As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)institutougt.com.br/arquivos/tpp.pdf · Peru,...

75
As consequências da Parceria Transpacífico (TPP) Disputando as arenas de poder no século XXI

Transcript of As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)institutougt.com.br/arquivos/tpp.pdf · Peru,...

As consequênciasda Parceria Transpacífico

(TPP) Disputando as arenas de poder no século XXI

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Instituto de Altos Estudos da UGT – IAEUGT

Presidente:Roberto Santiago

Diretor técnico:Roberto Nolasco

Equipe técnica:

Jefferson Pecori VianaMoises Balestro

Danilo Nolasco Côrtez Marinho

2

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Resumo 4

Introdução 5

1. - Resumo executivo 8

1.2 - Aspectos iniciais: o lugar dos Acordos de Livre Comércio nos discursos e na realidade 15

2. - Origens, participantes e principais características do TPP 19

2.2 - Objetivos e consequências internacionais do TPP 31

3. - As tendências para os setores primário e secundário a partir do TPP 41

3.2 - O setor de serviços em disputa no Século XXI 52

3.3 - A vigilância negociada a partir do Regime de propriedade intelectual do TPP 58

4. - O Brasil, o mundo do trabalho e o TPP 63

Conclusão 70

Bibliografia 73

As consequênciasda Parceria Transpacífico

(TPP)Disputando as arenas de poder no século XXI

3

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

A Parceria Transpacífico (TPP) se configura numa das tentativas de reorganização da Economia Mundial em favor dos países desenvolvidos e, especialmente, em favor do país hegemônico, os Estados Unidos.

Embora o TPP seja apresentado pela Opinião Pública como um grande acordo em matéria de livre-comércio de mercadorias, é no setor de Serviços, principalmente, sobre as novas regras de patente e propriedade intelectual, que o mundo sentirá suas consequências.

Os Estados Unidos e as economias desenvolvidas proponentes do TPP têm grande vantagem nos setores envolvidos com Ciência e Tecnologia, que é o carro-chefe do desen-volvimento capitalista atual.

A partir do TPP, a proteção às invenções e pesquisas desses países é fortalecida, garan-tindo mais tempo de proteção, uma nova formatação jurídica em favor das corporações e o acesso a mercados específicos, o que significa não apenas mais retornos em forma de lucros, mas sua proteção ampliada.

Para as classes trabalhadoras, o TPP significa uma dupla derrota, tanto nos países de-senvolvidos quanto nos subdesenvolvidos. Para os primeiros significa a perda de empregos de altos salários e o seu deslocamento para setores de serviços com baixos salários e o apro-fundamento do endividamento da classe trabalhadora e; para os segundos, significa aceitar piores condições de trabalho ademais de desnacionalização de setores e empresas estatais no estratégico setor tecnológico.

Portanto, o TPP empreende não apenas uma Nova Arquitetura Global das Finanças e Serviços, mas também uma nova frente de exploração do trabalho, a partir de uma mão de obra barata, da flexibilização da força de trabalho, da precarização das condições de trabalho, do combate às formas de organização de política para defesa do trabalho e do aprofundamen-to da tendência à diminuição do Estado nas áreas sociais.

Resumo

4

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

A Parceria Transpacífico (em inglês Transpacific Partnership, doravante TPP) é um Acor-do de Livre Comércio que enseja novas tendências na economia mundial, firmado por 12 países de três continentes (América, Ásia e Oceania): Canadá, Chile, Estados Unidos, México, Peru, Brunei, Japão, Malásia, Singapura, Vietnã, Austrália e Nova Zelândia. Dentre as novas tendências, se pode destacar tanto o avanço na regulação dos temas relativos ao setor de serviços, principalmente na área de biotecnologia, patentes e fluxos financeiros. Além disso, o TPP é o primeiro Acordo de Comércio Megarregionais.

De todos os modos, o mais importante é ter em mente que, em suma, se trata de uma estratégia das principais empresas multinacionais dos países desenvolvidos, essencialmente, dos Estados Unidos da América (doravante EUA) para ampliar sua vantagem tecnológica e garantir a exclusividade de mercados privilegiados no sudeste asiático (em razão da integração na cadeia de valor asiática), a criação de novas fronteiras financeiras, a re(ocupação) geopolítica da região Ásia-Pacífico e a ampliação do ataque aos direitos trabalhistas e a soberania nacional.

Os anos 1990 trouxeram a euforia do “fim da história” e do capitalismo, a partir das de-mocracias liberais como forma histórica para o desenvolvimento humano. O estabelecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1994 ampliou as expectativas em torno da completa liberação do comércio internacional. Entretanto, o florescer da economia chinesa, as consequências desse florescimento para regiões semiperiféricas do mundo (como o Brasil, a Índia, a África do Sul e a Rússia) não apenas modificaram as expectativas, como, em alguma maneira, protelaram a confluência em torno de acordos gerais sobre o setor de serviços, no qual os países desenvolvidos, principalmente os EUA, apresentam grande vantagem.

Desta maneira, o TPP é a resposta das empresas multinacionais do setor de serviços, engenharia biotecnológica, farmacêutica e alguns setores industriais para se aproveitar se sua vantagem tecnológica e impor as regras do jogo para a propriedade intelectual, os fluxos financeiros e informacionais, as regras jurídicas para as disputas comerciais sem os entraves burocráticos dos organismos multilaterais (direitos políticos), o que favorece as pressões de lobby e influência política. Esses setores querem garantir monopólio de economias nacionais,

Introdução

5

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

ampliando o domínio em áreas públicas (direitos sociais) e estatais (direitos econômicos), so-bre o setor de entretenimento e cultura (direitos culturais), inibindo a ação dos sindicatos tra-balhistas (direitos civis), tomando a iniciativa de dar as cartas na disputa ideológica e econômica com as economias nacionais concorrentes, como a chinesa, a russa e a indiana.

O TPP é uma construção de empresas multinacionais interessadas, conforme dito, em ampliar a vantagem tecnológica e garantir o monopólio de economias nacionais inteiras. Se-gundo informações do Wikileaks1 , cerca de 600 empresas negociaram o tratado, dentre elas Monsanto, Bayer, Cargill, General Eletric, IBM, Microsoft, Adobe, Apple, Citigroup, Sony, Disney, Warner, entre outras. Essas empresas são, principalmente, de cinco ramos específi-cos: farmacêutico; biotecnológico, informacionais, entretenimento e financeiro. As empresas do ramo farmacêutico visam ampliar a garantia de exclusividade (monopólio) e das regras chamadas evergreening, que se caracteriza como a possibilidade da inclusão de pequenas mo-dificações físicas ou operacionais nas patentes, para garantir a renovação de seu monopólio.

Em geral, as organizações sindicais e sociais avaliam negativamente as consequências do TPP para os seus países e para o mundo como um todo. No setor farmacêutico, com as novas regras de patente, se prevê, além do aumento do custo dos remédios, a limitação do registro dos medicamentos genéricos e consequente aumento dos custos desses medicamen-tos, que essenciais para o combate de doenças como a AIDS no mundo subdesenvolvido. Nesse sentido, organizações como os Médicos Sem Fronteiras avaliam como uma violação ao direito humano à saúde e à vida digna2.

Por sua vez, no setor biotecnológico (e ou biogenético), as críticas são direcionadas com relação ao estabelecimento de regras monopólicas para a criação/modificação animal e vegetal e as consequências disso para as culturas tradicionais dos países membros e da biosfera terrestre, além de enclaves à soberania alimentaria das sociedades humanas. As organizações sindicais e sociais apontam ainda para as incertezas das consequências do consumo desses alimentos para a saúde humana e para os ecossistemas como um todo.

Com relação ao fluxo de dados, o TPP amplia a responsabilização dos usuários a partir de regras que forçam os provedores de internet a aumentar a vigilância individual, além de possibilitar o trânsito de dados entre nações sem a fiscalização de autoridades nacionais. Do mesmo modo, ampliar as regras de propriedade intelectual e de usufruto coletivo dos mes-mos, com proibições de reproduções com fins culturais e sociais.

Não menos importante é a ampliação do domínio financeiro, tanto com relação a fa-cilitação de movimentação (e dificuldade para o controle/rastreamento) quanto com relação a criação de novos espaços financeirizáveis – como as áreas públicas de saúde, educação, segurança, previdência social e patrimônio público – Além de sinalizar com essa possibilidade, o TPP cria um mecanismo de resolução de controvérsias que pode ser considerado “supra-nacional”, uma vez que não está sujeito às regras nacionais de nenhum dos Estados, represen-tando uma verdadeira ameaça a soberania e a prevalência dos direitos humanos.

Os movimentos sociais e sindicatos brasileiros devem entender o TPP não apenas como um acordo entre nações específicas, mas sim como uma nova estratégia de retomada da hegemonia estadunidense, com consequências hemisféricas tácitas. De um ponto de vista

1- Disponíveis em: < https://goo.gl/6Q10YF>. 2 - Ver carta dos Médicos Sem Fronteira sobre o tema em: < https://goo.gl/JOfIQy>.

6

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

mais intuitivo, o estabelecimento de facilidades tarifárias, não tarifárias, tributárias poderá com-prometer o desempenho das exportações brasileiras – especialmente das manufaturas – e importações.

Do ponto de vista do emprego, a consequência disso pode ser a compensação da per-da de competitividade com os países do TPP por meio de mecanismos de maior exploração do trabalhador e desregulação da economia nacional, a partir da ideologia da “modernização” necessária e do enfrentamento à crise econômica e política. Certamente as classes dominan-tes locais aproveitarão a oportunidade para assaltar os direitos sociais (dentre eles os traba-lhistas), afim de não apenas garantir o seu lugar como sócio menor dos capitais internacionais, mas de deter e manter sob controle a luta de classes no Brasil. É sobre como essa dinâmica pode ser efetivada, a partir do TPP, que este estudo discorre.

Para tanto o artigo está desenvolvido em quatro principais partes. Na primeira parte se avaliará as consequências (econômicas, políticas e ideológicas) do TPP para o sindicalismo brasileiro e o lugar que o discurso do livre-comércio no status quo dominante. Na segunda parte buscamos demonstrar as origens, características dos países participantes e as principais tendências que o TPP busca efetivar, bem como suas consequências internacionais.

Na terceira parte avaliamos as tendências que o acordo inaugura para os setores agro-pecuário, industrial e de serviços, com especial atenção para a dinâmica da economia brasileira e para o novo regime de propriedade intelectual previsto no TPP. Por último, resumimos e apontamos as tendências que o TPP relega para o Brasil e as relações do mundo de trabalho.

7

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

O TPP se afiança como o ensaio prático de uma nova política hemisférica estaduni-dense para avançar no domínio tecnológico relativo – principalmente no setor de serviços financeiros e informacionais –, (re) ocupar de enclaves geopolíticos para assegurar recursos estratégicos e ampliar a ofensiva contra os direitos trabalhistas. Esse último campo é o que mais nos interessa: a compreensão dos efeitos do TPP passa pelo entendimento da ofensiva contra os trabalhadores.

Essa ofensiva se apresenta em duas principais frentes: direita e indireta. A primeira diz respeito ao aumento da exploração do trabalho e; a segunda avança sobre os direitos sociais, buscando privatizá-los e colocá-los à disposição dos fluxos financeiros – realizando a criação de espaços financeirizáveis. De todo modo, o elo comum entre as duas frentes é a dominação ideológico (alienação), realizada sob as vestes da modernidade, do consumo e do entrete-nimento: esta é a face ideológica da exploração dos trabalhadores, tão fundamental para as estratégias ofensivas contra o trabalho. É neste cenário que as forças do trabalho têm de atuar.

A situação dos trabalhadores no mundo é preocupante, tanto com relação ao que é, quanto com relação às consequências do TPP, que ademais de atingir as 810 milhões de pes-soas dos países membros, também atingirá o restante da população mundial, ao criar um novo conjunto de regras e dinâmicas econômicas. O panorama de ameaça dos direitos trabalhistas se configura a partir do seguinte cenário: atualmente 75% da população mundial não tem acesso a sistemas de seguridade social adequados; a cada 15 segundos um trabalhador morre de acidente ou doença de trabalho; a cada 15 segundos 115 trabalhadores sofrem acidentes de trabalho; existem 21 milhões de pessoas empregadas em condições de escravidão; 215 milhões de crianças trabalhando (das quais 115 milhões em trabalhos perigosos); metade dos empregados do mundo recebe menos de dois dólares por dia (20% recebe menos de um dólar por dia)3.

1ResumoExecutivo

3 - Dados disponíveis em: <http://goo.gl/tf89MG>.

8

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Com o TPP, nenhum desses problemas é enfrentado, pelo contrário, a estratégia é usar desse cenário perverso para ampliar a exploração, dominação e a alienação dos trabalhado-res, conforme se observa pelos mecanismos de proteção do trabalho não assumidos neste tratado.

O principal proponente do TPP, os EUA, têm enormes entraves em sua política tra-balhista doméstica, a começar pela não assinatura de seis dos oito principais convênios de proteção ao trabalhador da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Além disso, do total de 189 convênios da OIT, os EUA assinaram apenas 14, o que significa que Washington se compromete com menos de 10% dos mecanismos internacionais de proteção trabalhista4. No TPP, o único país em pior situação com relação às condições de cumprimento dos convê-nios da OIT é o Brunei, que só se compromete com dois dos 189 convênios.

O Chile e o Peru são os únicos membros do TPP que assinaram todos os convênios fundamentais da OIT e o México é aquele que mais tem convênios assinados (79 dos 189) e sete dos oito fundamentais. Em comparação, o Brasil é partícipe em 96 dos 189 convênios e em sete dos oito fundamentais5, deixando de ser parte do convênio sobre liberdade sindical6

(Convênio 87 da OIT).

Do mesmo modo, vale observar os aspectos internos da sindicalização nos EUA: atu-almente a sindicalização está na casa de 11,8% dos trabalhadores, sendo que 37% deles são empregados públicos e 6,9% empregados privados7. Essa situação demonstra tanto o predomínio ideológico da ideia do sindicato como entidade falida (ataque ideológico) quanto da empreitada das empresas para coibir a filiação dos trabalhadores (ameaças, suspensões, demissões). Observa-se que a ofensiva contra as greves, contra os grevistas, as lideranças sindicais e as ações sindicais é cada vez mais constante nos EUA.

Portanto, a julgar pela situação interna do principal proponente, é legítimo não esperar proposições progressistas nem com relação ao trato da questão trabalhista nem com relação às consequências que os trabalhadores estarão sujeitos com a entrada em vigor do acordo. Com o TPP se espera que o modelo de enfrentamento a sindicalização realizados nos EUA seja internacionalizado – em maior intensidade e profundidade – para os países que ainda tem sindicatos organizados e resistentes (Austrália, Japão, Canadá, Nova Zelândia, Chile) e para os países com problemas existentes na organização sindical, há a possibilidade de que o enfren-tamento diminua ou exclua o poder de negociação dos sindicatos (como no Vietnã, Brunei, Singapura, Peru, México, Malásia). É, conforme apontado, um duplo movimento de ataque às estruturas sindicais nacionais.

Conforme dito, as consequências não se limitarão aos signatários do TPP, mas a todos os países sujeitos ao comércio global. No caso brasileiro, cuja sindicalização chega a 19% e a aplicação da cobertura da clausula de negociação coletiva chega a 50%, a grande luta será pela manutenção dos direitos já reconhecidos e pelo aumento da fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas, principalmente, com relação às multinacionais e nas zonas francas.

4 - Informação disponível em: <http://goo.gl/v9rqCK>. 5 - Dados disponíveis em: <http://goo.gl/bGlHja>. 6 - A liberdade sindical se compreende a partir de três dimensões: da liberdade sindical coletiva (constitui-ção de sindicatos); da liberdade sindical individual (filiação, desfiliação) e; da autonomia sindical (liberdade de funcionamento e organização).7 - Dados disponíveis em: <http://goo.gl/iCX1vu>.

9

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Um dos primeiros problemas trabalhistas esperados é o aumento da flexibilização do trabalho. A flexibilização é uma estratégia cada vez mais usada, principalmente no setor de serviços (e comércio), não apenas por legarem jornadas cada vez mais extenuantes, mas também, em função da baixa remuneração, os trabalhadores são obrigados a terem jornadas duplas ou triplas, em empregos diferentes. Esse aspecto da flexibilização é acompanhado por seu correspondente ideológico: o discurso do autoempreendedorismo como solução à crise estrutural do mercado de trabalho capitalista.

As novas formas de precarização do trabalho são resultados, também, da desconstrução ideológica do projeto socialista que deixou completamente desorientadas as forças políticas de esquerda em todo o mundo. Como consequência, o movimento sindical sofreu um duro revés, fragilizado pelo ataque conjunto de governos conservadores, pela flexibilização das formas de trabalho e pelo aumento desemprego e da informalidade.

Ao mesmo tempo, houve o esvaziamento ideológico dos partidos associados ao mun-do do trabalho, além da divisão entre os incluídos e os excluídos dos mercados de trabalho e entre os próprios trabalhadores, divididos entre os que estão nos circuitos globalizados e os que permanecem ligados à indústria manufatureira tradicional ou ao setor de serviços pesso-ais. Esse cenário, de avanço conservador, foi reforçado pela ideologia do consumo e individua-lismo, cujo resultado é que o operariado não soma forças de organização, mas compete entre si e perde posição relativamente ao capital, o que dificulta sua capacidade de organização.

Nesta ótica ideológica, se assume que cada um deverá se sentir responsável por sua saúde, por sua mobilidade, por sua adaptação aos horários variáveis, pela atualização de seus conhecimentos (capital humano). Ao reproduzir os valores do empreendedorismo e empre-gabilidade, se reafirma a importância de atitudes pró-ativas e propositivas e diante das mudan-ças no trabalho e na vida, caracterizando a ideia de que a modernidade é como um relógio que não pode ser parado. Este é o capitalismo dos Mega Acordos Regionais de livre comércio: aprimoram a fetichização do futuro, dando a entender que ele está pronto e acabado, restan-do apenas se adaptar a ele.

Essa é a ideia que o TPP põe em prática, principalmente nas economias desenvolvidas, de que a partir da modernização capitalista, os trabalhadores têm de buscar “oportunidades” por conta própria, como trabalhadores autônomos, na máxima de que a pessoa deve, para si mesma, tornar-se uma empresa. Essa manipulação ideológica permite que a empresa elimine o trabalhador (e todo o regime de direitos que o vínculo pressupunha), deslocando-o para redes de subcontratação. Portanto, trata-se da posta em marcha da ideologia da abolição do regime salarial, cujo sonho é o mundo de prestadores de serviços, de empresas individuais de prestação de serviços individuais8.

É nesse sentido que o TPP, ao não estabelecer mecanismos efetivos para o cumprimen-to das Convenções Trabalhistas da OIT, avança na propagação da presença da individualização das relações de trabalho e da descoletivização das relações salariais. Essa operação ocorre, pois, ao disseminar a insegurança de contratos de trabalho flexíveis, se obstaculiza a possi-bilidade de espaços de interação social como lugares de partilha de experiências coletivas. Portanto, há a ruptura de laços de solidariedade social em virtude da vigência do mercado e a materialização da ideia do “colaborador” flexível e desvinculado.

8 - Ver mais em ALVES, Giovanni. A condição de proletariedade. Bauru: Editora Práxis, 2009.

10

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

A individualização das relações de trabalho está diretamente relacionada com o dis-curso da modernização tecnológica do setor de serviços. É por isso que importa entender como o TPP consolida a preponderância dos países desenvolvidos no setor de serviço, que é e continuará sendo o setor responsável pela concentração do capital, em todo o mundo: em 2015, os serviços representaram 54% do comércio global e a previsão é que, em 2025, representem 75%.

O desenvolvimento tecnológico – a inclusão de serviços tecnológicos na pauta de con-sumo das pessoas – está estritamente relacionado com a precarização das relações trabalhistas e o individualismo possessivo. A produção (de mercadorias e serviços) em massa impõe con-sumo de massa. O consumo ou a posse das coisas tende a ocultar a condição de proletarie-dade e cria obstáculos a constituição da consciência de classe trabalhista: o pouco tempo livre (lazer) se realiza enquanto tempo de consumo e entretenimento – sobretudo dos serviços tecnológicos.

Nesse processo, as consequências psicofísicas não são diminutas. Observa-se a proemi-nência de homens e mulheres cada vez mais contemplativos, caracterizando uma passividade sem angústia: seres humanos com pensamentos conformistas. O hiperconsumismo e o “para-digma da produção”, que se impõe hoje a cada um de nós, transcendendo os muros das em-presas e penetram as esferas do lazer e do tempo livre, capturando a subjetividade humana.

A precarização das relações trabalhistas, acompanhada de seu elo ideológico, torna possível um cenário no qual o ataque aos direitos econômico-sociais (saúde, educação, pre-vidência), culturais, civis-políticos (submissão e cessão de soberania à Tribunais de Arbitragem Internacionais e ataque aos direitos trabalhistas e sindicais). No caso brasileiro, a investida do TPP, aliada à crise política e econômica, permite considerar a possibilidade de um ataque ao patrimônio público, por exemplo, ao petróleo nacional, cujos recursos estavam destinados – em alguma medida –aos fundos educacionais. Além disso, atacar a soberania do petróleo e, especificamente, a Petrobrás é uma maneira eficiente de dominar uma das poucas áreas de tecnologia de ponta em que o Brasil tem destaque e, ao mesmo tempo, romper os vínculos positivos com a geração de conhecimento científico coletivo9.

