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1 AS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO DOS TRABALHADORES CANAVIEIROS DO MUNICÍPIO DE BRASILÂNDIA DO SUL - PR Maria de Oliveira Mendes * Rinaldo José Varussa – Orientador ** RESUMO: O presente artigo foi desenvolvido como etapa final do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, para professores da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. O trabalho propõe a análise das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores canavieiros do município de Brasilândia do Sul, até o ano de 2007, considerada uma das áreas agrícolas mais desenvolvidas do país. Com base em observações diretas, nas entrevistas com trabalhadores do setor agroindustrial canavieiro e consulta a bibliografias pertinentes, a análise revela o processo de extrema exploração da força de trabalho. Discute também a exposição diária dos cortadores de cana a cargas físicas, químicas e biológicas, que causam uma série de doenças, ferimentos e outros acidentes e as condições de vida em que vivem esses trabalhadores em decorrência do baixo salário que recebem. PALAVRAS- CHAVE: trabalhadores rurais; exploração; condições de trabalho; acidentes de trabalho. ABSTRACT: The herein article was developed as final stage of the Educational Development Program – EDP, to teachers of the State Public Department of teaching of Paraná. * Professora de História do Colégio Estadual Rui Barbosa de Brasilândia do Sul-Pr, Pós Graduada em Administração, Supervisão e Orientação Educacional pela UNOPAR e Processo Ensino Aprendizagem pelas Faculdades Clarentianas, Batatais-SP. ** Professor de História da UNIOESTE, Campus de Mal. Cândido Rondon, doutor em História pela PUC-SP.

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AS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO DOS TRABALHADORES CANAVIEIROS DO MUNICÍPIO DE BRASILÂNDIA DO SUL - PR

Maria de Oliveira Mendes∗∗∗∗

Rinaldo José Varussa – Orientador∗∗∗∗∗∗∗∗

RESUMO:

O presente artigo foi desenvolvido como etapa final do Programa de

Desenvolvimento Educacional - PDE, para professores da Rede Pública Estadual de

Ensino do Paraná. O trabalho propõe a análise das condições de vida e de trabalho

dos trabalhadores canavieiros do município de Brasilândia do Sul, até o ano de

2007, considerada uma das áreas agrícolas mais desenvolvidas do país. Com base

em observações diretas, nas entrevistas com trabalhadores do setor agroindustrial

canavieiro e consulta a bibliografias pertinentes, a análise revela o processo de

extrema exploração da força de trabalho. Discute também a exposição diária dos

cortadores de cana a cargas físicas, químicas e biológicas, que causam uma série

de doenças, ferimentos e outros acidentes e as condições de vida em que vivem

esses trabalhadores em decorrência do baixo salário que recebem.

PALAVRAS- CHAVE: trabalhadores rurais; exploração; condições de trabalho;

acidentes de trabalho.

ABSTRACT:

The herein article was developed as final stage of the Educational Development

Program – EDP, to teachers of the State Public Department of teaching of Paraná.

Professora de História do Colégio Estadual Rui Barbosa de Brasilândia do Sul-Pr, Pós Graduada em Administração, Supervisão e Orientação Educacional pela UNOPAR e Processo Ensino Aprendizagem pelas Faculdades Clarentianas, Batatais-SP.

∗∗

Professor de História da UNIOESTE, Campus de Mal. Cândido Rondon, doutor em História pela PUC-SP.

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The work proposes the analysis of the life and the labor conditions of the people who

work in canebrakes in the town of Brasilândia do Sul, until the year 2007, considered

one of the most developed agricultural areas of this country. Based on direct

observations, interviews with the laborers of the sugar-cane alcohol industry sector

and consult to pertinent bibliography, the analysis reveals the process of extreme

exploitation of the labor force. It also discusses the daily exposition of the cane

cutters to physical, chemical and biological cargo, which causes several sickness,

injuries and other accidents and the life condition in which those laborers live due to

the low salary they earn.

KEY WORDS: rural laborers; exploitation; labor condition; labor accidents.

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa está inserida no Programa de Desenvolvimento Educacional -

PDE, para professores da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná.

A História tem como objeto de estudo os processos históricos relativos às

ações e as relações humanas praticadas no tempo e no espaço.

“... Quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela, não como uma coisa externa, distante, mas como uma prática que ele se sentirá qualificado e inclinado a exercer”. (Pinsky, 2005, p. 28).

Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é investigar as condições de vida

e de trabalho dos trabalhadores canavieiros do município de Brasilândia do Sul. Esta

pesquisa pautou-se pela história oral e pelo diálogo com a bibliografia existente

sobre o tema.

Esta pesquisa, vale frisar, voltou-se principalmente para o ensino em sala de

aula, visando constituir a pesquisa como uma prática escolar.

No que se refere à história oral, esta resulta não apenas numa mudança de

enfoque, como também na abertura de novas áreas importantes para investigação.

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Além disso, ela se constitui num importante instrumento no sentido de conseguir

uma melhor interação entre professores e alunos.

Dentro disso, a história oral é uma possibilidade de estimular professores e

alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Além disso, torna possível a

percepção, na pesquisa, da dimensão de sujeito histórico dos diferentes

personagens investigados, contribui para uma prática histórica dinâmica.

Como aponta o historiador Paul Thompson,

“A história oral devolve a história às pessoas em suas próprias palavras. E ao lhe dar um passado, ajuda-as também a caminhar para um futuro construído por elas mesmas”. (Thompson, p.337)

Para desenvolver este estudo foi necessário algumas leituras bibliográficas

para fundamentar o estudo e pesquisa de campo a qual se deu através de

entrevistas individuais e semi-dirigida. Contactamos aproximadamente com 15

trabalhadores da cana-de-açúcar e destes foram entrevistados 10 trabalhadores.

Referente a essa temática, foi desenvolvido no decorrer do estudo outras

atividades tais como: elaboração de material didático-pedagógico pertinente ao

objeto de estudo para ser usado em sala de aula com alunos do Ensino Médio;

orientação ao grupo de trabalho em rede com os professores da rede pública

estadual, do que poderão resultar produções de textos do professor PDE em

colaboração com os professores da rede; elaboração de uma proposta de

intervenção para ser implementada na escola, utilizando o material didático que foi

elaborado; no término do processo, será apresentado um artigo, com a temática

voltada ao objeto de estudo.

