limite” do Judiciário para continuarem nesse prazer inconsciente,
ancorado nas tendências sadomasoquistas de todo ser humano. Tal relação confusa de
sofrimento e deleite somente pode cessar através de uma renúncia, obtida a partir de um novo
olhar sobre a realidade. A Constelação constitui ferramenta especial para este fim: olhar para
o que precisa ser olhado, colocar-se no lugar do outro e reconhecer que situações precisam ser
abdicadas para novas surgirem.
4 Análise dos Resultados
Durante o período da realização do presente trabalho, dentre as 59 audiências de
conciliação que houve, foram realizadas 20 constelações com bonecos. Após cada uma, as
partes e seus advogados receberam um questionário avaliativo, totalizando 33 formulários
respondidos.
Os litígios contemplaram principalmente alimentos e divórcio. Porém, houve também
casos de guarda, pensão, e alienação parental. De acordo com esses questionários, 80% da
parte autora era do gênero feminino.
Os resultados mostraram que 88% das partes e seus advogados não conheciam a
técnica das Constelações, reafirmando o ineditismo do presente trabalho, conforme já
explicado anteriormente.
Você já tinha ouvido falar sobre as
Constelações Sistêmicas Familiares?sim
12%
não
88%
Figura 1 – Ciência da existência das constelações familiares
Com relação ao fato de as Constelações terem contribuído de algum modo em sua
audiência, 47% considerou que a Constelação de alguma maneira foi eficaz; 41% acharam
que a Constelação ajudou “em parte” no consenso e 12% considerou que a técnica não
19
contribuiu. Desse modo, 88% reconheceu a ajuda da técnica, quer total ou parcialmente no
processo conciliatório.
Figura 2 – Contribuição das constelações nas audiências de conciliação
Quando questionados se a Constelação ajudou a compreender melhor a situação de
conflito, 53% declarou que “sim” e 41% afirmou que “em parte”. Apenas 6% não relacionou
a Constelação a uma melhor compreensão do conflito. Um percentual de 94%, portanto,
revelou que o método contribuiu para ampliar o entendimento sobre o problema.
Figura 3 – A Constelação na compreensão do conflito
Em se tratando de sentimentos, sensações e emoções experimentados durante a
realização da Constelação, 81% das partes e advogados afirmaram terem sido sensibilizados
pelo processo. Os principais sentimentos, sensações e emoções relatados foram: lembranças
negativas, tristeza, mágoas, amor, esperança (“possibilidade de mudar”), insegurança,
compreensão, pacificação (“quebra no ódio”), alívio, empatia e vinculação (“laço familiar”).
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Figura 4 – Sentimentos experimentados durante a Constelação
Outro fenômeno observado foi a mudança no campo energético da sala de audiência.
Inicialmente tenso e pesado, após a técnica e a condução da conciliadora, tornou-se mais
acolhedor e esperançoso. Foi o que se evidenciou no escore obtido no item que trata de como
as partes e advogados se sentiram após a Constelação: 63% disse que saiu da audiência
melhor do que entrou.
Figura 5 – A sensação após a Constelação
Outro quesito investigado foi se houve motivos a respeito do conflito até então
desconhecidos que foram revelados com a técnica. Neste item, 57% afirmaram que “sim”,
sendo os principais conflitos subjacentes: problemas relacionados à mãe, ausências,
comportamento de posse e alienação parental e dificuldades na relação com o pai.
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Figura 6 – Motivos subjacentes ao conflito
O presente trabalho também introduziu um aspecto diferenciado no Judiciário
potiguar: a presença de psicólogos, acompanhando as audiências. Segundo relatos das partes e
de seus advogados, tal iniciativa foi considerada “necessária” por se tratar de questões
familiares. Eles afirmaram sentir o Judiciário mais próximo da sua realidade e com uma visão
mais humanizada do conflito, funcionando como elemento facilitador das demandas.
Os envolvidos nos litígios demonstraram se sentirem mais amparados, fato que se
deve provavelmente à percepção social do profissional de psicologia, associada especialmente
ao equilíbrio e ao acolhimento. Unindo tal imagem social com a da figura do conciliador,
alguém intencionado a contribuir para a solução, e com a do magistrado, aquele que resolve
pendências percebidas como indissolúveis, criou-se um ambiente seguro na 6ª Vara da
Família.