No âmbito industrial, os países do TPP representam 26% das importações e 35% das exportações manufatureiras brasileiras10. Com as preferências tarifárias, não tarifárias, tribu-tárias e o oferecimento de uma mão de obra mais barata (sobretudo no sudeste asiático), ademais do ataque ideológico – a modernização “necessária” das relações trabalhistas; a adap-tação às dinâmicas globais; a necessidade de criar respostas “eficientes” para a crise política e econômica – a tendência é que no afã de compensá-lo, a “indústria nacional” – haveria de dis-cutir o que é indústria nacional, para que não se caia no engano de considerar multinacionais com CNPJ como indústria nacional – ataque num duplo sentido: exploração do trabalhador e desregulação econômica.

A fim de compensar os mecanismos de facilitação comercial promovidos pelo TPP para seus países membros, a tendência é que a indústria recorra a exploração do trabalho, tanto no que diz respeito ao aumento da jornada (por meio da mencionada dupla ou tripla

9 - Recomenda-se a entrevista do economista coreana Ha-Joon Chang sobre as estratégias de desenvolvi-mento e o vínculo com o conhecimento coletivo. Disponível em: <http://goo.gl/PVAHY8>. 10 - Informações do Valor Econômico, 05 out. 2015, “Países do TPP são 35% da exportação brasileira de manufatura, diz CNI”. Disponível em: <http://goo.gl/GFmt0R>.

11

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

jornada ou do aumento das horas no mesmo emprego), quanto no aumento da intensidade das atividades realizadas (mais atividades em um mesmo ou menor período de tempo) e da diminuição da remuneração. Esse cenário caracteriza um dos mecanismos básicos do capitalis-mo brasileiro: a superexploração do trabalhador. Ainda há de se mencionar que o mecanismo compensatório para manter o nível de consumo do trabalhador é o endividamento, o que fortalece as práticas rentistas, beneficiadoras tanto do rentismo nacional quanto estrangeiro.

Por outro lado, a desregulação da economia nacional completa esse quadro, pois per-mite – somada à superexploração do trabalhador – garantir e ampliar os lucros empresariais. De modo se espera que ocorra uma abertura ainda maior em relação a serviços financeiros e dados informacionais, diminuição das regras de proteção de conteúdo nacional, ampliação da convergência regulatória favorável às multinacionais e adesão ao regime jurídico estimulado pelo acordo TPP (submissão de litígios aos Tribunais de Arbitragem Internacionais – privados).

Com isso, há o restabelecimento de “vantagens” para a indústria nacional, a ampliação da entrada dos capitais externos no setor de serviços (telecomunicações, controle de dados e informação, serviços financeiros, seguros, etc.), cujas consequências para as dinâmicas de domínio ideológico do proletariado, baseada no consumo e entretenimento e naturalização social do individualismo são drásticas para a organização sindical.

Nesse sentido, é fundamental resignificar a linguagem social (tanto em sua intensidade quanto em sua amplitude), em favor do fortalecimento de estratégias de emancipação huma-na, cuja centralidade esteja na formação da classe, a fim de enfrentar a tentativa de “captura” da subjetividade do trabalho por parte do capital, que busca promover o esquecimento de ex-periências passadas, apagar a memória de lutas e resistências e construir a versão ideológica de um novo mundo de colaboração e de consentimento com os ideais da globalização. Do con-trário, se ampliará a exploração do trabalho, que sequestra o tempo livre dos trabalhadores, cujo impacto na vida pessoal e familiar e na saúde física e mental não pode ser menosprezado.

Uma das alternativas para resistência é a perspectiva do chamado Sindicalismo dos Mo-vimentos Sociais. O Sindicalismo dos Movimentos Sociais seria uma possibilidade à maneira clássica e corporativista que tem caracterizado os sindicatos, desde os anos 1950. Uma das contradições da hegemonia do bloco financeiro em todo o mundo são as oportunidades po-líticas que permitem desafiar a globalização financeira e produtiva, tanto em nível quanto em intensidade de organização.

Deste modo, é possível pensar na concertação de movimentos sociais e do sindicalismo em uma frente única ampla contra os temas atacados pelo TPP, sejam eles sociais e culturais, econômicos, civis e políticos. Essa frente deve apoiar numa estrutura de geometria organizati-va variável, mas de permanente presença nas mediações com o poder político e econômico, em diferentes regiões e países, pois é fundamental que o sindicalismo combatente para essa nova frente da luta contra o capital não confunda unidade com unanimidade e que se abra para questões que estão para além (mas nunca aquém) dos objetivos econômicos e políticos do trabalhismo.

Em primeiro lugar, uma frente única tem de levar em conta os movimentos ambientais, pois os Acordos de Livre Comércio, em geral, e o TPP em especial, não específica nem trata de mecanismos de combate ao aquecimento global e à destruição de fontes não renováveis de energia, ao passo que, se acredita que uma das áreas em que as empresas procurarão am-pliar o domínio financeiro será no comércio dos títulos de carbono. Nesse mesmo sentido,

12

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

se compreende a inclusão dos movimentos de luta pelos direitos dos povos originários, que ademais do direito tácito a participarem do debate, tem o reconhecimento normativo, relativo ao convênio 169 da OIT, de participar das negociações.

Por sua vez, essa frente tem de trabalhar a temática da soberania alimentar, que a partir do TPP é seriamente ameaçada, tanto pelas regras de biotecnologias e patentes, quanto pela possibilidade de, no caso brasileiro, esse cenário configurar uma ampliação territorial, eco-nômica e política ainda maior do latifúndio. Assim, é que se incluem, por consequência, os movimentos que reivindicam a reforma e democratização da propriedade agrária e, não me-nos importante, da propriedade urbana. Do mesmo modo, tem importância central a defesa do interesse social da manutenção de acesso gratuito e universal à saúde, educação, políticas culturais e políticas públicas, que se constitui em um tema fundamental, uma vez considerada que a tendência dos acordos já firmados e do TPP é o avanço do das políticas de privatização desses setores.

Por último, é preciso articular em torno da frente do sindicalismo dos movimentos so-ciais os movimentos que tratam das questões de gênero – cujos impactos sobre as mulheres têm sido danosos, caracterizando um cenário de exploração com longas jornadas e baixa re-muneração – e das questões de diversidade sexual, que deve tratar da inclusão e reforço dos direitos sociais, culturais, econômicos, civis e políticos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Por sua vez, também ganha espaço a luta por igualdade racial e étnica, de direitos para os imigrantes, de combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo11.

Por sua vez, é preciso organizar uma frente que articule os interesses das classes eco-nômicas nacionais, em torno das bandeiras trabalhistas e sociais, ou seja, que busque ampliar eventuais acordos tripartites (Estado, sindicatos/movimentos sociais, empresas) ou bipartites (sindicatos/movimentos sociais). No caso brasileiro, é preciso identificar grupos econômicos que possam ser prejudicados tanto pela consolidação do TPP e quanto por uma possível ampliação rumo ao atlântico (sul e norte). Ademais do mencionado caso do setor energético, especificamente, da Petrobrás, dentro do qual os movimentos de defesa dos direitos educa-cionais (movimentos estudantis; sindicatos de professores, etc.) e sindicatos de trabalhadores do setor petrolífero poderiam se articular conjuntamente, tem destaque o setor farmacêutico, que sofria perdas consideráveis com as regras que o TPP colocará em vigor.

A articulação do Sindicalismo dos Movimentos Sociais terá que ampliar as discussões na sociedade civil sobre a defesa do patrimônio público, o controle social sobre as regras de subcontratação de trabalho, de treinamento, de investimento, de realocação produtiva e das práticas educativas. Ademais da conjugação nacional de vários movimentos e sindicatos, con-vém ampliar as articulações em torno do estabelecimento, consolidação e aprofundamento de uma rede internacional de solidariedade, fundamental para a luta contra o capitalismo glo-balizado e os Mega Acordos Regionais, pois permite a obtenção de informação e desenvolvi-mento de análises sobre as multinacionais que atuam em vários países e suas cadeias globais de valor e a possibilidade de ações articuladas.

11 - Ver recomendação da OIT sobre o tema. Disponível em: <http://goo.gl/0pg6sN>.

13

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Do mesmo a resistência a normas internacionais trabalhistas estabelecidas em Acordos de Livre Comércio que estabeleçam padrões inferiores aos padrões nacionais; a discordância e resistência a punições que sejam apenas “financeirizáveis” – aquelas que podem ser trans-formadas em multas e sanções e não proponham a realização de novas práticas e planos de ação – e a exigência de estabelecimento de responsabilidade social corporativa – por exem-plo, seguindo as diretrizes da OCDE12 (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para as multinacionais – são ações que devem se fazer presentes em todas as ne-gociações de eventuais acordos de livre-comércio. Como é a tônica na história dos oprimidos contra as opressões, e, especialmente no caso dos países subdesenvolvidos: ou inventamos ou errados. Agora é preciso inventar.

12 - Ministério da Fazenda. Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais, 2011. Disponível em: <http://goo.gl/R79rFP>.

14

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

1.2Aspectos iniciais:

O lugar dos Acordos de Livre Comércio nos discursos e na realidade

Os temas contemporâneos em economia e política só podem ser entendidos tendo em conta as bases históricas e ideológicas em que estão assentados, e não seria diferente com os Acordos de Livre Comércio. O livre-comércio é sempre colocado como um dos postulados que caracterizam, para a maioria das pessoas, o capitalismo. O livre-comércio é na cabeça de muitos, a prática realizada pelas nações que aceitaram as regras do jogo capitalista e, ao fazê-lo, trilharam o caminho para sua riqueza. No entanto, pouco se diz sobre o pro-tecionismo (agrícola e industrial), praticado pelas nações que chegaram aos pontos mais altos na hierarquia do Sistema Internacional. A história do livre-comércio tem sido contada pelos vencedores do livre-comércio, mas não esqueçamos que essa história não é a história total.

É deste modo que, entender a Parceria Transpacífico (TPP, em inglês) a partir da peri-feria capitalista é um exercício de enfrentamento da ideologia colonial (o colonialismo intelec-tual, cultural e social) de que o único caminho para o desenvolvimento é copiando os “casos exitosos” dos países desenvolvidos. Este é o exercício contra o qual temos que nos propor: parar de papagaiar sobre o que “se diz” que acontece no centro do capitalismo e, ao contrá-rio, entender profundamente o que lá se passa.

A novidade do TPP é que ele não apenas resulta das influências do poder econômico, mas de fato o fruto do arranjo diplomático arquitetado pelos próprios representantes das companhias interessadas, de vários ramos, embora se destaquem aqueles que condicionam o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia estadunidense, que querem – como em toda

13 - CHANG, Ha Joon. Chutando a Escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. Editora UNESP, São Paulo, 2004.

15

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

história de sucesso das hegemonias capitalistas – ampliar sua vantagem monopolista sobre os demais países.

No entanto, se tomamos a economia como parte da política, formando o campo de reflexões da economia política, a posição da política se torna não mais fruto da capacidade téc-nica de um economista para entender a economia, mas, - dentro de uma sociedade permea-da pelo conflito de interesses das classes - uma posição de disputa. É a partir deste postulado que a classe trabalhadora pode vencer os religiosos da tecnocracia e assumir que não há mais soluções técnicas puras, mas sim políticas!

Para isso, é preciso entender que a separação entre economia e política é obra do capi-talismo, que deste modo conseguiu evitar o exercício de uma política que possa fazer a defesa do trabalho contra as pretensões do lucro das grandes companhias. Entender isso é entender a lógica que está por detrás do TPP.

Os negociadores do TPP, que configuram a chamada diplomacia corporativa, conhecem tão bem os meandros do comércio exterior necessário para enriquecer suas empresas que ignoram quase por completo a sociedade da qual provém e os efeitos desastrosos que deter-minada política exportadora tem sobre seu povo, sobre a classe trabalhadora.

O TPP sintetiza no mais agudo grau o “espírito de monopólio”; o reino da esperteza e do direito do mais forte; a zona do contramercado, cuja ideia de patentes é o grande tridente. O monopólio atinado pelas patentes e a busca por adentrar aos mais variados mercados do Pacífico é uma estratégia bem conhecida, contra a qual um dia os próprios EUA lutaram con-tra: atirar para longe a escada que lhe permitiu subir na hierarquia capitalista.

Os EUA chegaram aonde chegaram alegando as vantagens da indústria sobre a agricul-tura e denunciando a imposição do livre mercado inglês, já no final do século XVIII. Hoje, os EUA sabem das vantagens que detém no setor de serviços (patentes, tecnologias), e sabem que as mesmas condicionam a fortuna das indústrias (e por isso vendem a tese da industriali-zação periférica como vantagem dos países “parceiros” nos tratados comerciais), que se tor-nou refém dos avanços no setor de serviços. Os países pobres são utilizados como “reservas industriais” para os EUA, de modo a não viabilizar entre eles as potencialidades técnico-cien-tíficas informacionais.

O TPP e todo o barulho que se criou ao seu redor consagra a ideia do livre-comércio como uma lei moral: seria um pecado não fazer parte dos “modernos” acordos comerciais que desenham o futuro da humanidade e, para além, seria um pecado capital não aceitar o convite dos EUA para adentrar a seu mercado consumidor. No entanto, o discurso do livre-comércio esconde o “segredo” de Estado dos EUA: atualmente, uma nação só pode conseguir um alto grau de riqueza e de poder em seu comércio exterior trocando produtos de alto teor tecnológico (e protegendo-os) por produtos manufaturados e agrícolas: é o velho intercâmbio desigual que segue vigorando. E o TPP e, em geral, os (mega)acordos de livre comércio são uma nova e rebuscada fórmula de garantir monopólios coloniais no século XXI.

Sendo o setor de alto teor tecnológico o fio condutor da economia no século XXI, como podemos afirmar que a maioria dos países signatários do TPP (exceto pelo Japão, Ca-nadá e em menor medida Austrália e Nova Zelândia) poderão se beneficiar de uma proposta que nasce viciosa? Ou alguém saberia dizer que patente vietnamita, peruana, chilena, brunea-na, entrará com capacidade de competição nos EUA, ou no Canadá, ou no Japão? Aliás, com as condições do TPP, as próprias mercadorias exportadas pelos países subdesenvolvidos para

16

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

os países desenvolvidos serão frutos do alto teor tecnológicos dos países centrais: na agricul-tura, frutos da biotecnologia; na indústria, frutos das sucursais multinacionais e dos inventos propiciados pela Ciência e Tecnologia dos países desenvolvidos: as inovações tecnológicas.

Portanto, só há livre comércio na medida em que há interesses protecionistas, ainda que, nos contornos do acordo se tente amenizar essa característica, através da combinação de políticas protecionistas – disfarçadas com a máscara de “modernidade tecnológica” – com determinadas liberdades setoriais. No entanto, não há dúvida com relação à intenção de defender a economia nacional e o mercado interno da nação mais desenvolvida. Aliás, se os defensores do livre-comércio são incapazes de compreender como pode um país se enrique-cer às custas dos outros, não precisamos nos assustar de que os mesmos compreendam ainda menos que, dentro de um país, uma classe se enriqueça às custas de outra.

As negociações já começam em vantagem para a nação mais desenvolvida: ex-ceto por alguns países que defendem seus interesses nacionais (por exemplo, China, Alemanha, Rússia e em menor escala Índia), os demais países – “domados” pelo colonialismo, planejados para “dar errado” –, entram nas negociações com o seguinte pensamento: é melhor aceitar qualquer acordo com os EUA do que não ter acordo nenhum. Do mesmo modo, a grande potência coage os aliados desenvolvidos, no caso a Austrália, o Japão e o Canadá a participa-rem, tanto pela influência militar, política e econômica que tem sobre eles, quanto pela ideia de que ao não participarem do acordo se estaria deixando “o bonde da modernidade” passar, de modo que estes países acabar impelidos a optar pela ideologia do “credo livre-cambista”.

No entanto, há resistência de alguns países centrais a abrirem seus mercados. Por exem-plo, há de se mencionar o caso da China sobre o TPP, que ao preterir o ingresso no acordo, demonstra a estratégia de proteção de seu mercado em formação de alto teor tecnológico e sua já adquirida capacidade científica, além de ter suas próprias estratégicas geopolíticas (a nova Rota da Seda, financiado com seus próprios recursos do Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura). Do mesmo, vale mencionar as reticências da Alemanha14 sobre a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento – TTIP e, principalmente, sobre o Acordo de Comércio Anti Pirataria (em inglês ACTA, Anti-Counterfeiting Trade Agreement), que visa disci-plinar as regras de propriedade intelectual entre mais de 22 países.

Por razões diferentes e com diferentes intensidades, China e Alemanha mostram re-sistências à adesão ao sistema de livre-comércio (principalmente de serviços), proposto por Washington. É válida, inclusive a analogia entre a atual postura da China e a postura dos EUA de Alexander Hamilton15 – que se negou a aceitar as recomendações de adesão ao livre-co-mércio proposto por Londres.

A não participação de países que tem o interesse nacional definido em torno de um projeto nacional que prioriza a ciência e tecnologia é consonante com a claridade do texto do TPP, mormente quando trata da circulação e proteção das tecnologias de ponta e também sobre a livre circulação e/ou proteção da força de trabalho. Sobre as tecnologias de ponta são elaborados uma série de capítulos com cuidadosos detalhes, os quais, inclusive, podem ser chamados de “nova arquitetura jurídica extraterritorial de proteção aos investimentos priva-dos”, entre outras previsões.

14 - Disponível em: <http://goo.gl/KbzLnf>. 15 - Ver mais em HAMILTON, Alexander. Relatório sobre as manufaturas. São Paulo: Sociedade Ibero-americana, 1995.

17

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Por sua vez, sobre a proteção da força de trabalho paira um vazio profundo, com defi-nições pouco concretas, contidas no capítulo 19 do TPP. Nesse mesmo capítulo se estabelece a criação de um “Conselho do Trabalho”, sem participação da sociedade civil em geral e, especificamente, de sindicatos e organizações trabalhistas. Do mesmo modo está o capítulo 20, que trata das questões meio-ambientais e o capítulo 26, que menciona a importância de combater a corrupção e garantir a transparência. Nenhum desses capítulos prevê mecanismos de reforço de suas nobres intenções.

Por último, convém aclamar que, ademais de um projeto econômico de domínio e imposição do livre comércio favorável ao protecionismo reinante nas economias dos países desenvolvidos, sobretudo nos EUA, o TPP também é a própria disputa pelo domínio econô-mico e político mundial, a geopolítica do poder e da economia mundiais16. Trata-se de definir a hegemonia do que seria “o estratégico Pacífico” (cujo pivô é o Japão); “o promissor Ártico” (com o Canadá como principal representante) e; o “extenso Pacífico” (com Austrália e Nova Zelândia como protetorados). Nada disso seria possível sem ampliar a exploração e a aliena-ção das classes trabalhadoras, o que, por sua vez, tem consequências na luta de classe a nível mundial.

16 - Mais detalhes disponíveis em: < http://goo.gl/gO7KXg>.

18

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

participantes e principais características do TPP

Os Tratados de Livre Comércio (TLC) são alvos de grande debate sobre suas conse-quências econômicas e políticas. Sobre eles foram escritos alguns milhares de livros e artigos mostrando como, teoricamente, todos podem ganhar com a redução das barreiras comer-ciais. No entanto, o que a maioria desse escritos revela é mais a crença fetichista nas leis do comércio do que a realidade consumada pela efetivação dos TLC, que têm sido marcados pelo aumento do desemprego e/ou emprego baseado na superexploração dos trabalhadores (que se efetiva via aumento da jornada de trabalho; e/ou aumento da intensidade da atividade realizada e/ou; pela remuneração baseada em salários abaixo das necessidades humanas do trabalhador).

Do mesmo modo, uma das características dos TLC e que é apropriada para descrever o TPP é a organização de um aparato jurídico cuja finalidade é facilitar a movimentação de capitais, solapamento de bens culturais e ambientais, entre outras consequências negativas. Nesse sentido, os TLC se tornaram a justificativa ideológica da estratégia de expansão capita-lista de serviços tecnológicos e finanças, principalmente as estadunidenses, por todo mundo.

Assim, a Parceria Transpacífico (utilizaremos a sigla TPP, que remete ao nome em in-glês Transpacific Partnership) junto com o outro acordo transoceânico em fase de negociação atual, o Comércio e Investimento de Parceria Transatlântica (TTIP), podem ser vistos como o equivalente moderno do acordo de Bretton Woods, que deu origem a regulamentação do sistema financeiro e comercial global, efetivando as bases para que os capitais estaduni-denses articulassem a reorganização do mundo desenvolvido e o domínio efetivo do mundo subdesenvolvido. Assim, no seu tratado, artigo 1.1 os países signatários do TPP tratam do estabelecimento de uma Zona de Livre Comércio. Na figura a seguir se observa quais são os membros dessa zona de livre comércio.

2Origens,

19

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

No entanto, não se trata apenas de uma Zona de Livre Comércio. O TPP inaugura um novo tipo de acordo: os Acordos de Comércio Megarregionais, MRTA (Mega-regional trade agreements). Os MRTA são acordos regionais que têm impactos sistêmicos e globais. Seus ob-jetivos são grandes e ambiciosos o bastante para infl uenciar as regras e os fl uxos de comércio internacional nas áreas em que são constituídos. Sua origem está no processo de globalização produtiva e fi nanceira, iniciado com a ruptura da paridade ouro/dólar em 1973 e aprofundado com o neoliberalismo nos anos 1980 e 1990.