O município de Brasilândia do Sul é de pequeno porte possui

aproximadamente 3.306 habitantes, segundo o senso de 2007, e está localizado na

região noroeste do Estado do Paraná, apresentando poucas alternativas de

emprego, pois não possue indústrias, razão pela quais muitas pessoas, fugindo do

desemprego, buscam sustento da família na usina Sabaralcool, no município de

Perobal, distante aproximadamente 48 km de Brasilândia do Sul. Nesta usina,

exercem a exaustiva atividade de cortadores de cana.

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Muitos desses trabalhadores são pais e/ou parentes de alunos que

freqüentam o Colégio Estadual Rui Barbosa, sem contar, que alguns trabalhadores

são ex-alunos que devido ao trabalho árduo exigido pela função, evadiram da escola

há alguns anos, o que se constitui num importante fator motivacional, tendo em

conta a proximidade e presença daquela realidade em relação ao ambiente escolar.

2. DESENVOLVIMENTO

“A história humana não se desenrola apenas

nos campos de batalha e nos gabinetes

presidenciais. Ela se desenrola também nos

quintais entre plantas e galinhas, nas ruas de

subúrbios, nas casas de jogos, nos namoros de

esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia.

Dessa matéria humilde e humilhada, dessa

vida obscura e injustiçada, porque o canto não

pode ser uma traição a vida, e só é justo cantar

se o nosso canto arrasta as pessoas e as

coisas que não tem voz.” (Ferreira Gullar)

Nos últimos anos houve uma grande expansão da área e da produção da

cana-de-açúcar, estimulado pelo crescimento favorável dos mercados nacionais e

internacionais do açúcar e do álcool combustível.

Segundo a Agência Estadual de Notícias a produção brasileira de cana-de-

açúcar na safra 2006/2007 estava estimada em 471,17 milhões de toneladas,

superior em 9,2% a da safra anterior, que foi de 431,41 milhões de toneladas. Os

técnicos da Conab, que trabalharam no levantamento da safra, atribuem o

crescimento à expansão de cultura em 312,5 mil hectares (5,5%) na área e de 2.599

quilos/hectares (3,5%) na produtividade média.

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Neste artigo, analisaremos os processos de trabalho referentes à cana-de-

açúcar, a fim de captar a exploração e dominação que lhes são subjacentes no que

se refere aos trabalhadores.

Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), o Paraná é apontado como o

terceiro colocado no ranking de maior produtor nacional de cana-de-açúcar, atrás de

São Paulo e Alagoas. Entretanto, com base nos dados de 2005, o Estado é o

segundo colocado na produção de álcool.

Segundo a Agência Estadual de Notícias a distribuição espacial confere a

liderança à região de Umuarama com 20%, Maringá vem em segundo com 15,6%.

Depois aparecem as regiões de Jacarezinho com 13,5 %, Londrina com 12,8%,

Cornélio Procópio com 11,3% e Paranavaí com 11,6%. Estas regiões contribuem

com 85,6% da produção paranaense de cana-de-açúcar.

Uma particularidade deste processo de expansão da produção

sucroalcooleira é que a cana vem se expandindo sobre as terras mais férteis do

Estado e é a cultura que apresenta a melhor relação entre renda gerada e parcela

do solo ocupada. Dentro disso, a cana ocupa desde grandes fazendas até pequenas

propriedades.

É na região Norte que concentra a maior expansão de indústria

sucroalcooleira no Estado. No início a produção açucareira era pouco expressiva,

mas com o passar dos anos tornou-se bastante significativa.

Um dos motivos apontados para a expansão está ligado à fertilidade das

terras, à disponibilidade da mão de obra, à facilidade de transporte da produção e à

proximidade com o estado de São Paulo.

Outro fator que favorece o cultivo da cana nessa região é a pouca ocorrência

a risco de geadas, que em outras regiões do Estado é bastante grande.

A criação de novas usinas de cana-de-açúcar no Paraná tem aumentado a

geração de emprego e também os investimentos no campo.

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Com o crescimento da produtividade do campo cresceu também a

produtividade do trabalho no corte de cana, medida em metros de cana cortada por

dia por cada trabalhador.

A VIDA E O TRABALHO DOS CORTADORES DE CANA

Pela análise das entrevistas verificamos que os trabalhadores da Usina

Sabaralcool estão na faixa etária de 21 a 50 anos, sendo que a maioria tem primeiro

grau incompleto. O que mais chamou a atenção é que são todos católicos.

Há divisão de trabalho entre eles, pois uns cortam cana queimada, outros

cana crua, outros plantam, não são contratados só para realizar uma tarefa, mas

também outras tarefas. Se não der para cortar cana ou plantar ou se não for época

da colheita da cana, por exemplo, eles vão carpir.

O dia para o trabalhador de cana começa logo de madrugada, quando se

levanta, por volta das quatro horas. Muitas vezes os homens levantam um pouco

mais tarde, as mulheres levantam mais cedo do que os homens, para terminar de

preparar o almoço, para colocar na marmita e também o que se vai deixar para os

filhos e depois preparar as ferramentas de trabalho e ir para o ponto tomar o ônibus.

É o que nos diz Clarice de 28 anos, em sua entrevista:

“Tem dia assim que levanto quatro horas no dia que vai sair mais cedo, tem dia que levanto

cinco horas, faço o almoço, quer dizer deixo pronto o almoço levanto de manhã só faço a mistura e

esquento, põe na marmita, me troco e daí a gente vai pro ponto ali no Fome Zero”.

Quando chegam no Fome Zero (Local onde serve café e pão para os

trabalhadores) tomam café com pão e margarina e ficam esperando o ônibus para

seguir para o trabalho. O transporte não é confortável, sendo um ônibus velho, que

foi comprado para transportar esses trabalhadores para o trabalho. Eles pegam no

serviço por volta das sete horas. Conforme o depoimento de Eliane de 28 anos.

“No Fome Zero, tomo café lá. O ônibus não é muito confortável é tipo circular com banco

reto, sete horas estamos na roça”.