Os juízes de Família buscam a realização de acordos, o que, embora muitas vezes
seja conseguido, nem sempre produz efeitos concretos, no sentido amplo, uma vez
que, sem a minimização dos conflitos emocionais subjacentes, os conflitos jurídicos tendem a reanimar-se (...). O Judiciário, no entanto, na interface psicojurídica, pode
ser um lócus apropriado como intermediário da utilização de modernos recursos de
ajuda psicológica, viabilizados por meio de práticas sistêmicas conduzidas dentro
da visão sistêmico-construtivista (...) Famílias que passam por crises podem ser
ajudadas. (CEZAR-FERREIRA, 2004, p. 55)
O clima de acolhimento e segurança, fomentado pela presença dos psicólogos pode ser
avaliado a partir das respostas ao questionário. 63% dos colaboradores consideraram “ótima”
a presença de psicólogos em conciliações na Justiça. 34% percebeu como “boa” e 3%
disseram não ter opinião formada. Logo, 97% teve uma percepção positiva da participação
dos profissionais de Psicologia diretamente nas audiências da Justiça.
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Figura 7 – O (s) psicólogo (s) na Justiça usando as Constelações
Considerações Finais
A prática das Constelações Sistêmicas Familiares nas audiências de conciliação da 6ª
Vara da Família, na Comarca de Natal, pode se constituir como uma contribuição inicial para
uma tendência que, cada vez mais, se acentua: a de mesclar saberes no intuito de auxiliar
quem procura o Poder Judiciário. Tal movimento já se expande pelo Brasil com o próprio uso
da técnica de Bert Hellinger em diversos estados brasileiros, seja na área de Família, Criminal
e nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), deflagrado pelo juiz
Sami Storch, na Bahia, pioneiro no mundo nesta intersecção. O avanço da Justiça
Restaurativa e da busca por privilegiar procedimentos de conciliação e mediação ao invés da
instrução também servem como exemplos da expansão de uma nova maneira de se
compreender situações de conflito.
No Rio Grande do Norte, a utilização das Constelações no âmbito da Justiça se
apresentou como fato ainda não observado anteriormente, tal como a presença de psicólogos
diretamente em audiências, participando como facilitadores da ampliação de consciência
sobre o conflito, tanto para as partes envolvidas quanto para seus advogados, e para a própria
conciliadora e magistrada.
Com o método abordado neste trabalho foi possível constatar: aumento na
compreensão dos envolvidos a respeito do litígio; maior capacidade de colocarem-se no lugar
um do outro; a partir de um ambiente acolhedor, a possibilidade de se reduzirem as defesas e
também a disposição para entrarem em contato com suas emoções, procurando descobrir os
motivos subjacentes à falta de consenso.
As intervenções na 6ª Vara também puderam sinalizar passos iniciais rumo a uma
cultura de paz, rompendo com a cultura litigante tão arraigada na sociedade contemporânea,
especialmente no Brasil. Por meio do reconhecimento de papeis e o consequente
empoderamento dos envolvidos, a solução para os impasses ficou mais visível, o que pôde
contribuir, ainda que embrionariamente, na desconstrução da tendência vigente de se colocar
a Justiça em um papel paternalista.
As Constelações promoveram ainda, na medida em que desvelaram questões ocultas, o
despertar para o autoconhecimento, para a aceitação das emoções e da realidade como ela é,
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subsidiado pelo amparo da imagem social dos psicólogos, assim como redirecionando a visão
individual para a visão sistêmica, em que não existem culpados nem inocentes.
Observou-se que, em consequência do método, algumas informações e alguns
conteúdos que emergiram favoreceram o discurso da conciliadora e da juíza, no sentido de
uma compreensão mais profunda do conflito. Aspectos puramente “práticos e jurídicos”,
como determinar uma porcentagem de pensão alimentícia, por exemplo, puderam integrar
situações mais complexas, como “ganhar um pai”, no instante em que um genitor passava a
reconhecer seu filho.
O presente trabalho pode ainda sinalizar possibilidades de contribuição para que a
interface Psicologia e Direito se intensifique sob novas e criativas maneiras. Como exemplo,
teríamos a Justiça se tornando mais humanizada ao privilegiar o entendimento da família
como célula social de fundamental relevância para tantos fenômenos sócio-históricos e não
somente focando no litígio em questão. O estudo exploratório também pode sugerir, ainda que
de forma discreta, caminhos na disseminação da cultura do consenso, do “ganha-ganha”,
possibilitando o enfraquecimento do hábito instaurado no imaginário coletivo de procurar a
Justiça em qualquer situação de não concordância.
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