A Rodada Uruguai do GATT (em inglês, General Agreement on Trade and Tariffs) abriu uma nova frente para os acordos de comércio internacionais, com a criação da OMC (em inglês WTO, World Trade Organization). Embora antes do GATT - Uruguai acordos de comér-cio/integração já terem sido assinados, pela primeira vez houve a centralização e a previsão da conciliação entre Acordos Multilaterais e Acordos Regionais de Comércio (RTA, em inglês Regional Trade Agreements). Essa dupla perspectiva era entendida como uma oportunidade dos EUA – potência que exercia sua infl uência quase que de maneira exclusiva nos anos 1990 – de manter o discurso “globalista” de livre-comércio e, ao mesmo tempo, amarrar as pontas individualmente a partir de tratados bilaterais ou regionais, para garantir monopólios e/ou áre-as de subserviência política, econômica e cultura.

Em 9 de setembro de 1993, o então presidente Bill Clinton disse as seguintes palavras sobre o NAFTA: “eu acredito que o da Área de Livre Comércio da América do Norte [em inglês NAFTA, North America Free Trade Agreement] criará 200mil empregos nos dois primeiros anos. Eu acredito que o NAFTA criará 1 milhão de empregos nos primeiros cinco anos”17. A realidade, segundo o Economic Policy Institute, foi que o NAFTA levou a perda de aproximadamente 700mil empregos estadunidenses.

Membros do TPP

Fonte: Escritório da Representação de Comércio dos EUA.

17 - Ver em: < http://goo.gl/yM4pZ5>.

Fonte: Escritório da Representação de Comércio dos EUA.

20

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

1993 Projeção da USITC* 2015

US$ 2,6 bilhões de superá-vit comercial (sem contar o

setor de serviços)

US$ 10,6 bilhões em su-perávit em mercadorias e

serviços

US$ 57 bilhões em déficit em mercadorias e serviços

China-OMC: Comércio em Mercadorias e Serviços

2000 Projeção da USITC 2015

US$ 113 bilhões de déficit US$ 120 bilhões de déficit US$ 340 bilhões de déficit

EUA-Coréia do Sul: Comércio em Mercadorias e Serviços

2011 Projeção da USITC 2015

US$ 5,8 bilhões de déficit US$ 2,5 bilhões de déficit US$ 16,8 bilhões de déficit

* Conselho de Comércio Internacional dos EUA. Fonte: Escrito Nacional (EUA) de Análise Econômica.

EUA e Acordos Comerciais com México, China e Coréia do Sul, projeção e realização do fluxo de comércio.

O NAFTA já vinha sendo negociado desde o fim dos anos 1980 e foi concretizada no início dos anos 1990, marcando a perspectiva de integração regional (ampliação de mercados das grandes companhias, tanto para exportação quanto para produção com baixos custos). A concretização da OMC facilitou os planos para articular de acordos regionais ainda mais abran-gentes, como foi o caso da proposição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), cuja concretização fracassou, não sem a efetiva participação de movimentos sociais e de sindicatos.

Além disso, a mesma retórica em favor da causa da proteção ao trabalhador e à defesa do meio ambiente foi utilizada naqueles anos, para possibilitar a aprovação do NAFTA (tanto o republicano Bush – pai –, que fora o responsável pela negociação, quanto o democrata Clin-ton, responsável pela assinatura do Acordo, utilizaram as mesmas estratégicas retóricas). No Senado a batalha foi mais branda, mas na Câmara o acordo foi aprovado por 234, contra 199 votos; no partido de Clinton, ele obteve apenas 102 votos positivos – 154 deputados votaram contra o NAFTA. Como se vê, há resistências fortes no seio da sociedade estadunidense.

A perda, ademais de ser notada na redução de empregos, se nota também na balança comercial estadunidense: em 1993, os EUA tinha um superávit comercial com o México, na ordem de US$ 1,6 bilhão. Em 2015, os EUA tiveram um déficit comercial na ordem de US$ 57 bilhões18 .

18 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/HGcj5U>.

21

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

No entanto, a aparente diminuição da capacidade estadunidense de pressionar e con-cretizar unilateralmente esses acordos dificultou a continuação dessa tendência, sobretudo em razão da rápida ascensão da China, no início do século XXI, da recuperação geopolítica da Rússia e do fortalecimento do grupo dos países emergentes, que embora não tenham criado alternativas completamente autônomas à Washington, foram desenvolvendo laços políticos e econômicos para além da bússola do Norte. É nesse âmago que fracassou a iniciativa da ALCA, e ao mesmo tempo, foram dinamizados os processos de integração que não estavam, necessariamente, orbitando ao redor dos EUA, como as iniciativas do G20 (comercial e finan-ceiro), BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), UNASUL (União de Nações Sul--Americanas), EAFTA (Área de Livre Comércio do Leste Asiático), além de outras instituições que se originaram desses novos arranjos.

Portanto, há causas político-econômicas para o redirecionamento das parcerias bila-terais para as regionais (multirregionais): a multipolaridade e a multilateralidade. De modo que, os caminhos e rotinas dos acordos internacionais são, agora, tratados de outra maneira. Busca-se simplificar as negociações, reduzir os custos de ajuste (que dependem também da rapidez dos ajustes) e também reduzir as oposições políticas, através de estratégicas das mais diversificadas possíveis.

Essa tendência é confirmada quando se observa que antes dos anos 2000 havia ape-nas quatro grandes acordos assinados entre as economias da região da Ásia-Pacífico: a Área de Livre Comércio da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN); a Área de Livre Comércio entre Canadá e EUA; o NAFTA e o Acordo Comercial e Econômico entre Nova Zelândia e Austrália. Atualmente são mais de 260 Acordos Regionais de Comércio em vigên-cia. A partir da emergência da China, houve uma grande expansão da tendência de formação de arranjos regionais de comércio em direção ao Leste Asiático, inclusive com a criação do EAFTA e também da Parceria Econômica Abrangente para a Ásia Oriental, que inclui os países da ASEAN, mais Austrália, China, Índia, Japão, Coréia do Sul e Nova Zelândia.

As ações de integração e cooperação da China no Leste e Sudeste asiático tiveram, por sua vez, uma resposta do outro lado do pacífico. Essa resposta começa em 2002, quando as autoridades da Nova Zelândia, Singapura, Brunei e Chile decidem firmar TLC, materializado em 03 de junho de 2005, ficando conhecido como P4 (em inglês Pacific Four, Os Quatro do Pacífico). Este acordo foi uma indicação para os EUA reensaiar sua aproximação com os já “aliados” Chile, Singapura e garantir a influência sobre outros países do pacífico.

O início do TPP ocorre com a declaração de interesse de George Bush, em setembro de 2008, quando a representante de comércio dos EUA, Susan Schwab anunciou a inclusão dos EUA nas negociações do P4. Logo no primeiro ano à frente da Casa Branca, Obama afirmou sua intenção de se esforçar para garantir um “acordo regional de larga-escala, de alto padrão tecnológico e político”, que, segundo o mandatário da Casa Branca, permitiria a geração de mais de 650 mil empregos nos EUA. Em 2010 o era composto por nove países interessados (com a inclusão de Austrália, Vietnã, Peru, Malásia). Entretanto, os EUA não esta-vam satisfeitos com a configuração do Acordo: trabalhavam para trazer à negociação México e Canadá, garantindo a participação do NAFTA em bloco. Após a 9ª rodada de negociação,

22

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

o Japão foi o último país a se integrar no grupo, participando das negociações apenas a partir de junho de 2013.

É justamente a participação do Japão que pôde ter estendido o prazo de assinatura do Acordo, dado o extensivo debate sobre ressalvas tarifárias em uma série de setores, nos quais os japoneses são tradicionalmente protecionistas, como a indústria automobilística e a agricultura. Os EUA, proponentes e articuladores, concluíram as negociações sobre o Acordo de Parceria Transpacífico em segredo de Estado com as demais partes, no dia 5 de outubro de 2015.

Em 5 de Novembro de 2015, o presidente Obama notificou o Congresso de sua inten-ção de celebrar o Acordo. O TPP foi assinado em 04 de fevereiro de 2016, na Nova Zelândia. Atualmente está aguardando as ratificações para entrar em vigor. No Brunei, na Malásia e em Singapura o tratado não necessitada de uma ratificação dos seus respectivos parlamentos.

Inicialmente este tipo de acordo previa apenas as reduções tarifárias, no entanto, com o passar dos anos, passou a abranger as medidas não tarifárias (requisitos de licenciamento de importação, as regras aduaneiras, as normas discriminatórias, inspeções pré-embarque, as regras de origem, medidas de investimento (por exemplo, requisitos de conteúdo local) e para as compras governamentais). A grande diferença em relação a outros acordos regionais foi a flexibilização das regras de origem estabelecidas no TPP. A partir dela, será possível, por exemplo, haver um automóvel, cuja grande maioria dos componentes foi feito na China ou na Tailândia – países que não assinaram o TPP –, mas o automóvel virá para o Canadá como um automóvel japonês.

Por seu turno, as restrições causadas pelas Medidas Não Tarifárias (NTM) são menos recorrentes entre os países membros do TPP que em outras partes do mundo. Os países membros TPP têm uma maior incidência de NTM moderadamente restritivas (de zero a 10%) e uma menor incidência de NTM altamente restritivas (superior a 100%) do que com-parado a outros países.

Os signatários constituem um grupo variado de países que variam muito em tamanho, desenvolvimento e especialização. Geograficamente, o Canadá é o maior, enquanto Singapu-ra é o menor. A população dos países TPP excedeu 810 milhões de pessoas, segundo dados de julho de 2015. No total, o PIB dos países signatários do TPP em 2014 foi avaliado em US$ 28,0 trilhões, representando cerca de 40% do PIB mundial. Os EUA representaram a maior parcela deste total (US$ 17,4 trilhões), enquanto Brunei representara a menor (US$ 17,3 bilhões). Os cinco países com os maiores PIB do TPP em 2014 foram os EUA, Japão, Canadá, Austrália e México. Estes cinco países representam quase 95% do PIB coletivo do TPP em 2014, com os EUA responsáveis por mais de 62% do total 19.

19 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/HGcj5U>.

23

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Sobre as relações intra-TPP, se observa que os EUA já têm acordos de livre comércio com seis dos 11 parceiros (Austrália - 2005, Canadá - 1989, Chile - 2004, México - 1994, Peru - 2009 e Singapura – 2004), por sua vez o Canadá tem com quatro países, enquanto que o Chile tem acordos de livre comércio com todos os outros 11 países membros do TPP. O Acordo de livre-comércio mais antigo firmado por qualquer um dos países do TPP data de 1983 (o Acordo de Comércio entre Austrália e Nova Zelândia – ANZCERTA, cujo objetivo foi aprofundar as relações econômicas), enquanto o mais recente entrou em vigor em 2015 (Acordo de Parceria Econômica Japão-Austrália).

Pares de Países no TPP com TLC, ano e data da entrada em vigor

Participação das Economias do TPP no PIB Mundial (2014)

AMÉRICAS ASIA / OCEANIA

USA CAN MEX CHI PER AUS BRU JAP MAL NZ SIN

Canadá 1989

México 1994 1994

Chile 2004 1997 1999

Perú 2009 2009 2012 2009

Austrália 2005 2009

Brunei 2006 2010

Japão 2005 2007 2012 2015 2008

Malásia 2012 2010 1992 2006

Nova Zelandia 2006 1983 2010 2010

Singapura 2004 2006 2009 2010 1992 2002 1992 2001

Vietnam 2014 2010 1995 2008 1995 2010 1995

Fonte: OMC, RTA-IS database; Banco Mundial, Global Preferential Trade Agreements Library.

Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators.

24

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Entre os países do TPP, o Vietnã é aquele que teve a maior parte de seu PIB baseado nas atividades agrícolas, quase 20%. Por sua vez, a Malásia é o país do TPP em que o setor secundário representara a maior parcela do PIB. Os serviços representaram a maior parte da atividade econômica em todos os países do TPP, exceto para o Vietnã e Brunei. Por sua vez, os EUA tendo a maior parcela de serviços em sua economia, que chegou a representar cerca de 4/5 de seu PIB EUA em 2014.

Participação setorial no PIB dos países do TPP, por setor, 2014

O Sultanato Islâmico do Brunei tem o menor PIB dos países TPP, no entanto teve o maior superávit comercial entre os países TPP em 2014 – se o superávit for contabilizado como percentual do comércio total do país –, seguido por Malásia e Singapura. Os EUA tiveram o maior déficit comercial do grupo, tanto em valor absoluto em dólares (US$ 494 bilhões) quanto com relação ao seu comércio total.

Por sua vez, as importações de serviços de Cingapura foram responsáveis por uma proporção maior do seu comércio total do que qualquer outro país do TPP, representando 13,4% do comércio total, enquanto os EUA tiveram a maior parte das exportações de ser-viços relativos ao seu comércio total, chegando a 13,8%. No total, os países do TPP foram responsáveis por 44,8% do total das exportações norte-americanas e 37,6% das importações gerais dos EUA em 2014 20.

20 - Dados disponíveis em: < https://goo.gl/sCBPUE>.

Fonte: Banco Mundial, World Development Indicator.

25

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Exportações e Importações dos EUA, 2014.

A Parceria Transpacífi co trata de temas já tradicionais das relações econômicas inter-nacionais, como: comércio de bens, medidas de defesa comercial, cooperação aduaneira, regras de origem, medidas sanitárias e fi tossanitárias, barreiras técnicas ao comércio e acesso aos mercados, comércio transfronteiriço de serviços fi nanceiros, comércio eletrônico e te-lecomunicações, mas não apenas deles. Também revela a inclusão de temas novos, ou pelo menos nova é a profundidade com a qual alguns dos temas a seguir são tratados: investimen-tos, propriedade intelectual, contratação pública, assuntos legais e institucionais, normas de competição e empresas estatais. Do mesmo modo, o acordo assuntos horizontais como: coerência regulatória, integração regional, normas ambientais e trabalhistas transparência e desenvolvimento.

Fonte: Comissão de Comércio Internacional dos EUA, USITC DataWeb/USDOC.

26

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Em resumo, para uma melhor definição temática do acordo, se pode dizer que são quatro conjuntos de ações abarcadas pelo TPP. O primeiro conjunto é o estabelecimento de uma Zona de Livre Comércio entre os signatários, na qual, supostamente, as tarifas deverão chegar à zero; as quotas diminuirão e o comércio aumentará. O segundo conjunto é a de-terminação de uma série de ações para o estabelecimento de padrões regulatórios para o comércio.

O terceiro conjunto de ações se resume a regulamentações que determinam os direi-tos de investimento, propriedade intelectual, regulação do setor de serviços (incluindo setores financeiros, telecomunicações, internet e farmacêuticos). Por último, o quarto conjunto diz respeito à adesão a padrões normativos sobre o trabalho e a sustentabilidade ambiental (se que, ao menos haja a menção às mudanças climáticas), que se configuram como os frágeis, inexequíveis e vagos mecanismos de resolução.

Além disso, as violações aos direitos do trabalho previstas no capítulo sobre o trabalho do TPP estão limitadas a apenas aqueles casos em que se “afete o comércio ou investimento entre as partes.” Como o TPP é um acordo mais amplo, a abstração do texto da lei deixa de contemplar casos de violação dos direitos trabalhistas em casos de propriedade intelectual, serviços financeiros e outras disposições do TPP.

Ao invés de proibir o comércio de produtos feitos com trabalho forçado, o TPP exige que as partes “desencorajem” o comércio de tais produtos. Vários outros trechos do capítulo não usam termos rígidos e obrigatórios, como “proibição ou veto”, mas sim expressões muito mais suaves e de caráter apenas desejável, tais como “se esforçará para incentivar”. Pensan-do no caso de uma Zona de Processamento de Exportação (Zonas Franca), por exemplo, é possível imaginar que não haverá proteção e cumprimentos das leis trabalhistas para a grande maioria dos trabalhadores no TPP.

Sobre a sua aplicação, o TPP objetiva eliminar, de imediato, uma ampla gama de medi-das tarifárias e não tarifárias de produtos comercializados entre os parceiros TPP. Do mesmo modo, visa eliminar direitos sobre outros bens mais variados (temas mais complexos e com consequências maiores para as economias nacionais), em horizontes temporais que abrangem os próximos 30 anos. Ademais, o TPP inaugura uma nova lógica: a inclusão de temas de pro-priedade intelectual em negociações regionais de livre-comércio.

A principal razão apontada para a concretização do TPP tem a ver com as dificuldades para avançar no âmbito multilateral, como a Rodada Doha. Essas dificuldades levaram as prin-cipais economias do mundo a abrir espaços em negociações paralelas, visando alcançar os seus objetivos em setores de alto interesse, o que explica a profundidade do TPP nos temas de Comércio de Serviços. O avanço nesses temas foi considerado uma das prioridades dos EUA para a parceria, visto que é uma maneira de responder às novas estratégias de desenvol-vimento da China, sobretudo, no que diz respeito ao aprofundo do ASEAN.

Não se pode deixar de mencionar que uma das principais características do TPP foi à utilização da “diplomacia corporativa secreta” – e de certa maneira um retorno ao passado, já que a diplomacia secreta tenha sido “abolida” em 1919. O TPP foi arquitetado a partir de

27

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

negociações secretas e com participação assídua e ilimitada de representantes de interesses corporativos.

O acordo permaneceu secreto até o dia 13 de novembro de 2013, quando a primeira revelação dos itens da negociação foi feita por um vazamento do Wikileaks. Mesmo depois do fim de suas negociações, em 05 de outubro de 2015, em Atlanta, nos EUA, o público ainda não tinha recebido uma versão oficial dos temas tratados. Segundo informações vazadas pelo Wikileaks, as negociações podem ter sido realizadas com a participação de não menos que 600 corporações21. A participação de representantes de multinacionais é algo que chamou atenção para o conjunto de matérias presentes no Tratado e para os interesses que elas re-presentam.

Os vazamentos de documentos relacionados ao Acordo são muito relevantes para evi-denciar o favorecimento de grandes conglomerados dentro das negociações que envolvem o TPP. Nestes papeis, foi descoberta a presença de companhias de consultoria que representam marcas como IBM, Microsoft, Adobe, Apple; empresas de biotecnologia, ex-representantes do Citigroup. Houve também o vazamento de e-mails entre representantes da Sony, Disney, Warner, que estariam sendo contatados para redigirem diretamente o capítulo envolvendo propriedade intelectual sobre atividades de entretenimento dentro da Parceria.

Talvez uma das justificativas para o ocultismo com o qual foram conduzidas as negocia-ções seja a previsão de Tribunais Supranacionais privados para julgar os litígios entre partes do TPP. O arcabouço jurídico legal, objetiva resguardar os interesses corporativos, configurando o que seria a inauguração da jurisprudência das corporações. A partir dessa previsão legal, as empresas poderão acionar os governos na Justiça, pois os litígios serão resolvidos nas chama-das ISDS (investor-state dispute settlement – Solução de Controvérsias Estado-Investidor)22. Este mecanismo está previsto no Anexo 9-B, do TPP e trata-se de um procedimento arbitral Ad Hoc.

Essa aplicação se daria, sobretudo, a partir da entidade privada Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos23 que busca resolver as disputas entre cor-porações e Estados. Segundo seu artigo 27 (1), quando um processo é submetido a sua arbitragem, a proteção diplomática ou qualquer reivindicação internacional é categoricamente excluída, o que equivale à renúncia da soberania estatal.

Nesses tribunais se garante um procedimento legal que pode anular as decisões das cortes nacionais. A partir deste mecanismo, os investidores estrangeiros podem enfrentar as leis domésticas24, as regulações internas (municipais, estaduais, federais) e as decisões das Cortes Nacionais (inclusive das Supremas Cortes), de modo que os governos podem ser obrigados a pagar aos investidores milhões ou mesmo bilhões de dólares, inclusive por razões

21 -Mais informações disponíveis em: < https://goo.gl/6Q10YF>. Mais informações sobre o ISDS em: < http://goo.gl/Xpg3Jl>. Ver detalhes de como funciona essa empresa jurídica em: < https://goo.gl/O33MFb>. Ver sobre o tema em: < http://goo.gl/dPY3l1>.

28

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

de causa ambiental, social e econômica (ameaça de lucros, inclusive sobre a expectativa de lucros).

Aceitar a jurisdição do ISDS como uma realidade inexorável é inviabilizar o ideal de acesso à justiça como uma forma pública, democrática e disponível para todos com igual possibilidade de acesso. Os casos que podem ser alvo de litígios são de toda ordem: desde a legislação sobre a propaganda de um produto até aumentos no salário-mínimo. Na prática, se criam tribunais com poderes supranacionais que poderão substituir as leis e constituições nacionais e as convenções internacionais, inclusive sobre direitos humanos.

Ademais, há de se considerar os custos para defesa nestes Tribunais privados – mesmo nos casos em que o Estado possa ganhar a causa, ou seja, os altos custos de defesas (escri-tórios internacionais especializados) e de processo – e, principalmente, os custos de uma eventual derrota na Solução de Controvérsia, que por vezes podem ser alvo de indenizações maiores do que os próprios investimentos realizados no país reclamante (como no caso do Equador versus Occidental Petroleum25 e no caso Canadá versus Ethyl Corpo26). Deste modo, os Estados podem ser “forçados” a aceitar alterar legislações ou a aceitar os reclamos privados em razão dos eventuais perdas da ação nos ISDS. Dentro do NAFTA a utilização desse me-canismos já resultou numa série de casos27 que confirmar a tendência do ônus, de qualquer modo, aos Estados nacionais.