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Segundo Cristina de 37 anos, a viagem no ônibus é tranqüila, muitos

chegam a dormir, outros vão conversando porque são todos amigos.

Se o canavial for perto chegam por volta das seis horas e trinta minutos e se

for longe chegam por volta das sete horas. Daí começa todo o preparativo para

começar o corte. Como diz Cristina:

“A gente leva algumas roupas na bolsa pra por lá, porque tem vez que eles põe a gente

na diária então a gente não pode ir pronta pra corta cana né, então com uma calça e uma saia e um

pano na cabeça, daí chega lá se vai corta, bota uma camisa de manga comprida por cima da outra

que sai de casa, coloca o mangote, amarra o pano bem na cabeça, nóis temo uma caneleira que vem

da usina, um avental, um óculos, boné, com um paninho assim por cima do boné e outro por dentro,

pra protege do sol e de alguma palha de cana que fica...”

Como vimos nesse depoimento, os trabalhadores não vão totalmente

prontos para trabalhar, levam algumas peças de roupas na bolsa para colocar no

local de trabalho.

Esses trabalhadores geralmente usam os EPIs - Equipamentos de proteção

individual, que se constituem de boné com abas, óculos, luvas, perneiras e botinas.

Mas antes da obrigatoriedade do fornecimento dos EPIs para os

trabalhadores, eles não usavam EPI, trabalhavam muitas vezes de chinelo, não

usavam luva nem óculos, nem caneleira, só o facão e a lima, como diz Francisco de

61 anos, hoje aposentado, em seu depoimento.

“... a usina não dava o instrumento, tudo era nosso, era nóis que comprava, tinha dia que

trabaiava de chinelo ou de sapatão normal de roça, não usava luva nem óculos nem caneleira, só o

facão e a lima, depois com o tempo vei a lei e daí pra cá eles começou a dá o instrumento, como:

luva, sapatão, caneleira, depois veio o óculos e bonel.”

Esses instrumentos foram criados para proteger o trabalhador e deverão ser

aprovados pelo órgão competente do Ministério do Trabalho, mas eles são alvos de

freqüentes reclamações dos cortadores de cana, porque podem causar ferimentos

nos trabalhadores, pois muitos deles não se adaptam ao corpo do trabalhador, ao

clima da região ou ao serviço.

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Em pesquisa realizada em são Paulo pela Fundação Jorge Figueiredo de

Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), em março de 2002, constatou-se

que todos os EPIs fornecidos para o corte da cana (luvas, boné com abas,

perneiras, botinas e óculos) causam desconforto e podiam trazer riscos ao

trabalhador. O problema mais crítico, de acordo com a pesquisa, são as luvas de

proteção: de tamanho inadequado, não fornecem atrito suficiente com o cabo do

facão, que pode escorregar no momento do corte e ferir o trabalhador. (Thenório,

2006).

Verificamos nas entrevistas com os cortadores de cana do município de

Brasilândia do Sul o que mais os incomoda são os óculos, chamados por eles de

“rayban”, porque suam, embaçam e sujam de carvão quando é cana queimada,

dificultando assim a visão. Tais situações os levam constantemente a retirarem este

equipamento, deixando-o sobre a testa, colocando somente quando o fiscal da usina

se aproxima, para não levar “gancho” (dia (as) sem trabalhar com desconto no

pagamento).

Uma cortadora de cana Dona Cristina conta: “eles fala que é pra gente usa direto o

ray-ban, mas tem vez que a gente abusa, né, porque a gente não agüenta usa direto porque é muito

calor daí a gente usa ele em cima do boné né, e quando a gente vê o segurança a gente corre e põe

nas vistas”.

Além desses equipamentos existem outros feitos pelos próprios

trabalhadores de cana como: panos ou camisetas usadas na cabeça ou pescoço,

aventais que protegem a roupa do melado da cana e facilitam a limpeza, os

“mangotes”, que protegem o braço ao “abraçar” a cana... (SENAR, 2004)

A legislação brasileira obriga todas as usinas a fornecer gratuitamente os

EPIs. Cabe também a empresa a escolha da marca e do modelo a ser comprado e o

trabalhador pode ser demitido caso se negue a utilizar o equipamento. Através do

contato com os trabalhadores percebi que a empresa quer o EPI apenas para não

ser multadas, não porque estão preocupadas com a proteção do trabalhador.

O processo de trabalho no corte de cana na década de 1980 consistia em

cortar retângulos com 6 metros de largura, em cinco ruas (linhas em que são

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plantadas a cana), por um comprimento que variava por trabalhador, que era

determinado pelo que conseguia cortar em um dia de trabalho. Este retângulo é

chamado pelos trabalhadores de eito, e seu comprimento varia de trabalhador para

trabalhador, pois depende do ritmo de trabalho e da resistência física de cada um.

(Alves, 2006)

Os trabalhadores da usina Sabaralcool iniciam o serviço às sete horas, o

fiscal apontador distribui o eito que pode ser de cinco ou sete ruas de canas. Mas,

geralmente são de cinco ruas. Os trabalhadores entrevistados apontam que a

produção rende mais na parte da manhã, porque as temperaturas são mais amenas

e o sol menos intenso.

Existem duas formas de medir o que o trabalhador produziu em um dia de

trabalho, pelo comprimento do eito, que seria por metro linear ou metro quadrado, ou

pela quantidade de cana cortada, que seria por tonelada.

No século XVIII e XIX, os trabalhadores recebiam por produção e tinham o

controle da sua produção. Hoje os trabalhadores não controlam nem a medida do

seu trabalho nem o valor do seu trabalho. Eles não controlam a medida porque, ao

final do dia, o encarregado, munido de um compasso com ponta de ferro, faz a

medição do seu trabalho. Algumas vezes não é permitido ao trabalhador

acompanhar a medição, outras vezes a medição só é realizada depois que os

trabalhadores se retiraram do eito. Muitas vezes, os trabalhadores sabem que

cortaram uma quantidade de metros elevada, mas como a cana pode ser de pouco

peso, como a cana de 5ª soca, eles acabam tendo um ganho pequeno. (Alves,

2006).

Paulo de 37 anos, afirma: “Nóis recebe por metro, o metro vareia né, a cana mais ruim

como ontem mesmo, nóis cortemo a R$ 0,04, hoje já foi a R$ 0,14, o salário não é um preço fixo por

mês, vareia né, tem mês que recebo quatrocentos e noventa reais outro quinhentos e pouco reais”.

Analisando o que o entrevistado disse, verificamos que a cana não tem um

preço fixo por metro, o preço depende do tipo de cana, se ela for mais pesada o

preço é melhor, se for cana caída o preço também é melhor, só que cortam menos

porque é difícil de ser cortada. Os cortadores de cana não têm um salário fixo por

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Cana queimada

mês, pois depende da produção de cada um, mais o salário no final do mês fica em

torno de R$ 450,00 a R$ 585,00.

Os trabalhadores da cana são dominados e explorados pela empresa, pois

no final do dia não tem certeza de quanto ganhou, recebe um recibo (pirulito) onde

consta a quantidade de metros cortados por cada trabalhador. Percebi pelas

entrevistas que eles não reagem contra essa situação.

Os trabalhadores da usina Sabaralcool preferem que seu trabalho seja

medido por metro quadrado e não por toneladas, porque o metro eles podem ter

uma noção. Acompanhar a pesagem é mais complicado, pois depende de uma

balança que fica localizada na usina. Mas no caso desta usina o controle é feito por

metro quadrado, no final do dia o medidor usa um compasso de dois metros para

medir a cana cortada pelos trabalhadores.

Existem dois tipos de cana a ser cortada: a cana queimada para a produção

do açúcar e do álcool e a cana crua, ou seja, em palha destinada para o plantio.

A cana queimada: queima-se a

cana para facilitar o seu corte, e

apresenta outras vantagens como:

não tem palha, nem cobras, nem

aranhas, somente algumas

abelhas devido o melado da cana.

Mas apresenta também certas

desvantagens como: a terra fica

aquecida e, algumas vezes, o

calor se conserva até o início da

jornada.

Além disso, o trabalhador, durante a sua jornada de trabalho, estará exposto

à poeira, à fuligem da cana queimada que impregnam seu rosto, suas mãos e suas

roupas, a fumaça das queimadas dos canaviais formam nuvens no céu e lança no ar

gases tóxicos e cancerígenos, que contribuem para o efeito estufa, aquecimento da

terra, altera o clima e o regime de chuvas, podendo originar sérias conseqüências

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para a saúde da população, tais como: irritação nos olhos, nariz, garganta, tosse.

Quem mais sofre com esse problema são os idosos e crianças. A fuligem da cana e

os gases atingem toda a população em geral, seja na área urbana ou rural, porque a

fuligem e os gases são espalhados pelo vento atingindo até as cidades próximas.

Por exemplo, em Brasilândia do Sul quando cortam cana queimada, a fuligem suja

casas, roupas, calçadas e ruas, elevando ainda mais o consumo de água e energia

elétrica. Já a fumaça e labareda aumentam o número de acidentes em rodovias.

Sem contar os animais que morrem queimados quando se queima a cana.

Cana crua: Ela é cortada da

mesma forma que a cana

queimada, e é tirado no ar o

ponteiro (ponta da cana). A

vantagem de cortar cana crua é

que quase não se suja, mas tem

muitas desvantagens: é mais

difícil de ser cortada porque as

palhas atrapalham, têm muitos

insetos e animais peçonhentos, a

palha da cana causa irritação na

pele e bate no olho e machuca.

Para cortar a cana, tanto a queimada como a crua, o trabalhador abraça um

feixe de cana. Dependendo da pessoa e da cana, pode ser duas, cinco ou mais

canas por vez e vai batendo o

facão até cortar todas as canas.

Há vários tipos de facão:

tem o de cabo curto, o qual exige

maior esforço físico e possibilita

maior ocorrência de acidentes,

devido à proximidade do corpo,

principalmente nos joelhos e na

Cana crua

Afiando o facão

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canela; o de cabo comprido, que oferece maior segurança ao cortador porque o local

do corte mantém distante do corpo, geralmente permitindo cortar um número maior

de canas por batida, diminuindo o esforço do braço e coluna, pois o trabalhador

necessita abaixar-se menos para fazer o corte; o de cabo torto, que permite um

corte “pranchado” (rente ao solo, promovendo um corte horizontal) não deixando

toco alto, evitando que o cortador raspe a mão no chão e curve demais a coluna; o

com folha ou lâmina torta, que possui as mesmas vantagens que o facão de cabo

torto. Cada trabalhador escolhe o que achar melhor para o seu labor.

Os facões são amolados várias vezes ao dia. Antes de amolar deve-se

limpar o facão e segurá-lo com o corte voltado para o lado de fora do corpo. A lima

deve se guardada em protetores de madeira, PVC, ou outro material, para evitar a

entrada de umidade, sujeiras do açúcar da cana e aumentar a sua durabilidade.

Em relação a isso, Clarice afirma: “a gente tem que corta bem certinho e tem que tira

o ponteiro certinho né, que é o olho da cana, a gente corta bem baixinho, pra corta a gente pega o

tanto de cana que guenta, pode corta uma, duas, três, quatro ou cinco de uma vez.

Como disse a entrevistada, o corte deve ser feito bem rente ao solo,

promovendo um corte horizontal, evitando-se o toco alto, pois é no pé da cana que

se concentra a sacarose.

Alguns prejuízos causados pelo toco alto

Para a empresa:

• Perda de gomos ricos em sacarose;

• Baixa qualidade do produto;

• Baixa produção de toneladas por hectares.

Para o cortador:

• Presença de toco seco ou bucha;

• Apontador ou fiscal no pé, com risco de pegar gancho;

• Necessidade de repasse;

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• Menor preço, devido à queda na produção;

• Maior ataque de brocas;

• Maior risco de acidentes (tropeçar);

• Maior desgaste do facão e lima;

• Perda de tempo;

• Maior esforço físico.

O corte não pode atingir a raiz para não prejudicar a rebrota. É proibido deixar

jacarés (cana não cortada que fica escondida em baixo do monte ou esteira). Os

trabalhadores fazem isso para se ter um maior rendimento no eito.