O caso da área de livre-comércio entre Canadá e EUA é o caso emblemático sobre o tema, porque marca as principais características do que seriam as consequências legais dos “Tribunais” previstos nos Acordo de Livre Comércio. Logo após o Nafta entrar em vigor, o governo federal canadense decidiu proibir a importação de um aditivo de gasolina, após estu-dos demonstrarem que o mesmo poderia causar câncer. O produtor americano deste aditivo entrou com uma ação e depois da Solução de Controvérsia (o mesmo mecanismo previsto no TPP) contra o Canadá, o governo concordou em abolir a lei e pagar à empresa uma inde-nização de US$ 13 milhões para “vendas perdidas”.

Contudo, o caso com mais destaque é o da empresa Eli Lilly, uma farmacêutica esta-dunidense que está exigindo US$ 500 milhões do Canadá depois que dois de suas patentes foram revogadas por uma corte canadense, porque a empresa não conseguiu provar as dro-gas fornecidas realizavam os benefícios prometidos. Assim é como os acordos do NAFTA obrigam os países membros a fazerem da preservação dos lucros das empresas a sua principal prioridade, mesmo que esta tenha precedência sobre a preservação da saúde e do bem-estar dos seus cidadãos. Nesse cenário, o Estado se torna um fiscal e juiz do livre trânsito e bom funcionamento dos lucros privados.

Casos como este, onde saltam aos olhos os conflitos de interesse envolvidos, são pas-síveis de punição dentro das jurisdições dos países. No entanto, para o caso do TPP, está em

25 - Detalhes em: < http://goo.gl/9sS8SY>. 26 - Mais informações em: < http://goo.gl/oPcetp>. 27 - Lista de casos disponíveis em: < http://goo.gl/R0sBnn>.

29

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

andamento a negociação de um aparato jurídico específico, que regulamentaria exclusivamen-te os Estados membros e suas atividades dentro da Parceria.

Dentro do texto do TPP há artigos sobre sanções nos planos cível, administrativo e até criminal. Em geral, os dispositivos representam alteração direta dos sistemas legais dos países, visando proteger os interesses das grandes corporações internacionais e dos países mais fortes que fazem parte do Acordo. São previstos padrões de conduta jurídica capazes de controlar, coibir e penalizar eventuais infratores. A base dessas propostas é a própria estrutura já exis-tente nos EUA sobre a questão.

A criação de um aparato jurídico próprio demanda também um aparato institucional que o acompanhe. Dessa forma, as cortes e tribunais de julgamento no TPP têm marcadas em si a busca por resolver o mais rápido possível os conflitos existentes, dando gigantescos indícios de que o contraditório e a ampla defesa não serão devidamente respeitados dentro da Parceria. Estipula-se, por exemplo, um prazo máximo de seis meses para a resolução de uma disputa entre os estados membros. Se isso não ocorrer, o reclamante (uma grande empresa) pode solicitar arbitragem junto ao reclamado (o país).

Segundo esta obscura regra de jurisdição, todos os países partícipes da PTP devem aceitar a arbitragem e, se um tribunal não for constituído em 75 dias a contar do pedido, o secretário-geral dessa instituição indicará o(s) árbitro(s) ainda não apontado(s). Nesse tipo de tribunal não há previsão de recurso e os juízes são, em sua maioria, advogados da área de investimentos, ou seja, atuam em favor das empresas reclamantes. Ao fim e ao cabo, está aberta a possibilidade de que um advogado de uma grande corporação internacional seja o juiz de uma causa entre esta mesma empresa e um Estado nacional. A raposa não só cuidará do galinheiro, como também estará amparada por lei para poder comer as galinhas.

Em resumo, a previsão de um verdadeiro Tribunal de Exceção no TPP permite que as empresas multinacionais processem os governos estrangeiros ou nacionais em um tribunal es-pecial, caso os seus lucros “previstos” sejam colocados em causa por preocupações tais como a proteção meio-ambiental ou proteção trabalhista, de modo a criar um sistema jurídico priva-do reservado aos investidores estrangeiros. A ONU afirma28 que a maneira pela qual os litígios são resolvidos tem impactado negativamente nos princípios fundamentais da ONU: soberania estatal, o Estado democrático, o Estado de direito e os direitos inerentes às pessoas humanas.

28 - Declaração disponível em: < http://goo.gl/CEjqxN>.

30

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

e consequências internacionais do TPP

O TPP objetiva promover e inibir a integração Ásia-Pacífico, como será explicado adian-te. Em segundo lugar, busca garantir uma reserva importante do mercado mundial (40%) para o setor de serviços estadunidense, ademais de consolidar parcerias no setor produtivo. Em terceiro lugar, é uma tentativa de consolidar um novo Regime para a Propriedade intelectual, que vá mais além do previsto pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade In-telectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, do inglês Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights). E, por último e mais importante, para manter a lucratividade das grandes empresas estadunidenses, através da estratégia de achatamento dos salários.

A partir das cláusulas previstas pelo TPP, os EUA buscam efetivar a construção de uma Nova Arquitetura Internacional de Comércio e Serviços, que busca modelar à sua maneira as instituições, organizações e prática internacionais. O principal objetivo de sua empreitada é a ampliação das áreas financeiráveis (geográficas e temáticas), assim como ampliar a influência sobre os demais países e suas instituições, como empresas estatais; proceder com a apropria-ção e financeirização do comércio e produção agrícola; avançar na financeirização da saúde e da previdência social e; ampliar o domínio financeiro sobre a cultura, a partir da indústria entretenimento. Do mesmo modo, o acordo prevê a padronização (harmonização) a partir de regras elaboradas em favor das grandes empresas dos setores de serviços e biotecnologia.

Os EUA são altamente competitivos na área de tecnologia (ciência e tecnologia), conso-lidando essa liderança com produtos de alto desenvolvimento tecnológico (sobretudo aqueles desenvolvidos dentro ou com parceria do complexo militar). Com uma enorme vantagem nesse campo, o governo dos EUA tem assinado tratados de livre-comércio com vários países.

2.2Objetivos

31

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Esses acordos mantêm a vantagem e privilégio estadunidense nos setores de alta tecnologia, garantindo acesso irrestrito e benéfico para as suas empresas.

Por outro lado, para o comércio estadunidense, o acordo garantirá importações bara-tas – o que permite o apoio da classe média estadunidense – e a instalação das multinacio-nais estadunidenses em várias partes do mundo (como estratégia para obter taxas de lucro superiores). Proporciona, portanto, um duplo efeito: as importações baratas dos produtos produzidos nos “sócios” do acordo de livre-comércio servem como um “colchão” para os efeitos que os efeitos negativos que o deslocamento das multinacionais estadunidenses tem: os empregados estadunidenses competem, então, com trabalhadores que recebem salários baixíssimos, o que ocasiona a perda de empregos com salários mais altos nos EUA, mas po-dem comprar produtos baratos no Wal-Mart.

O deslocamento das empresas e a perda de seus empregos fazem com que os traba-lhadores busquem se realocar, geralmente, no setor de serviços. Essa tendência caracteriza a chamada “walmartização” da força de trabalho estadunidense – embora não apenas estaduni-dense29 . A “walmartização” é um termo que se refere à ampliação do “modelo” da empresa Wal-Mart para as sociedades em todo o mundo.

O problema é que, além desse setor comerciário/serviços pagar salários menores (se-gundo o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA, três de cada cinco trabalhado-res que perdem seu posto na produção manufatureira acaba por ter uma redução do salário no trabalho seguinte), caracterizando o fenômeno da redução salarial, também há a preca-rização do trabalho (divisão sexual do trabalho; intensidade das atividades; prolongamento da jornada), dentro da qual, há de se mencionar uma das estratégias mais conhecidas desses grupos, tal como o Wal-Mart, que é a “proibição” de sindicalização.

Dos anos 1980 até a crise financeira de 2008, essa tendência foi contrabalanceada por uma dupla estratégia de alienação da força de trabalho: i) colocar a sua disposição produtos importados mais baratos (produzidos, mormente, no México e/ou no leste asiático) e; ii) deixar à disposição desse trabalhador com salário menor, o crédito abundante e barato. Essa dupla estratégia permitiu diminuir a sensação de perda salarial e, ainda, na esfera da ideologia faz parecer que o deslocamento produtivo para as áreas periféricas e superexploradas do mundo é benéfica para os próprios trabalhadores.

A transferência de empregos para outras áreas geográficas é acompanhada pela pre-carização dos empregos nos EUA. Ao mesmo tempo, os países que recebem as empresas estadunidenses aceitam as condições “estratégicas” de direitos sociais e trabalhistas, removidos ou solapados para a melhoria da “competitividade internacional”.

É importante notar que a precarização das condições de trabalho e de vida do traba-lhador vem acompanhada da necessidade de complementar os salários com empréstimos financeiros. Abaixo segue uma expectativa da participação dos salários no PIB dos membros do TPP:

29 - Mais detalhes em: < https://goo.gl/T22ye1>.

32

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Portanto, os tratados comerciais como o TPP têm consolidado a tendência em relação ao aumento da desigualdade de renda e diminuição da participação do salário no PIB e o TPP não é uma exceção. Os pró-acordos de livre comércio atribuem a ocorrência da desigualdade à concorrência salarial trazida pelos imigrantes, a redução real do salário mínimo e ao efeito da desindicalização. Ademais, adicionam a estes fatores “as novas tendências tecnológicas” e afirmam que as perdas salariais são compensadas por novas oportunidades decorrentes do setor de serviços – e que o trabalhador tem que reinventar, colocar em prática a sua capaci-dade de “empreendedorismo”. No entanto, os estudos30 têm mostrando que esses fatores contribuem pouco para a perda salarial.

Todas essas justificativas têm sido utilizadas para omitir as perdas salariais que os acordos comerciais têm trazido para os trabalhadores. Ademais, outros estudos também mostram que as perdas salariais tem sido maiores entre aqueles que recebem um menor salário do que entre aqueles que recebem um salário mais alto.

A consequência real desse processo pode ser observada na participação dos salários no PIB estadunidense, que tem caído continuamente, sobretudo após a concretização do NAF-TA. Criou-se uma dupla pressão sobre os salários nos EUA: importações baratas e desloca-mento das empresas manufatureiras (entre 1973 e 1995, o fluxo de comércio foi responsável por 17% da na diminuição dos salários; por sua vez, entre 1995 e 2011, representou 93% da desigualdade salarial).

Projeção da participação dos salários no PIB dos países do TPP (2025)

30 - Ver em: < http://goo.gl/WeU8C1>.

Units %

USA -1,31

Canadá -0,86

Japão -2.32

Austrália -0,72

Nova Zelandia - 1,45

Brunei, Malásia, Singapura, Vietnam e Outros EA -0,99

México -0,70

Chile, Perú e Outros LA -0,54

Fonte: Global Development and Environment Institute, Working Paper n. 16-01, 2016.

33

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Ao redirecionar a estrutura produtiva para os países de baixa-remuneração e com as prerrogativas do TPP de diminuir ou anular as barreiras tarifárias e alfandegárias, o consumidor estadunidense poderá comprar os produtos por um menor preço e as empresas estaduni-denses aumentam sua lucratividade, dado o diferencial salário nos países da periferia asiática. Portanto, para os EUA o TPP é uma ferramenta para manter sob controle a luta de classes interna. Conforme dito pelo próprio presidente dos EUA31 , um dos objetivos é reescrever as regras do comércio para beneficiar a classe média.

Esta perspectiva logo seria assimilada pela grande maioria dos países e ampliada à es-cala intercontinental: a expansão da indústria de mão de obra superexplorada como meio de aumentar suas exportações e enriquecer uma pequena elite em nome das oportunidades oferecidas pela globalização. Com isso, também aumenta a desnacionalização das economias periféricas e sua dependência.

Contudo, para além de proporcionar o consumo para a classe média, o grande efeito do acordo é ampliar as fronteiras através das quais a elite financeira pode realizar investimen-tos e colher uma enorme lucratividade. É, pois, a tentativa de manter o pacto social: disciplinar a classe media; defender os interesses das grandes corporações, sobretudo as farmacêuticas e as de manipulação genética e; ampliar as fronteiras dos interesses financeiros de Wall Street, a partir de uma regulação feita nos países desenvolvidos e cujos beneficiários são eles próprios (suas elites política e econômica).

A construção do TPP revela os novos paradigmas para a economia mundial. As prin-cipais causas que levam à busca pela formalização de acordos desse tipo são encontradas na complexidade das negociações comerciais no âmbito multilateral, as mudanças na estrutura econômica internacional – em razão das transformações nos sistemas de produção de bens e serviços – e a nova geopolítica das relações internacionais, cuja relevância está presente nas negociações comerciais.

Com a diminuição ou desaparecimento das mais de 18.000 tarifas, há de se observar, para além dos danos para a indústria local, os danos para países de fora do acordo, que não são beneficiados pelas preferências tarifárias. Estes têm de buscar saídas para melhorar a com-petitividade e, via de regra, nos países pobres o primeiro caminho é forçar uma diminuição dos direitos sociais e trabalhistas e, em segundo lugar, aumentar a jornada e a intensidade do trabalho e diminuir a remuneração.

31 - Ver em: < https://goo.gl/rq2N2H>.

34

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Média (%) das Tarifas, comparação com outros blocos

Para além, os impactos do TPP devem contemplar países que não integram as negocia-ções, assim como os processos de integração regional e os efeitos dos acordos já vigentes do âmbito multilateral e bilateral. Os efeitos mundiais podem ser negativos em termos normati-vos, pois as possibilidades de negociação de tratados se materializam cada vez mais em torno dos moldes pelos quais as grandes potências (especialmente China, Rússia, Alemanha e EUA) buscam manejar a integração comercial, diminuindo a margem dos membros da OMC para a definição de políticas nacionais de desenvolvimento econômico, com menores assimetrias.

Previsão para o TPP(mudanças comparadas a partir das projeções de base de dados,

2015-2025).

*EU (União Europeia); - Fonte: World Integrated Trade Solutions (WITS).

Fonte: Global Development and Environment Institute, Working Paper 01-16, 2016.

Units % do PIB % % Milhares %

TPP, Economias desenvolvidas

USA

Canadá

Japão

Austrália

N. Zelandia

TPP, Economias subdesenvolvidas

Brunei, Malásia, Singapura e Vietnam

Chile e Perú

México

Total TPP

Economias desenvolvidas Não TPP

Economias subdesenvolvidas Não TPP

35

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Segundo os resultados mais pessimistas, para os países desenvolvidos participantes do TPP a variação do PIB em dez anos seria negativa em 0,34%, com uma perda de empregos de 625 mil. Para os países subdesenvolvidos do TPP, a estimativa é de uma variação positiva do PIB em 10 anos de 2,03%, mas com uma perda de empregos de 147 mil. Por sua vez, para os países desenvolvimento não participantes, a variação do PIB é negativa em 3,77% e a perda de empregos chega a 879 mil postos. Para os países subdesenvolvidos não participantes, o PIB varia negativa em 5,24% e a perda de empregos chega a 4,450 milhões 32.

Projeções para o PIB de 2030 (membros do TPP)

Projeções para o PIB de 2030 (não membros do TPP)

32 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/48nj93>.

Fonte: Global Economic Prospects, 2016.

Fonte: Global Economic Prospects, 2016.

36

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Por sua vez, segundo as projeções mais otimistas, como, por exemplo, a realizada pelo Banco Mundial, se observa que os ganhos do seriam nulos ou pequenos para a maioria dos países participantes. O Vietnã e Malásia seriam aqueles que mais cresceriam, com crescimento do PIB previsto para 2030 de 10% e 8% respectivamente. México, EUA e Canadá cresceriam na média de 0,6%. Para os não membros do TPP, haveria, para 2030, a estimativa de uma perda de 0,1%, a única exceção é a Rússia, que cresceria 0,1% 33.

Também vale ressaltar dois TLC assinados pelos EUA que trouxeram perdas para os trabalhadores de seu país. Sobre eles, se sabe que, por exemplo, segundo o Economic Po-licy Institute, como consequência da assinatura, em 1999, do acordo PNTR (Normalização Permanente das Relações Comerciais) com a China, entre 2001 e 2013 houve a perda de 3,2 milhões postos de empregos nas áreas industriais estadunidenses (essa é uma estimativa conservadora, porque exclui da conta empregos perdidos indiretamente, como empregos publicitários, na indústria de base, no transporte, em tecnologia de informação, ou seja, multi-plicadores macroeconômicos)34. Por sua vez, sobre o Acordo de livre-comércio com a Coréia (KORUS), somente nos dois primeiros anos de sua entrada em vigor, foram perdidos mais de 60 mil empregos nos EUA 35.

Na matéria de direitos autorais, o TPP se antecipa à possível não entrada em vigor do Acordo de Comércio Anti Pirataria, que visa criar novas normas de execução global de pro-priedade intelectual, no mesmo marco das regras previstas no TPP. O acordo foi assinado em outubro de 2011 pela Austrália, Canadá, Japão, Marrocos, Nova Zelândia, Singapura, Coreia do Sul e EUA. Em 2012, o México, a União Europeia e os 22 países que são Estados mem-bros da União Europeia assinaram também.

Até agora apenas um signatário, o Japão, ratificou o acordo, que entrará em vigor nos países membros após o processo de ratificação por, pelo menos, seis signatários do acordo. Ao que tudo indica dificilmente o acordo entrará em vigor, pois o Parlamento Europeu não validou sua ratificação36. Entretanto, o TPP consagra a mesma matéria do ACTA e, ademais, com exceção da União Europeia (e de todos os seus membros), da Coréia do Sul, da Suíça e do Marrocos, os demais membros (Austrália, Japão, México, Nova Zelândia, Singapura) estão presentes no TPP.

Do mesmo modo, também se negocia o Acordo de Comércio de Serviços (em inglês TISA - Trade In Services Agreement), que é uma proposta de tratado de comércio internacional entre 23 Partes, incluindo a União Europeia e os EUA. Os membros são os seguintes: Austrá-lia, Canadá, Chile, Taiwan, União Europeia, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, Nova Zelândia, Noruega, Coreia do Sul, Suíça, EUA, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá, Peru, Turquia, Paquistão e Paraguai. Os países participantes começaram a elaborar o acordo proposto em Fevereiro de 2012 e apresentado ofertas iniciais no final de 2013.

33 - Dados disponíveis em: < https://goo.gl/C5M6XX>. 34 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/77fCju>. 35 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/yL2jnJ>. 36 - Ver em: < http://goo.gl/vAsQOX>.

37

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

A China espera confortavelmente, a partir de seu investimento regional e interno, os fu-turos caminhos do TPP em direção ou não há uma parceria maior, a Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP, em inglês, Free Trade Area of the Asia-Pacific). A ausência de interesse chinês37 em participar das negociações também é devido às incompatibilidades, sobretudo, com o regime de direitos autorais do TPP. É sabido que a China vem investindo pesado no de-senvolvimento tecnológico e é pouco provável que abra mão do fortalecimento desse setor para a entrada de países que já tem esses setores desenvolvidos, em outras palavras, a China quer continuar subindo a escada do desenvolvimento tecnológico.

Além disso, é muito importante ter em conta que neste ano (2016), a China será reco-nhecida como uma economia de mercado na OMC, conforme previa o Protocolo de Acessão em 2001. O reconhecimento da China como uma economia de mercado traz implicações práticas decisivas para a economia de diversos países, especialmente aqueles que adotaram medidas “antidumping” contra a China para proteger sua indústria nacional, como permitia o Protocolo de Adesão de 200138. Tudo indica que os países desenvolvidos estão se adiantando a isso, buscando ampliar a força de seu setor de serviço e deslocando suas multinacionais para países com mão de obra mais barata que a chinesa e que usufruam dos benefícios das cadeias de valor do sudeste asiático.

Em relação aos países asiáticos Afeganistão, Bangladesh, Butão, Camboja, Timor Leste, Laos, Mianmar, Nepal e Yemen considerados pela ONU como países menos desenvolvidos (em inglês least developed countries), que são parceiros comerciais dos contratantes do TPP, os mesmos têm dedicado especial atenção aos desvios de comércio que o acordo pode tra-zer e as consequências que podem gerar no sentido de minar as preferências multilaterais e bilaterais concedidas.

A participação dos países latino-americanos (México, Chile e Peru) é um indicativo das consequências tanto para a organização própria dos países participantes e das parcerias que estabelece para além do NAFTA, como a Aliança do Pacífico (AP), quanto para a expansão dos efeitos das políticas do TPP. A Colômbia é um ator importante a ser analisado, pois está em negociações finais dentro da AP e já possui TLC com os EUA. A não participação de Bogotá no TPP pode trazer consequências para a o seu potencial de vendas industriais, visto que os demais membros da AP farão parte do TPP.

Desde o ponto de vista regional, o rompimento das negociações em bloco, especial-mente entre a AP e o MERCOSUL, visto que possuem estratégias distintas com relação às grandes negociações e sua inserção na Ásia, desfavorece a integração da América Latina e pode causar atritos comerciais, desfavoráveis à política de valorização dos salários e geração de empregos em setores produtivos. Inclusive a própria posição brasileira no comércio regional e internacional fica condicionada aos efeitos do TPP.

37 - Ver mais em: < http://goo.gl/jeJl8I>. 38 - Informações em: < http://goo.gl/cYw324>.