Para a empresa isso causa grandes desperdícios, prejudicam a brotação, pois

as soqueiras podem ser arrancadas pelo carregamento, aumentando o serviço dos

bituqueiros (pessoas que pegam as canas que sobram depois que o motô cana

passa).

Também não é permitido o telefone (corte da cana deixando-se uma ou duas

ruas sem cortar, voltando em seguida para igualar o eito). Para os cortadores isso

permite melhor rendimento de corte. Quando a empresa permite deve ser usado

somente para cana em pé.

Existe também o “Baião de Dois”, que é o corte feito por dois cortadores no

mesmo eito. É permitido em algumas empresas durante uma ou duas horas antes

do término do expediente ou quando a cana está muito ruim, diz Alvina. Mas a usina

Sabaralcool não permite esse tipo de corte, segundo alguns entrevistados.

No corte de cana existem duas situações de cana:

• Cana em pé: É aquela que se encontra reta por ocasião do corte, conhecida

como cana paquinha, etc.

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• Cana caída: É quando a cana

está totalmente caída. Pode estar

voltada para um lado só ou para

todos os lados, também chamada

de ”pé-de-rolo”.

A cana em pé é a mais fácil

de cortar só que mais barato do que

a cana caída que fica toda trançada.

Depois de cortadas as

canas são colocadas em esteiras na linha central, geralmente na terceira rua em

eitos de 5 ruas e na quarta rua, em eitos de 7 ruas, só depois eles voltam tirando os

ponteiros. O desponte deve ser

feito no último gomo visível. Ela

pode ser feita no alto se for cana

utilizada para mudas e no chão

para a indústria. Os ponteiros

devem ser afastados da esteira ou

monte, no mínimo um metro para

diminuir as impurezas levadas para

a usina. Elas devem ser alinhadas

nas esteiras uma após a outra na

mesma direção, para evitar o escorregamento durante o carregamento e os

desperdícios. Fica claro que a quantidade de cana cortada por dia por um

trabalhador depende exclusivamente de sua força e habilidade de trabalho e

também da sua necessidade em cortar mais para ganhar mais.

Os cortadores entrevistados têm carteira assinada, recebem férias, 13º

salário, mas trabalham de segunda a sábado, das 7h00min às 15h20min, quando

vem embora. Na maioria dos feriados são dispensados, mas em feriados que

trabalham a usina paga um preço melhor ou dispensa um dia na semana. Isso

geralmente acontece quando sobra bastante cana queimada. Como podemos

verificar na entrevista da Cristina.

Corte de cana em pé

Cana caída

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“ Nóis trabaia na cana seis dias na semana, de segunda a sábado, quando é feriado é

dispensado, mas tem feriado que eles não que dispensa, eles paga mais né, pra pode corta, porque

as vezes tem bastante cana queimada daí eles pede pra gente corta também no feriado, as vezes

eles faz acordo com o motorista pra gente í né corta, ou eles paga mais ou deixa falta um dia na

semana,um dia desses nóis foi corta no domingo porque tinha bastante cana queimada e tinha que

corta, eles reuniu com o motorista e com nóis pra í corta e nóis foi e na segunda eles deu folga pra

nóis.”

Mesmo quando está chovendo eles precisam ir ao trabalho, ficando dentro

do ônibus. Se a chuva não passar para trabalhar quando chegar perto do horário de

vir embora eles dispensam.

Um trabalhador que corta 6 toneladas de cana, em um eito de 200 metros de

comprimento por 6 metros de largura, caminha durante o dia uma distância de

aproximadamente 4.400 metros e despende aproximadamente 20 golpes com o

podão para cortar um feixe de cana, o que equivale a 66.666 golpes por dia

(considerando uma cana em pé, de primeiro corte, não caída e não enrolada, que

tenha uma densidade de 10 canas a cada 30 cm.). Além de andar e golpear a cana,

o trabalhador tem de, a cada 30 cm, abaixar-se e torcer - se para abraçar e golpear

a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. (Alves, 2006)

Analisando o que disse Alves em sua pesquisa, os cortadores de cana

gastam por dia muita energia andando, golpeando, agachando, carregando peso

além de várias vestimentas que usam para proteger-se do sol escaldante, fazendo

com que suem abundantemente e percam muita água junto a sais minerais, levando

a desidratação, câimbras e tonturas, chamados por eles de tanguá.

Além disso, os movimentos repetitivos e seqüenciais realizados pelos

trabalhadores favorecem o aparecimento de doenças do trabalho como: dores no

corpo, tendinites, bursites e problemas de coluna. Para conter as câimbras,

desidratação e o tanguá a usina leva para o canavial um suplemento energético,

visando a reposição dos sais minerais e distribui para os trabalhadores, além de

remédios para dor de cabeça e dor no corpo.

Como disse Paulo em sua entrevista: “Eles dão alguns remédios, por exemplo, pra

dor de cabeça, e pra alguma dor no corpo, esses remédios fica no ônibus, quem que toma, vai lá e

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pega, quem não que não toma, eles dão um suco em saquinho pra abate o cansaço né? um

energizante vitamínico. Eu trago o meu saquinho pra casa e muitas vezes tomo em casa perto da

hora de dormi”.

A usina aceita atestados quando ficam doentes. Mas muitas vezes os

médicos dão uma declaração que a usina não aceita, descontando o dia do

trabalhador. Em relação a isso, Cristina afirma que

“Quando a gente fica doente e leva atestado daí eles paga, mas se a gente leva declaração

eles não aceita, porque é costume de a gente í consulta e eles dá declaração e daí não adianta

porque eles dá gancho do mesmo jeito, esses dias pra tráis acho que faz uns dois méis eu não tava

muito boa né fiquei em casa pra consulta daí consultei daí o médico me deu uma declaração...

Aquele dia trabalhei mas quando foi no outro dia eu fiquei em casa, fiquei de gancho e sendo que

estava doente”...

Para as refeições, os trabalhadores têm geralmente uma hora, sendo feitas

entre as 11 e as 12 horas, se for

na diária. Já no corte de cana por

produção, cada um escolhe o seu

horário.

Na hora do almoço, cada

um almoça onde melhor lhe

convir, podendo ser debaixo do

toldo do ônibus, em umas mesas

e cadeiras. Este espaço é muito

pequeno não comportam a todos.

Por vezes, eles preferem almoçar

no próprio eito, sentado em cima

da garrafa de água.

Quando eles vão cortando

as canas, arrastam também o

embornal de comida e a garrafa

de água para não ficar muito

Ônibus com toldo.

Bolsa de alimentos e garrafa d’água exposto ao sol.

17

distante e não perder tempo para ir buscá-los. Também não há no ambiente de

trabalho local adequados para guardar as marmitas, garrafas de água e café, o que

leva muitas vezes a deterioração dos alimentos, já que ficam muitas vezes expostos

ao sol.

Cristina disse em sua entrevista que muitos deles levam guarda chuva,

porque muitas vezes chove e o motorista sai, e eles abrem o guarda chuva para se

proteger da chuva.

Quando não dá para cortar cana ou quando termina a colheita os

trabalhadores vão fazer outros serviços como carpir ou replantar as canas que não

nasceram, daí recebe por diária. Eles pagavam, em 2007, pela diária em torno de

R$13,66, segundo o depoimento de Clarice.

Segundo a Folha de Londrina (26/09/2007), no Noroeste do Estado,

encontram-se cortadores de cana com jornadas exaustivas, equipamentos

ultrapassados (velhos sem condições de uso), baixos salários, falta de cumprimento

das leis trabalhista. Como se tudo isso não bastasse, eles se queixam também de

maus tratos, humilhação e até mesmo exploração por parte dos patrões.

A partir da década de 1990 houve um grande aumento da produtividade do

trabalho. Para garantir seus empregos, os cortadores de cana precisavam cortar no

mínimo 10 toneladas de cana por dia, aumentando a média de cana cortada para 12

toneladas por dia. Na usina Sabaralcool, eles “aceitam” se cortar um pouco menos

(8 toneladas) dessa quantia. Porém, abaixo desta quantia, os trabalhadores não

recebem a cesta básica que é dada mensalmente. Só recebe quem corta mais de

oito toneladas/dia, como podemos verificar no depoimento de Paulo

“Esse ano corto em torno de sete e oito toneladas de cana por dia, esse ano caiu 100% né

em relação ao ano passado, que cortava 18 a 20 toneladas. Agora esse ano eles tão dando uma

cesta básica, alguns não recebe a cesta porque a maioria não consegue atingir a tonelada”.

A Isto é (28/03/2007), afirma que a situação desses cortadores de cana

podia se agravar a partir daquele ano (2007), porque começa a ser colhido um novo

tipo de cana, mais leve por ter sido geneticamente modificado. Além de pesar menos

- pois elimina bastante a água -, esse tipo de cana concentra uma maior quantidade

18

de sacarose (açúcar). Tudo ótimo, menos para o trabalhador, que precisa cortar 100

metros de cana para produzir dez toneladas e por causa da novidade transgênica

precisará cortar o triplo para produzir a mesma quantidade.

Os versos de Pedro Costa, publicados na Revista De Repente (maio de

2006), interpreta esta realidade de “sub-escravo”:

Os usineiros da cana Ostenta esta visão Política do lucro fácil Cultura da exploração Um pensamento arcaico Do tempo da escravidão O trabalhador do campo É mais do que explorado Dez toneladas por dia Pra manter registrado Quem não atingir este teto Já está desempregado Milhares de nordestinos Vivem estes empecilhos Num trabalho sub-escravo Seus olhos perderam os brilhos Acorda Brasil, acorda! Pra cuidar dos teus filhos...

Devido o trabalho árduo e exaustivo “cortadores de cana têm vida útil menor

que a dos escravos, já que o tempo de trabalho no setor é de cerca de 12 anos, diz

estudo; escravos chegavam a trabalhar até 20 anos”. (Folha de São Paulo, 2007)

Atualmente se verifica importantes avanços na qualidade do emprego nos

canaviais, como por exemplo: redução do trabalho infantil, aumento do nível de

formalidade, ganhos reais de salários, aumento de alguns benefícios. Mas, também

se constata problemas relacionados com a exploração e com o desrespeito aos

direitos trabalhistas.

Como foi exposto é impossível negar o quanto o trabalho do cortador de

cana é árduo e exaustivo. Ele fica exposto a todo tipo de intempéries e tem de

submeter a ritmos acelerados de trabalho uma vez que o ganho, geralmente, dá-se

por produção.

19

Mas a situação pior é a dos trabalhadores vindos de outros estados,

conhecidos como "Andorinhas" - porque “não são nem de cá e nem de lá”, deixam a

sua família em busca de emprego. Mas, muitos mal conseguem pagar as despesas

contraídas nos alojamentos. (Silva, 1990)

Segundo Thompson (1998, p. 287), “O trabalho mais árduo e prolongado de

todos era o da mulher do trabalhador na economia rural”. Principalmente se ela for

cortadora de cana, com jornada dupla, já que ao chegar em casa exausta, ainda tem

que cuidar das tarefas domésticas, dos filhos para depois se repousar e levantar no

outro dia para recomeçar tudo de novo.

Como define Maria A. de Moraes Silva, sobre o trabalho da mulher

“Agora, é obrigada a acumular a dupla jornada de trabalho,

transformando-se em dona de casa e ”bóia-fria”. Suas funções

na casa resumem-se às tarefas repetitivas de lavar, passar,

cozinhar”.

A entrevistada Alvina de 24 anos, é uma dessas trabalhadoras que acorda

de madrugada para arrumar a comida e as ferramentas para levar para a lavoura e

ainda tem que arrumar as crianças para deixar na casa da mulher que cuida deles

até a hora de ela levá-los para a creche, e ao retornar do trabalho vai buscar as

crianças na creche, só depois que vai tomar um banho e fazer as atividades

domésticas e depois descansar.

Verificamos nas visitas que foi feita nas residências desses trabalhadores

que as condições de vida da maioria são bem precárias, pois vivem em casa bem

simples, sem forro, só com contra piso, cobertas de telhas de amianto, com poucos

cômodos. Destas, algumas são próprias, financiados pelo BNH, outras são

alugadas, sem infra-estrutura.