38

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Para o Brasil, os maiores efeitos poderão ser sentidos em suas exportações de compo-nentes industrializados, pois, com os três países latino-americanos membros do TPP as expor-tações de industrializados são relevantes: das exportações realizadas para o México em 2015, 92,1% do valor (US$ 3,3 bilhões) foi referente a produtos industrializados; com o Chile, 60% do valor (US$ 2,3 bilhões) foi referente a industrializados e; com o Peru, 92% do valor (US$ 1,6 bilhões) foi referente a industrializados39 . A integração desses países com a cadeia de valor do leste asiático e com econômicas dinâmicas desenvolvidas poderá solapar a posição brasileira de exportador de industrializados para esses destinos, trazendo repercussões para os empregos na indústria brasileira.

Com relação aos EUA, segundo maior parceiro comercial brasileiro, algumas alterações também podem ocorrer. No setor agrícola, sobretudo na exportação de carnes e frangos os EUA são competidores do Brasil e, a partir do TPP, terão vantagens para a sua comercializa-ção, especialmente com o Japão. Entretanto, se a dinâmica produtiva nos países asiáticos do TPP se incrementar e, em consequência, a cadeia de suprimentos asiática crescer, também é possível um aumento da exportação de minério de ferro brasileiro para aquela região.

Na região da Ásia-Pacífico o papel da ASEAN é chave para o sucesso do TPP e para mensurar as consequências do acordo, uma vez que a Parceria Transpacífico conta com qua-tro (Brunei, Malásia, Vietnã e Singapura) de seus membros. Do mesmo, a agenda e o êxito do TPP trarão consequências para o aprofundamento da integração pacífico-asiática, pois, ASE-AN e TPP, não são apenas liderados por potências com pretensões de lideranças do sistema internacional, mas apresentam temas diferentes e por vezes antagônicos.

As consequências do TPP para o âmbito multilateral, sobretudo o da OMC também não podem ser negligenciados. A complexidade que as negociações da OMC adquiriram, em função do várias matérias e membros participantes levou a que as principais economias do mundo empreendessem negociações plurilaterais, que para os seus membros apresentará efeitos no âmbito multilateral, como é o caso do TPP.

Do ponto de vista geopolítico a iniciativa estadunidense do TPP é uma resposta às ações econômicas e políticas empreendidas pelas autoridades chinesas e russas, como revela o pró-prio presidente dos EUA, quando afirmou que o acordo visa “modelar as regras da economia global, antes que a China o faça” 40 . Pequim e Moscou têm aprofundado as ações em torno da União Econômica Euro-asiática (em inglês EEU, Eurasian Economic Union) – além de outras iniciativas como os BRICS – que objetiva trazer consigo outros países da Ásia (principalmente a Índia e o Paquistão), no entanto, sem os mesmos mecanismos previstos no TPP, sobretudo, com relação às exceções e especialidade da proteção de propriedade intelectual.

Portanto, o TPP objetiva contrabalancear a crescente influência chinesa no Sudeste Asiático, que tem sido materializado em ações como a Área de Livre Comércio da China, admitido, inclusive, no “resumo do capítulo 2 do Tratado”. Entretanto, o TPP não é a maior

39 - Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Disponível em: < http://goo.gl/wcEDcu>.40 - Ver declaração de Obama em: < https://goo.gl/vpxKwv>.

39

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

proposta para a região, mas um protótipo do maior objetivo da política externa estaduniden-se: a Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP). Sua futura concretização representaria a combinação dos dois esforços paralelos atuais dos EUA: estabelecer a Rota Transpacífico e a Rota Asiática, a partir do interesse de seu setor de alta tecnologia.

40

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

para os setores primário e secundário a partir do TPP

O incremento da lucratividade do setor produtivo, no TPP, é garantido através dos deslocamentos das empresas para países com: tenham mão de obra barata e, de preferência, sem proteção trabalhista; tenham áreas sob domínio público e que sejam passíveis de priva-tização e; potencial para uma maior entrada de empresas estrangeiras (do setor industrial e agrícola), com condições diferenciadas não apenas nas tarifas para exportação/importação, mas também na tributação interna. Contudo, a equalização das três tendências ainda permite dizer que, do ponto de vista produtivo, talvez a relação fundamental para garantir os aumentos de lucratividade seja a exploração dos trabalhadores, a fonte principal da onde vêm os lucros das multinacionais. Com o TPP essa tendência é apenas ampliada.

O Vietnã é um mercado que interessa bastante paras multinacionais estadunidenses. Esse fato pode ser explicado pela forte relação comercial com os EUA desde o restabele-cimento das relações diplomáticas e comerciais, em 1995; ainda pela alta proteção externa existente contra as exportações vietnamitas; as vantagens salariais vietnamitas em alguns seg-mentos, como de calçados; a alta proteção doméstica inicial e os poderosos efeitos de escala e escopo no conglomerado produtivo asiático. Por exemplo, o salário mínimo no Vietnã é de US$0,56 hora. Para efeito de comparação, o salário mínimo nos EUA é US$7,25 por hora, que é um salário reduzido e precarizado. Nesse caso, uma empresa que se desloca para o Vietnã poderia empregar, a partir dos custos nos EUA, quase 13 pessoas locais.

No setor industrial, que é o setor que de fato se desloca e aonde o emprego é perdido, o salário nos EUA chega a US$ 35,47 por hora. Portanto, com o salário pago a um trabalhador nos EUA, a mesma empresa pode explorar 63 trabalhadores no Vietnã. Em outras palavras, com o TPP a tendência é que se exportem ainda mais empregos industriais dos países de-senvolvidos. Ademais do mencionado, as multinacionais que se instalarem no Vietnã serão beneficiadas para existência de cadeias de distribuição e suprimento, conectadas com o leste asiático, sobretudo com a produção chinesa.

3As tendências

41

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Ainda sobre o Vietnã e, principalmente, a respeito de sua relação com os EUA, se sabe que na Guerra do Vietnã (1955-1975) uma das estratégias de combate do exército estaduni-dense foi jogar “agente laranja” sobre as florestas vietnamitas. A grande ironia é que similares ao agente laranja, produzidos pela mesma empresa (Monsanto), tal como o Glifosato, entra-rão legalmente como parte do capítulo do TPP sobre biotecnologia, recebendo direitos de pagamento e proteção legal do governo local.

Do mesmo modo, uma das consequências da utilização do agente laranja na Guerra do Vietnã foi o aumento de casos de câncer, ligados com a exposição a esse produto. Com as regras do TPP, os vietnamitas pagarão ainda mais para o tratamento de câncer, que bem podem ter sido consequências das ações do agora parceiro EUA nos anos 1960 e 1970. É a ironia e a tragédia do subdesenvolvimento na relação dos EUA com o Vietnã.

Por sua vez, a Malásia é um dos países que mais concentra empresas produtoras de produtos e equipamentos eletrônicos. No entanto, a Malásia é um país com população pe-quena e os trabalhadores de suas indústrias, são, na maior parte, imigrantes. A imigração, nes-se caso, é um mecanismo que permite auxiliar para rebaixar os salários pagos e as condições de trabalho (inclusive em condições de trabalho forçado/escravo).

Segundo relatório do Departamento do Trabalho dos EUA41 , 200 mil trabalhadores imigrantes na Malásia são empregados em condições de trabalho forçado/escravo, em razão de terem seus passaportes “apreendidos/roubados” ou do pagamento pela ida à Malásia (a estimativa é que 94% dos trabalhadores imigrantes tenham seus passaportes retidos, como forma de forçá-los a trabalhar para reavê-los num futuro possível).

Para o Canadá as consequências previstas também são negativas, na ordem da perda de 58.000 postos de trabalho42. Assim como nos EUA, os postos perdidos são aqueles de altos salários e os novos empregos são, sobretudo, também na área de serviços e varejo, que oferecem salários menores, tendendo a impactar sobre o aumento da desigualdade de renda. Do mesmo modo, as regras sobre propriedade intelectual limitarão o acesso a medicamentos genéricos, que por sua vez irão incrementar os custos de cuidados de saúde.

Além da tendência de que corporações se desloquem para países com mão de obra mais barata, que tem leis trabalhistas mais fracas, os acordos de biotecnologia poderão atingir fortemente o setor agrícola, do mesmo modo que as regras de patentes influenciarão a fabri-cação de novos produtos e, sobretudo, o desenvolvimento do setor tecnológico do Canadá. Não menos importantes são as restrições no âmbito da liberdade na internet, que tem pro-vocado um grande desconforto na opinião pública canadense.

Em relação aos EUA os fluxos comerciais contribuíram para o aumento da desigualdade de renda. A maioria dos estudos estima que entre 10 e 40 por cento do aumento da desigual-dade durante a década de 1980 e início de 1990 resultou dos fluxos comerciais. Em 1979, o

41 - Ver em: < https://goo.gl/bXFoiA>. 42 - Segundo dados disponíveis em: < http://goo.gl/H0PI6s>.

42

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

salário semanal médio para os trabalhadores norte-americanos em dólares de hoje foi cerca de US$ 749. Em 2014, tinha aumentado apenas quatro dólares para US$ 753 por semana. Durante o mesmo período, a produtividade dos trabalhadores dos EUA mais que dobrou43 .

Do mesmo modo, se observa a tendência na concentração de renda nos países (de-senvolvidos e subdesenvolvidos) se aprofunda com os tratados de livre comércio. No capi-talista mais dinâmico, os EUA, os 10% mais ricos agora detém metade do bolo econômico, e, o 1% do topo, seguindo a tendência, detém mais de 1/5. De 1981 até o estabelecimento do NAFTA e da OMC, a parcela de renda dos 10% mais ricos aumentava na casa de 1,3% ao ano. No entanto, nos primeiros seis anos de NAFTA e da OMC, esta taxa de aumento da desigualdade dobrou, com os 10% mais ricos ganhando 2,6% a mais de participação na renda nacional a cada ano.

Desde então, a disparidade de renda tem aumentado ainda mais, em decorrência da concorrência direta com os salários mais baixos no exterior, que coloca pressão sobre os salários da classe trabalhadora estadunidense. No entanto, se os salários não acompanham o aumento da produtividade, tem-se que localizar para onde se direciona esse ganho de produ-tividade: os lucros das empresas multinacionais sobem, caracterizando a direção para onde vai a diferença de renda entre ricos e todos os outros, que apenas se alarga.

No entanto, os defensores do TPP alegam que o acordo irá facilitar a integração da cadeia de fornecimento, promovendo uma maior coerência regional em normas e regula-mentos. As cadeias de fornecimento envolvem a coordenação estreita de decisões produtivas entre diferentes localidades globais.

Essas cadeias dependem dos rápidos e acessíveis caminhos para o embarque das mer-cadorias, estabelecimento de investimentos e transferência de informação. Elas também re-querem uma conectividade física de excelência lado a lado com políticas que facilitem o co-mércio de produtos intermediários e serviços, assim como do investimento externo. A grande vantagem do TPP, ao se aproximar dos vizinhos do Mar do Sul da China, é se aproveitar das cadeias de suprimento já existentes no leste asiático, integração que se confirma e é resultante do incremento dos acordos econômicos firmados entre esses países.

Aproveitando-se dessa integração produtiva na Ásia, o TPP busca aproveitar o desen-volvimento das redes de fornecimento que, por sua vez, tem impactos positivos na produti-vidade. No entanto, como consequência negativa há a possibilidade de criar uma interdepen-dência dinâmica que acelere a transmissão de choques.

Essa estratégia é articulada para favorecer os mercados consumidores dos países de-senvolvidos, principalmente, a partir do enfraquecimento das regras de origem previstas no TPP. A utilização das cadeias de suprimento e a mão de obra barata daquela parte do mundo favorece o crescimento exponencial das economias locais e dos lucros transnacionais.

43 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/LbFbhq>.

43

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Aproveitando-se dessa integração produtiva na Ásia, o TPP busca aproveitar o desen-volvimento das redes de fornecimento que, por sua vez, tem impactos positivos na produti-vidade. No entanto, como consequência negativa há a possibilidade de criar uma interdepen-dência dinâmica que acelere a transmissão de choques.

Essa estratégia é articulada para favorecer os mercados consumidores dos países de-senvolvidos, principalmente, a partir do enfraquecimento das regras de origem previstas no TPP. A utilização das cadeias de suprimento e a mão de obra barata daquela parte do mundo favorece o crescimento exponencial das economias locais e dos lucros transnacionais.

Aqui cabe desenvolver a ideia do crescimento. A nosso ver, a pergunta não deveria ser se o PIB cresce ou mesmo, quanto o PIB cresce. Considerando que a maioria dos países não assinaria um acordo em que não pudesse obter ganhos, pelo menos nominais, de crescimen-to econômico, a pergunta realmente relevante é: “quem ganha do crescimento do PIB?”.

Essa é pergunta evitada pelos “diplomatas corporativos”, que desenharam o TPP e, por sua vez, explica o ocultivismo das negociações. Embora todos concordasse que a economia dos EUA cresceria com o eventual acordo, a classe trabalhadora tem de observar o seu ganho ou perda neste crescimento. Em outras palavras, o PIB pode crescer – e crescer inclusive num ritmo elevado (o que não é o caso das previsões para o TPP) – e a participação dos salários no PIB diminuir, e é justamente o que vem acontecendo, sobretudo, a partir do NAFTA e com os acordos de livre-comércio com a Coréia do Sul e a China.

No entanto, a despeito das perdas nos salários, essa tendência passa a ser retratada como uma “trajetória de sucesso”, sobretudo em casos em que as exportações dos países – que receberam as multinacionais – aumentaram, por exemplo, com relação ao desempenho das exportações mexicanas. Nada mais falacioso.

Tendência nos Acordos de Comércio na Ásia-Pacífico, entre países membros do APEC.

Fonte: Organização Mundial do Comércio.

44

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Esse raciocínio parte dos seguintes pressupostos: de que a ampliação de exportações gera novos empregos e maiores salários; de que uma maior exposição à concorrência inter-nacional faz com que as empresas locais conheçam novas tendências e inovem mais e; que a abertura comercial proporciona maior inserção nas cadeias mundiais de valor e mais atrativi-dade para investimentos estrangeiros diretos.

Esta é a operação ideológica com a qual nos defrontamos diariamente, essa justifica é a tentativa mistificadora de apresentar os interesses dos exportadores como se efetivamente fossem os interesses de toda a nação. Demonstra a confusão de confundir o que é lucro com o que seria riqueza: lucro privado e riqueza nacional dificilmente coincidem nos países subde-senvolvidos. No entanto, para os interesses dos investidores e dos donos dos lucros, aceitar que toda exportação é benéfica é exatamente a operação ideológica em seu êxito supremo.

Nessa lógica, os países subdesenvolvidos do TPP recebem as empresas e serviços dos países desenvolvidos, com a promessa de ter mercado para as suas exportações. As empresas se interessam por instalar-se nesses mercados em razão dos salários baixos, da frágil regulação trabalhista, dos benefícios tributários e das vantagens dos acordos tarifários assinados no TLC. Do mesmo modo, veem os investimentos para a instalação dessas empresas, entre outros motivos – a própria lucratividade –, veem em razão das facilidades permitidas pelas cláusulas em matérias de serviço se direcionando para os setores bancários, de telecomunicações, de tecnologia de informação.

Na prática das empresas estadunidenses, se pode observar as tendências apontadas a partir das palavras do presidente da General Electric Company: “O TPP aumenta a capacidade das empresas americanas de competir em mercados estrangeiros através da criação de regras básicas que protegem segredos comerciais. O capítulo de Propriedade Intelectual adota nova linguagem que exige que as partes do TPP forneçam os meios legais para impedir a apropriação indevida de segredos comerciais”44 .

Outra tendência observada é que, por um lado, se os mercados dos países subdesen-volvidos são invadidos pelas multinacionais dos países desenvolvidos, aumentando a desna-cionalização da indústria nacional, com futuros efeitos perversos sobre a conta de capitais, principalmente no que diz respeito ao envio de lucros e dividendos; por outro lado, os merca-dos dos países desenvolvidos continuam intocados, com uma participação no valor agregado das exportações pouco elevado. No caso dos EUA, Nova Zelândia e Canadá a participação externa chega ao máximo a 25% do valor agregado das exportações. No caso japonês e australiano a participação é menor que 15%. Essa tendência confirma a tese de que a fórmula de sucesso que permitiu o desenvolvimento tecnológico próprio e com efeitos ampliados por toda a sociedade não é divida com os sócios, pelo contrário, há tão somente a propagação do seu antídoto.

44 - Declaração disponível em: < https://goo.gl/Qaahus>.

45

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Portanto, o que se observa é a produção de efeitos opostos ao do livre comércio, uma vez que cria uma forma seletiva de livre-comércio em mercadorias produzidas por trabalha-dores que recebem salários baixos e exportadas a alíquotas reduzidas (ou mesmo zeradas), ao mesmo tempo em que estende as proteções monopólicas – no setor de serviços – para algumas firmas selecionadas (aquelas que participam diretamente nas negociações por exem-plo, as grandes indústrias, as farmacêuticas, os bancos e as gigantescas de TI).

A discussão sobre Acordos de Comércio (Regionais e Multilaterais) e as questões relati-vas aos direitos trabalhistas tem inclusão, principalmente, a partir da criação e das reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC). No entanto, conforme se observa na Declaração Ministerial de Singapura de 1996 45, o conflito capital-trabalho era inevitável, já que a lógica dos próprios acordos comerciais tem a ver com a pressão sobre os trabalhadores: “o aumento do comércio e a sua liberalização contribuem para a promoção desses padrões [trabalhistas]. Rejeitamos o uso de padrões trabalhistas com fins protecionistas, e concordamos que a vanta-gem comparativa dos países, não deve, de maneira alguma, ser colocada em questão”.

Participação Externa no Valor Agregado das Exportações

45 - Ver em: < http://goo.gl/7b3Hqa>.

Fonte: International Trade Center MACMAP.

46

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Na Conferência de Cingapura (9 a 13 de dezembro de 1996), a Confederação Interna-cional das Organizações Sindicais Livres (CIOSL) estava empenhada em uma campanha global pelo reconhecimento da dimensão social do comércio e pela introdução de uma cláusula social na agenda negociadora da OMC. Ademais, além dos acordos multilaterais, para analisar a questão dos direitos trabalhistas no TPP é preciso também, observar a maneira como esse tema foi abordado nos acordos bilaterais firmados pelo principal proponente, os EUA. Por exemplo, o Acordo de Livre Comércio com o Peru (assinado em 2006 e em vigor desde 2009, cujo capítulo 17 trata dos direitos trabalhistas fundamentais) trouxe grandes danos tra-balhistas46 , principalmente aos trabalhadores dos setores têxteis/confecções e agrícola, por meio de contratações temporais – a informalidade escondida –, fato que contribui e condicio-na uma das características da economia peruana: 61% da população economicamente ativa está ocupada em atividades informais 47.

No que se refere às questões do mundo do trabalho, o capítulo que trata sobre este tema no TPP tem base no chamado “modelo Peru”, da Organização Internacional do Trabalho e nas leis trabalhistas dos EUA – ou talvez na falta dela. O modelo é falho, no sentido em que não possui normas bem estabelecidas quanto à extensão da obrigação dos patrões e Estados nacionais. Por outro lado, em relatório, a Human Rights Watch48 , organização não governa-mental daquele país, afirmou que “a liberdade de associação é um direito sob forte pressão quando os trabalhadores nos EUA tentam exercê-la”. Nos EUA, direitos de liberdade de as-sociação e negociação coletiva para muitos funcionários públicos (nos níveis federal, estadual e municipal) são extremamente restritos. Mesmo o FMI, em seu relatório “Poder para o Povo”, de março de 2015, reconhece esta ligação entre a falta de sindicatos e um aumento na desi-gualdade. A política comercial no mundo, nos moldes atuais, concentra a riqueza nas mãos de poucos, ao não promover adequadamente o respeito aos direitos trabalhistas.

Além de não cumprir as próprias leis peruanas, a alegação é que se está usurpando a liberdade sindical (segundo o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas49 estaria ocorrendo restrições, privação de direitos como o uso da negociação coletiva e greve, além de demissões arbitrárias e contratos de trabalho irregulares nas Zonas Francas, terceirização, discriminação dos dirigentes sindicais, repressão brutal das autoridades policiais).

Sobre o TLC com a Colômbia, a grande ação é o fato de os sindicatos colombianos e estadunidenses entrarem com recurso50 a partir Acordo de Promoção de Comércio entre EUA e Colômbia, contra a empresa canadense Pacific Rubiales, em razão do que os sindicatos chamam de uma campanha de quatro anos de intimidação e violência por parte da empresa a 12 mil trabalhadores de sua planta. Uma das acusações citadas inúmeras vezes é o desres-peito ao direito de formar ou afiliar-se a um sindicato. Ademais, se denuncia que nos três anos

46 - Ver detalhes em: < http://goo.gl/iu6C2h>. 47 - Dados em: < http://goo.gl/ZGj0Xp>. 48 - Relatório em: < https://goo.gl/voRKNX>. 49 - Ver em: < http://goo.gl/4zQaY3>. 50 - Ver recurso em: < http://goo.gl/XZCEam>.

47

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

de vigência do TLC entre Colômbia e EUA, os trabalhadores e trabalhadoras sofreram, pelo menos, 1.466 ameaças e atos de violência, incluídos 99 assassinatos, seis sequestros e 955 ameaças de morte51 .