Através das entrevistas com os trabalhadores observamos que a

alimentação, não é a ideal para repor os nutrientes perdidos durante o trabalho

devidos o grande esforço físico, pois o que ganham não dá para comprar carnes,

frutas e verdura diariamente, pois muito tem que pagar o aluguel que consome uma

20

boa parte do ganham. Se o trabalhador passar mal no canavial, geralmente ele é

socorrido pelo motorista do ônibus, porque não existe ambulância no canavial. O

motorista socorre e liga para a ambulância vir de encontro para levar o doente ou

ferido para o hospital.

No canavial, os

trabalhadores fazem as suas

higienes, muitas vezes, em

condições precárias. Em alguns

canaviais são montadas as barracas

sanitárias, que são tendas

desmontáveis, sustentadas por

hastes de alumínio ou ferro, fixadas

ao solo formando uma pirâmide

revestida de lona plástica. Depois

de montada é aberto no interior da barraca um buraco no chão, para que após cada

utilização seja jogado um pouco de cal virgem. No fim do dia a barraca é

desmontada pelo motorista do ônibus e a fossa vedada. Há também uma pia com

uma torneira para lavar as mãos.

O TRABALHO DOS PLANTADORES DE CANA E MOTORISTA DE ÔNIBUS

Pia e barraca sanitária.

Vaso sanitário.

21

Formalizar uma relação de trabalho não é tarefa fácil para o trabalhador

bóia-fria. Normalmente, ele precisa contar com a presença e atuação de outra

pessoa, bastante conhecida e atuante nas relações de trabalho dos bóias-frias,

sendo denominado de gato, agenciador, coordenador, que assume

responsabilidades pelos serviços que deverão ser desempenhados e pelo

arregimentamento de turmas de trabalhadores, pois tem conhecimentos da cidade e

sabe onde encontrar mão de obra, uma vez que já tenham experiência com o

trabalho no meio rural. Como podemos observar no depoimento do seu João de 74

anos, hoje aposentado.

“O serviço da roça era pouco, pois o sítio eras pequeno pra mim e os meus filhos, que

nessa época moravam comigo, então os meninos sempre cuidava da roça, eu trabalhava com o

caminhão na usina, como agenciador dos bóias-frias pra leva pra corta cana”.

O mediador assumia o papel intermediário entre patrão e empregado.

Sobre o surgimento desse mediador, consta no estudo de Moraes e Silva,

que:

“... [Ele] deve ser entendido nos contextos da circulação da

força de trabalho, da eficácia da lei como instrumento de

negação do trabalhador e do mascaramento das relações entre

patrões e empregados”. (Mores e Silva, 1999, p.114)

Com o passar do tempo esse mediador foi substituído por um coordenador

de turma, que nada mais é que um “gato”, pois é encarregado de desempenhar as

mesmas funções. (Carmo, 2006, p.146)

Geralmente estas pessoas são também donas do transporte dos

trabalhadores.

Além de arregimentar os trabalhadores e levá-los ao trabalho, também

socorriam em caso de acidentes, encaminhavam ao escritório para fins de registro e

efetuava o pagamento. A esse respeito disse seu João:

22

“Quando chega nos canavial as pessoas ia trabaia eu ia administra o povo... (...) fica

administrando pra pode faze o serviço bem feito né, a tarde os fiscal media a cana cortada... (...) a

usina pagava pra mim, e eu fazia o pagamento pra os bóia-fria, eles recebia por metro, era tudo de

empreita...”

No início o transporte era feito com caminhão, coberto por um toldo

(obrigatório pela legislação), com vários bancos de madeira para os trabalhadores

sentarem. O problema pior para o motorista era nos carreadores que tinha que ir

com muito cuidado, para não tombar o caminhão, com cerca de 90 pessoas, porque

se isso ocorresse podia ser fatal, com mortes de muitos trabalhadores, como se tem

notícias em jornais sobre acidentes com caminhões de trabalhadores rurais.

Nessa época, a exploração dos trabalhadores é avaliada por eles como

sendo pior do que nos dia de hoje. Seu João disse em depoimento que não tinha

hora certa para vir embora, muitas vezes tinham que terminar um talhão, para no dia

seguinte ir pra outro lugar. Certas vezes, o trabalho era concluído quando já era

noite e o motorista ligava o farol do caminhão para terminar.

Seu João relata em seu depoimento que ele ganhava por comissão, 8% do

que a turma cortava, e as despesas do caminhão eram por sua conta. E que

naquela época os cortadores não tinham proteção, nem o facão a usina fornecia

tudo era por conta do trabalhador.

Com o tempo, após muitos acidentes com mortes e mobilização dos

trabalhadores se manifestando contra isso, a lei proibiu o uso do transporte dos

trabalhadores em caminhão, passando para o ônibus, melhorando um pouco a

qualidade de transporte para os trabalhadores.

Seu Sebastião de 50 anos, afirma em seu depoimento que recebia o seu

pagamento por mês, mas que tem mês que a usina atrasava o pagamento, depois

foi terceirizado, daí foi bem melhor, porque ganhava mais. A usina fornece o diesel,

e ele recebe 18% da produção dos trabalhadores, mas a manutenção do ônibus é

pago por ele, por isso sobra pouco.

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A vida desses motoristas não é nada fácil. Como não são empregados da

usina, se ficar doentes tem que pagar outro motorista para levar os trabalhadores,

não tem carteira assinada, nem férias e nem 13º salário.

Chegando ao canavial armam o toldo, abre uma fossa no chão para servir

de privada, instala a barraca sanitária, a torneira para a higiene pessoal e no final do

dia desmonta tudo e veda a fossa.

Trabalhar como motorista é cansativo, mas é melhor do que muitos outros

serviços. Como aponta seu Sebastião:

“Acho esse serviço cansativo né, mas é razoável, melhor do que ir carpi trabalhar com

trato”.

O trabalho dos plantadores de cana são tão árduos e exaustivos quanto o

dos cortadores de cana que levantam e pegam no serviço no mesmo horário.