Essa ação conjunta dos sindicatos é uma das contradições (no mundo do trabalho) dos TLC: é possível que as entidades que defendem os direitos dos trabalhadores e, os direitos humanos, se articulem mais facilmente. No entanto, o caso citado é mais um caso que confi-gura a exceção à regra, visto que quando se incluem cláusula de trabalho nos acordos comer-ciais negociados entre dois ou mais países, em geral, as mesmas contam com escassos meca-nismos de aplicação ou, muitas vezes, nenhum mecanismo de aplicação. Dependem mais da fortuna da organização e ativismo próprios do que de soluções formais previstas pelos TLC.

Sobre a Malásia, se afirma que este país asiático deixa de proteger os direitos dos seus trabalhadores, principalmente no que à liberdade de associação e negociação coletiva. De-nunciam-se também a existência de trabalho forçado e tráfico de seres humanos, menciona-das, inclusive, como práticas comuns.

Em Brunei, as denúncias alertam para violações da liberdade de expressão, do direito à negociação coletiva e do direito de greves, que não são apenas reprimidas, mas também proi-bidas. O Vietnam não tem sindicatos independentes com histórico de negociação coletiva, do mesmo modo, tampouco há a garantia do direito de liberdade de expressão, tão crucial para a defesa do trabalho através das denúncias de violações e/ou incumprimentos de direitos trabalhistas.

Sobre o México, a despeito dos mais de 20 anos de proximidade comercial em razão da participação do país latino-americano no NAFTA, se observa uma distância muito grande entre a previsão legal e o cumprimento dos direitos trabalhistas internacionais fundamentais (respeitando a carta da Organização Internacional do Trabalho – OIT), que incluem como elementares a liberdade de associação e o direito a negociação coletiva. Aliás, nos mais de 20 anos do NAFTA não fora apresentado sequer tem um plano de contingência para resolver, por exemplo, as violações denunciadas e que estão em curso sobre as maquiladoras em Ciu-dad Juarez.

A precarização em suas mais distintas formas, o desrespeito aos direitos trabalhistas e a busca desenfreada por mão de obra barata, não importa se sejam imigrantes, mulheres, crian-ças, entre outros grupos vulneráveis são consequências presentes em quase todos os TLC assinados. As multinacionais, em suas mais variadas formas nos diferentes países do TPP, bus-carão o objetivo de aumentar a lucratividade à custa da exploração dos trabalhadores locais e o TPP não oferece alento nesse sentido. A única esperança é que cresçam as ações conjuntas dos sindicatos e entidades de defesa dos trabalhadores, que articuladas, podem oferecer re-sistência local, nacional e internacional para contrapor os efeitos negativos esperados do TPP.

Na agricultura, especialmente, o TPP eliminará as tarifas que incidem sobre uma grande quantidade de produtos agropecuários e para os outros proporcionará novo e significativo

51 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/oGH1gR>.

48

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

acesso comercial, além de aumento nas oportunidades de exportação através da redução de tarifas ou mudanças nas taxas de quotas tarifárias e nas diretrizes das barreiras não tarifárias. Além de reduzir tarifas e aceitar novas medidas sanitárias e fitossanitárias, obstáculos técnicos ao comércio e disposições de biotecnologia, os países do bloco Transpacífico se comprome-teram a eliminar os subsídios à exportação de produtos agrícolas vendidos em mercados TPP. No entanto, medidas excepcionais foram mantidas: os principais beneficiários foram os EUA e o Japão.

O Japão apresentou uma extensa lista de salvaguardas agrícolas52, como pré-requisito para fazer parte do TPP. A preocupação das autoridades japonesas é com a Segurança Alimen-tar, principalmente, dadas as limitadas condições geográficas do país. Procedendo de igual ma-neira, os EUA estabeleceram uma série de salvaguardas, a maioria delas com relação à alguns produtos da Austrália53, por afetar os produtos estratégicos dos EUA, de modo que, o setor agrícola estadunidense foi beneficiado por meio da manutenção do contorno do atual modelo de subsídio estadunidense, o Farm Bill54 .

De qualquer modo e com algumas ressalvas, se pode afirmar que haverá a ampliação das facilidades para importação e exportação de alimentos, o que é considerado por muitos grupos ativistas um risco tanto para Segurança Alimentar dos países, que ficam cada vez mais reféns tanto das patentes biotecnológicas quanto da produção das multinacionais agrícolas. No entanto, ademais das consequências intra-TPP, há consequências extra-TPP.

Os EUA conseguirão, com o TPP, garantir mercado para os produtos agrícolas biotec-nológicos – favorecidos pela própria sintonia entre pesquisa e desenvolvimento tecnológico – o que permite um aumento da competitividade – via monopólio – no mercado internacional. O que esse processo de ampliação da competitividade agroexportador dos EUA significa para um país como o Brasil, dependente, dentre outras commodities, pela exportação de uma série de alimentos, visto que a atividade agropecuária responde por sete dos dez produtos mais exportados pelo Brasil?

No caso brasileiro, se a produtividade estadunidense aumentar e permitir a redução dos preços de Chicago, o agronegócio brasileiro terá de lançar mão de estratégias ainda mais precárias do que as atuais. Provavelmente, a estratégia da “vantagem destrutiva” será caminhar para a expansão da fronteira agrícola (e o consequente problema ambiental da destruição das florestas e o problema sociocultural de invasão de terras indígenas), que por sua vez agrava o problema da concentração das terras e seu corolário político. Do mesmo modo, o governo terá de aumentar o subsídio governamental ao agronegócio, além da expansão do próprio financiamento privado.

Esse cenário se agrava, principalmente, se levado em conta que o principal produto fa-vorecido para importação nos EUA será o de carnes da Nova Zelândia (crescendo na ordem de US$ 437 milhões) e da Austrália, que, por sua vez, a partir da entrada em vigor do acordo,

52 - Ver salvaguardas japonesas em: < http://goo.gl/jDsVYE>. 53 - Ver em: < http://goo.gl/SXViIe>. 54 - Informações sobre o Farm Bill em: < http://goo.gl/psEjXc>.

49

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

terá cessadas as salvaguardas impostas sobre seu setor agrícola. Por outro lado, as exportações de carne estadunidenses serão beneficiadas porque o Japão reduzirá a alíquota sobre carne fresca e congelada de 38,5% para 9% em 16 anos.

Assim, a partir da redução das tarifas comerciais, as importações de carne de Japão, Chile, Malásia, Singapura e Vietnã impactarão positivamente nas exportações de origem aus-traliana, neozelandesa e estadunidense. Por exemplo, a Comissão de Comércio Internacional dos EUA estima que, se o acordo entrar em vigor em 2017, as exportações de carne tenham um incremento na ordem de US$876 milhões em 2032 – um aumento de 8,4%.

Ora, por que isso é importante? Porque a criação de bovinos no Brasil é a atividade eco-nômica que ocupa a maior extensão de terras: as áreas de pastagens ocupam no país, apro-ximadamente, 172 milhões de hectares, enquanto as destinadas à lavoura totalizam menos de 77 milhões de hectares55 . Ora, ou há a consequente e já abordada expansão da fronteira pecuária ou se busca o aumento da produtividade via incremento de tecnologias de engorda, que supõe o uso de biotecnologia (e por consequência, do pagamento de royalties): de um modo ou de outro as consequências ambientais e sociais são marcantes.

Do mesmo modo, há de se projetar as consequências para o mercado de exportação de frangos brasileiros, que no caso do Japão, representa 90% de sua importação. O Brasil também é um exportador para o Vietnã. Ambos os países reduzirão, na média de 20% as tarifas de importação para os produtos estadunidenses. Com relação à Malásia, as exportações de frango não serão afetadas, pelo menos num primeiro momento, pois, os EUA não apre-sentam as exigências técnicas de procedimentos de corte halal.

Portanto, o TPP facilitará o aumento das exportações agropecuárias dos países de-senvolvidos com desenvolvimento beneficiado pelo incremento tecnológico e características geográficas, proporcionando benefícios significativos para o setor agroexportador, principal-mente dos EUA, mas também da Austrália, Nova Zelândia, Chile e Peru. Destes países, o mais beneficiado será os EUA, pois terá acesso aos mercados do Japão, Vietnã, Malásia, Nova Zelândia e o Brunei, países onde Washington têm acordos de livre comércio em vigor.

No entanto, a despeito dos ganhos no setor agropecuário, o mais importante é não perder de vista o verdadeiro objetivo do TPP, que é manter e ampliar as vantagens dos países desenvolvidos no que se chama a 4ª Revolução Industrial: inovação tecnológica (software, hardware e biotecnologia). Conforme aponta o Conselho de Comércio Internacional dos EUA56 : o acordo comercial pode não ser suficiente para garantir os uma expansão tão grande, num primeiro momento, dos interesses dos países desenvolvimento (e é claro, dos EUA) no comércio global. No entanto, a recomendação é que seja ampliada a política fiscal que garante valorização das pesquisas biotecnológicas para manter a alta competitividade e, daí sim, fazer uso das vantagens que o TPP oferece aos países desenvolvidos.

55 - Dados disponíveis em: < https://goo.gl/oJtJgx>.56 - Ver em: < https://goo.gl/EKwxne>.

50

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Portanto, o TPP se destaca como um meio de orientar a condução das reformas ne-oliberais nos países signatários. Por exemplo, com relação ao Vietnã, há a previsão de auxílio na transição de propriedades do Estado e das Empresas Estatais para uma “modernização”, em favor das forças “dinâmicas” do mercado. Do mesmo modo, há uma grande expectativa para as consequências do acordo no setor agrícola do japonês: se forçará ou não sua moder-nização com base na biotecnologia, que com o TPP, terá benefícios para entrar nos mercados parceiros.

51

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

de serviços em disputa no Século XXI

O setor de serviços nos países do TPP não é tão grande quanto o comércio de mer-cadorias, o que favorece a o monopólio daquele membro que o tem mais desenvolvido. Os EUA geraram os maiores valores no total do comércio de serviços, incluindo mais da metade das exportações de serviços de todos os países do TPP para o mundo. Em termos de quotas de comércio, os EUA foram responsáveis pela maior parte das exportações e importações de serviços em 2014. No entanto, as expectativas são de um desempenho ainda melhor, com a diminuição das tarifas para os mais variados setores de serviço.

Estimativa das barreiras em Serviços, por ramo de serviços, em porcentagem

3.2O setor

Fonte: USITC.

52

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Conforme observado, a diminuição prevista das tarifas para os serviços e a vantagem dos países desenvolvidos nesse setor os fizeram ir mais além no TPP: a novidade com relação a acordos anteriores é a previsão do dispositivo de tratamento nacional às empresas estran-geiras, que permitirá às empresas de serviços dos países desenvolvidos estabelecerem uma presença comercial nos mercados parceiros do TPP com maior facilidade, uma vez que as disposições nacionais de tratamento incluem medidas para garantir que os investidores estran-geiros sejam tratados da mesma maneira que os nacionais. Estas disposições vão diminuir as barreiras ao investimento do país do TPP que mais vantagem tem nos serviços, os EUA, par-ticularmente nos cinco países onde os EUA não tem assinado um Acordo de Livre Comércio.

Os países do TPP enviam US$ 9,6 trilhões em estoque total de investimento estrangei-ro direto (IED), e recebem mais de US$ 8,6 trilhões de IED. Isso representa 37,2% do fluxo de envio de IED do mundo e 33,1% do fluxo de recebimento de IED mundial. Globalmente, o estoque total de IED que os EUA recebem está na ordem de US$ 2,9 trilhões, que equivale a aproximadamente 3/5 do IED total que os EUA enviam ao mundo (US$ 4,9 trilhões). Em outras palavras, a dimensão dos investimentos dos EUA no exterior é substancialmente maior do que o tamanho de investimentos estrangeiros nos EUA. Por outro lado, o fluxo de IED que os EUA recebem, originário nos países do TPP, que está na ordem de 24,9% do valor total, é maior do que a parcela de IED dos EUA cujo destino são os países do TPP, que está na ordem de 20,6%.

No geral, os países TPP são responsáveis por mais de US$ 1 trilhão da destinação do estoque do IED dos EUA. Entre os países TPP, o maior destino para IED estadunidense é o Canadá (7,8%), seguido pela Austrália e Cingapura (3,7%). A maior parte (87,8%) do IED que os EUA recebem dos países do TPP se origina no Japão e no Canadá. O maior investidor do TPP nos EUA é o Japão, que responde a 12,9 % do total dentro estoque de IED nos EUA.

Posição estoque de IED nos países do TPP

Fonte: USDOC, BEA “Direct Investment Positions for 2014: Country and Industry Detail”.

53

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Ademais de assegurar a rentabilidade e segurança dos investimentos em serviços, tanto o capítulo 10 do TPP, que trata sobre o Comércio Transfronteiriço de Serviços, quanto o capítulo 11, que trata sobre Serviços Financeiros e o capítulo 18, que trata de Propriedade Intelectual, foram escritos com um claro objetivo: facilitar a exportação de serviços dos EUA, do Japão e do Canadá para os outros nove membros do TPP.

Essa tendência pode ser observada nos dados apresentados nos parágrafos anteriores, que evidenciam que a maioria das economias que integram o Acordo Transpacífico são impor-tadoras líquidas de serviços, especialmente de direitos de propriedade intelectual. Isso sinaliza, para as empresas e representantes dos países desenvolvidos, algo sobre a importância de ir além dos acordos previstos no TRIPS (sobretudo com relação às ressalvas aos casos em que é possível, por utilidade pública da saúde dos países, quebrar patentes e permitir a produção de genéricos 57).

É importante ter em mente que, mundialmente, o Complexo Industrial da Saúde é avaliado em US$ 1 trilhão, cuja indústria farmacêutica corresponde a US$ 670 bilhões, a in-dústria de reagentes de diagnósticos US$ 25 bilhões, US$ 9 bilhões da indústria de vacinas e a indústria de produtos médicos movimenta US$ 300 bilhões58. No caso dos países subdesen-volvidos do TPP (principalmente Brunei, Vietnã, Malásia, Singapura e Peru, México e Chile em menor grau), representam um mercado potencial para a indústria farmacêutica, dada o pouco desenvolvimento desse setor nos mencionados países, o que favorece a comercialização – via monopólio – das farmacêuticas dos países desenvolvidos, especialmente dos EUA.

57 - Ver consequências das novas regras de patentes em: < http://goo.gl/67aUAg>.58 - Dados disponíveis em: < https://goo.gl/f0oOLu>.

Participação no Total de Comércio das importações e exportações de mercadorias e serviços, por país, 2014.

Fonte: Comissão de Comércio Internacional dos EUA.

54

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

De modo que as empresas farmacêuticas foram uma das principais fontes de pressão para a assinatura do TPP, nas condições em que está, pois fortaleceria o registro e duração das patentes farmacêuticas e, principalmente, aprofundaria o acordo dos TRIPS, adiantam-se às ressalvas feitas aos genéricos. No total, as empresas farmacêuticas dos EUA são responsáveis por 80% do investimento de ciência e tecnologia em biotecnologia no mundo. Essa é a razão pela qual seus representantes no TPP insistiram em fortes proteções aos direitos de proprie-dade intelectual.

É necessária destacar as razões pela qual é importante a manutenção e defesa da cláu-sula que permite a produção de genéricos. Por exemplo, quando se observa a realidade bra-sileira: atualmente a atuação das empresas brasileiras está concentrada no mercado de cópias, representando – em unidades – 71% dos genéricos vendidos no país e 68% do segmento dos similares, no entanto, apenas 18% do mercado de medicamentos de referência são pro-duzidos por brasileiras59 . Não menos importante é a dependência brasileira nesse setor, tanto de tecnologia de produção de insumos básicos quanto da pesquisa científica.

É mencionado no texto do TPP o setor de medicamentos e equipamentos médicos. Há uma crítica aos governos que mantém programas públicos de saúde, porque os governos relacionam determinados produtos farmacêuticos e equipamentos médicos, direcionando a utilização de uns em detrimento de outros (por exemplo, com políticas de subsídios), numa escolha que não necessariamente adota preceitos de mercado – leia-se: preço mais competi-tivo. O temor, neste caso, é de que o TPP possa comprometer sistemas universais de saúde, como o SUS.

Uma das fontes do poder das farmacêuticas são os procedimentos biotecnológicos. Os procedimentos biotecnológicos são aqueles cujo princípio ativo é fabricado por um organismo vivo que foi modificado através da tecnologia. Esta tecnologia que cria os próprios princípios ativos é a biotecnologia. Estas técnicas não são apenas da indústria farmacêutica, mas são utilizadas também na agricultura, ciência dos alimentos, meio ambiente, geração de energia e medicina. Por serem de entrada e desenvolvimento recente nos mercados, tem uma posição monopólica, com preços elevados.

Sobre os produtos farmacêuticos que contém procedimentos biotecnológicos, o TPP garante pelo menos cinco anos de exclusividade no mercado, com possibilidade de ampliar o monopólio até oito anos (art. 18.51)60. O TPP define o que seriam procedimentos tecnoló-gicos: a) técnica de ADN recombinante, b) técnica de anticorpos monoclonais e hibridas e c) outros métodos que a Autoridade Nacional determine.

O mecanismo pelo qual se outorga a exclusividade no mercado se chama “Proteção de dados experimentais ou outros dados não divulgados” (art. 18.50). Ao entrar em vigência, essa Proteção de Dados experimentais restringe a entrada de competidores ao mercado,

59 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/5EKrvQ>. 60 - Ver em: < https://goo.gl/HLDOkh>.

55

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

pois não poderá utilizar a informação do produto, e por sua vez, não haverá autorização para comercialização.

Do ponto de vista humanitário as implicações destas mudanças são motivo de pre-ocupação não apenas dos Estados participantes e não participantes, mas da sociedade civil como um todo, especialmente em temas sensíveis da utilização de genéricos, como a AIDS. A organização internacional Médicos Sem Fronteira considera61 que o TPP pode diminuir significativamente o acesso a medicamentos com preços acessíveis para milhões de pessoas em partes do mundo em desenvolvimento, devido às agressivas disposições de propriedade intelectual propostas pelos EUA.

Dos membros do TPP, talvez a situação mais preocupante com relação ao alerta dos Médicos Sem Fronteira é que há cerca 250 mil vietnamitas portadores de HIV. Do mesmo modo, o país registra cerca de 150 mil novos casos de câncer por ano e 75mil mortes por câncer62 . Portanto, a alteração das regras dos genéricos (para o tratamento da AIDS) e uma possível elevação dos preços dos medicamentos, de acordo com as novas regras de patentes propostas no TPP, afetaria uma grande parcela da população, com perigosas consequências humanitárias.

O argumento das companhias farmacêuticas é de que os preços mais baixos dos me-dicamentos prejudicariam o incentivo ao desenvolvimento de novas drogas farmacêuticas, ao não permitir o acúmulo de lucros suficientes para avançar na direção de métodos mais modernos e eficientes para o financiamento de pesquisa63 . No entanto, pouco se menciona a respeito dos mega poderes e proteção garantida às farmacêuticas, a partir do chamado mé-todo “evergreening”.

É uma estratégia que pretende ir além das regras estabelecidas com relação à biotecno-logia, o TPP compromete também as regras do desenvolvimento da síntese química. A síntese química trata de uma nova informação clínica de um produto farmacêutico conhecido, ou seja, uma nova substância química (relevante ou não, pois a relevância fica à mercê do que julga o laboratório) acrescentada a um produto já existente.

A estratégia evergreening é usada pelas companhias farmacêuticas para continuar man-tendo monopólio de mercado após a expiração da “patente primária”. A ideia é que, após a proteção inicial, as farmacêuticas apenas mudam a forma pela qual o remédio é apresentado (por exemplo, ao invés de ser apresentado como uma pílula, modificando sua comercializa-ção para a forma líquida – uma vacina), e revendo-o como um novo tratamento, a um preço maior.

Assim percebido, perde o sentido o argumento de que é necessário mais tempo de monopólio para garantir maior rentabilidade, que por sua vez, seria pré-requisito para estimu-lar a inovação em pesquisas farmacêuticas (que é o principal argumento do lobby farmacêutico

61 - Ver em: < http://goo.gl/zJp9bU>. 62 - Dados disponíveis em: < http://goo.gl/0ykJgk>. Ver posição oficial da representação farmacêutica: < http://goo.gl/v7zs0M>.

56

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

para justificar as patentes). No entanto, com as regras estabelecidas no TPP, aumentam os custos dos tratamentos médicos (a partir da apresentação do que, para o público, é um “novo produto”) e postergam a chegada ao mercado de remédios com preços mais acessíveis.

Portanto, o TPP permite estender as patentes para beneficiar ainda mais as empresas farmacêuticas e de biotecnológicas – acelerando a pesquisa, produção e comercialização, por exemplo, da tecnologia transgênica, conforme prevê o capítulo 18 do TPP em um controle político ampliado. Tudo isso em detrimento dos medicamentos genéricos, das culturas agríco-las tradicionais e do direito humano à saúde.

Esse processo fará com que, ao longo dos anos, a balança de pagamentos dos países subdesenvolvidos começa a sofrer os efeitos da entrada de capitais para os serviços: remessa de lucros e pagamentos de royalties e direitos de propriedade. Isso cria uma espiral que leva os países subdesenvolvidos tanto a se endividarem para cobrir os rombos no Balança do Paga-mento, quanto a diminuírem sua atuação social, relegando-a à esfera privada (e mais uma vez à ampliação dos lucros dos serviços para áreas ainda não privadas). O mais curioso é que, caso esse cenário se concretize, os países subdesenvolvidos emprestariam os lucros das próprias farmacêuticas, que são alocados no mercado financeiro global.

Portanto, o regime de serviços estabelecido pelo TPP é uma maneira dos países de-senvolvidos escreverem o futuro do comércio internacional de serviços de maneira a man-terem sua posição hegemônica no desenvolvimento científico, na produção e na comerciali-zação da alta tecnologia de serviços. Há um grande mercado para a exportação de serviços, inclusive, como correlatos ao deslocamento das indústrias multinacionais.

Ademais de fonte de grandes receitas, derivadas dos direitos de royalties e recebimento de lucros, o setor de serviço poderá competir, em pé de igual, com as empresas nacionais dos países membros do TPP (que não poderão estabelecer nenhum mecanismo de benefício ao desenvolvimento nacional). No entanto, o Novo Regime Internacional de Propriedade Inte-lectual proposto pelos países desenvolvidos – com quase exclusiva iniciativa dos EUA –, para além de ampliar as possibilidades de lucros e domínio das economias nacionais do TPP, cria sério limites para a dinâmica de inovação, acesso e direitos da sociedade civil, não apenas dos países membros do TPP, mas para a sociedade civil global.

57

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

negociada a partir do Regime de propriedade intelectual do TPP

A sofisticada legislação referente à propriedade intelectual dentro do TPP se revela como o ponto mais obscuro do acordo. O texto do acordo revela uma preocupação explícita em resguardar plenamente os direitos de monopólio/oligopólio sobre o uso da tecnologia por parte dos países mais ricos. Para um acordo que pretende aprofundar a liberalização eco-nômica, as rígidas regras que envolvem a propriedade intelectual caminham exatamente na direção contrária.

A ideia geral do capítulo da propriedade intelectual é que os monopólios no domínio da tecnologia continuem sustentados e possam estar amparados por uma governança global que lute fortemente contra a universalização da tecnologia, instrumentalizando o Estado nacional no sentido de proteger as demandas de grandes corporações transnacionais, validando a sim-biose entre capitalismo, monopólio e Estado. Nos documentos do Acordo, é detalhada uma proteção de patentes ainda mais fortes e prolongada do que já prevê a Organização Mundial do Comércio, e maior exclusividade sobre informações de produtos.

O maior avanço do TPP com relação à proteção dos direitos privados do setor de ser-viços foi a inclusão de dispositivos específicos para o comércio de produtos biotecnológicos e produtos da biotecnologia moderna. As disposições de biotecnologia beneficiaram direta-mente o agronegócio dos países desenvolvidos, principalmente o estadunidense, que está envolvido no desenvolvimento de produtos biotecnológicos, bem como seus agricultores e empresas, que estão usando essa tecnologia para crescer e exportar produtos agrícolas locais.

3.3A vigilância

58

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

De modo que se tem percebido o apoio do setor agrícola estadunidense ao acordo e algum otimismo especial sobre o potencial acesso aos mercados japoneses e vietnamitas.

A Declaração sobre o TRIPS e a Saúde Pública, aprovada na Conferência de Doha, em novembro de 2001, foram resultados em dupla instância dos atentados de 11 de Setembro de 2001, pois o imperativo de garantir a segurança e a tranquilidade de populações ameaça-das por um inimigo oculto, capaz de atacar a qualquer momento e em qualquer lugar, falava mais alto do que qualquer outro interesse. Ademais, a realização dessa Rodada no Qatar, um Estado petroleiro minúsculo, movido pelo trabalho de estrangeiros (mais de 80% da popula-ção de 1,8 milhão habitantes do Emirado do Qatar é composta de expatriados) e autocrati-camente governado inviabilizou a ação dos movimentos sociais e trabalhistas (conforme tinha ocorrido nas reuniões anteriores, em Singapura e, principalmente, Seattle).

No entanto, era notável a dificuldade em um consenso – embora tenha havido a apro-vação – sobre os TRIPS, em declaração conjunta64 do Grupo Africano, Bangladesh, Barbados, Bolívia, Brasil, Cuba, República Dominicana, Equador, Haiti, Honduras, Índia, Indonésia, Ja-maica, Paquistão, Paraguai, Filipinas, Peru, Sri Lanka, Tailândia, e Venezuela, fizeram a seguinte ressalva ao TRIPS: “nada no Acordo do TRIPS deve impedir os Membros de tomarem medi-das para a proteção da saúde pública”.

Portanto, a Declaração sobre o TRIPS e a Saúde Pública65 possibilitou uma série de flexibilidades com relação às patentes na área da Saúde, reconhecendo o direito de cada Membro do Acordo a “conceder licenças compulsórias, bem como liberdade para determinar as bases em que tais licenças são concedidas e determinar o que constitui emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência, subentendendo-se que crises de saúde pública, inclusive as relacionadas com o HIV/AIDS, com a tuberculose, malária e outras epidemias, são passíveis de constituir emergência nacional ou circunstâncias de extrema urgência”.

Importa destacar que nesta declaração, teve papel importante o realizado pelo então embaixador brasileiro em Genebra, Celso Amorim, no que ele chamou de “perspectivas alen-tadoras para os países em desenvolvimento”66. No entanto, o ex-chanceler não poderia deixar de, ao mesmo tempo, revelar as diretrizes que ele considerava ambiciosa: a liberalização do comércio agrícola.

Por sua vez, com relação aos os direitos de propriedade intelectual, o TPP vai, perigo-samente, mais além que o acordo do TRIPS, assinado no seio dos membros OMC. Segundo o texto do TPP, haverá penalidades para o que eles consideram uma “exploração comercial ilegal” dos direitos autorais, com clara sinalização para a aplicação de medida para reduzir a distribuição ilegal online e também para o recrudescimento das leis de direitos autorais.

64 - Ver Declaração em: < https://goo.gl/mHE1uj>. 65 - Ver Declaração em: < http://goo.gl/UYn10l>. 66 - Disponível em: < http://goo.gl/63UHcm>.

59

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Essa tendência pode ser confirmada nas palavras proferidas na apresentação do presi-dente da Cargill – umas das empresas mais interessadas no desenvolvimento de transgênicos – ao Comitê de Comércio Internacional dos EUA: “hoje os 12 países incluídos no acordo ofe-recem algumas oportunidades importantes para reduzir o custo global da conta de alimentos do TPP, permitindo que mais alimentos se movam através de oceanos e fronteiras” 67 .

Uma vez firmado o acordo, os países subdesenvolvidos terão que desembolsar mais recursos referentes aos pagamentos dos direitos de patentes (e dos lucros propiciados pelas patentes). Ao fazê-lo, os recursos para outras áreas (como a própria Ciência e Tecnologia) ficam cada vez mais escassos. Em outras palavras, a patentes podem se configurar com um círculo vicioso para a negação do desenvolvimento científico e tecnológico dos países menos desenvolvidos dos acordos comerciais: O TPP pode ser considerado uma amarra ao desen-volvimento, um verdadeiro chute na escada68 do desenvolvimento, aumentando a dependên-cia técnico-científica, financeira e cultura dos países subdesenvolvidos.

Se somarmos a este cenário a questão da ampliação dos transgênicos (por isso a preo-cupação com o tema da biotecnologia no TPP), como resultado e determinante da mundia-lização de um padrão de alimentação ocidental (fast-food) e os eventuais danos à saúde que disso decorre, temos um cenário de contínua necessidade dessas drogas patenteadas, a sus-peitar, num ritmo cada vez mais rápido e forte. Isso não seria possível sem a indústria cultural (entretenimento), necessária para facilitar a aceitação pública dos acordos de livre-comércio.

O dano cultural, a partir do regime de proteção de direitos autorais previstos no TPP ocorreria em variados segmentos: musical, cinematográfico, desenhos animados. Em suma, o imperialismo sedutor é um dos pilares da dominação econômica e política das nações desen-volvidas dentro dos acordos comerciais.

Essa é uma das questões que levou, por exemplo, a opinião pública canadense a se po-sicionar contra o acordo. O Canadá tem como uma das suas características a proteção a seu sistema/indústria cultural nacional, a partir de restrições à entrada de companhias estrangeiras em setores de radiodifusão e publicação, ao assinar o TPP, permitirá a abertura irrestrita desse setor estratégico à competição transnacional (estadunidense) 69.

O Regime de Propriedade Intelectual proposto pelo TPP coloca em xeque os direitos individuais e a liberdade de expressão, assim como desconsidera os direitos intelectuais base-ados no Creative Commons. Os Creative Commons são um exemplo de licença permitida para o acesso a trabalhos culturais livres. O detentor dos direitos autores não pode revogar estes direitos desde que os usuários respeitem os termos da licença previamente definida pelos usuários e criadores na internet. O TPP acaba com esse tipo de permissão, a partir de novas regras e uma nova jurisprudência internacional (privada) sobre a liberdade de expres-

67 - Ver apresentação em: < https://goo.gl/MCJkFk>. 68 - Segundo a perspectiva de Chang, em seu livro “Chutando a Escada”. Ver comentário em: <http://goo.gl/lUxmTT>. 69 - Mais detalhes em: < http://goo.gl/gkRcRX>.

60

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

são, a privacidade e a inovação em matéria de internet, o que se configura na mais perigosa ameaça internacional à neutralidade da rede e ao direito à privacidade.

Sobre os direitos autorais o TPP impõe dois tipos de regras. Primeiro, regras as que au-mentam a proteção existente para obras como música, filmes ou software, elevando os pra-zos de proteção, os casos em que as obras se encontram protegidas e o alcance das exceções que poderiam existir sobre elas. Segundo, regras que ampliam a forma pela qual estas prote-ções se cumprem na Internet, obrigando os países a criar uma nova tipologia criminal que seja aplicada para quando se violem estas obrigações, assim como regimes especiais de detenção e punição, para quando um titular de direitos autorais queira reclamar seu uso inadequado.

O mais discrepante é a desproporção entre a proteção dos direitos autorais – como aqueles que as multinacionais do entretenimento vão deter– sem ter em conta os direitos dos usuários e o valor cultural dos produtos/serviços. Do mesmo modo, se criam obrigações aos intermediários da Internet (blogs, redes sociais, provedores, servidores), que deverão fiscali-zar seus usuários nas referidas plataformas. Para estas empresas, a única maneira de não estar comprometida com o “crime” seria identificar o usuário, sancioná-lo, eliminar a publicação identificada e até mesmo bloquear ou desconectar o usuário. O mais grave: tudo isso, a prin-cípio, sem intervenção judicial. Para fins de comparação, é como se fosse criada uma Polícia da Internet, com poderes de “Auto de Resistência”.

As consequências devem ser pensadas no que se refere à liberdade de expressão, que a partir do TPP fica sujeita a uma autoridade (não judicial), com graves danos aos direitos hu-manos de expressão, privacidade (as mensagens privadas poderão ser inspecionadas também) e o devido processo legal; é uma porta aberta à censura privada. Do mesmo modo, exigirão um maior custo fixo por parte das empresas que prestam serviços intermediários na Internet, com consequências para os preços de acesso à internet – com implicações para o acesso dos usuários –, além de retirar incentivos às pequenas e media empresas para entrar neste ramo.

Na mesma linha, está previsto o aumento dos prazos de proteção aos direitos dos autores (até os 70 anos depois de sua morte, artigo 18.63). O próprio México já aprovou o patamar de 100 anos de proteção dos direitos autorais após a morte do autor. Chile e Peru já tem firmado o compromisso dos 70 anos. A partir do TPP, será quase impossível reduzir esse prazo, pois se criará competição internacional entre os países para terem prazos semelhantes (e usufruírem do monopólio que o prazo garante), caracterizando ainda maiores limites de acesso a conhecimento e cultura.

Mais uma vez, percebe-se a realização do “livre comércio protecionista”, pois os países que mais têm patentes registradas e mais exportam produtos e conteúdos protegidos por direitos autorais são os próprios desenvolvidos, com grande papel para os EUA, que contam, por sua vez, com uma forte e protegida indústria de licenciamento de direitos autorais, com leis de defesa e incentivo. O capítulo 18 do TPP põe fim às exceções e limitações (de uso não comercial), que restringe a possibilidade das legislações locais de estabelecerem mais direitos de uso aos usuários (bibliotecas, arquivos públicos, usuários ou instituição sem fim lucrativo), sobretudo no que dize respeito ao uso de novas tecnologias informacionais.

61

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

No mais, as regras de proteção tecnológica visam impedir a cópia de arquivos, seu en-vio a outras pessoas, o seu compartilhamento e/ou reprodução em determinadas condições. Essas regras limitam, inclusive, usos reconhecidos como a leitura em voz alta de um livro digital ou poder reproduzir um DVD em um computador ou ainda fazer uma cópia de segurança: se proíbem estes tipos de utilizações. As regras de proteção da propriedade intelectual do TPP caracterizam limites ao acesso à cultura e o conhecimento e vão para além do previsto nos tratados internacionais sobre o tema, de alguma maneira, supervisionados pela OMC (TRIPS) ou OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual).

Em certo modo, se pode afirmar que o TPP facilita o processo de inclusão de regras arbitrárias de proteção dos lucros decorrentes de propriedade intelectual e restringe a liber-dade dos usuários e à oferta de bens culturais. Outra vez, os mais interessados nisso são os EUA, que, muito estrategicamente, ao fazer uso de um mecanismo específico para tratados comerciais internacionais, o Fast Track, se aproveitará – a partir da facilidade concedida pelo ato – para aprovar, no ínterim do TPP, o mesmo conteúdo dos projetos de lei PIPA (2008), CISPA (2011) e SOPA (2011).

Como se sabe, esses projetos previam a responsabilização criminal dos intermediários e, conforme mecanismo descrito acima, a aplicação de medidas de censura. Conforme dito acima, o TPP se converteu na condensação das propostas CISPA, SOPA e PIPA, colocadas no interior de tratado de livre comércio, cuja aprovação do Congresso estadunidense, a partir do Fast Track, é realizada com severos entrevas (exceções), como com discussão limitada e a impossibilidade de alterações no texto original70. A originalidade perversa dessa manobra consiste em fazer a opinião pública apoiar o projeto em razão do já mencionado “credo do livre-comércio” e não levantar nenhuma discussão sobre os dispostos incluídos de proprieda-de intelectual.

Portanto, com relação à liberdade de expressão, o acordo representa uma grande ame-aça, pois, conforme dito, força os provedores de internet a filtrar todas as comunicações em busca de violações de direitos autorais com o poder de censurar sites que são considerados violadores – o que uma série de críticas no relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU71. Essa previsão nos permite considerar que o TPP é uma nova tentativa (após CISPA, SOPA e PIPA) de criar limites (e aumentar o controle estatal sobre a internet), colocando a rede mundial de computadores sob o domínio corporativo.

70 - Sobre funcionamento detalhado do Fast Track, ver: < https://goo.gl/yyIENW> 71 - Disponível em: < http://goo.gl/CEEgwf>.

62

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

o mundo do trabalho e o TPP

Na mídia corrente sempre se justifica a adesão a um acordo de liberalização econômica dizendo que haverá mais acesso a mercados diferenciados por parte do Brasil. Abrir merca-dos para as exportações brasileiras significa, dentro deste raciocínio, geração de empregos e aumento de salários.

Só que não é bem assim que as coisas acontecem. O ex-embaixador brasileiro nos EUA, Rubens Barbosa, costumava elaborar um documento anual para a diplomacia do Brasil denunciando todas as barreiras que os EUA tinham à entrada de produtos brasileiros. Segun-do o embaixador, os EUA têm cerca de 4.000 agências reguladoras de seu comércio externo, responsáveis por aproximadamente 80.000 regras.

Neste caso, o ponto é que os EUA são conhecidos como um país pretensamente livre no comércio internacional. No entanto, possuem as chamadas barreiras não tarifárias, ou seja, usam outras formas de proteger sua própria produção que não são os tradicionais impostos de importação. Barbosa diz que, para o caso da produção brasileira de tabaco, por exemplo, os EUA produzem 75% de tudo o que circula em seu mercado, permitindo que somente uma cota de 25% de toda a demanda do país seja atendida por importações.

Outro exemplo é o da carne de frango. De acordo com o embaixador, o Brasil não consegue exportar carne de frango para os EUA porque não cumpre as exigências sanitárias do país. Segundo o governo dos EUA, o Brasil ainda não está livre da Doença de Newcastle, apesar de não ter registrado nenhuma ocorrência da doença nos últimos 20 anos.

4O Brasil,

63

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Vigora, nos EUA, desde os anos 30, uma lei chamada Buy America Act. Esta lei foi reformulada algumas vezes, mas basicamente ela obriga qualquer governo nos EUA a fazer compras governamentais (seja nas esferas federal, estadual ou municipal) de produtos que te-nham sido fabricados no país. Lembremos aqui que as compras governamentais são o motor da economia nos países capitalistas.

Portanto, o acesso aos mercados estadunidenses a partir da assinatura do acordo não pode ser considerado como algo líquido e certo. Os EUA se organizaram enquanto nação baseados no protecionismo e, no que for essencial ao seu interesse nacional – leia-se, os in-teresses dos produtores estadunidenses – não medirá esforços no sentido de se proteger da concorrência externa. Prova disso são os US$ 300 bilhões de dólares gastos todos os anos pelos EUA em subsídios agrícolas.

Ainda se encontra viva na memória dos trabalhadores brasileiros a luta contra a implan-tação da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. A luta contra a implantação do plano que destruiria a débil indústria nacional ocupou boa parte da agenda de organização sindical entre a segunda metade dos anos 90 e a primeira metade dos anos 2000. Até este ponto, nenhuma grande novidade.

No entanto, documentos vazados pelo Wikileaks (ferramenta de importância central para acompanhar a política internacional) revelam que os negociadores do Acordo Transpa-cífico também nutrem memória plena a respeito do ocorrido na ALCA. Segundo a avaliação da diplomacia estadunidense, o TPP não pode repetir o mesmo erro da Área de Livre Co-mércio das Américas, que deixou os termos da negociação expostos demais, dando margem a reflexões profundas por parte dos sindicatos, movimentos sindicais e universidades quanto aos seus impactos. Desta forma, o conhecimento sobre as condições sob as quais o acordo vinha sendo costurado contribuíram largamente para que fosse organizada ampla resistência à sua continuidade. Em outras palavras, a ALCA não andou porque as pessoas sabiam demais sobre o que estava em jogo. Por isso, a principal linha que orienta as negociações do Acordo Transpacífico é o mais absoluto sigilo quanto aos documentos, os atores envolvidos nas tratati-vas e os termos da Parceria. Para que se tenha uma ideia, os documentos do TPP possuem a mesma classificação em termos de segurança nacional que aqueles que justificaram a invasão do Iraque e só poderão ter maior acesso quatro anos após a entrada em vigor do Acordo.

Ainda que seja possível traçar um paralelo entre a ALCA e o Acordo Transpacífico desde o ponto de vista das suas implicações gerais, é importante sublinhar que o TPP tem peculia-ridades que o tornam ímpar em termos de economia internacional. Enquanto Área de Livre Comércio, o principal apelo da ALCA era pelo fim das barreiras tarifárias entre os países do continente americano, possibilitando livre fluxo de mercadorias sem qualquer ônus referente a impostos de importação.

O Acordo Transpacífico é diferente. Em primeiro lugar, ele não se baseia essencialmente nos termos tradicionais da constituição de “blocos econômicos”. Não há – e não haverá, a princípio – qualquer acordo multilateral que reúna todos os países do TPP numa única insti-tuição. O que se pretende, com o acordo, é uniformizar a legislação dos estados participantes

64

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

no tocante a temas que envolvem as relações econômicas internacionais. Temas estes que podem envolver a liberalização comercial, mas também avançam em outros sentidos, tais como a propriedade intelectual, os direitos do investidor internacional, o foro e as diretrizes a serem adotadas para a solução de conflitos e os fluxos de transações financeiras entre as partes signatárias do Acordo.

Em linguagem prática, no TPP, as partes envolvidas negociam os termos que vão reger determinados assuntos nas relações econômicas internacionais e apresentam os textos destes tratados aos Estados nacionais. Uma vez que se faça a adesão ao TPP, invariavelmente, o país signatário estará automaticamente aceitando as regras definidas pelos capítulos do acordo que regem estas determinadas áreas. É como se ele aceitasse um pacotaço de regras que, a partir daquele momento, passarão a coordenar toda a condução do país em sua inserção interna-cional nos temas previstos dentro do Acordo.

Neste sentido, ao pretender ir além de um acordo de liberalização comercial nos mol-des tradicionais, mas sim coordenar uma política que determinaria outros assuntos, desde o fluxo de investimentos até a propriedade intelectual, é possível afirmar que os impactos de uma eventual adesão ao TPP por parte de um país dependente e subdesenvolvido como o Brasil seria ainda mais catastrófico que a adesão à ALCA, na medida em que representaria um grau de cessão de soberania nacional sem precedentes em nossa história!

Para que tenhamos uma ideia mais concreta das mudanças que poderiam ocorrer, o TPP propõe, entre outras coisas, que o conceito de “investidor” seja redefinido, ou melhor, ampliado. Segundo o texto do Acordo, seriam considerados investimentos quaisquer licenças, autorizações, permissões e direitos similares conferidos de acordo com a lei doméstica. Em outras palavras, já seria possível atribuir direitos de investidor àquele que dispusesse apenas de uma “autorização para investir”. Textualmente, o capítulo sobre investidores diz que o concei-to de investimento se refere a “todos os ativos que um investidor possui ou controla, direta ou indiretamente, que tenham a característica de um investimento”, incluindo “autorizações regulamentares; direitos de propriedade intelectual; instrumentos financeiros, como ações e derivativos”; “construção, gestão, produção, de concessão, de partilha de receitas e outros contratos semelhantes”; e “licenças, autorizações, permissões e direitos semelhantes conferi-dos nos termos do direito interno”.