Neste serviço, há uma divisão de trabalho: para cada caminhão são quatro

jogadores e passam o dia todo em cima de um caminhão jogando as canas; quatro

plantadores, que geralmente são mulheres, jogam as canas nos sulcos; quatro

picadores ficam no chão picando as canas dentro dos sulcos; também tem um

bombeiro para servir água para as pessoas. Como aponta Edmar de 38 anos, um

picador de cana em seu depoimento:

“São quatro pessoa em cima do caminhão jogando cana inteira, joga dois dum lado e dois

do outro, o caminhão vai na frente, ele vai jogando a cana para as plantadeiras que coloca dentro do

suco, e a gente vai só picando dentro do suco com um facão, picamos duas ou três cana de uma só

vez, com uma só batida de facão”.

Eles plantam quatro a seis ruas de uma vez, o caminhão fica no meio das

ruas para facilitar na hora de jogar as canas dos dois lados, logo atrás vem um trator

jogando terra para cobrir as canas, se ficar ponta sem tampar vem algumas pessoas

com uma enxada para terminar a cobertura. Segundo Edmar esse processo é feito

de fevereiro a final de novembro, já nos meses de dezembro e janeiro e feito a

24

replanta e a carpa ou então em época de seca quando a terra fica muito dura e não

dá para plantar.

Segundo Vanderlei de 32 anos, ficar em cima do caminhão jogando cana no

chão é muito cansativo, é muito arriscado, porque às vezes o caminhão tomba e

quando começa a tombar eles tem que sair pulando, para não ir junto com o

caminhão ou cair embaixo dele.

Esses trabalhadores têm carteiras assinadas, mas o salário não é fixo,

dependendo da produção e recebendo por metro quadrado de cana plantada, que é

medido por um fiscal no final do dia com um compasso de dois metros. Os jogadores

recebem mais do que os outros trabalhadores, mas quando é para replantar ou

carpir recebem por diária, sendo aproximadamente R$13,00 na época da entrevista.

Indaguei a Eliane a nossa entrevistada se a usina não possui máquina que

faz esse tipo de serviço? Ela respondeu:

“Sim, tem uma máquina que planta a cana, mas ela é mais lerda doas pessoas plantando,

ela só planta na terra plana, fica umas quatro pessoas em cima da máquina uns tira a palha da cana

e outros coloca a cana na máquina daí ela pica e planta, só que o ano passado foi usado pouco e

este ano ainda não foi usada”.

Eles reclamam de algumas dificuldades encontradas nesse tido de trabalho

como: jogador que não vence jogar a cana no lugar certo, e tem que buscar a cana

lá na frente para plantar atrás; trabalho curvado e rápido para acompanhar o

caminhão; muita poeira; muito perigoso, pois pode cair do caminhão; quando o

caminhão começa a tombar tem que pular dele. Sem contar as dores na coluna, nos

braços, nas pernas e as câimbras que são freqüentes.

É preciso desde já lutar contra este triste cenário, com coragem e

responsabilidade, pois não é possível aceitar que o mesmo setor que se faz líder de

produtividade de açúcar e álcool continue a ser líder de degradação ambiental e

precarização das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores da cana.

25

CONCLUSÃO:

O presente artigo analisou as condições de vida e de trabalho dos

trabalhadores canavieiros do município de Brasilândia do Sul-Pr no processo de

trabalho da cana-de-açúcar na usina Sabaralcool localizada no município de

Perobal. Os resultados obtidos mostram algumas alterações na qualidade do

emprego para os trabalhadores, principalmente no que diz respeito ao aumento de

nível de formalidade, aos ganhos reais, conquistas de alguns direitos, como férias,

décimo terceiro e outros. Além disso, não constatamos trabalho infantil.

Apesar disso, constatou-se problemas semelhantes aos enfrentados pelos

trabalhadores desde, pelo menos, o século XVIII.

É necessária a melhoria das condições de vida e de trabalho dos

trabalhadores de cana, para evitar que estes venham a adoecer e até mesmo morrer

por excesso de trabalho. Pois para garantir a sua remuneração, eles se esforçam

além dos limites físicos, causando acidentes, problemas de saúde e mutilações.

Para conseguir essa melhoria é necessário mudança no processo de trabalho e na

forma de pagamento por produção.

Em relação à mudança no processo do corte da cana, a substituição do

trabalho manual por trabalho mecanizado e o fim das queimadas precisam ser

acompanhadas de medidas que, pelo menos, permitam aos trabalhadores a

conquista de outros empregos. Dentre estas medidas, no âmbito das políticas

públicas, aponto escolarização e qualificação dos jovens cortadores de cana para

capacitá-los para os novos postos de trabalhos que surgem com a mecanização –

operadores de máquinas, tratoristas, mecânicos, motoristas e outros, e também a

criação de novos postos de trabalho fora do setor canavieiro.

Há que se reiterar, porém, que a política pública que mais gera trabalho e

renda é a da reforma agrária e assentamento de trabalhadores.

Até que essas políticas públicas e a mecanização completa da cana se

concretizam é preciso por fim ao processo por produção.

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É evidente que os usineiros se opõem ao fim do pagamento por produção,

como forma de eliminar os desgastes físicos, químicos, psíquicos e as mortes dos

trabalhadores.

Nesse contexto, cabe ainda uma investigação sobre a saúde desses

trabalhadores dos canaviais.

Este artigo poderá levar as mãos dos professores algumas sugestões,

análise e reflexões para transformar e enriquecer o ensino.

FONTES ORAIS

Cristina, 37 anos, natural de Brasilândia do Sul-PR, trabalha cortando cana.

Clarice, 28 anos, natural de Brasilândia do Sul-PR, trabalha cortando cana.

Alvina, 24 anos, natural de Iporã-PR, separada, trabalha cortando cana.

Paulo, 37 anos, natural de Assis Chateaubriand-PR, casado, trabalha cortando cana.

Francisco, 61 anos, aposentado, natural de Poremas-Paraiba, casado, trabalhou como cortador de cana.

Eliane, 28 anos, natural de Alto Piquiri-PR, solteira, trabalha plantando cana.

Edmar, 38 anos, natural de Paranavaí-PR, trabalha picando cana no sulco.

Vanderlei, 32 anos, natural de Brasilândia do Sul-PR, casado, trabalha jogando cana para plantar.

João, 74 anos, aposentado, natural de Grão Mogol- MG, amasiado, trabalhava como motorista de caminhão.

Sebastião, 50 anos, natural de Santo Expedito-SP, amasiado, trabalha como motorista de ônibus.

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