Não bastassem estas novas conceituações, o Acordo também determina que nenhuma condicionalidade ou contrapartida pode ser exigida como compensação à entrada do investi-mento. Por exemplo:

a) Está vetada a exigência de exportação (integral ou parcial) dos bens ou serviços pro-duzidos a partir dos investimentos;

b) Não se pode obrigar o investidor a incorporar, em seu produto e/ou serviço, conte-údo doméstico;

c) Não é permitida a cobrança de transferência de tecnologia, processo produtivo ou algum outro tipo de conhecimento

65

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

A aceitação de investimentos sem qualquer contrapartida revelaria um cenário catastró-fico para o Brasil. Já há imensa liberdade de fluxo de capitais no país, porém, a aceitação do TPP incentivaria ainda mais o fluxo de entrada de recursos estrangeiros no país. Diante de uma situação de crise como a que vivemos, ficam altamente vulneráveis grandes mercados que já possuem participação estrangeira, e que poderiam dominar completamente o mercado.

Da parte dos EUA, a principal iniciativa se daria na busca por investimentos nos setores de saúde, educação e previdência. Todas estas são atividades altamente lucrativas na América Latina como um todo, na medida em que a classe média alta do continente tende a gastar grandes somas de dinheiro nestas áreas, cuja prestação de serviços pelo setor público é de péssima qualidade.

Outro ponto em que o TPP tocaria fortemente o país refere-se ao aprofundamento da já alarmante dependência técnico-científica da nação. De 1995 a 2015, a remessa de lucros das empresas estrangeiras que operam no Brasil passou de US$ 1,8 bilhão para US$ 14 bi-lhões em 2015 (aumento de 700%); no mesmo período, o pagamento de royalties e licenças de propriedade ao estrangeiro subiu de US$ 500 milhões para US$ 5 bilhões em 2015 (au-mento de 1000%); por fim, o aluguel de equipamentos estrangeiros pelo Brasil avançou de US$ 770 milhões em 1995 para impressionantes US$ 21,5 bilhões em 2015 (uma elevação de 3.000%!).

Recorde-se que todos estes dados da economia brasileira ocorrem com muita permis-sividade, mas ainda com condicionalidades à operação dos capitais estrangeiros por aqui. Sem acesso aos mínimos padrões de transferência tecnológica ou incentivo à indústria nacional, a Parceria tenderia a promover uma drenagem muito mais acelerada de recursos brasileiros para fora, acentuando ainda mais o caráter dependente de nosso país.

Também é importante mencionar, sob este aspecto, a acelerada perda de importância recente da indústria em termos de participação na composição das exportações brasileiras. Em 1995, 23% de nossas exportações eram de produtos básicos, enquanto semimanufatu-rados respondiam por 20% e os manufaturados representavam 57% do total. Já em 2015, os produtos básicos representam 49% das exportações brasileiras, ao passo que os semima-nufaturados são 15% e os manufaturados compõem 36% do que exportamos. No limite, a adesão ao TPP só faria crescer e acelerar o ritmo da reprimarização da pauta exportadora brasileira, na medida em que nossos bens manufaturados possuem baixíssimo grau de com-petitividade externa, sobretudo frente aos países que encabeçam o Acordo.

Uma boa base para os impactos que o acordo teria sobre o Brasil pode ser tomada a partir do impacto que o NAFTA teve sobre um país cuja realidade e a estrutura econômica é muito próxima ao Brasil: o México. Alguns analistas nos EUA dizem inclusive que o TPP seria um NAFTA com anabolizantes. Desde a entrada em vigor do Tratado, em 1995, a situação dos direitos humanos e trabalhistas no México está se deteriorando rapidamente. O primeiro ponto a ser atacado, por exemplo, foi a liberdade de associação e negociação coletiva, contra-riando inclusive as disposições da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Vale lembrar que esta também é uma demanda antiga do empresariado brasileiro e que, na ofensiva dos

66

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

patrões a partir da crise brasileira, este discurso volta a tomar espaço nos dias atuais.

No México, para evitar as acusações da OIT, os patrões têm criado sindicatos artificiais, controlados por eles mesmos, que assinam acordos disfarçados de coletivos, sem qualquer discussão com as classes de trabalhadores. São os chamados Contratos de Proteção. Hoje, existem milhares de contratos de proteção no México cobrindo milhões de trabalhadores. Em milhares de locais de trabalho, incluindo os setores-chave, como as exportações automotivas e agrícolas, os trabalhadores são regidos por contratos que eles nunca tenham ratificado, nunca foram consultados, e em muitos casos, nunca viram. Esta situação apresenta-se nos locais de trabalho de muitas empresas multinacionais, incluindo Atento, Excellon, Honda, PKC e Teksid. No sector agrícola, também, há violações dos direitos fundamentais: trabalho infantil, trabalho forçado e condições de trabalho análogas à escravidão existem em fazendas que exportam produtos frescos para os EUA, depois vendidos em grandes varejistas, como o Wal-Mart.

Além destas estratégias, aparecem outras do ponto de vista jurídico-institucional. Por exemplo, criou-se no México o estatuto do Processo de Certificação do Sindicato, vinculado às eleições sindicais. Este mecanismo é usado pelas autoridades mexicanas relacionadas ao trabalho para negar o registro legal de novos sindicatos no país. De forma restritiva, dizem que os sindicatos podem representar apenas os trabalhadores em indústrias específicas e que o Estado pode restringir um sindicato a um raio de ação. Na prática, um sindicato já fortalecido e consolidado não pode incorporar novos membros de outras áreas, limitando a sua capacidade de mobilização e forçando a criação de outro sindicato mais brando e menos influente para a nova atividade.

E tem mais: não é possível argumentar que isto seria uma tendência natural e que não teria a ver com o Tratado de Livre Comércio, pois estes casos de abusos estão concentrados nas cadeias de abastecimento que alimentam mercados do Canadá e, principalmente, dos EUA. Neste caso, vale a pena mencionar também que o TPP não possui qualquer previsão de proteção aos direitos de trabalhadores imigrantes.

Um gigantesco impacto do NAFTA sobre a classe trabalhadora mexicana se deu no campo. Grandes massas de campesinos se deslocou na busca pelos novos postos de trabalho prometidos pelas indústrias dos EUA que se instalaram na fronteira. Muitos outros migraram para os EUA, seja através de canais irregulares ou utilizando empresas de recrutamento de trabalho muitas vezes de exploração e de programas de visto de trabalhadores convidados.

Como resultado, o México, cuja base da alimentação dos trabalhadores está no milho, e que era forte exportador do grão, desmantelou sua rede de produção alimentícia, atacando em cheio sua soberania alimentar. Hoje, o milho para consumo mexicano é importado. De onde? Dos EUA... A consequência social maior deste impacto é a crise de violência e impuni-dade ocorrendo no México. A crescente desigualdade econômica, o desemprego e a falta de trabalho decente, o deslocamento rural, a corrupção pública, o tráfico de drogas (muito por demanda dos EUA) e a ausência do Estado de Direito fizeram emergir uma situação caótica no país. No México, contabilizam-se mais de 22.000 pessoas desaparecidas desde 2007.

Os direitos trabalhistas devem ser aplicados, não apenas potencialmente aplicáveis, para

67

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

ter um impacto de fato. Da maneira como está escrito atualmente, o TPP não cumpre essa exigência e insiste que os países em geral seriam recompensados em termos comerciais caso os governos façam mudanças fundamentais e estruturais em seus sistemas de trabalho.

Um dos maiores apelos que se tem sobre a entrada de investimentos estrangeiros no mundo do trabalho é que uma multinacional, ao aplicar recursos no país, é uma geradora de empregos. De fato, empresas multinacionais possuem uma escala grande de trabalho e reali-zam contratações em massa. No entanto, três observações precisam ser feitas a esse respeito.

Em primeiro lugar, as empresas multinacionais não costumam aportar em países em de-senvolvimento sem exigir importantes renúncias fiscais. No Brasil, por exemplo, não são raros os casos de Estados que não só abrem mão de valores enormes do ponto de vista tributário, como também doam terrenos e assumem obras complementares para favorecimento exclu-sivo da empresa estrangeira. A União federal, de tempos em tempos, oferece a estas empre-sas isenções gigantescas e anistias de dívidas fiscais, com medo de que a multinacional realize demissões em massa. Esta renúncia de receita limita a contratação de obras públicas, por exemplo, que abririam caminho para ciclos virtuosos de geração local de emprego e renda.

Em segundo lugar, as multinacionais chamam a atenção do ponto de vista da geração de empregos pelos altos números que movimentam em termos absolutos. No entanto, quando se observa no Brasil, por exemplo, o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED), é possível perceber que o maior índice de contratações se encontra, via de regra, nas micro e pequenas empresas. São estas, na verdade, as que mais deveriam contar com políticas de proteção ao emprego. Inclusive, em épocas de crise, são as que diminuem o quadro de fun-cionários num ritmo mais lento ou até seguem contratando.

Em terceiro lugar, quando as multinacionais chegaram ao Brasil em bloco, por volta da década de 50 e 60, elas de fato se instalavam e geravam empregos em massa, aquecendo a economia. No entanto, os movimentos mais recentes, dos anos 90 e 2000, mostram que foi reduzido drasticamente o perfil de empresas estrangeiras que operam aqui e criam novas plantas fabris. Os movimentos de privatização e desnacionalização da economia brasileira nos últimos 20 anos fez com que as multinacionais apenas tomassem o controle de empresas nacionais. Ao fazerem isso, ao invés de expandir as operações e o quadro de funcionários, a grande maioria delas reduziu drasticamente o nível de empregabilidade, em nome de maior eficiência de mercado. Com o setor produtivo já praticamente desnacionalizado e a intenção do TPP em se focar nos setores de serviços, a margem para que o regime de precarização do trabalho via demissões em massa e redução do nível de salários se torna ainda maior.

É preciso, portanto, estar atento ao que se passa ao redor do mundo. Por outro lado, sabemos que a realidade brasileira, apesar das semelhanças, é outra. Um bom exemplo dos atos de resistência no Brasil foi durante os episódios de resistência à Área de Livre Comércio das Américas. As greves e reivindicações atingiam fortemente o setor produtivo, principal-mente nas áreas de energia e metalurgia. Ao mesmo tempo, o papel da intelectualidade em interpretar os impactos do Acordo para a sociedade também cumpriu papel central.

Após a resistência contra a ALCA, os trabalhadores brasileiros parecem ter esquecido

68

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

uma grande lição da crítica à Economia Política: se, no sistema capitalista, a ofensiva do capital sobre o trabalho é permanente, também deve ser a resistência e a ofensiva do trabalho sobre o capital. Os anos mais recentes revelaram uma boa dose de adormecimento e acomodação da classe trabalhadora organizada, como que numa aceitação ingênua de que há espaço para uma vida confortável para os trabalhadores no capitalismo. Mais imprudente ainda: confiou-se que esse espaço seria possível na periferia do sistema.

Num espectro mais amplo e levando em consideração o próprio TPP, é de funda-mental importância monitorar os vazamentos e se aproximar de ferramentas digitais como o Wikileaks. Antigamente, todas as denúncias de movimentos escusos dos capitalistas caíam em descrédito com a opinião pública porque eram sempre tomados como teorias da cons-piração. Na atualidade, os vazamentos, se bem aproveitados e explorados, tem um potencial gigantesco de trazer a comprovação das denúncias para o tempo real. Como ferramenta de luta, então, estas ferramentas digitais são cruciais para o exercício da luta sindical.

A política salarial única, neste caso, seria a principal meta a ser atingida, espelhando-se nos níveis mais altos do bloco, não nos mais baixos. Seriam criadas assim condições de solida-riedade entre os trabalhadores e a possibilidade de barrar o Acordo, evidenciando que a busca por salários mais baixos é a tônica da Parceria, e a precarização das condições de trabalho é a sua mais imediata consequência.

69

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

O TPP é um acordo comercial que privilegia as oportunidades de investimento eco-nômico (da indústria, dos serviços e da agricultura) para empregos precários, tanto nos pa-íses que detém o mais alto grau de desenvolvimento econômico, quanto para os menos desenvolvidos. Põe em risco o desenvolvimento sustentável e a justiça social, ademais de reduzir o poder dos movimentos sindicais e da sociedade civil, solapando com mais violência a soberania das nações subdesenvolvidas, uma vez que incrementa como nunca o poder das corporações.

O poder factualmente conhecido das grandes corporações de influenciar tribunais, de se articular com as elites locais para impedir a organização sindical e forçar (pacífica ou violen-tamente) a aceitação de seus propósitos, com o TPP, deixa de ser apenas uma consequência da concentração e centralização de capitais, e vira uma prática legal admita pelo ordenamento (superior) e instrumentos legais previstos no TPP. É a construção de um gigantesco espaço extraterritorial legal, cuja soberania passa a ser das grandes corporações dos países desen-volvidos, caracterizando o que podemos afirmar ser a construção de uma governança global corporativa.

Os acordos comerciais que estamos vendo não tem nada a ver com o melhor a quali-dade de vida das populações dos países participantes, eles são apenas mais um item na agenda da redistribuição da riqueza para cima. E como será estabelecida essa relação de perdas e ganhos? Pois bem, pelo mecanismo de funcionamento básico da relação entre países desen-volvidos e subdesenvolvidos: a troca desigual. Se a troca é desigual, como o país de menor produtividade poderá arcar com as despesas? Ora, só há uma saída: contraindo dívidas, e, para tal, o TPP já tens as diretrizes formuladas.

Conclusão

70

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

Por sua vez, é preciso entender como funciona o mecanismo da troca desigual. Em primeiro lugar, observa-se que atualmente o intercâmbio desigual não é mais apenas caracte-rizado pela troca de produtos agrícolas por industrializados, embora não devesse, essa mu-dança obscurece a percepção do fenômeno. O setor de serviços tem a sua disposição uma quantidade maior de capital do que as indústrias, ou seja, sua composição é maior.

De modo que, para um efeito positivo do TPP nas economias subdesenvolvidas, ele deveria não significar apenas industrializar suas economias, mas criar, nesses países empresas nacionais com capacidade de concorrência em igual condição com as estrangeiras. Ora, o TPP revela efeitos e propostas justamente opostas: objetiva diminuir a intervenção dos Estados em Empresas Estatais, impossibilitando o processo de inovação endógeno. Ao fazê-lo, estimula a criação de uma cadeia de valor que orbita apenas em torno das transnacionais dos países centrais, sem oferecer-lhes competição.

Portanto, a magnitude do capital empregado nas empresas locais é insuficiente para apropriar-se de uma maior quantidade do valor ali produzido. De modo que, com o TPP, a riqueza produzida pelos países da periferia do TPP é tragada ainda com mais força, pois, em decorrência da maior magnitude do capital dos países desenvolvidos – resultado de sua alta capacidade tecnológico – ele se apropria de uma maior quantidade de valor produzido.

Esse cenário deixa apenas um cenário previsível para as indústrias e o setor agropecuá-rio dos países do TPP: o aumento da exploração dos trabalhadores. O TPP promove políticas que enfraquecem as organizações trabalhistas, argumentando que aos trabalhadores deve ser permitido que negociem individualmente com seus empregadores. Essa é uma das estratégias do estágio do capitalismo em que vivemos (o neoliberalismo), onde as taxas de lucratividade dependem da capacidade de suprimir o crescimento dos salários e aumentar a jornada de tra-balho e/ou reduzi-la e forçar o trabalhador a ter vários empregos, cuja informalidade é a saída mais próxima sempre e, com isso, a exclusão dos já atacados sistema de seguridade social.

Num sentido mais programático, é preciso observar que o TPP trata de uniformização por parte do capital: uniformização das regras de investimentos, das regras comerciais e dos tribunais de julgamento dos Estados e das grandes corporações. Enquanto classe trabalhadora seria pertinente que se lutasse no TPP por uma articulação com as centrais sindicais dos de-mais países para que a uniformização ocorresse não só nos termos do capital, mas também do trabalho. Por que, por exemplo, o TPP alega que cada país é autônomo para estipular seu regime e sua institucionalidade para as questões trabalhistas e não faz o mesmo com as questões de investimentos? A luta, por exemplo, para que a legislação trabalhista, os tribunais de julgamento das questões envolvendo o mundo do trabalho e a política salarial do Acordo fosse uniforme seria de fundamental importância, pois, no limite, o acordo se fundamenta exatamente na barganha quanto aos diferentes custos trabalhistas para pautar a política de investimentos o mais rentável possível.

Assim, não seria descabido afirmar que a iniciativa do TPP procura estender do Atlântico ao Pacífico uma nova versão atualizada da lei dos pobres. A ideia parece descabida, mas uma vez observada a tendência à diminuição do Estado e da maneira pela qual ele realiza sua pre-

71

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

sença social (assistência social diminuída nas áreas da saúde, educação, habitação, previdência social e a cada vez menor assistência aos desempregados) e o aprofundamento do individu-alismo, temos a configuração de uma das lógicas que se atualizam, de tempo em tempo no capitalismo, que no caso atual, corresponder à mundialização do fim do pacto capital-trabalho.

A essa operação, é importante acrescentar que, embora o Estado diminua sua presença nas áreas sociais, ele está cada vez mais comprometido (em termos fiscais) com a remunera-ção do capital financeiro. O TPP é uma estratégia que visa sequestrar as finanças estatais, no sentido em que os Estados serão cada vez mais onerados no que concerne ao pagamento de royalties, dividendos e lucros e; há de mencionar especificamente o caso da indústria farma-cêutica que, ao que tudo indica, com o monopólio de mercado garantido poderá oferecer preços superiores, aumento este que será pago pelo Estado, para manter o mesmo número de cidadãos tendo acesso aos remédios. O certo é que, ao longo dos anos, da maneira como está desenhado o acordo, não apenas aumentará o preço dos remédios, mas também o nú-mero de pessoas que não terão acesso a eles.

Portanto, o TPP revela sua incompatibilidade com um sistema democrático que preten-da universalizar o bem-estar social a seus cidadãos e cidadãs solapando a soberania nacional, além de prejudicarem em nome de interesses corporativos os temas de saúde pública, cultural e liberdade de expressão. Esse acordo representa a realização de um sistema autocrático de governança Transpacífico, desafiando e colocando ao seu dispor as leis nacionais, inclusive de países desenvolvidos, como Austrália e Canadá.

72

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

AMORIM, Celso. A Lição de Cancún. Itamaraty, 2003.

ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim: Origens e fundamentos do século XXI. São Paulo: Boitempo, 2008.

BIVENS, Josh. The Trans-Pacific Partnership Is Unlikely to be a Good Deal for Ameri-can Workers, , EPI Briefing Paper No. 397, Washington, DC, 2015.

CAPALDO, Jeronim; IZURIETA, Alex. Trading Down: Unemployment, Inequality and Other Risks of the Trans-Pacific Partnership Agreement. Global Development and Environ-ment Institute, Working Paper n. 16-01, Tufts University, Jan. 2016.

CARNEIRO, Ricardo. Commodities, choques externos e crescimento: reflexões sobre a América Latina, CEPAL, Santiago de Chile, jan. 2012. Disponível em: <http://migre.me/pU3QU>. Acesso em: 17 maio 2016.

CHANG, Ha Joon. Chutando a Escada: A estratégia do desenvolvimento em perspec-tiva histórica. Editora UNESP, São Paulo, 2004

DUMÉNIL, Gérard; LÉVY, Dominique. Superação da crise, ameaças de crises e novo capitalismo In: CHESNAIS, François et al. Uma nova fase do capitalismo? São Paulo: Xamã, 2003.

HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loy-ola, 2008.

Bibliografia

73

As consequências da Parceria Transpacífico (TPP)

HOPKINS, T.; WALLERSTEIN, I. Capitalism and the incorporation of new zones into the World-economy, Review, X, n. 5/6, pp. 763-779, 1987.

IMF. World Economic Outlook 2015. International Monetary Fund, Washington, DC, 2015.

KRUGMAN, Paul. Trade and Wages, Reconsidered, Brookings Papers on Economic Activity, Brookings Institution, Spring 2008, at 134. Disponível: <http://goo.gl/ag2KNB>. Acesso em 15 maio 2016.

MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. Coimbra: Centelha, 1976.

PUBLICCITIZEN. Studies Reveal Consensus: Trade flows during Free Trade Era have exacerbated US. Income Inequality. Publiccitizen, Washington, Disponível em: <http://goo.gl/WeU8C1>. Acesso em 10 maio 2016.

SPEROTTO, Fernanda. Externalidades, ganhos de escala e escopo. FEE, nov. 2014, disponível em: < http://goo.gl/CKoym7>. Acesso em: 17 maio 2016.

SILVA, T. T.; CORREA, V. H. C. A crise mundial dos alimentos e a vulnerabilidade dos países periféricos, Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 2009. Disponí-vel em: <http://migre.me/eADnh>. Acesso em: 3 maio. 2016.

SILVER, B.J. Forças do trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870. São Paulo: Boitempo, 2005.

STIGLITZ, Joseph E. Where Progressive and Conservatives Agree on Trade: Cur-rent Model is Bad for the United States, Roosevelt Institute, 2015.

WORLD BANK. Global Economic Prospects.World Bank Group, Washington, DC, 2016.

74

institutougt.com.br

ugt.org.br